[Discurso proferido na reunião de setembro de 2023 da Property and Freedom Society, em Bodrum, Turquia]
O meu discurso do ano passado aqui em Bodrum sobre o papel da Alemanha na guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia, ou melhor e mais precisamente: entre a Rússia, por um lado, e os EUA, como chefe da NATO, os seus vários vassalos europeus e, em particular, a Alemanha, e a Ucrânia e os ucranianos como seus representantes: como suas ferramentas dispensáveis, idiotas úteis e cordeiros sacrificáveis, por outro lado, não foi muito bem recebido por muitas pessoas supostamente libertárias dos países que antigamente formavam o chamado bloco de Leste Europeu.
Embora sempre tivemos participantes da Europa Oriental vindo à nossa conferência, na verdade, muitas vezes muitos deles, desta vez há muito poucos aqui. É claro que considero isto decepcionante, mas não me arrependo do que disse no ano passado sobre este assunto, nem encontrei qualquer falha grave na minha análise. Pelo contrário, acontecimentos posteriores como a destruição do gasoduto Nord-Stream pelos EUA, segundo todos os indicadores e indicações, ou em estreita cooperação com os EUA, e a admissão franca e cativante de Merkel, Hollande, Macron e Zelensky, o fato de os acordos de Minsk nunca terem sido levados a sério por eles, mas terem servido apenas para ganhar mais tempo para a Ucrânia se armar para um confronto militar com a Rússia, reforçou ainda mais os meus argumentos.
Então, indignada rejeição por parte dos típicos “libertários” da Europa de Leste (mas também de muitos da Europa Ocidental) do meu discurso sobre o tema aqui apresentado no ano passado tem pouco ou nada a ver com explicações errôneas ou análises defeituosas dos acontecimentos horríveis que ainda estão acontecendo diante de nossos olhos na Ucrânia, mas isso se deve, em vez disso, à suas próprias compreensões superficiais ou falsas do libertarianismo e às carências de pesquisa, julgamento e avaliação histórica libertária – e de forma geral: revisionista. Na verdade, é o resultado de sentimentos nacionalistas, coletivistas e estatistas que ultrapassam e superam todo o pensamento e análise libertários calmos e sóbrios face à guerra.
(Mas talvez os estados recorram à guerra precisamente por esta razão: que as pessoas tendem a “perder a cabeça” em tempos de guerra?!)
As afirmações feitas pelos meus vários críticos, de que simplesmente não conheço suficientemente Putin, os russos, os ucranianos, os polacos, os lituanos etc., mesmo os alemães e os americanos e as suas várias histórias particulares, normalmente parecem pouco mais do que regurgitações de alguma história e narrativa histórica oficial, nacional ou nacionalista, e invariavelmente estatista, tal como é ensinada e promovida em todos os lugares, em todos os momentos e em todos os países. Alguns até me acusaram de possuir uma compreensão insuficiente do sistema soviético e da história da antiga União Soviética, apesar do fato de eu ter escrito extensivamente sobre este exato tema e os horrores do socialismo. E numa nota mais pessoal: os meus avós maternos foram expropriados pelos soviéticos em 1946 e o meu avô foi morto por eles num campo de trabalhos forçados.
Dito isto, qual foi então a tese central do meu discurso do ano passado? E por que, e em que sentido, a sua rejeição por muitos supostos ou presumidos libertários, especialmente da Europa Oriental, indica uma compreensão deficiente dos princípios libertários da parte deles?
Em primeiro lugar: os estados não são empresas produtivas. Em vez disso, os estados são gangues criminosas, esquemas extorsivos de proteção ou máfias em larga escala, que tributam ou de outra forma roubam pessoas produtivas em seu próprio benefício e em benefício dos seus membros, amigos e apoiadores – e devem ser reconhecidos como tal. Com esse insight fundamental e sóbrio, muita confusão e névoa mental são esclarecidas imediatamente.
