1. Construindo a Elite Dominante
O sistema do mercantilismo não precisava de uma grandiosa “teoria” para ser aplicado. Ele veio naturalmente para as castas dominantes em expansão. O rei, apoiado pela nobreza, favorecia altos gastos do governo, conquistas militares, e altos impostos para construir seu poder e riqueza comum e individual. O rei naturalmente favorecia alianças com nobres e com guildas e companhias cartelizadoras e monopolistas, por estas construírem seu poder político por meio de alianças e sua receita por meio de vendas e taxas dos beneficiários. Tampouco as companhias cartelizadoras precisam muito de uma teoria para se manifestarem a favor da aquisição de privilégios de monopólios. O subsídio à exportação, evitando importações, também não precisa de teoria; o aumento da oferta de dinheiro e de crédito aos reis, nobres ou a grupos de negócios favorecidos também não precisava. Nem mesmo o desejo dos mercantilistas de aumentar a oferta de ouro no país; esse fornecimento, com efeito, significava um aumento no fluxo de ouro nos cofres das companhias, dos nobres e das companhias exportadoras monopolistas. Afinal, quem não quer que a oferta de dinheiro nos seus bolsos aumente?
A teoria viria depois; a teoria viria para vender às massas iludidas a necessidade de benevolência de um novo sistema, ou para vender ao rei o esquema particular que estava sendo promovido pelos panfletários ou por seus confrères. A “teoria” mercantilista era um conjunto de fundamentos raciocínios destinados a sustentar ou a expandir interesses econômicos particulares protegidos por lei.
Muitos historiadores do século XX elogiaram os mercantilistas por suas preocupações proto-keynesianas pelo “pleno-emprego”, mostrando, assim, tendências alegadamente surpreendentemente modernas. Entretanto, deve ser enfatizado que a preocupação mercantilista por pleno-emprego dificilmente era humanitária. Do contrário, seu desejo seria erradicar a ociosidade e forçar o preguiçoso, ou o vagabundo ou os “brutos mendigos” a trabalhar. Em suma, para os mercantilistas, “pleno-emprego” implicava um franco corolário lógico: trabalho forçado. Assim, em 1545, os “brutos mendigos” de Paris eram forçados a trabalhar por longas horas, e, dois anos depois, “para tirar toda oportunidade de ociosidade aos saudáveis”, todas as mulheres capazes, mas sem vontade de trabalhar, eram chicoteadas e expulsas de Paris, enquanto todos os homens na mesma situação eram enviados para as galés como trabalho escravo.
A classe base desse horror mercantilista à ociosidade deve ser automaticamente notada. A nobreza e o clero, por exemplo, mal eram preocupados com suas próprias ociosidades; apenas a ociosidade das classes mais baixas deveria ser eliminada, pelos meios que fossem necessários. O mesmo se aplica aos mercadores privilegiados do terceiro estado. A desculpa velada era a necessidade de “aumentar a produtividade da nação”, mas essas classes constituíam a elite dominante, e esse fim forçado da ociosidade, seja nas obras públicas ou na produção privada, foi uma dádiva para os governantes. Não só aumentou a produção para benefícios desse grupo, mas também ocasionou uma queda dos salários por causa do aumento coercitivo da oferta de mão-de-obra.
Assim, na reunião dos estados Gerais, o órgão parlamentar da França, em 1576, todos os três estados se uniram em seu apelo ao trabalho forçado. Assim, na reunião dos estados gerais, o órgão parlamentar da França, em 1576, todos os três estados uniram-se em seu apelo ao trabalho forçado. O clero pediu que “nenhuma pessoa ociosa […] seja permitida ou tolerada”. O terceiro estado queria que os “brutos mendigos” fossem postos para trabalhar, açoitados ou exilados. Os nobres insistiam que “os brutos mendigos e desocupados” fossem forçados a trabalhar e açoitados caso se recusassem a obedecer.
A mesma assembleia geral fez seu apelo especial muito dolorosamente claro em matéria de tarifas protecionistas. Os estados exigiam a proibição das importações de todos os bens manufaturados e das exportações de todas as matérias-primas. O objetivo de ambas as medidas foi lançar um muro de proteção de monopólio em torno das manufaturas internas e forçar os produtores de matéria-prima a vender seus bens aos negócios internos por um preço artificialmente baixo. A desculpa de que tais medidas eram necessárias para “preservar o ouro” ou o dinheiro “em casa” parecia patentemente absurda para qualquer pessoa sã. Pois, se os consumidores franceses estavam impedidos de comprar importados para salvaguardar “seu ouro”, o que, de outro modo, teria acontecido? Havia realmente algum problema com os franceses enviarem todas as suas barras de ouro para o exterior e não guardarem nenhuma para si? Claramente, tal evento seria um absurdo, mas mesmo se acontecesse — no pior dos casos — há um limite máximo rígido e evidente para qualquer saída de ouro doméstico. Pois, onde estão os consumidores empenhados em novas importações para obter mais ouro? Claramente, somente ao exportar outros produtos para o exterior.
Consequentemente, o argumento de “manter o dinheiro em casa” é patentemente fraudulento, seja na França do século XVII ou no estados Unidos do século XX. A assembleia geral estava interessada em proteger certas francesas, ponto final.
O argumento de “manter o dinheiro em casa”, também era um porrete conveniente para bater nos negociantes ou financistas estrangeiros que pudessem superar os nativos. Assim, a perspectiva de banqueiros alemães e financistas italianos prosperando na França deu origem a paroxismos de furor com os “ganhos ilícitos” de estrangeiros, tirando dinheiro do país, fúria que foi naturalmente alimentada pela nítida “falácia de Montaigne” tipicamente mercantilista que dizia que o ganho de um homem (ou de uma nação) no mercado foi ipso facto a perda de outro homem (ou da nação). Esses franceses descontentes muitas vezes sugeriam que os financistas estrangeiros fossem expulsos do país, mas os reis costumavam estar muito atolados em dívidas para arcar com tal conselho.
2. O primeiro grande Mercantilista Francês: Barthelemy de Laffemas
O primeiro mercantilista francês notável foi Barthelemy de Laffemas (1545-1612), um filho inculto de uma família protestante muito pobre em Dauphine. Em toda sua vida ele foi servo de Henrique de Navarra, um pretendente protestante ao trono francês, ascendendo em 1582 ao exaltado posto de alfaiate honorário e criado de seu mestre. Quando Henrique de Navarra tornou-se rei Henrique IV, a fortuna de Laffemas foi feita, e ele se tornou em 1601 controlador-geral do comércio e chefe da Comissão de Comércio, para assim permanecer até a morte do rei. Como um cão devoto que morre pouco depois de seu dono, Laffemas, agora destituído de poder, morreu um ano depois que Henrique foi assassinado em 1610. Laffemas chama nossa atenção por causa das literalmente dezenas de panfletos execravelmente escritos que ele produziu durante suas décadas no poder, em nome do sistema mercantil que ele ajudava a implantar na França.
