Da guerra como a antítese suma da prosperidade econômica

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A guerra da Ucrânia vem agravando consideravelmente a crise alimentar no mundo, já que grande parte dos estoques na Rússia e na Ucrânia estão bloqueados. Além disso, boa parte das plantações ucranianas foram atingidas pelos bombardeios.

O cerco de fronteiras realizado pela Rússia contrariamente ao comércio ucraniano intensifica dramaticamente a falta de alimentos, uma vez que as fazendas ucranianas estão impossibilitadas de exportar os seus grãos.

A evasão de trabalhadores dos campos de produção agrícola ucranianos causa na Ucrânia mesma um aumento da onerosidade da produção de alimentos, não apenas especificamente em função de o país estar numa situação de conflito militar mortal às vidas humanas ali existentes, mas também em função de a evasão da maioria dos trabalhadores ucranianos provocar um acrescimento brusco no custo da mão-de-obra camponesa, uma vez que a oferta de trabalhadores, nesse caso, decresce inumeravelmente em relação à demanda. Desse modo, como o custo da produção alimentícia aumenta, os alimentos ficam mais caros, já que aqueles produtores marginalmente menos produtivos se veem compelidos a cessar os seus negócios por não serem mais viáveis financeiramente.

Nessas condições, o padrão de vida da população diminui bastante, uma vez que uma quantidade menor de recursos será direcionada para a supressão de necessidades de caráter não rudimentar, isto é, a supressão de necessidades não diretamente relacionadas somente com a nutrição. A população, então, vê-se obrigada a lidar com uma diminuição das suas aquisições materiais na proporção do aumento do nível dos preços dos alimentos.

Quem se disporá a trabalhar num país sob o qual há um risco inegavelmente iminente de morte? As fazendas ucranianas, leitor, registram bombardeios russos destrutivos.

Sabe-se, afinal, que o trabalho possui valor à medida que o seu produto se faz valoroso, isto é, à medida que o trabalhador, no término do seu expediente, poderá ver-se habilitado ao gozo dos frutos do seu trabalho. Portanto, para haver trabalho produtivo, antes deve haver fundamentalmente uma garantia de que uma fruição material do valor dos bens advindos do trabalho será possível pragmaticamente. À vista disso, sob uma conjuntura evidentemente belicosa, como pode-se exigir do trabalhador ucraniano a sua disposição à agricultura uma vez que ele não possui perspectivas de gozo dos seus bens e sequer de vida? Honestamente, quem se disporá ao trabalho numa situação sob a qual quaisquer perspectivas de vida (e de usufruto de qualquer bem) são nulificadas pela tragédia de uma guerra entre dois estados?

Na Rússia impera uma lástima de igual teor. Por conta da instabilidade política e social ocasionada pela guerra, segundo a Universidade de Yale, pouco mais de 1.000 empresas suspenderam indefinidamente os seus negócios em território russo e cerca de 300 deixaram completamente o país, o que pontualmente implica num decrescimento significativo na produção e no comércio e num número de desempregados muito avantajado e crescente. Por exemplo, no início deste ano, a Nike havia anunciado oficialmente a interrupção temporária das suas negociações em zona territorial russa e, recentemente, em meados do mês de junho, anunciou a sua saída total do país, juntamente com HP, Starbucks, McDonald’s e outras 300 mais multinacionais.

Senhores, a massa de russos anteriormente empregada por essas empresas é a mesma que agora ocupa uma posição de ócio lastimável. Ora, diante de uma menor quantidade de ofertantes economicamente ativos, é correto prognosticar um aumento no preço dos bens, uma vez que a oferta cai consideravelmente com referência à demanda, o que provoca uma diminuição na qualidade de vida da população, já que, sendo obrigados a comprar roupas e lanches a preços comparativamente maiores, os russos disporão menos bens às suas demais aquisições. Perante, assim, um número progressivamente menor de demandantes efetivos, as empresas russas não estrangeiras se verão tragicamente compelidas a contrair as suas atividades produtivas, o que inevitavelmente as obrigará a dispensar a porção marginalmente menos produtiva dos seus funcionários, aumentando, por consequência, o número de desempregados e, também, diminuindo a parcela da população capaz de demandar bens, o que opera, dessa forma, reiniciando o ciclo da lástima econômica da Rússia.