As guerras de gangues, portanto, normalmente envolvendo algumas questões territoriais, são sempre guerras conduzidas por líderes de gangues rivais com dinheiro, equipamentos e força de trabalho de outras pessoas (basta pensar na tributação e no alistamento militar obrigatório!). O custo da guerra, quer seja conduzida num modo ofensivo ou defensivo, é então socializado (enquanto os ganhos potenciais são privatizados), tornando assim a guerra mais provável e prolongada.
Em poucas palavras, o cenário que se desenrola atualmente na Ucrânia é o seguinte: a gangue de Zelensky provocou deliberada e continuamente a gangue vizinha de Putin, muito maior, e tem sido ativamente encorajada e apoiada nas suas provocações pelos líderes da gangue maior, embora seja a gangue mais distante de todas, dos EUA-Biden (assistida por seus vassalos da OTAN e líderes de gangues associados na Europa), que vê (e pressiona suas gangues aliadas a verem da mesma forma) a gangue de Putin como “o inimigo”: como um dos dois únicos obstáculos restantes no caminho para a hegemonia global e a dominação mundial, como o seu próprio objetivo final declarado explícita e repetidamente.
A dada altura, em fevereiro de 2022, a gangue de Putin fez o que tinha repetidamente avisado que faria se Zelensky e a sua gangue continuassem com certas provocações explicitamente declaradas. A gangue de Zelensky, apoiada pela poderosa mas distante gangue de Biden, desafiou tais avisos, e a gangue de Putin consequentemente invadiu e ocupou territórios anteriormente controlados e reivindicados como seu próprio território pela gangue de Zelensky.
Sozinha, baseada unicamente nos seus próprios poderes e recursos relativos em termos de tamanho da população, força militar e recursos econômicos, a gangue de Putin teria rapidamente, há muito tempo, derrotado a gangue de Zelensky e instalado outra gangue associada, amiga da gangue de Putin no comando. O fato de a guerra ainda se arrastar e, entretanto, ter custado centenas de milhares de vidas, milhões de refugiados e destruição em massa é apenas o resultado da enorme ajuda financeira, logística e militar que continua a fluir para Zelensky e a sua gangue vindo da gangue de Biden e seus subordinados, gangues de ligas menores e líderes de gangues na Alemanha, França, Grã-Bretanha etc.. A gangue de Zelensky estaria falida há muito tempo, se não tivesse sido resgatada, e ainda é mantida por aparelhos de suporte vital, pela Associação de gangsters EUA-OTAN. A gangue dos EUA-OTAN entra com o financiamento, e a gangue de Zelensky entra com os combates, os tiroteios e as mortes, numa guerra conjunta contra a gangue de Putin. A gangue dos EUA-OTAN paga a guerra contra a gangue de Putin essencialmente na forma de dinheiro (que pode, em última análise, imprimir), e Zelensky e sua gangue fazem o trabalho sujo e desagradável, ou seja, pagam pela guerra na forma de vidas alistadas compulsoriamente (desde o início da guerra, homens de 18 a 60 anos foram proibidos de deixar o território de gangues… exceto, é claro, amigos e familiares especiais de líderes de gangues), de sofrimento humano, de sacrifício, morte e destruição.
Como, diante dessa constelação, um libertário deve se posicionar? A resposta que dei no ano passado ainda é válida hoje. Confrontado com guerras interestatais, ou seja, guerras entre gangues rivais sustentadas por impostos, confisco e alistamento militar obrigatório, um libertário deve permanecer “neutro”.
Para um libertário que vive fora da zona de guerra real, da perspectiva de um alemão ou de um americano, por exemplo, neutralidade significa que não se dá apoio ativo a nenhuma das gangues em conflito. Você não ajuda financeiramente ou de outra forma a gangue de Zelensky (ou a gangue de Putin) e se opõe estritamente a que sua própria gangue governante “nacional”, seja na Alemanha ou nos EUA, use “seus”, impostos alemães ou americanos, confiscos, bens públicos e fundos para sustentar a gangue de Zelensky (ou de Putin). Além disso, um libertário também se oporia à utilização de todos e quaisquer bens ou fundos ditos “públicos” para o acolhimento “gratuito” de refugiados da zona de guerra.
