A origem do Banco Central foi deliberadamente envolta em mitos espalhados por apologistas pró-Banco Central. Diz a lenda oficial que a ideia de um Banco Central na América surgiu depois do Pânico de 1907, quando os bancos, atingidos pelo pânico financeiro, concluíram que uma reforma drástica, destacada pelo estabelecimento de um emprestador de última instância, era desesperadamente necessária.
Isso tudo é bobagem. O Pânico de 1907 forneceu uma forma conveniente de agitar o público e espalhar a propaganda pró-Banco Central. Na verdade, a agitação dos banqueiros por um Banco Central começou assim que a vitória de McKinley em 1896 sobre Bryan foi assegurada.
A segunda parte crucial da lenda oficial afirma que um Banco Central é necessário para conter a tendência infeliz dos bancos comerciais de superexpandir, tais booms dão origem a subsequentes quebras. Um Banco Central “imparcial”, por outro lado, movido como é pelo interesse público, poderia e iria restringir os bancos de sua tendência natural estreita e egoísta de obter lucros às custas do bem público. O fato gritante era de que eram os próprios banqueiros que estavam fazendo esse argumento para atestar sua nobreza e altruísmo.
Na verdade, como vimos, os bancos desejavam desesperadamente um Banco Central, não para impor barreiras à sua tendência natural de inflacionar, mas, pelo contrário, para permitir que inflacionassem e expandissem juntos sem incorrer nas penalidades da competição de mercado. Como emprestador de última instância, o Banco Central poderia permitir e incentivá-los a inflacionar quando, normalmente, teriam de contrair seus empréstimos para se salvar. Em suma, a verdadeira razão para a adoção do Banco Central e sua promoção pelos grandes bancos foi exatamente o oposto de suas motivações tão proclamadas. Em vez de criar uma instituição para conter seus próprios lucros em nome do interesse público, os bancos buscaram um Banco Central para aumentar seus lucros, permitindo-lhes inflacionar muito além dos limites estabelecidos pela competição de livre mercado.
Os banqueiros, porém, enfrentaram um grande problema de relações públicas. O que eles queriam era que o governo federal criasse e fizesse cumprir um cartel bancário por meio de um Banco Central. Ainda assim, eles enfrentaram um clima político que era hostil ao monopólio e à centralização e favorecia a livre competição. Eles também enfrentaram uma opinião pública hostil a Wall Street e ao que eles viam de maneira perceptiva, mas incipiente, como o “poder do dinheiro”. Os banqueiros também enfrentaram uma nação com uma longa tradição de oposição ao Banco Central. Como então, eles poderiam impor um Banco Central?
Importante perceber que o problema enfrentado pelos grandes banqueiros era apenas uma faceta de um problema maior. O capital financeiro, liderado mais uma vez e não por acaso pelo Banco Morgan, vinha tentando sem sucesso cartelizar a economia no livre mercado. Primeiro, nas décadas de 1860 e 1870, os Morgan, como os principais financiadores do primeiro grande negócio da América, as ferrovias; tentaram desesperada e repetidamente cartelizar as ferrovias: organizar “consórcios” de ferrovias para restringir o transporte de bens, distribuí-los entre si e aumentar as taxas de frete, de modo a aumentar os lucros na indústria ferroviária. Apesar da influência dos Morgan e da pronta disposição da maioria dos magnatas das ferrovias, as tentativas continuaram fracassando, destruídas sobre o alicerce da competição de mercado, à medida que ferrovias individuais trapacearam no acordo para obter lucros rápidos e novos capitais de risco construíram ferrovias concorrentes para aproveitar os altos preços do cartel. Finalmente, as ferrovias lideradas pelos Morgan recorreram ao governo federal para regulamentar as ferrovias e, assim, fazer cumprir o cartel que não poderiam alcançar no livre mercado. Daí a Interstate Commerce Commission, criada em 1887.[1]
