Muitos dos que se fazem intelectualmente débeis costumam versar que o estado condiz com a natureza do homem enquanto ente, o que há de implicar que a derrogação do estado configura substancialmente o suprassumo da negação da humanidade. Entretanto, é somente válida a defesa do que se dá contrariamente a isso.
O estado, senhores, rigorosamente no sentido de governança, condiz com o homem enquanto tal tão-só ao passo que mantém o curso natural do homem mesmo punitivamente à sua transgressão. Quando se fala, portanto, do estado enquanto ser, não se fala especificamente do estado que plana genericamente no âmbito espacial-temporal das coisas (p. ex., do brasileiro; americano; norueguês; etc.), mas da forma antinatural da existência de uma governança a qual vê-se funcionar apenas maleficamente – i. e., sempre desfavoravelmente ao bem – fundamentalmente em decorrência de assumir-se em contraposição ao modo pelo qual o homem se autorrealiza e a essa referida forma antinatural da existência de uma governança atribui-se o nome “Estado”.
Ora, quando a natureza do homem se vê contrariada (transgredida) é quando o mal do homem se vê miseravelmente em sua forma mais expressiva.
Ora, é inegavelmente axiomático o fato de que o homem tende naturalmente ao bem em função de ser, acima de tudo, um ente vivo (pessoal/vivente) o qual, por sê-lo incontestavelmente, opera biologicamente enquanto tal, ante a concretude do transcorrer diário da sua existência, somente segundo os ditames objetivos dos fatores que condicionam categoricamente a sua sobrevivência.
O bem do homem, enquanto entidade determinável biologicamente, assim, sempre concernirá à materialização da sua sobrevivência. Sempre será, por esse motivo, absolutamente inconcebível o homem que sobrevive como um leão, isto é, caçando zebras e dominando leoas, uma vez que o homem, por ser homem, somente sobreviverá segundo as determinações objetivas do modo através do qual a sua vivência vê-se reproduzida com sucesso. Ademais, determina-se economicamente em validade o seguinte: a sobrevivência humana é indissociável da sociabilidade humana, posto que a sociabilidade humana (e tudo o que se faz possivelmente resultante da mesma: comércio; composição de comunidades; divisão de trabalho; etc.) é inegavelmente imprescindível à sobrevivência do homem, de modo que a natureza, inexoravelmente mediante os meios seletivos que lhe são característicos e próprios, compele o homem espontaneamente à civilidade, à manifestação da sociabilidade humana em seu aspecto notoriamente social. Isto também se verifica demograficamente, pois, se todos os homens, por serem hipoteticamente não sociáveis, tivessem de competir uns com os outros a coleta de bens alimentícios unicamente por intermédio de atos ferozes (i. e., animalescos – antissociais), a comunidade humana muito provavelmente não alcançaria as suas proporções mundiais hodiernas. Já que, portanto, entende-se o bem do homem enquanto ser biológico rigorosamente como a sua própria sobrevivência, vendo-se esta inalteravelmente condicionada pela sociabilidade (civilidade) humana, averigua-se peremptoriamente que tudo o que se dá essencialmente em consonância com o social (natural), a face concreta da sociabilidade humana, há de se fazer imensuravelmente benevolente ao homem, o que implica que tudo o que se dá diretamente em oposição ao social [i. e., de maneira antinatural (ou seja, imposta, uma vez que “a imposição de algo será sempre a imposição de algo não natural, visto que, se fosse verdadeiramente natural, não haveria necessidade alguma de imposição”– acha-se em Da Liberdade Como o Princípio Primário da Ética: Aristóteles e a Ascensão da Política Apolítica)], é, objetivamente, malevolente. Assim, podemos dizer que, quando dado homem possui características comportamentais explicitamente antissociais, ele as possui apenas enquanto anomalias, posto que, por concernirem fundamentalmente a uma interdição da tendência natural humana à civilidade e ao social, hão de operar sempre desfavoravelmente à reprodução da existência biológica humana (ao sumo bem do homem enquanto entidade determinável biologicamente), o que implica que, em suma, o homem faz-se ontologicamente tendente ao social (cooperativo/voluntário) contrariamente ao antissocial (violento/lesivo/involuntário) por fatores evolucionários. Destarte, uma análise verdadeiramente acurada do bem humano deve dissociar categoricamente a essência humana da personalidade humana.