Fazer tudo isto seria uma contribuição positiva para o fim dos tiroteios e matanças em massa e para o objetivo final da paz.
Em nítido contraste, fazer o contrário: doar fundos pessoais à gangue de Zelensky (ou à gangue de Putin), ou encorajar a liderança de sua própria gangue doméstica a enviar fundos “públicos” a uma das partes em conflito, ou então ajudar a gangue de Zelensky (ou de Putin) a reduzir seus próprios custos de guerra, fornecendo acomodação “gratuita” para todos os refugiados fugitivos da gangue em outros países, governados por outros esquemas de proteção mafiosos, e com fundos “públicos” de outras pessoas – tudo isso é impróprio para um libertário e seria mais apropriado qualificá-lo como alguma variante de fomentador de guerra, seja consciente ou inconscientemente.
O número de refugiados ucranianos na Europa Ocidental é de cerca de 5 milhões. Tendo-os alimentado e alojado com fundos públicos no Ocidente, a gangue de Zelensky externalizou com sucesso uma parte significativa do custo da sua guerra para alguma outra população não combatente, e a guerra, consequentemente, será prolongada. Por outro lado, o alojamento público de refugiados ucranianos na Rússia, cerca de 3 milhões, significa aumentar o custo da guerra para a gangue de Putin e, portanto, tende a encurtar a guerra.
A saber: estas restrições, a neutralidade libertária face as gangues rivais que guerreiam em algum lugar longe de casa, não excluem várias iniciativas e intervenções privadas. Um libertário, com os seus próprios meios, pode envolver-se em esforços humanitários e de caridade em apoio aos refugiados ucranianos (ou russos), por exemplo. Ele pode, com seus próprios meios, ajudar as pessoas a escapar do país para evitar o alistamento militar obrigatório e a guerra. Enquanto entidade privada, e por sua própria conta, ele pode transferir fundos e materiais para entidades privadas residentes na zona de guerra. Na verdade, a pedido de um proprietário privado no território de guerra, e por sua própria conta e risco, um libertário pode até mesmo se mudar para lá e ajudar esse proprietário diretamente na salvaguarda e proteção de sua propriedade privada contra confisco, depredação e destruição no processo contínuo da guerra de gangues, seja do lado “defensivo” ou “ofensivo”.
Eu não considerei a questão da outra perspectiva interna antes: mas para um libertário residente na zona de guerra, a posição vis-à-vis duas gangues em conflito – “domésticas” e “estrangeiras” – deveria ser igualmente neutra.
Permanecer neutro em condições de guerra, contudo, é algo mais difícil de se fazer.
Durante a guerra, sua vida e propriedade são ameaçadas por dois lados. A gangue de Zelensky pode recrutar você ou mandar matá-lo, pode requisitar ou confiscar sua propriedade ou até mesmo destruí-la, e pode congelar suas contas – tudo em nome da defesa “nacional”; ou então a gangue de Putin pode vir e capturá-lo ou matá-lo e conquistar a sua propriedade ou destruí-la – tudo em nome da libertação “nacional”. Como libertário, o que você deve (e o que não) fazer nesta situação horrível nada invejável?
Resumindo: você deve ficar longe de ambas as partes em conflito tanto quanto e enquanto as circunstâncias permitirem. Como um libertário, você não oferece voluntariamente seus recursos, mão de obra ou engenhosidade a nenhuma dessas perigosas gangues beligerantes, e as ordens de gangues em contrário (pense no recrutamento!) são evitadas, se possível. O seu interesse pessoal na proteção da sua própria vida, propriedade e bem-estar, e da sua família e amigos, é algo muito diferente do interesse da liderança de gangues nacionais (ou estrangeiras) na proteção (ou libertação) de seu território “nacional”. Na verdade, ambos os interesses podem ser contrários e fadados ao conflito. A proteção do “seu” território pela gangue de Zelensky contra a invasão da gangue de Putin, por exemplo, pode envolver – e de fato envolve – o confisco, a depredação, a depreciação, a desvalorização ou mesmo a destruição da vida e da propriedade das pessoas. Isto é, “segurança coletiva” e “defesa nacional”, são na verdade incompatíveis e até contrárias à segurança privada e à defesa privada.