O ponto focal de Laffemas, seu critério para inúmeras políticas econômicas, foi se elas traziam ou não ouro para o reino. Mas observe que esse ponto de vista não precisa ser necessariamente interpretado como confiança estúpida no dinheiro como riqueza; pois, quando Laffemas escreveu que ouro e prata eram “os tendões e sustentação de reinos e monarquias […] a verdadeira matéria e substância a qual mantém o estado contra […] inimigos”, ele estava, é claro, bastante certo. Quanto mais dinheiro os reis podem acumular de seus súditos, mais ricos e poderosos eles se tornam. Não há nada de estranho ou falacioso nisso. A falácia existia — caso o argumento fosse levado a sério — para qualquer um que identificasse o interesse do rei com o de toda a sociedade francesa.
A única centelha de inteligência econômica aqui veio com o fato de que Laffemas foi um dos primeiros mercantilistas a aconselhar astutamente o rei a não proibir diretamente a exportação de ouro. Muito melhor, acreditava ele, permitir que o ouro entrasse e saísse livremente do país e, então, regulamentar estritamente o comércio e a indústria de tal forma que o ouro entrasse no país.
À parte disso, o conselho econômico de Laffemas era uma ladainha sombria: proibir todas as importações manufaturadas, proibir feiras que drenavam dinheiro do reino para as mãos de estrangeiros, forçar os comerciantes a comprar apenas matérias-primas no exterior e não manufaturados, proibir a exportação de matérias-primas. As guildas precisam ser revividas e usadas para regular todo o trabalho urbano e para manter a qualidade dos produtos; comitês de mestres devem supervisionar as guildas; um departamento de manufaturas deve supervisioná-los, e assim por diante, até a corte real.
Promovendo a costumeira hipocrisia mercantilista, Laffemas assegurou à agricultura que beneficiaria, não que sofreria, com o estabelecimento de manufaturas protegidas, uma vez que estas forneceriam um mercado interno para produtos agrícolas. Que esse seria um mercado interno altamente ineficiente e caro, Laffemas não se preocupou em acrescentar.
Todos os que se opunham às suas opiniões, de acordo com Laffemas, eram egoístas, ignorantes e/ou traidores e deveriam ser tratados de acordo. Todos os que desobedecerem às regulações e proibições deveriam sofrer o confisco de seus bens, bem como a morte.
Como a maior parte de seus confrères mercantilistas, Barthelemy de Laffemas era apaixonado pela ideia do pleno-emprego e da erradicação da ociosidade. Pleno-emprego, é claro, significava emprego forçado, e Laffemas exigia o fim da ociosidade, colocando o ocioso para trabalhar, e colocando os relutantes a serem forçados a isso na base de “correntes e prisões”. Tabernas e cabarés deveriam ser severamente restringidos, e os que fossem confirmados bêbados, deveriam ser presos e colocados no pelourinho.
O protecionismo começa ao tentar garantir a autossuficiência nacional em bens que podem ser feitos domesticamente, e então continua expandindo a definição do que realmente pode ser feito. Pois quando a lucratividade no mercado é abandonada como critério, consequentemente, praticamente todo bem a criado pode ser feito — com algum custo — domesticamente. Se os americanos quisessem, sem dúvida poderiam cultivar todas as bananas em estufas no Maine ou em Montana a um custo astronômico. Mas qual seria o ponto, à parte de subsídios para alguns privilegiados produtores de estufas?
Um dos projetos mais idiotas de Barthelemy de Laffemas, que como controlador geral ele fez o possível para colocar em prática, foi tornar a França autossuficiente em uma de suas importações de luxo favoritas: sedas. Muitos de seus panfletos e esforços práticos foram dedicados a alimentar uma enorme expansão da indústria francesa da seda, até então pequena e confinada ao sul da França.
Laffemas insistiu que o clima da França era ideal para surgimento de bichos-da-seda; qualquer crença contrária, qualquer conversa subversiva de que a França era muito fria e tempestuosa para o cultivo da seda, era apenas propaganda espalhada pelos “projetos malignos de certos mercadores franceses, varejistas de sedas estrangeiras”. Laffemas apontou desde seu próprio cultivo de seda bem-sucedido, para o plantio de amoreiras do rei Henrique (das quais os bichos-da-seda eram alimentados). Ele defendeu uma lei obrigando a todos os proprietários, incluindo o clero e os mosteiros, a plantar duas ou três amoreiras por acre. Ele pintou um belo quadro de enormes lucros que certamente fluiriam das amoreiras e da cultura da seda. Laffemas também alegou propriedades medicinais mágicas para as amoras: elas curariam dores de dente e problemas de estômago, aliviariam queimaduras, espantariam vermes e seriam um antídoto para venenos.
Mesmo que Laffemas tenha persuadido o rei a derramar centenas de milhares de livres para fomentar o crescimento de amoreiras e da cultura da seda, e o rei devidamente ordenou que cada diocese na França estabelecesse um viveiro de 50.000 amoreiras, o grande experimento da seda provou ser um fracasso abjeto. O clima da maior parte da França mostrou-se realmente inóspito, um produto da dura realidade e não da desinformação espalhada por importadores egoístas e traidores. A massa do clero francês compreensivelmente se arrastou ao ser repentinamente forçada a se tornar produtora de seda. A França continuou a ser uma grande importadora líquida de sedas.
O principal, senão único discípulo de Laffemas, foi seu filho Isaac. Na suave idade de 19 anos, o jovem Isaac de Laffemas (1587-1657), ansioso para se tornar o herdeiro de seu poderoso pai em todos os sentidos, publicou uma História do Comércio na França (1606). A História dificilmente foi uma obra memorável, distinguida principalmente pelos elogios bajuladores que ele esbanjou a seu pai e ao Rei Henrique, e na repetição servil das ideias vagas e placebos de seu pai. O tom dessa obra pode ser medido pelo fato de que Isaac elogiou Henrique IV como a fonte de tudo o que é bom na França. Dirigindo-se a Sua Majestade, o jovem Isaac escreveu que o céu “favoreceu meu pai ao deixá-lo viver durante seu reinado”.
Com a queda de seu pai em desgraça e sua morte subsequente, a carreira de Isaac como economista político chegou ao fim prematuramente, e ele terminou seus dias como um menor, mas fiel tenente do ministro-chefe, o cardeal Richelieu.