Como não se contesta que o homem é naturalmente tendente ao bem, frisa-se, por conseguinte, que os fatores originários da busca do homem do que é-lhe benévolo hão de alinhar-se à essência humana, comum a todo homem.
Além disso, pelo fato de o bem humano sempre apresentar-se manifestamente sob a forma do bem do homem tido em sua faceta particular (i. e., propriamente individual) e pelo fato de o homem ser, inequivocamente, subjetivo, não é-nos minusculamente cabível reduzir o bem do homem (noutras palavras, a felicidade humana) a uma forma supostamente objetiva, supostamente universal e supostamente ideal de felicidade, já que, em função de a felicidade do agente constituir substantivamente a satisfação dos seus fins e em função de os mesmos sempre se fazerem extremamente subjetivos por efeito da subjetividade do agente mesmo que os porta, determina-se que o conteúdo do bem do homem sempre ver-se-á incomensuravelmente diverso, embora os fatores originários da busca individual desse bem humano igualmente individual não se diversifiquem de forma alguma em razão da inalterabilidade (objetividade) da essência do homem, o agente que efetua tal busca.
Conseguintemente, é absolutamente impraticável ao direito enquanto tal determinar qual deve ser o conteúdo da felicidade de um homem.
Perante isto, podem afirmar alguns: “E se fosse intento de um homem lesar a vida de alguém? O direito descumpriria desgraçadamente o seu papel de prezar o bem-comum enquanto ético se permitisse a busca da “felicidade” de um moralmente pervertido, p. ex., de um assassino incorrigível!”, porém, embora seja definitivamente incontestável que o homem observa a sua felicidade notadamente na plena satisfação dos seus intentos, é antiético que estes se deem na transgressão do bem-comum contrariamente ao social (i. e., no antissocial), posto que, apesar de não poder-se determinar objetivamente o “ser feliz” de um homem em função da sua subjetividade, é indubitável que, a todo homem, absolutamente, o alcance do “ser feliz”, compreendendo em si o bem humano (o bem do homem), sempre se dará segundo as solicitações universalmente deriváveis da essência do agente que o proposita; e, desse modo, como é essencial ao homem enquanto ser rumar naturalmente ao seu bem (i. e., à sua felicidade), o alcance do “ser feliz” (o suprassumo do ético) se dá, a todo homem, somente no transcorrer do curso natural do ser humano. Como o bem-comum não é, portanto, objetivamente determinável em conteúdo por concernir ao bem de inúmeros indivíduos inegavelmente subjetivos, basta à Lei, para prezá-lo, preservar em primazia o fator condicionador do que é comum ao alcance da felicidade particular de todo homem: o agir natural humano, posto que o homem tende naturalmente ao bem, tanto segundo o pensamento tomista quanto segundo o aristotélico. Nesse sentido, à Lei é imperativo ser punitiva ao antinatural; e, como é inegavelmente natural ao homem ser social e sociável, tudo o que se dá apenas antissocialmente e não sociavelmente há de danar o bem-comum humano (o ético, em suma).
Quando se condena, assim, a coerção, não se fala de coerção pura e simplesmente, mas, essencialmente, daquela que, na sua forma antissocial (estatal), se faz impositiva (tributária) e, por conseguinte, antinatural. Por essa razão, o estado moderno é corretamente tido como maléfico e apolítico, visto que personifica o antissocial na sua forma de existência ao atuar antissocialmente (tributariamente – lesivamente à liberdade).