Como um libertário que vive e está preso nas terras da gangue de Zelensky, então, e diante de uma gangue invasora de Putin que tem reservado para você outro acordo de segurança coletiva, você tenta permanecer equidistante de ambas as partes, evita provocar qualquer um dos lados e ouve e permanece sempre abertos a conversações com ambos os lados. Além disso, onde quer que você resida, onde quer que seja a sua base, você se concentra no fornecimento de sua própria segurança, proteção e defesa pessoal, privada e local – em vez de “nacional” ou “coletiva”. E, na medida do possível, promove a descentralização da tomada de decisões. Isto é: você defende que a decisão de quando e como conduzir a guerra seja uma questão cada vez mais local e, em última análise, privada, de modo a delimitar e reduzir os custos da guerra.
Na verdade, a população da Ucrânia é tudo menos homogênea. Uma grande parte do Leste e do Sul, até Odessa, é culturalmente russa, por exemplo. Com a tomada de decisões locais ou regionais, muitos lugares nestas regiões teriam se rendido pacificamente a gangue de Putin, e assim sido poupados da devastação da guerra, em vez de serem defendidos por Zelensky e a sua gangue. Uma regra de gangue teria sido substituída por outra. Ambas as gangues ocupam posições igualmente altas no departamento de corrupção, mas, de qualquer forma, todos ao seu redor estão acostumados com a corrupção. No entanto, Putin-Rússia, desde o colapso da União Soviética e a desintegração do Império Soviético em 1991, superou de longe a Ucrânia em termos econômicos. Então, por que não ir com a Rússia? Outras regiões ou localidades poderiam ter negociado uma trégua ou elaborado algum tipo de posição neutra entre as gangues rivais e assim evitado o derramamento de sangue e a destruição. Outras ainda poderiam ter combatido a gangue invasora de Putin com outras armas e por diferentes meios (por exemplo, resistência pacífica). Que nada disto tenha acontecido ou está acontecendo, ou seja, que não há descentralização na estrutura de comando e que, consequentemente, não existem iniciativas, compromissos ou acordos de paz regionais ou locais que possam levar a uma delimitação gradual e progressiva da dimensão territorial da atual zona de combate, deve-se inteiramente ao apoio financeiro e material contínuo que a liderança da gangue dos EUA-OTAN está enviando diretamente a Zelensky e a sua gangue.
Diante deste pano de fundo, então: Onde estão, do ponto de vista libertário, os erros e os desvios de um individualismo metodológico (e o recuo para um holismo ou coletivismo metodológico), que os supostos libertários, em particular da Europa Oriental, cometem com suas diversas críticas e reclamações?
Por um lado: seria um erro fundamental para um libertário que vive na Ucrânia, por exemplo, pedir mais apoio para a Ucrânia por parte da Alemanha, EUA, Grã-Bretanha etc. Porque, estritamente falando, não existem Ucrânia, Alemanha ou EUA. Em vez disso, existem gangues, esquemas extorsivos de proteção, governando a Ucrânia, a Alemanha e os EUA, e há ucranianos, alemães e americanos que residem em territórios controlados por essas gangues. Pedir aos gangsters que dirigem os EUA ou a Alemanha, por exemplo, que enviem dinheiro ou material para a Ucrânia é anti-libertário desde o início, porque nenhum destes gangsters é o proprietário legítimo de tudo o que enviam para a Ucrânia; e seria um erro ainda maior se essa ajuda fosse diretamente para a gangue que dirige a Ucrânia (e não para o povo ucraniano).
Na verdade, um libertário ucraniano não deveria criticar a falta de apoio alemão ou americano, mas sim pedir menos e pedir um tipo diferente de apoio do que o tipo que a Ucrânia tem realmente obtido. Porque grande parte do apoio “público” à Ucrânia vem na forma de propaganda, espalhada de maneira uniforme e contínua por toda a Alemanha, EUA etc., pela aliança de gangues EUA-OTAN, em estreita cooperação com os seus associados e amigos subservientes, pagos ou subsidiados em na grande mídia.