3. O primeiro “Colbert”: o duque de Sully
O que Jean-Baptiste Colbert seria na última metade do século XVII para Luís XIV, Maximilien de Bethune, Barão de Rosny, o duque de Sully (1560-1641) foi para Henrique IV. O jovem Bethune nasceu como um aristocrata huguenote, Barão de Rosny. Naturalmente, ele também gravitou em torno da corte de Henrique de Navarra, lutou e foi ferido durante as guerras religiosas. É característico de Rosny ter insistido com Henrique IV para que se tornasse católico para salvar seu trono, embora ele próprio se recusasse a fazê-lo.
O arrogante e implacável Rosny rapidamente se tornou o principal ministro de Henrique IV como superintendente das finanças, e por seus serviços foi nomeado por seu mestre, o duque de Sully. As próprias opiniões de Sully derivam de suas Memórias (1638), escritas na velhice como uma apologia brilhante de seu próprio mandato, pois Sully foi retirado à força para a vida privada após o assassinato de seu patrono real. Em suas Memórias, Sully afirma ter se oposto aos esquemas mais malucos de seu colega burocrata Laffemas. Assim, ele escreve longamente sobre sua oposição ao fiasco da seda de Laffemas. A seda não podia crescer facilmente no clima francês, ele advertiu, e também levaria os franceses ao luxo indevido.
É claro que Sully não era um mercantilista. É apenas que, ao invés de prosseguir com a loucura de alimentar as indústrias de luxo interno à força, como a indústria de seda, ele teria aprovado leis diretamente contra o consumo de luxo. Ele estava ansioso para proibir a exportação de ouro e prata diretamente, pagando taxas para si mesmo e para outras pessoas por descobrir os infratores da lei. Algumas de suas visões específicas, é claro, tal como a sobre o esquema da seda, podem ser uma reescrita da história para fazer com que ele pareça bem aos contemporâneos; afinal, nem Laffemas nem o rei Henrique estavam vivos para verificar suas lembranças. Outros podem ser simplesmente o produto de lutas internas burocráticas com seu colega czar econômico.
Um absolutista dedicado, que de fato fez muito para consolidar o absolutismo centralizado na França, o duque de Sully era basicamente um protecionista tanto quanto seu colega Laffemas, apesar da alegação de alguns historiadores de que Sully (e seu monarca) era algum tipo de “defensor das livres trocas”. O único caso significativo em que Sully se opôs a um esquema de proteção de Laffemas foi a proposta deste último de proibir todas as importações de têxteis. Mas aqui o motivo básico era sua lealdade à cidade de Lyon, o principal reduto protestante no sudeste da França, que teria sofrido muito com a proibição desse comércio. Ao longo de sua carreira, Sully lutou para manter a fortuna e os privilégios de Lyon.
4. O poeta excêntrico: Antoine de Montchrétien
Uma das personalidades mais bizarras da história do pensamento econômico foi o poeta e dramaturgo Antoine de Montchrétien (c. 1575-1621). Nascido em Falaise, na Normandia. Cresceu em uma família de classe média, seu pai provavelmente tendo sido um boticário. Ele foi para uma famosa escola em Caen e, aos 20 anos de idade, começou a escrever poesias e peças dramáticas, algumas das quais incluindo Hector e L’Ecossaise, que ainda são consideradas clássicos da literatura francesa. Aos 30 anos, Montchrétien envolveu-se num duelo escandaloso, e fugiu para a Inglaterra. Depois de viajar na Holanda, regressou a França em 1610 e se casou com uma rica viúva normanda, que financiou o seu início de negócio em ferragens, e assim montou uma fábrica em Ousonne-sur-Loire, onde produzia facas e foices.
Em 1615, aos 40 anos de idade, Antoine de Montchrétien publicou sua primeira e única obra sobre economia, o Traicté de l’Oeconomie Politique (Tratado de Economia Política). A única distinção desse livro foi o seu título, pois era a primeira vez na história em que o enunciado “economia política” apareceu. O Tratado é um relato vago e desorganizado dos recursos econômicos do país, e um apelo aos governantes gêmeos da França (o jovem rei Luís XIII e a sua Regente e Rainha Mãe, Maria de Medici) para impor a ordem, governar com uma “mão de ferro”, e avançar a grandeza do seu estado-nação, França. Como diz Charles Cole, o livro “baseia-se em grande parte na presunção implícita de que o controle e a direção da vida econômica do país é uma das principais funções do governo. E é um apelo por uma maior intervenção por parte dos governantes nos assuntos econômicos”.[1] Uma das passagens do livro iria transmitir seu espírito essencial: “Vossas Majestades possuem um grande estado, agradável em situação geográfica, abundante em riqueza, próspero em povos, poderoso em cidades boas e fortes, invencíveis em armas, triunfantes em glória”. Tudo o que a França precisa, opinou Montchrétien, é “ordem”: “A ordem é a enteléquia dos estados”.
A suposta necessidade de uma ordem imposta pelo estado estava ligada de forma clara no reflexo consciente de Montchrétien sobre a falácia de Montaigne: “Diz-se que ninguém nunca perde sem que outro ganhe. Isto é verdade, e é confirmado no domínio do comércio mais do que em qualquer outro lugar”.
Para Montchrétien, a Coroa Francesa, em particular, era suposta a regular e a incentivar a produção e o comércio, e especialmente os fabricantes, para que a França assim se tornasse autossustentável. Os bens e fabricantes estrangeiros devem ser expulsos da França. Os fabricantes holandeses de linho foram autorizados na época a operar na França; isso precisa ser findado. Os tecidos ingleses devem ser proibidos. A França deve ser tornada autossustentável em seda, afirmou Montchrétien, e alegou que o fiasco do subsídio de seda no reinado de Henrique IV só tinha surgido devido à falta de fé por parte dos ajudantes do monarca. Mais ainda, uma vez que “tudo o que é estrangeiro nos corrompe”, os livros estrangeiros deveriam ser proibidos, uma vez que “envenenam os nossos espíritos” e “corrompem as nossas condutas”.
Montchrétien também não negligenciou o seu próprio negócio de foices. Foi uma tragédia nacional, advertiu ele, que as foices alemãs estivessem vencendo a competição contra os produtos franceses, apesar de as foices francesas serem superiores. Interroga-se, então, por que razão os consumidores franceses eram suficientemente perversos para preferir o produto alemão — a menos que, é claro, o seu preço fosse mais baixo.