Talvez na tentativa de manter alta a demanda e, consequentemente, promover a continuidade das atividades empresariais, o governo russo, nos últimos meses, flexibilizou enormemente a burocracia bancária relativa à retirada de crédito aumentando sem precedentes a oferta monetária. À vista disso, a agência de estatísticas Rosstat, em maio deste ano, publicou dados os quais apontavam que a inflação russa, no mês de abril, sofreu um aumento de 17,8% aproximadamente, registrando seu nível mais protuberante desde 2002. Em comparação com abril de 2021, os preços dos alimentos aumentaram 20,5% na Rússia. Entre os mais afetados estão produtos básicos: cereais (+35,5%), massas (+29,6%), manteiga (+26,1%), frutas e verduras (+33,0%).

Ora, é completamente prognosticável um aumento generalizado dos preços diante de um aumento da oferta monetária, pois, como a oferta monetária medra-se consideravelmente em relação à demanda monetária em função da facilidade forçada da captação de crédito, o valor de cada unidade monetária diminui, forçando, por conseguinte, os produtores a exigir um volume quantitativamente maior de unidades monetárias em troca dos seus bens, o que torna mais custosa a aquisição dos bens econômicos de modo geral.

Contudo, para continuar mantendo alta a demanda e, consequentemente, promover a continuação das atividades empresariais e a manutenção dos empregos que a consecução delas possibilita, o governo vê-se compelido a injetar ainda mais dinheiro na economia mediante juros baixos e créditos artificialmente expandidos para fazer com que a demanda não se refreie em razão dos aumento generalizado e crescente dos preços.

A expansão creditícia possui intrinsecamente um caráter progressivo e cíclico. Ora, como o indivíduo, nessas condições, invariavelmente percebe a redução progressiva do poder aquisitivo dos seus recursos monetários, ele naturalmente se verá compelido ao consumo exacerbado (corrosão de capital) em detrimento da poupança (acumulação de capital), uma vez que ele percebe que o poder de aquisição presente do dinheiro que possui será comparativamente maior que o seu poder de aquisição futuro. Por conseguinte, os antes poupadores visionários agora inevitavelmente se converterão em consumidores sagazes. Os bancos, então, registrarão uma escassez sem precedentes de recursos monetários em caixa, já que o número de depositantes ativos cai grandemente à medida que a inflação perdura, o que naturalmente compelirá os bancos a aumentar a taxa de juros na tentativa de frear a saída de crédito e garantir solvência.

Dessa forma, com taxas de juros mais altas, todos os demandantes que antes compravam unicamente mediante crédito artificialmente facilitado se verão agora dramaticamente obrigados a cessar parcialmente suas compras e, por consequência, todas as atividades empresariais impulsionadas por essa demanda artificialmente elevada agora se verão totalmente inviáveis. Assim, empresas falirão, o desemprego aumentará, o consumo reduzirá e o poder aquisitivo do dinheiro estará completamente estilhaçado.

Em suma, o sistema financeiro entrará em colapso, já que os bancos não poderão mais ceder crédito inescrupulosamente para estimular a demanda em razão da redução de depósitos ocasionada pela expectativa de desvalorização crescente da moeda, o que inevitavelmente os impelirá a aumentar a taxa de juros na tentativa de garantir solvência para com os depositantes barrando domesticamente a saída de meios monetários por crédito facilitado. Nessa ocasião, os bancos estarão insolventes em relação aos depositantes tanto quanto os consumidores e as empresas estarão em relação aos bancos, já que todo um conjunto de operações produtivas estava basilarmente pautado numa demanda artificialmente elevada por políticas de expansão monetária completamente inescrupulosas.

Inegavelmente, o colapso da economia russa ainda está por vir. O Banco Central russo, em maio, afinal, abaixou a taxa básica de juros de 14% para 11% e, em junho, de 11% para 9,5%, com a inflação apontando uma alta de 17% ainda em abril.

A Ucrânia comunga do mesmo impasse, porém está num estágio mais avançado dessa dinâmica.

A Ucrânia, em junho, elevou bastante sua taxa básica de juros (de 10% para 25%) visando contrabalancear uma expectativa inflacionária de dois dígitos (15%) e promover uma entrada minimamente constante de meios monetários.

Segundo a FAO, foi registrado em abril desse ano um aumento de 58% no preço dos grãos e dos alimentos no geral, já que Rússia e Ucrânia, juntos, costumavam produzir aproximadamente 30% do trigo e 17% do milho consumidos pelo mundo.

Eis as duas nações sofrendo o horror da guerra, a qual faz respingar no mundo o seu sangue fétido.

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