A mensagem da propaganda é: os acontecimentos na Ucrânia não são uma guerra de gangues regional que não nos preocupa, mas são o confronto titânico do “bem” contra o “mal”. A boa Ucrânia (todos os ucranianos) é estuprada pela má Rússia (todos os russos). Portanto, qualquer apoio alemão ou americano dado à Ucrânia é um apoio ao “bem” e qualquer afrouxamento de tal apoio é um apoio ao “mal”. O coletivismo baseado na retidão ideológica é substituído e apresentado como uma análise sóbria. Qualquer libertário deveria perceber essa farsa.
A Ucrânia, tal como a Alemanha ou os EUA, é constituída por uma gangue que dirige e controla algum território, por um lado, e as pessoas que residem neste território, por outro. A gangue de Zelensky não é a mesma coisa que o povo ucraniano. Um libertário ucraniano não pode apoiar que seja entregue à sua liderança de gangue doméstica ainda mais poder do que ela já tem. Mas é precisamente isso que ele está obtendo como resultado da propaganda das gangues EUA-OTAN e da elevação da Ucrânia ao campo de batalha histórico mundial da luta entre o bem e o mal. Como resultado desta “elevação moral”, a gangue de Zelensky tornar-se-á cada vez mais agressiva e opressiva em relação ao “seu” próprio povo, e o mesmo acontece com as várias gangues dos EUA-OTAN no seu próprio território, vis-à-vis “seu” povo. Um conflito regional é interpretado e retratado como uma cruzada global, necessitando de um apelo universal ao aumento da militância, da beligerância, das armas e do armamento,
Para evitar este deslize progressivo em direção ao domínio totalitário de gangues, um libertário ucraniano deveria contrariar a propaganda dos EUA-OTAN com a verdade. Em vez de permanecer em silêncio, ele deveria, na medida em que isto ainda for possível, deixar claro ao mundo exterior que a gangue de Zelensky não é de forma alguma boa e nobre, mas sim totalmente corrupta e cada vez mais totalitária e, como tal, não merece qualquer apoio. (Da mesma forma e pela mesma razão que a gangue de Putin não merece – e de fato não recebe – qualquer apoio.)
Além disso, ele deveria reconhecer, e expressar publicamente, que o maior dano causado ao povo ucraniano, em termos de morte e destruição, é o resultado do apoio total proveniente da gangue norte-americana, a gangue mais poderosa do mundo. Sem este apoio, a gangue de Zelensky e a gangue rival vizinha de Putin teriam há muito alcançado um armistício ou chegado a algum acordo de paz, o que poderia ter salvado muitas vidas e muitos bens imóveis. Mas a gangue dos EUA está neste esforço não pelo bem da Ucrânia ou pela promoção do “bem”, é claro. Pelo contrário, está nisso visando a prossecução do seu próprio objetivo final de hegemonia global e da supremacia do dólar americano como moeda de reserva global; e a guerra na Ucrânia, então, é na verdade uma guerra entre a gangue dos EUA e a gangue de Putin, com a Ucrânia e a gangue de Zelensky desempenhando apenas um papel instrumental, ou seja, como um meio – uma massa humana de manobra – em direção ao fim de derrotar a malvada gangue de Putin.
A gangue de Putin é um dos dois únicos grandes obstáculos que restam no caminho rumo à hegemonia global. Contudo, a gangue de Putin está fortemente armada e, tal como a gangue dos EUA, também é uma potência atômica. Ela não pode ser derrubada por meios militares sem o risco de autodestruição. Só pode ser derrotada economicamente, conduzindo-a à falência e à ruína econômica. A guerra na Ucrânia e as várias sanções econômicas dirigidas contra Putin-Rússia deveriam fazer precisamente isto: enfraquecer e, em última análise, levar à falência a gangue de Putin, econômica e financeiramente. Se isto exige assassinatos em massa e a destruição em massa dos ucranianos e da Ucrânia, que assim seja. O objetivo final de derrotar a malvada gangue de Putin justifica tais meios. Para a gangue dos EUA, levar à falência a gangue de Putin vale a pena sacrificar toda a Ucrânia, se necessário, e evocar o fantasma de uma Terceira Guerra Mundial.