A ociosidade, segundo Montchrétien, era má e tinha de ser erradicada, se necessário pela força. O homem, para Montchrétien, nasce para viver em trabalho contínuo; a política do estado deve, portanto, ser a de garantir que nenhuma parte da população permaneça ociosa. As mãos ociosas são as mãos do diabo; a ociosidade corrompe a força dos homens e a castidade das mulheres. A ociosidade, em suma, é a mãe de todos os pecados. Os criminosos e os indisciplinados deveriam, portanto, ser obrigados a trabalhar. Quanto a tantos outros mercantilistas, o pleno-emprego para Montchrétien significava no fundo um emprego coagido.
O tema mais difundido na obra de Montchrétien foi o seu profundo e persistente ódio e repulsa em relação aos estrangeiros, e a seus produtos importados e em relação aos seus povos. Os estrangeiros, ele fulminou, “são sanguessugas que se ligam a este grande corpo [francês], sugam o seu melhor sangue, e se desfilam com ele, depois deixam a pele e desprendem-se”. Em suma, a França, “uma vez tão pura, tão limpa”, tinha sido transformada em “um porão, um esgoto, uma fossa para outros países”.
É impossível saber se Montchrétien esperava grandes coisas da monarquia francesa, mas em todo o caso nada aconteceu, e então começou a ordenar-se a si próprio na nobreza, chamando-se simplesmente “sieur de Vateville”. E apesar de ter insinuado em vários pontos do seu Tratado que era católico, e de ter declarado a sua adoração pela monarquia absoluta com frequência suficiente, no entanto, participou de um levante huguenote na Normandia em 1621, e foi morto em batalha. Quatro dias mais tarde, um tribunal judicial condenou o morto postumamente, arrastou, partiu e queimou o seu corpo, e depois espalhou as suas cinzas ao vento. Tal foi o castigo dado a Antoine de Montchrétien, pelos seus muito alardeados governantes absolutos.
5. O grandioso fracasso de François du Noyer
François Du Noyer, sieur de Saint-Martin, França, tinha um sonho. Era uma visão grandiosa do futuro. À sua volta, no início do século XVII, e em todas as grandes nações do Ocidente, o estado estava criando companhias de monopólio. Então por que não, argumentou Dunoyer, ir até ao fim? Se as companhias de monopólio para produtos específicos ou áreas específicas de comércio eram boas, por que não ir mais além? Porque não uma grande companhia, um gigantesco monopólio para praticamente tudo?
O rei Henrique IV ouviu com interesse os esquemas de du Noyer. Afinal, eram apenas conclusões lógicas de doutrinas e noções que estavam sempre no ar. Mas só em 1613 é que du Noyer elaborou seu plano em detalhe, e o apresentou perante o conselho de estado. Seria uma companhia enorme, com praticamente tudo incluso, com nome de Companhia Real Francesa do Santo Sepulcro de Jerusalém. A empresa, a ser chefiada pelo próprio du Noyer, era para ter ou um monopólio privilegiado, ou o direito de regular todas as outras firmas, em praticamente todos os ofícios. Assim, a Companhia Real devia fazer tecidos, e regular todas as outras manufaturas e preparações de todos os tipos de tecidos; controlar todos os aspectos da fabricação de vinho, e todos os mercadores e hotéis, ao comprarem vinho, teriam de investir certas somas na companhia com um baixo retorno fixo; realizar quatro feiras privilegiadas por ano em Paris; ter o monopólio de todos os cocheiros públicos; controlar todas as minas na França; obter gratuitamente várias terras desocupadas da Coroa e pedreiras abandonadas; escavar canais, erguer moinhos; ter o monopólio da venda de cartas de baralho; fazer munições; pedir emprestado e emprestar dinheiro; e numerosas outras atividades. Além disso, du Noyer faria com que a Companhia Real obtivesse poderes extraordinários da Coroa:
- ela teria o direito de confiscar mendigos e vagabundos e levá-los para as colônias francesas, as quais presumivelmente dirigiria;
- todos os criminosos condenados seriam sentenciados a trabalhos forçados para a companhia nas colônias;
- todos os falidos que tivessem conseguido poupar algum dinheiro de suas falências seriam forçados a investir essa quantia na companhia;
- todas as pessoas exiladas da França poderiam ser permitidas a regressar ao país, servindo ou pagando dinheiro à companhia;
- todos os que conduziam trocas maiores do que sua posição ou privilégios seriam forçados a se juntar à companhia;
- todos os documentos comerciais, quaisquer fossem eles, teriam de utilizar papel estampado que lhes seria vendido pela empresa.
O conselho de estado ficou impressionado com a visão de du Noyer e ordenou uma investigação do projeto. No ano seguinte, 1614, o plano da Companhia Real foi aprovado pela assembleia geral da França, e vários generais, almirantes e outros funcionários de alto nível juntaram-se no louvor. Du Noyer atingiu o auge da sua influência, sendo-lhe atribuído o antigo posto de controlador-geral de comércio de Laffemas. Parecia que o grandioso plano da Companhia Real seria de fato adaptado. Du Noyer elaborou o seu plano num panfleto que apresentou ao rei em 1615.
O rei, ou melhor, a regente, Maria de Medici, ficou impressionada, e em 1616 recriou a antiga Comissão de Comércio, anteriormente chefiada por Laffemas, com instruções para estudar em detalhes o projeto de du Noyer. A comissão reuniu-se e, no ano seguinte, aprovou o plano da Companhia Real, e ordenou que todas as pessoas exercendo comércio fossem obrigadas a investir o seu dinheiro exclusivamente nela. Em suma, a Companhia Real seria a companhia monopolista para acabar com todas as companhias. Entretanto, o encantado du Noyer, ao ver o seu acarinhado esquema próximo da fruição, publicou um panfleto mais longo sobre o plano, impondo a sua grande companhia única sobre a França. Tal como o rei, a Companhia Real seria única e universal, e o seu capital viria tanto de fontes privadas como reais.
O projeto da Companhia Real parecia continuar a se desenrolar aos trancos e barrancos, o conselho de estado garantindo seu apoio em 1618, e novamente em 1620, quando o próprio Rei Luís XIII deu a ela seu caloroso endosso. No início de 1621, clamores públicos por toda a Paris anunciaram a alardeada notícia de que a Companhia Real tinha sido formada, e que estava aberta para receber fundos para investimento.
O problema, porém, era o dinheiro. Ninguém parecia querer fornecer dinheiro real ou mesmo promessas para a nova empresa, por muito grandiloquentes e privilegiada que parecesse ser. O rei exortou todas as cidades na França a aderir, mas as cidades continuaram a recuar, alegando que não tinham fundos. Em desespero, o controlador-geral do comércio, du Noyer, reduziu a Companhia Real para se concentrar apenas no comércio com as Índias e com outras áreas ultramares. Finalmente, du Noyer reduziu ainda mais o âmbito do capital da sua amada companhia a apenas Paris e Bretanha. Mas mesmo os bretões provaram não estar interessados.
