A bolha imobiliária brasileira

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Imoveis_residenciaisÉ absolutamente imperativo que você leia com muita atenção cada parágrafo da notícia a seguir.

Crédito imobiliário bate recordes e bancos preveem mais expansãoEsgotamento da poupança, que financiou R$ 34 bi em 2009, leva instituições a analisar alternativas de recursos

O brasileiro nunca financiou tanto imóvel como em 2009, e a tendência é de que novos recordes sejam batidos neste ano. Para alguns, o País está em pleno boom imobiliário. Para outros, é só o início desse processo, uma vez que o déficit habitacional, entre 6 milhões e 8 milhões de unidades, conforme o cálculo, ainda é elevado.

Avaliações distintas à parte, o fato é que o setor vive seu melhor momento na história recente, que já leva os bancos a discutir alternativas de recursos para bancar a expansão. Hoje, a maior parte do dinheiro (cerca de 70%) vem da caderneta de poupança, mas, segundo especialistas, essa fonte deve se esgotar, dependendo da instituição financeira, já em 2011.

No ano passado, 302,7 mil unidades foram financiadas com os depósitos da caderneta, em um total de R$ 34 bilhões. Nem na época do finado Banco Nacional da Habitação (BNH), no início dos anos 80, tantos imóveis foram vendidos por meio de empréstimos no País.

“O Brasil é a bola da vez como mercado relevante para experimentar uma forte expansão do crédito imobiliário”, define o diretor-geral da Montreal Informática, Luís Antônio Santos. A empresa vende soluções tecnológicas para diversos setores da economia, entre eles o imobiliário. Os principais bancos que atuam no País fazem parte de sua clientela.

O diretor de Crédito Imobiliário do Itaú Unibanco, Luiz França, que também preside a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), lista os fatores que explicam o desempenho recente e as boas perspectivas. Em primeiro lugar, a segurança jurídica, obtida com a mudança da legislação promovida em 2004. Foi ali que se instituiu o mecanismo de alienação fiduciária, que facilita a retomada do imóvel em caso de inadimplência. Em segundo lugar, França cita o alongamento dos prazos de financiamento para até 30 anos, que permitiu a redução das prestações mensais.

Em terceiro lugar, o executivo destaca a estabilidade da economia. De um lado, essas condições mais estáveis abriram caminho para a queda dos juros. De outro, elevaram o poder aquisitivo da população (como mostra a ascensão de milhões de brasileiros à classe C), o que reduz o calote. Um fator mais recente é o programa do governo Minha Casa, Minha Vida.

Nesse ambiente, os bancos privados, que sempre foram reticentes em investir no mercado imobiliário, mostram grande apetite. Na média, preveem alta de 30% a 40% nos empréstimos este ano. Em 2009, segundo o Banco Central, o crédito para a habitação avançou 41,5%, ante 14,9% do crédito total.

“Vemos o crédito imobiliário como motor da expansão do crédito geral (no País)”, diz o diretor executivo de Negócios Imobiliários do Santander Brasil, José Roberto Machado. Segundo ele, no mundo, o financiamento imobiliário responde, em média, por 65% da carteira de crédito do banco. No Brasil, são 5%.

O diretor de Crédito Imobiliário do HSBC, Antonio Barbosa, afirma que a meta da instituição é aumentar a participação no segmento nos próximos anos. “Queremos crescer acima da média do mercado”, explica. A aposta do banco é no que Barbosa classifica de “serviço diferenciado”.

No Bradesco, o discurso é parecido. “Queremos mais mercado”, diz o diretor do Departamento de Empréstimos e Financiamentos, Nilton Pellegrino. O objetivo é aproveitar que “não há cidadão no Brasil que não queira ter imóvel próprio”.

O que antes era aventado por apenas alguns observadores mais atentos, agora já toma ares generalizados: estamos numa bolha imobiliária.  No início ou no meio dela?  Ainda não dá pra saber.

O que mais assusta nessa notícia é que cada parágrafo dela descreve uma situação que é um verdadeiro plágio daquela que ocorreu não apenas nos EUA, mas também na Espanha e na Irlanda.  Releia os três últimos parágrafos e constate que os bancos deixaram claro que entrarão no frenesi com tudo, buscando a máxima concessão de crédito possível.