É importante, então, que um libertário na Ucrânia teria de alertar e aconselhar contra qualquer apoio vindo em particular da gangue dos EUA e expor esse apoio como a pílula envenenada que ele é. E, de um modo mais geral, ele teria que se opor estritamente à visão de mundo simplista defendida por muitos “liberais” de territórios que anteriormente (até há apenas 30 anos) eram parte da União Soviética ou do Império Soviético e do Pacto de Varsóvia, como os países bálticos ou a Polônia., por exemplo. Na opinião deles, a Rússia e os russos são o inimigo coletivo, pura e simplesmente, e os EUA e os americanos são vistos como o salvador coletivo. Para um libertário, qualquer visão de mundo simplista – e coletivista – está fora de questão. Porque ele reconhece a distinção fundamental entre “o povo”, por um lado, e a “gangue governante” ou “estado”, por outro, e reconhece que esta distinção se mantém e deve ser feita e aplicada em todos os lugares, nos EUA (com a gangue de Biden) não menos do que na Rússia (com a gangue de Putin).
Mas e quanto ao apoio privado, ou mais precisamente, ao apoio privado para privado? Existe alguma razão para um libertário ucraniano reclamar da falta de tal apoio por parte de alemães, americanos etc.?
Em primeiro lugar: esse apoio certamente existe. Muitos alemães, por exemplo, aceitaram refugiados ucranianos nas suas casas particulares e aí os mantiveram às suas próprias custas. Parte deste apoio privado poderia até ter sido “substituído” pelo generoso apoio público oferecido pelo grupo dominante da Alemanha. Isto é: teria havido ajuda privada, se o grupo dominante não tivesse essencialmente se antecipado e arrogado o papel e a função de “doador” primário e de “doação” de caridade para si próprio. Contudo, em qualquer caso, sem o apoio público do grupo governante, ou seja, com base apenas no nível de atividade de caridade privada, o número de ucranianos atualmente alojados na Alemanha ou na Polônia, por exemplo, seria certamente muito menor; e este número teria diminuído ainda mais à medida que a guerra se arrastasse e, consequentemente, mais elevados seriam os custos de acolhimento para um anfitrião alemão, polaco etc. (Lembre-se que menos ucranianos alojados e alimentados por outras pessoas significa que o custo da guerra para a gangue de Zelensky aumenta e as perspectivas de negociações de paz são correspondentemente avançadas.)
No entanto, parece bastante normal que as pessoas sejam mais caridosas quando confrontadas com os resultados imediatos de uma “emergência”, como uma guerra, um terremoto ou um tornado (especialmente se tal emergência acontecer nas proximidades); e também parece bastante normal que a vontade de um doador fazer caridade diminua cada vez mais à medida que a emergência dure e persiste (sem qualquer regresso ao normal à vista). Então nada a reclamar aqui.
Além disso, por que razão deveria um alemão ou um americano etc., preocupar-se com a Ucrânia ou mesmo apoiar ativamente a Ucrânia com os seus próprios fundos privados – a menos, claro, que tivesse família, amigos ou relações comerciais ou associados lá? Nesse caso, todos, quer na Alemanha quer nos EUA, eram livres de dar qualquer apoio que quisessem aos seus contatos ucranianos. Qualquer falta de apoio privado aqui é apenas o resultado da guerra, que torna todos os negócios ucranianos mais arriscados e deprime o nível geral de produção, comércio e investimento. Para aumentar esse apoio que chega à Ucrânia, a guerra tem de acabar, porque os negócios exigem paz. Nada de errado ou incomum aqui também.
E o que esperar de alemães, americanos etc., sem quaisquer laços ucranianos (ou russos)? – que é a esmagadora maioria de todos os alemães, americanos etc.. Eles não conhecem nenhum ucraniano e não estão pessoalmente investidos na Ucrânia. Se eles se preocupam com os acontecimentos na Ucrânia (e muitos não se importam de uma forma ou de outra), então, o melhor resultado que um libertário ucraniano poderia esperar é um apelo público generalizado à paz e ao regresso à normalidade, à vida cotidiana.