A chegada ao poder do Cardeal Richelieu como primeiro-ministro em 1624 pôs o esquema de du Noyer em suspensão. Mas, quatro anos depois, o projeto teve seu lançamento final. O rei ordenou a comissão de Comércio a agir e, na primavera de 1629, ela novamente aprovou o plano, dessa vez adicionando a seus grandiosos poderes o direito de fazer tratados com países estrangeiros, e de estabelecer ilhas coloniais para o comércio entreposto.
Após quase três décadas de planeamento e de lobbying, du Noyer precisava agora apenas da simples assinatura do Rei Luís para pôr em prática a sua visão hipertrofiada. Mas, por alguma razão, a assinatura real nunca chegou. Ninguém sabe bem o porquê. Talvez o poderoso Richelieu não quisesse que o esquema de um rival fosse aprovado. Ou talvez o rei estivesse ficando cansado do velho monomaníaco e do seu entusiasmo incansável. No entanto, as repetidas súplicas e as importunações só caíram em ouvidos surdos. A Companhia Real estava finalmente morta, natimorta, e a perda do velho du Noyer foi um ganho do povo francês.
6. Sob o governo dos cardeais, 1624–61
As décadas de 1620 a 1650 foram décadas de governo na França por dois cardeais muito seculares. O primeiro foi o austero, implacável, astuto e carismático Armand Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu (1585-1642). Um descendente de uma família antiga de menor nobreza em Poitou, o pai de Richelieu, François, tinha sido um favorito particular de Henrique III e de Henrique IV. Como resultado, o jovem Armand foi nomeado bispo de Luçon por Henrique IV em 1606. Oito anos mais tarde, Richelieu atraiu a atenção da rainha mãe, Maria de Medici, e tornou-se conselheiro principal em seu exílio. Foi nomeado cardeal em 1622, e tornou-se primeiro-ministro em 1624, para permanecer assim até à sua morte 20 anos mais tarde.
O principal interesse de Richelieu foi a sua participação na Guerra dos Trinta Anos (1618-48), que devastou a Alemanha durante décadas por vir. Essa guerra simbolizou uma mudança fundamental nas guerras europeias, dos conflitos estritamente religiosos do século anterior para as ambições políticas de estado-nação do século XVII. Assim, Richelieu, o pelo menos nominalmente católico (embora politique), cardeal de um país católico, viu-se à frente de uma coligação europeia largamente protestante contra os Habsburgos católicos da Áustria e da Espanha.
As visões teóricas do cardeal foram expostas em dois livros escritos perto do fim da sua vida, as suas Memórias do Reino de Luís XIII e os seus Testamentos Políticos. Embora o seu maior interesse prático não tivesse sido assuntos domésticos ou econômicos, ele ajudou a construir o absolutismo do estado francês. Em suas obras, repetiu o habitual ponto de vista mercantilista absolutista da França de sua era. A França deveria ser autossuficiente em todas as coisas, a marinha e a marinha mercante erguidas, monopólios concedidos, ociosos postos para trabalhar ou trancados em instituições, e o consumo luxuoso é proibido.
Uma nova variante interessante foi a atitude franca de Richelieu em relação à massa de franceses como simples animais a serem picados ou coagidos de modos que eram ótimas para o estado francês. Assim, os impostos não deveriam ser tão elevados de modo que comércio e indústria fossem desencorajados, mas também não devem ser tão baixos de modo a deixar o público demasiado abastado. Pois se as pessoas estivessem demasiado confortáveis e complacentes, seria impossível “contê-las nas regras de seus deveres”. Richelieu acrescentou o comentário revelador de que “É necessário compará-los [o povo] a mulas, que, estando habituadas aos fardos, são estragados por um longo descanso mais do que pelo trabalho”.
É evidente que, no percurso da promoção dos interesses do estado-nação e do seu monarca, Richelieu não negligenciou as suas próprias preocupações. Um receptor de uma modesta renda anual de 25.000 livres após sua entrada no posto de primeiro-ministro, no final de sua carreira no escritório, o Cardeal Richelieu estava ganhando cerca de 3 milhões de livres por ano. Aparentemente, o cardeal não teve problemas em servir ao enriquecimento de seu soberano e de si mesmo ao mesmo tempo.
O sucessor de Richelieu era um personagem fascinante, um siciliano cujo pai era um alto funcionário ligado à poderosa família Colonna. Jules Mazarin (1602-61) foi educado em Roma pelos jesuítas, e depois tornou-se um oficial da Igreja na Universidade de Alcalá, na Espanha. Regressando a Roma para ganhar o seu doutorado em direito, Mazarin era capitão de infantaria, e depois diplomata papal digno de nota. Foi feito um cânone da igreja sem nunca ter sido padre. Enquanto servia como núncio papal na França, ganhou o favor do grande Richelieu, que ofereceu a Mazarin um alto cargo oficial se ele se tornasse um cidadão francês naturalizado.
Não são muitos os homens que emigram, tornam-se cidadãos de outra terra (como Mazarin o fez em 1639), e depois se tornam primeiro-ministro daquele país apenas três anos mais tarde. Mazarin, no entanto, conseguiu essa proeza, tornando-se cardeal (ainda sem ser padre) em 1641, e sucedendo a Richelieu quando este último morreu um ano mais tarde. Mazarin foi suficientemente astuto para cortejar o favor da rainha, de modo que quando Luís XIII morreu no ano seguinte, e a rainha se tornou regente, Mazarin poderia continuar no seu poderoso posto. Exceto por um hiato de um ano ou dois, Mazarin continuou como primeiro-ministro até à sua morte em 1661.
Mazarin tinha muito menos interesse em assuntos econômicos do que o seu antecessor, e não era um teórico, dedicando-se em grande parte à diplomacia e à guerra. Ele não precisava de muita visão teórica, no entanto, para acumular uma fortuna no alto escritório que punha até o seu predecessor em posição envergonhável. No final do seu governo, ele tinha acumulado uma imensa fortuna pessoal de aproximadamente 50 milhões de livres.
Uma obra notável escrita durante o mandato de Mazarin foi escrito por um monge carmelita, Jean Éon, cujo nome religioso era Mathias de Saint-Jean (c. 1600-81). Éon nasceu em Saint-Malo, na Bretanha, e tornou-se um amigo e conselheiro do governador da Bretanha, um parente de Richelieu, Marshal de la Meilleraye. Éon tornou-se eventualmente carmelita provincial em Touraine, e recusou a oportunidade de se tornar procurador-geral dessa província.