Em geral, as firmas manufatureiras não se tornaram grandes o suficiente para serem incorporadas até a década de 1890, e naquele ponto os investimentos bancários financiando as corporações, novamente liderados pelos Morgan, organizaram uma grande série de fusões gigantes, cobrindo literalmente centenas de indústrias. As fusões evitariam o problema de trapaça por empresas individuais separadas, e as empresas monopolistas poderiam então proceder pacificamente para restringir a produção, aumentar os preços e aumentar os lucros de todas as empresas e acionistas fundidos. O poderoso movimento de fusão surgiu de 1898-1902. Infelizmente, mais uma vez, praticamente todas essas fusões foram um grande fracasso, não conseguindo estabelecer monopólios ou preços de monopólio e, em alguns casos, perdendo participações de mercado a partir de então até indo à falência. Mais uma vez, o problema era a entrada de novos capitais de risco na indústria e, armado com equipamentos de última geração, superando o cartel com um preço artificialmente alto. E mais uma vez, os interesses financeiros dos Morgan, unidos por outros grupos financeiros e de grandes negócios, decidiram que precisavam que o governo, em particular o governo federal, fosse seu substituto no estabelecimento e, melhor ainda, no cumprimento do cartel.[2]
A famosa Era Progressista, uma era de um Grande Salto para a Frente na regulamentação maciça de negócios pelo governo estadual e federal, que se estendeu aproximadamente de 1900 ou final de 1890 até a . A Era Progressista foi essencialmente submetida aos Morgan e seus aliados a fim de cartelizar os negócios e a indústria americanos, para assumir de forma mais eficaz onde os movimentos de cartéis e fusões não tiveram êxito. Deve ficar claro que o Sistema do Banco Central, estabelecido em 1913, era parte integrante desse movimento progressista: assim como os grandes frigoríficos conseguiram passar por uma custosa inspeção federal da carne em 1906, a fim de colocar custos terrivelmente altos sobre pequenos frigoríficos concorrentes, do mesmo modo que os grandes banqueiros cartelizariam o sistema bancário por meio do Sistema do Banco Central, sete anos depois.[3]
Assim como os grandes , ao tentarem constituir um Banco Central, tiveram de enfrentar uma opinião pública desconfiada de Wall Street e hostil ao Banco Central, também os financistas e industriais enfrentaram um público impregnado de tradição e ideologia de livre concorrência e hostilidade ao monopólio. Como eles poderiam fazer com que o público e os legisladores concordassem com a transformação fundamental da economia americana em direção a cartéis e monopólio?
A resposta foi a mesma nos dois casos: os grandes empresários e financistas deveriam aliar-se às classes formadoras de opinião da sociedade, para engendrar o consentimento do público por meio de astuta e persuasiva. As classes formadoras de opinião, nos séculos anteriores à igreja, mas agora constituída por pessoas da mídia, jornalistas, intelectuais, economistas e outros acadêmicos, profissionais, educadores, assim como ministros, tiveram de ser listados nesta causa. Por sua vez, os intelectuais e formadores de opinião estavam todos prontos demais para tal aliança. Em primeiro lugar, a maioria dos acadêmicos, economistas, historiadores, cientistas sociais, tinham ido para a Alemanha no final do século XIX para obter seu PhD, que ainda não estava sendo concedido amplamente nos Estados Unidos. Ali eles se impregnaram dos ideais do estatismo do Sistema Bismarckiano, do organicismo, do e do Estado moldando e governando a sociedade, com burocratas e outros planejadores governando benignamente sobre uma economia cartelizada em parceria com grandes empresas organizadas.
Havia também uma razão econômica mais direta para a ânsia dos intelectuais por esta nova coalizão estatista. No final do século XIX, houve uma enorme expansão e profissionalização dos diversos segmentos de intelectuais e tecnocratas. De repente, operários com ferramentas e matrizes tornaram-se engenheiros graduados; senhores com diplomas de bacharelado proliferaram em doutorados especializados; médicos, assistentes sociais, psiquiatras, todos esses grupos tinham se formado em sindicatos e associações profissionais. O que eles queriam do Estado era luxo, empregos e bolsas de prestígio (a) para ajudar a administrar e planejar o novo sistema estatal; e (b) para defender a nova ordem. Essas associações também estavam ansiosas para obter a licença do Estado ou, em outras palavras, restringir o ingresso em suas profissões e ocupações, a fim de aumentar a renda de cada membro da associação.