Infelizmente, porém, esse não é o apoio que um libertário ucraniano está recebendo (e neste aspecto ele teria uma reclamação válida). O apoio que ele realmente recebe é na forma de “opinião pública” estrangeira, alemã ou americana etc. Mesmo os alemães, os americanos etc., sem qualquer investimento pessoal ou comercial na Ucrânia, ainda podem ter uma opinião sobre o que se passa lá e podem expressar publicamente essa opinião e qual o seu resultado preferido dos acontecimentos atuais. E embora isto não passe de palavras, a opinião pública, seja na Alemanha ou nos EUA, ainda pode ter efeitos profundos não apenas a nível interno, mas também no estrangeiro, na Ucrânia.
A opinião pública na Alemanha ou nos EUA em relação à Ucrânia não é de forma alguma uniforme, é claro. Existem muitas opiniões circulando por aí. Mas em todas as terras controladas pela aliança de gangues EUA-OTAN, uma opinião domina e ofusca todas as outras. A já mencionada opinião sobre a luta entre o bem e o mal que ocorre na Ucrânia. Esta interpretação permite que os ucranianos reivindiquem a condição de vitimização (e desfrutem do papel de vítima), ao mesmo tempo que clamam – e até exigem – ajuda e assistência de todos e de todos os lugares. Zelensky e sua gangue defendem essa interpretação, é claro, e agem de maneira impertinente. Um libertário deve opor-se a esta interpretação e resistir à tentação que ela acarreta.
No entanto, embora em pequeno número e relegados à margem do discurso público, há também vozes na opinião pública alemã e americana, por exemplo, que um libertário ucraniano poderia encontrar inspiração e apoio aos seus próprios objetivos, vozes com as quais se alinhar e obter força adicional.
Ele deveria inspirar-se e alinhar-se com vozes que apelam a conversações de paz imediatas com o a gangue de Putin (e, em particular, também com o próprio Putin), e que insistem em distinguir estritamente entre Putin e a sua gangue, por um lado, e a Rússia e o povo russo, por outro.
Ele deveria considerar seriamente as vozes que defendem a secessão regional como forma de trazer a paz. Isto reduziria o tamanho territorial da Ucrânia e, como tal, seria naturalmente combatido pela gangue de Zelensky. Mas por que defender um território cujos residentes não desejam ser defendidos? Por que levar a guerra a lugares que preferem ficar de fora dela? (Apenas um coletivista ou nacionalista poderia opor-se à secessão!)
Além disso, ele deveria considerar seriamente até mesmo a possibilidade de uma rendição regional como um caminho viável para a paz. Poderão existir regiões cujos habitantes não se importam se são governados pela gangue de Putin ou pela gangue de Zelensky, ou que até preferem a gangue de Putin, e que estão dispostos a render-se pacificamente para serem poupados à devastação da guerra. Por que não? Devemos travar uma guerra contra essas pessoas, como traidores ou colaboradores russos? Como libertário, não consigo entender por quê.
Na verdade, se a Alemanha fosse invadida hoje por qualquer um dos seus (nove) países vizinhos e qualquer uma das gangue que atualmente governam a Áustria, a Dinamarca, os Países Baixos ou a França, por exemplo, estivesse tentando derrubar e substituir o governo alemão, eu, pelo menos, não me importaria nada com isso. Dado o calibre intelectual e moral do atual governo alemão, ou melhor: dada a sua surpreendente falta de competência ou qualificação intelectual e moral, é difícil imaginar como as coisas poderiam piorar sob o domínio estrangeiro. Uma invasão pode até trazer alguns benefícios ou melhorias. Quem sabe? No entanto, em qualquer caso, tal como para mim, qualquer invasão deste tipo não seria razão para sacar a arma e ir para a guerra. Enfrentado por uma força superior e centralmente preocupado com a proteção de tudo o que é meu e que me é caro, render-me-ia pacificamente a quaisquer invasores austríacos, dinamarqueses, holandeses etc., em vez de os combater numa guerra coletiva da Alemanha contra a Áustria, a Dinamarca etc…. E ao fazê-lo não me tornaria um traidor do meu país ou um colaborador de uma potência estrangeira. Pelo contrário, com a minha rendição, são as vidas alemãs e as propriedades alemãs que de outra forma poderiam ter sido destruídas ou expropriadas que são realmente salvas e preservadas.