Durante a vida de Eon na Bretanha, os comerciantes bretões ficaram interessados em fundar uma companhia comercial privilegiada, e, em 1641, um grupo de comerciantes, consultando a de la Meilleraye, elaborou planos para um grande empreendimento, centrado em Nantes, a ser chamado de Société de la Bourse Commune de Nantes. A companhia foi aprovada pelo conselho de estado em 1646, mas provocou um panfleto anônimo em oposição. Éon foi contratado pela cidade de Nantes, e encorajado por la Meilleraye a escrever um livro em defesa da companhia. O resultado foi o longo O Comércio Honorável ou Considerações Políticas (Le Commerce honorable ou considérations politiques) (Nantes, 1647). O livro foi dedicado ao amigo e patrono de Éon, la Meilleraye, a quem ele exaltou como herdeiro do manto de Richelieu da liderança econômica da nação.
O livro de Éon era uma compilação de doutrinas mercantilistas padrão e não necessita de ser examinada em seus pormenores aqui. Ele quase rivalizou com Montchrétien no seu ódio pelos estrangeiros, e em seu desejo de reduzir drasticamente as suas atividades em ou vender à França. Duas das suas contribuições pessoais e originais foram seus hinos ao mar, à navegação e à vida marítima, e o seu elogio à cidade de Nantes, a sua glória e a sua aptidão única para localizar uma companhia privilegiada.
7. Colbert e Luís XIV
Jean-Baptiste Colbert (1619-83) não era estudioso nem teórico, mas sabia com firme convicção quais as ideias de que gostava, e essas eram as noções mercantilistas que tinham se alastraram pelos ares na França e no resto da Europa durante gerações. A realização de Colbert, embora funcionando como o czar econômico do Rei Sol, foi pôr em prática esse compêndio de ideias mercantilistas em grande escala. Colbert estava convencido de que as ideias eram boas, justas e corretas, e acreditava fervorosamente que qualquer adversário estava completamente errado, ignorante ou tendencioso por motivos pessoais e súplicas especiais. Os seus adversários, tais como homens de negócios que preferiam competição ou livre troca, eram mesquinhos, míopes e egoístas; só ele, Jean-Baptiste Colbert, tinha no coração os interesses a longo prazo da nação e do estado-nação. Os mercadores, declarou repetidamente, eram homens pequenos apenas com “pequenos interesses privados”. Por exemplo, preferiram muitas vezes a liberdade de competir uns com os outros, enquanto que é do “interesse público” e do “bem do estado” assegurar que todos os produtos sejam uniformes em composição e qualidade. Colbert falava aqui, evidentemente, dos interesses conjuntos do estado, dos seus governantes e da burocracia, e dos cartelistas, cujos interesses privados estavam todos de fato em jogo. Mas embora o mito do “público” fosse, como habitualmente, uma máscara para determinados indivíduos e grupos, os seus interesses eram de fato muito mais grandiosos do que os dos “pequenos” comerciantes individuais.
As ideias mercantilistas de Colbert eram familiares: encorajar e manter as barras de ouro e de prata no país para que esses possam fluir para os cofres do estado; proibir a exportação de barras de ouro e de prata; cartelização através de padrões de qualidade elevados e obrigatórios; subsidiação das exportações; e restrição das importações até a França se tornar autossuficiente. As ideias de Colbert sobre tributação eram as de quase todos os ministros das finanças em toda a parte, exceto que foram expressas de forma mais clara e muito mais sincera: “A arte da tributação”, disse ele, “consiste em depenar o ganso para obter a maior quantidade de penas com a menor quantidade de grasnado”.
Ademais, que o enchimento dos cofres do rei e do estado era a simples razão pela outrora louca doutrina “bulionista” dos mercantilistas, pode ser visto nessa reveladora afirmação de Colbert ao rei: “A regra universal das finanças deve ser sempre observar, e usar toda cautela, e toda a autoridade de Vossa Majestade, para atrair dinheiro ao reino, para espalhá-lo para todas as províncias de modo a pagarem seus impostos”.
Tal como outros mercantilistas, Colbert abraçou calorosamente a “falácia de Montaigne” sobre as trocas. O comércio era guerra e conflito. A quantidade total de trocas no mundo, o número total de navios, a produção total de manufatura, era fixo. Uma nação só poderia melhorar o seu comércio, ou expedição ou manufatura, privando algum outro país desse quantum fixo. O ganho de uma nação deve ser a perda de outra. Colbert glorificou o fato de o comércio francês estar crescendo, alegadamente às custas da miséria infligida a outras nações. Como Colbert escreveu ao Rei Luís XIV em 1669, “Este estado está florescendo não só em si mesmo, mas também pela carência que tem infligido a todos os estados vizinhos”.
Na realidade, o comércio e a conquista não são semelhantes, mas são diametralmente opostos. Cada parte em cada troca se beneficia, quer seja a troca entre nativos do mesmo país ou de diferentes países. As fronteiras políticas não têm nada a ver com os ganhos econômicos do comércio e dos mercados. Em troca, o ganho de um homem só é conseguido contribuindo para o ganho de outra pessoa; tal como ambas “nações” (i.e., pessoas que vivem em certos países ou qualquer outra área geográfica) se beneficiam mutuamente do comércio entre eles. As teorias de Colbert, no entanto, adequavam-se com profunda hostilidade em relação a todos os estrangeiros, particularmente nações tão prósperas como a Inglaterra e a Holanda.
Tal como outros mercantilistas, Colbert detestava a ociosidade dos outros, e procurava forçá-los a trabalhar para a nação e o estado. Todos os vagabundos devem ser expulsos do país ou submetidos a trabalhos forçados como escravos de galé. As férias deveriam ser reduzidas, para que as pessoas trabalhassem mais arduamente.
Colbert foi incomum entre os mercantilistas ao dar especial atenção a colocar a vida intelectual e artística da nação sob controle estatal. O objetivo era garantir que a arte e o intelecto servissem para glorificar o rei e as suas obras. Uma enorme quantidade de dinheiro foi derramada em palácios e chateaux para o rei, o mais poderoso dos quais foi aproximadamente 40 milhões de livres no grande e isolado palácio de Versalhes. Durante o mandato de Colbert, cerca de 80 milhões de livres foram gastos em edificações da realeza. Além disso, Colbert mobilizou artistas e intelectuais para academias, e apoiou-os através de subsídios e projetos governamentais. A Academia Francesa, criada pouco antes como um grupo semiprivado não influente, foi nacionalizado por Colbert e colocado a cargo da língua Francesa. A Academia de Pintura e Escultura, fundada sob Mazarin e dotada de um monopólio legal de instrução artística, foi reforçada por Colbert, que impôs normas rigorosas a esses artistas para que o seu trabalho fosse adequado e ordeiro e sempre a serviço do rei. Colbert fundou uma academia de arquitetura para trabalhar em edifícios da realeza e para inculcar os princípios arquitetônicos adequados.