Assim, a nova aliança entre Estado e formadores de opinião, uma união antiquada de Trono e Altar reciclada e atualizada em uma parceria de governo, líder empresarial, intelectual e especialista. Durante a Era Progressista, de longe o foro mais importante estabelecido pelas Grandes Empresas e Finanças, que reuniu todos os líderes desses grupos, martelaram um programa ideológico e político comum e, na verdade, elaboraram e fizeram um lobby para as novas medidas Progressistas de intervenção estadual e federal, foi a Federação Cívica Nacional; outros grupos semelhantes e mais especializados acompanharam.[4]
No entanto, não era o bastante que a nova aliança estatista de grandes empresas e grandes intelectuais fosse formada; eles tinham de concordar, propor e pressionar uma linha ideológica comum, uma linha que persuadiria a maioria do público a adotar o novo programa e até mesmo saudá-lo com entusiasmo. A nova linha foi brilhantemente bem-sucedida, embora enganosa: onde as novas medidas e regulamentações progressistas eram necessárias para salvar o interesse público do sinistro e explorador monopólio das Grandes Empresas, que os negócios estavam conquistando no livre mercado. A política governamental, liderada por intelectuais, acadêmicos e especialistas desinteressados em prol do bem público, era “salvar” o capitalismo e corrigir os defeitos e falhas do livre mercado, estabelecendo o controle governamental e o planejamento no interesse público. Em outras palavras, políticas, tais como o Interstate Commerce Act, elaborado e operado para tentar forçar os cartéis ferroviários, deveria ser defendida em termos de derrubar as Grandes Péssimas Ferrovias por meio de ações governamentais democráticas.
Ao longo desta bem-sucedida impostura “liberal corporativa”, começando na Era Progressista e continuando desde então, um problema gritante de relações públicas têm confrontado esta grande coalizão empresarial-intelectual. Se essas políticas são projetadas para domar e refrear as Grandes Empresas, como é que tantos Grandes Empresários, tantos parceiros dos Morgan, e Harriman, têm sido tão conspícuos na promoção desses programas? A resposta, embora aparentemente ingênua, conseguiu convencer o público com pouca dificuldade: que esses homens são homens de negócios iluminados, educados, de espírito público, cheios do espírito aristocrático da nobreza obrigatória, cujas atividades e programas aparentemente quase suicidas são realizados com o espírito nobre de sacrifício para o bem da humanidade. Educados no espírito servil, eles têm sido capazes de se elevar acima do mero apego breve e egoísta ao lucro que havia marcado seus próprios antepassados.
E então, se surgir qualquer cético dissidente, que se recusa a cair nessa bobagem e tenta se aprofundar nas motivações econômicas no trabalho, ele será rápida e bruscamente descartado como um “extremista” (seja de Esquerda ou de Direita), um descontente e, o mais condenável de todos, um “crente na teoria da conspiração da história”. A questão aqui, entretanto, não é uma espécie de “teoria da história”, mas uma vontade de usar o senso comum. Tudo o que o analista ou historiador precisa fazer é assumir, como hipótese, que as pessoas no governo ou que fazem lobby para políticas governamentais podem estar pelo menos tão interessadas e motivadas pelo lucro quanto as pessoas nos negócios ou na vida cotidiana, e então investigar os padrões significativos e reveladores que ele verá diante de seus olhos.
O Banco Central, em resumo, foi projetado para “fazer para” os bancos o que a ICC tinha “feito para” as ferrovias, o que o Meat Inspection Act tinha feito para os grandes frigoríficos, etc. No caso do Banco Central, a Linha que tinha de ser empurrada era uma variante do jogo de conchas “Anti grandes Empresas” sendo perpetrado em nome das Grandes Empresas ao longo da Era Progressista. No setor bancário, a linha era que um Banco Central era necessário para conter os excessos inflacionários dos bancos não regulamentados no livre mercado. E se os Grandes Banqueiros eram bastante conspícuos e precocemente defendiam tal medida, por que isto mostrava apenas que eles eram mais instruídos, mais iluminados e mais nobremente inspirados pelo interesse público do que o resto de seus irmãos banqueiros?
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Notas
[1] Ver Gabriel Kolko, Railroads and Regulation, 1877-1916 (Princeton: Princeton University Press, 1965).
[2] Veja Kolko, Triumph of Conservatism, pp. 1-56; Naomi Lamoureaux, The Great Merger Movement in American Business, 1895-1904 (Nova Iorque: Cambridge University Press, 1985); Arthur S. Dewing, Corporate Promotions and Reorganizations (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1914); e idem, The Financial Policy of Corporations, 2 vols., 5ª ed. (Nova York: Ronald Press, 1953).
[3] Sobre os frigoríficos, consulte Kolko, Triumph of Conservatism, pp. 98-108.
[4] Sobre a Federação Cívica Nacional, Cf. James Weinstein, The Corporate Ideal in the Liberal State, 1890-1918 (Boston: Beacon Press, 1968). Ver também David Eakins, “The Development of Corporate Liberal Policy Research in the United States 1885-1965” (tese de doutorado, Department of History, University of Wisconsin, 1966).