Por último, mas não menos importante, um libertário, seja na Ucrânia ou em qualquer outro lugar dos países do antigo bloco do Leste, deveria ter em conta e obter conselhos de várias vozes dissidentes ocidentais sobre questões de “geopolítica”.
Elas salientam que os interesses dos EUA e os interesses europeus (UE) no conflito da Ucrânia (e em outros lugares) não são de forma alguma idênticos. As várias gangues dominantes na Europa ainda se submetem ao comando supremo da gangue dos EUA, mas torna-se cada vez mais óbvio que a Europa deve pagar um preço muito mais elevado pela guerra do que os EUA. Ou seja, a guerra fortalece o poder econômico dos EUA vis-à-vis e em relação às potências econômicas europeias (e em particular alemãs). Isto não contribui para uma aliança estável. Especialmente não, se se descobrir que a destruição deliberada do gasoduto Nord-Stream, que foi um ataque terrorista ao fornecimento de energia de toda a Europa, foi planeada e executada pela gangue dos EUA ou em estreita cooperação com ela. A aliança pode muito bem romper-se como resultado de tais provas, e os antigos vassalos europeus podem ousar perseguir os seus próprios interesses.
Além disso, esta tendência é ainda mais reforçada pelo fato de o dólar americano como moeda de reserva global ter sido alvo de ataques crescentes como resultado das sanções da aliança de gangues EUA-OTAN contra Putin-Rússia. A confiança internacional na segurança dos dólares americanos e dos depósitos em dólares foi severamente abalada e, em reação, Putin-Rússia e Xi-China estão em preparativos para estabelecer uma moeda alternativa, apoiada por uma cesta de mercadorias (incluindo ouro, mas não, infelizmente, como iria imediatamente inspirar confiança, apoiado apenas pelo ouro) e um sistema de pagamentos internacional alternativo. Com o enfraquecimento do papel do dólar como moeda de reserva internacional, grande parte do poder econômico que a gangue norte-americana aparentemente tinha antes revela-se agora ilusório e simplesmente evapora-se. Resta menos, se é que resta algum, dinheiro para a gangue norte-americana aplicar o seu peso econômico em países estrangeiros.
Finalmente, os libertários (especialmente da Europa Oriental) são lembrados de reconhecer alguns fatos elementares sobre a geografia mundial e a distribuição geográfica da mão-de-obra e dos recursos econômicos. Com base nestes dados, uma cooperação íntima entre a Europa, e especialmente a Alemanha, e a Rússia é – e tem sido durante muito tempo – eminentemente sensata do ponto de vista econômico (para as várias gangues dominantes, bem como para os seus súditos). E independentemente do resultado final da atual conflagração violenta na Ucrânia, esta constelação geoeconômica e esta estrutura de incentivos não terão mudado significativamente. Assim, apesar da oposição dos EUA, pode se esperar que a relação econômica entre a Europa, a UE e a Alemanha, em particular, por um lado, e Putin ou a Rússia pós-Putin, por outro, acabe, num futuro não muito distante, por ser normalizado novamente.
Um libertário ucraniano (ou polaco), então, é chamado a desenvolver uma visão sobre o papel de uma Ucrânia (ou Polônia) do pós-guerra dentro desta constelação extremamente complexa de dados e incentivos geográficos e econômicos.
E esta visão, arrisco-me dizer, deveria ser a de uma Ucrânia (ou Polônia) neutra, ou seja, de uma Suíça da Europa de Leste, independente, fora da OTAN e da UE, e ainda assim mais rica do que todos e quaisquer dos seus vizinhos.
Artigo original aqui
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