Nem a música nem o teatro estavam a salvo da regra geral de Colbert. Colbert preferiu a forma da ópera Italiana ao ballet francês, e assim condenou este último ao benefício da importação Italiana. Em 1659, o Abade Perrin produziu a primeira ópera francesa, e assim, uma década mais tarde, Colbert conferiu ao abade o monopólio de todos os direitos de apresentar espetáculos musicais. Perrin, porém, era um gerente deficiente, e foi à falência. Enquanto estava na prisão de um devedor, Perrin vendeu o seu direito de monopólio a Jean-Baptiste Lully, um músico e compositor italiano. Foi dado a Lully o direito de formar a Academia Real de Música, e a permissão de Lully foi necessária para qualquer outra apresentação musical com mais de dois instrumentos.
Similarmente, Colbert criou um monopólio teatral. Em 1673, ele forçou dois teatros existentes a unirem-se: quando uma terceira trupe foi mais tarde obrigada a juntar-se a eles, a Comédie française foi, desse modo, formada em 1680. A Comédie française recebeu o monopólio de todos os espetáculos dramáticos em Paris, foi sujeita a uma regulamentação e controle rigorosos por parte do estado, e auxiliada por fundos estatais.
Com a regulamentação e o monopólio vieram o subsídio e a subvenção. Pensões, subsídios, nomeações não comparecidas como camareiro do rei, nomeações lucrativas como artistas para o rei, isenções de impostos ou isenções da ira dos emprestadores, tudo derramado nas artes. Do mesmo modo para o teatro, para escritores, cientistas, historiadores, filósofos, matemáticos e ensaístas. Todo o tipo de grandeza lhes foi derramado através do canal estatal. Foi uma subvenção que envergonhou qualquer dotação nacional contemporânea para a fundação das humanidades ou da ciência nacional. O derrame subverteu verdadeiramente qualquer tipo de espírito de independência que os intelectuais franceses pudessem ter alcançado. A mente de toda uma nação fora corrompida a serviço do estado.
Que tipo de homem era esse, então, esse grande burocrata que desdenhava os interesses de meros indivíduos e mercadores enquanto mesquinhos e tacanhos, que presumia falar e agir sempre em prol do interesse “nacional” e até do interesse “público”? Jean-Baptiste Colbert nasceu em Reims, no seio de uma família de comerciantes. O seu pai, Nicolas, comprou um pequeno escritório governamental em Paris; o seu tio mais influente, Odart Colbert, era um mercador-banqueiro de sucesso. Jean-Baptiste era um jovem inculto, mas o seu tio conhecia um banqueiro pelo Cardeal Mazarin. Mais importante ainda, um dos filhos de Odart se casou com a irmã de um importante funcionário do governo, Michel Le Tellier. O tio Odart arranjou ao jovem Colbert um emprego para Le Tellier, que tinha acabado de ser nomeado para o cargo de secretário de estado para os assuntos militares. O serviço vitalício de Jean-Baptiste na alta burocracia francesa tinha começado. Após sete anos nesse posto, Colbert se casou com Marie Charon, após ter obtido para o seu pai, um rico funcionário de finanças, uma importante isenção de impostos.
Logo Colbert tornou-se conselheiro de estado, e depois um dos principais ajudantes do Cardeal Mazarin. Logo após a morte de Mazarin, Colbert ergueu-se para se tornar praticamente czar econômico de Luís XIV, mantendo esse status até sua morte.
Frio, sem humor, duro e implacável, “um homem de mármore” como foi chamado por um contemporâneo, Jean-Baptiste Colbert, teve ainda a astúcia de se dedicar a uma adulação sem limites e a um serviço pessoal humilhante ao seu patrono real. Assim, Colbert escreveu a Luís por ocasião de uma vitória militar: “É preciso, Majestade, permanecer em silêncio maravilhado, e agradecer a Deus todos os dias por nos ter causado o nascimento no reinado de um rei como Vossa Majestade”. E nenhum serviço ao Rei Sol era humilhante. Colbert procurou os cisnes desaparecidos do rei, forneceu a Luís as suas laranjas favoritas, providenciou o nascimento dos filhos ilegítimos do rei, e comprou joias para amantes em nome do rei. A filosofia pessoal de Colbert foi melhor resumida nos seus conselhos ao seu amado filho, Seignelay, sobre como progredir no mundo. Disse ao seu filho que “o fim principal que ele deve estabelecer é fazer-se agradável ao rei, ele deve trabalhar com grande diligência, durante toda a sua vida para saber bem o que pode ser agradável a Vossa Majestade”.
Colbert foi bem recompensado pela sua vida de trabalho árduo e de bajulação abjeta ao serviço do rei. Aparentemente, apenas os interesses dos mercadores e dos cidadãos individuais eram diminutos e “mesquinhos”. Colbert teve pouca dificuldade em identificar a lucrativa plumagem do seu próprio nicho com o “interesse público”, a glória nacional, e o bem comum. Um fluxo de escritórios, beneficiários, pensões e bolsas de estudo, que se espalham pelos seus cofres do sempre grato rei. Além disso, Colbert recebeu bônus especiais ou “gratificações” do rei; assim, numa ordem, em fevereiro de 1679, Colbert recebeu uma gratificação de nada menos que 400.000 livres. A soma total derramada nos cofres de Colbert foi imensa, incluindo terras, e subornos para subsídios e isenções de agradecidos lobistas e interesses econômicos. No total, ele acumulou pelo menos 10 milhões de livres, notáveis é claro, mas não a enorme extensão de suborno do Cardeal Mazarin como primeiro-ministro.
Colbert também se saiu extremamente bem com a sua extensa família. Irmãos, primos, filhos e filhas de Colbert foram regados com favores, e tornaram-se bispos, embaixadores, comandantes militares, intendants, e abades de conventos importantes. A família Colbert saiu-se certamente bem ao fazer “bem” em nome do soberano e do “interesse público” da França.
Após a morte de Colbert em 1683, os seus sucessores sob Luís XIV desenvolveram e reforçaram a política de Colbertisme. As tarifas de proteção foram grandemente aumentadas, as importações de várias mercadorias limitadas a portos específicos, os regulamentos de qualidade reforçados, e as inovações mancaram para a proteção do status quo industrial e ocupacional. O Colbertisme foi congelado na economia política Francesa.
8. Luís XIV: apogeu do absolutismo (1638-1714)
Pela sua parte, Luís XIV não teve problemas em encaixar o papel absolutista. Ainda mais do que Colbert, ele identificou totalmente o seu próprio interesse privado como monarca com os interesses do estado e com o “bem público”. Quer Luís proferisse ou não as famosas palavras que lhe foram frequentemente atribuídas, “Eu sou o estado”, ele certamente acreditava e agia sobre elas, tal como o seu pai Luís XIII antes dele, que tinha dito, “Não sou eu que falo, é o meu estado”. O estatismo implica logicamente que o estado é proprietário de todos os bens da terra, e que todos os que vivem ou utilizam tais bens o fazem apenas pelo sofrimento do “verdadeiro” proprietário. E Luís acreditava certamente que era o verdadeiro proprietário de todos os bens da França. Daí que a justiça fosse “a minha justiça”, e por isso reivindicava o direito inerente de tributar todos os seus súditos à sua vontade. E por que o proprietário, em verdade, se todos eles estivessem verdadeiramente existindo no seu reino apenas por causa dele, não teria o prazer de fazer isso?
Ademais, praticamente todos, mesmo os adversários do rei, acreditava que ele governava pela graça divina e pelo direito divino. Anteriormente, o Cardeal Richelieu tinha chamado aos reis as imagens de Deus. No início do reinado do Rei Sol, o propagandista da corte Daniel de Priézac, nos seus Discursos Políticos (1652, 1666), chamou à soberania monárquica “uma grande luz que nunca se põe”. Além disso, essa luz é um grande Mistério divino escondido dos meros mortais. Como disse De Priezac:
“a fonte da majestade dos reis é tão elevada, a sua essência tão escondida e a sua força tão divina que não deve parecer estranho que faça os homens reverenciarem sem lhes ser permitido compreendê-la, tal como acontece com as coisas celestiais.”[2]
Em contraste com os adoradores e devotos do santuário da quase divindade do rei, eram os céticos e pessimistas estilo Montaigne sobre a natureza humana que alimentavam à sua maneira o fluxo de panegíricos a Luís XIV. Num conjunto de três Discursos Céticos (1664), o cínico Samuel Sorbière, admirador e tradutor de Tomás Hobbes, denunciava as tendências bestiais e corruptas do homem moderno em pegar tudo para si e não ter sentido de bem comum. Mas existe, opina Sorbière, uma saída: submissão absoluta às ordens do rei (presumivelmente sobre-humano), para que a ordem seja estabelecida fora de um conflito perpétuo. Nessa submissão total, o povo encontrará o seu caminho de volta à simplicidade instintiva do estado de natureza que precede a sua entrada na sociedade civil. Como escreve o Professor Keohane sobre Sorbière: “como súditos de um déspota absoluto, viveriam muito da mesma maneira, argumenta, em serena simplicidade, totalmente dependentes do soberano para as suas vidas e fortunas, protegidos contra as invasões dos seus semelhantes, felizes na sua escravatura”.[3]
O rei Luís XIV foi capaz de combinar ambas as vertentes numa mistura de culto ao pensamento absolutista. Por um lado, como ele deixa claro nas suas Memórias privadas, escritas para a instrução do seu filho, a sua visão da natureza humana (pelo menos da natureza dos comuns mortais) era pessimista e maquiavélica. Os indivíduos são por natureza limitados, lutando sempre pelos seus próprios fins pessoais, e desatentos às razões pelas quais devem ser subordinados às ordens dos outros. O rei, por outro lado, é sobre-humano, um homem que está acima de tudo e vê tudo e é o único que trabalha para o bem “público”, que é idêntico ao seu próprio bem. E o Rei Sol também tomou para si um estatuto quase-divino; pois ele, Luís XIV, é como o Sol:
“o mais nobre de todos […] que, em virtude da sua singularidade, pelo brilho que o envolve, pela luz que transmite aos outros corpos celestes que parecem pagar-lhe a corte, pela sua igualitária e justa distribuição dessa mesma luz para todas as várias partes do mundo, pelo bem que ela faz em toda parte, produzindo constantemente vida, alegria, e atividade em todo por toda parte, pelo seu movimento perpétuo, mas sempre imperceptível, por nunca partir ou desviar-se do seu curso constante e invariável, seguramente faz uma imagem muito vívida e bela para um grande monarca.”
O Professor Keohane comenta justamente que Luís XIV “não se contenta em comparar-se com Deus; ele se compara de tal forma que é claro que é Deus quem o copia.”[4]
O auge do pensamento absolutista foi fornecido por Jacques-Benigne Bossuet (1627-1704), bispo de Meaux, teólogo da corte e teórico político sob Louis XIV. Todo o estado, opinou o bispo, “está na pessoa do príncipe […] Nele está a vontade de todo o povo”. Os reis identificam-se com o bem público, porque “Deus os elevou a uma condição em que já não têm nada a desejar para si próprios”. O absolutismo é necessário, afirmou Bossuet, porque quaisquer limites constitucionais do príncipe elevam o temido espectro da “anarquia”, do qual nada pode ser pior. Os únicos limites do poder do soberano devem ser aqueles que ele impõe a si próprio no seu próprio interesse, que deve ser idêntico ao interesse público sempre que o príncipe “considere o estado como sua posse, para ser cultivado e transmitido aos seus descendentes”.
Finalmente, Bossuet une rei e Deus, como se segue:
“A Majestade é a imagem da grandeza de Deus no príncipe. Deus é infinito, Deus é tudo. O príncipe, como príncipe, não deve ser considerado um homem individual: ele é a pessoa pública, todo o estado está incluído nele […] Tal como toda a perfeição e toda a virtude estão unidas em Deus, assim todo o poder dos indivíduos é reunido na pessoa do príncipe. Mas que grandeza, que um único homem possa conter tanto dela.”[5]
O pensamento político católico havia ido muito longe dos escolásticos espanhóis
_______________________________
Notas
[1] Charles Woolsey Cole, Colbert and a Century of French Mercantilism (1939, Hamden, Conn.: Archon Books, 1964), vol. I, p. 85.
[2] Citado em Nannerl O. Keohane, Philosophy and the State in France: The Renaissance to the Enlightenment (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1980), p. 241.
[3] Ibid., p. 244.
[4] Passagem das Memoirs citadas em Keohane, op. cit., nota 2, p. 251.
[5] Citado em Keohane, op. cit., nota 2, p. 252.