Embora apenas agora estes fatos estejam sendo amplamente divulgados, a bolha imobiliária já era sentida por qualquer um que estivesse à procura de imóveis.  Os preços já vinham se expandindo há um bom tempo.  A coisa só ficou mais perceptível agora por causa da rapidez da apreciação dos imóveis e dos preços estratosféricos que alguns estão atingindo.

Basta uma pesquisa pela internet e você vai descobrir, por exemplo, que em Brasília há apartamentos de apenas um quarto sendo vendidos por R$ 500.000.  No prédio em que moro na zona sul de Belo Horizonte, um apartamento que custava R$ 485.000 em maio de 2009 já está sendo vendido hoje por R$ 570.000 – valorização de 17,5% -, sem que absolutamente nada tenha sido feito nele e nem no prédio.  (Ao meu redor, nesse momento, há exatamente quatro canteiros de obra em plena atividade).  Em São Paulo, já é rotina o sujeito comprar o apartamento ainda na planta apenas para revendê-lo dali a um ou dois anos, certo de que a única trajetória possível para o preço é em direção céu.  No Rio também ocorre esse fenômeno, embora a justificativa típica seja as olimpíadas (que só ocorrerão daqui a seis anos).  Em Florianópolis, a bolha mais visível está no custo dos terrenos, sendo que o CUB (Custo Unitário Básico da construção) aumenta em ritmo menor.

Enfim, os sinais já estavam por todos os lados, mas só agora estão sendo amplamente debatidos.  Mas qual a origem de bolha?

Como tudo começou

Toda bolha, independentemente do setor em que ela se forma, tem uma causa: aumento da oferta monetária, principalmente quando este aumento se dá pela redução constante da taxa básica de juros.  (Detalhe técnico: a oferta monetária pode aumentar – como de fato aumenta – sem que haja modificação na taxa básica de juros, mas esse detalhe não é importante para esse artigo).

Peguemos como base o ano de 2003, que foi quando a taxa SELIC atingiu o maior valor do governo Lula.

Em março daquele ano, ela estava em 26,5%.  Em julho de 2009, ela já estava em 8,75%, permanecendo nesse nível desde então.  Uma queda total de 67%.

Como consequência, a base monetária e os agregados monetários M1, M2 e M3 se expandiram em ritmo veloz.  De maio de 2003 até o final de janeiro deste ano, a base monetária aumentou 136%; o M1, 160%; o M2, 203%; e o M3, 213%.

Traduzindo: em menos de 7 anos, tanto a base monetária quanto o M1 (papel-moeda em circulação + depósitos à vista) mais do que dobraram.  O M2 e M3 triplicaram.

Não é à toa que cédulas de 100 reais – antes raras e sempre recebidas com suspeitas por qualquer vendedor – tornaram-se comuns, e a cédula de 1 real já até foi retirada de circulação.  Você ainda considera Henrique Meirelles o “guardião da moeda”?

Quando há essa expansão monetária, grande parte do dinheiro é direcionada para aqueles setores que, dependendo do cenário econômico, são os que mais prometem retornos.  No Brasil, o dinheiro foi maciçamente para a bolsa de valores e para o setor imobiliário.

Em 2003, por exemplo, o índice Ibovespa chegou a bater na mínima de 9.994,80 em 26 de fevereiro.  Desde então ele passou a subir continuamente até atingir o recorde de 73.516,81 no dia 20 de maio de 2008.  Ou seja: em 5 anos, as principais ações negociadas na Bovespa valorizaram 635%.  (Hoje, após a turbulência do final de 2008, o índice está nos 66 mil).

Mas o mercado financeiro é um setor diariamente noticiado.  Por ser constantemente observado, ninguém estranha suas variações, que são típicas.  E quando há uma valorização constante das ações, todo mundo acha ótimo e acaba entrando no jogo.  Já o mercado imobiliário só é notado quando os preços dos imóveis começam a atingir níveis que todos sabem ser infundados.  Enquanto isso não ocorre, ele raramente desperta a atenção nacional.  Mas os sinais sempre estiveram muito claros.

Essa tabela do Banco Central mostra que, dentre todos os empregos do setor privado – indústria de transformação, comércio, serviços e construção civil -, foi exatamente o setor da construção civil que apresentou a maior expansão no emprego.  De dezembro de 2003 a dezembro de 2009, o emprego formal no setor cresceu 70%.  (Para se ter uma ideia, o emprego na indústria de transformação cresceu 28% e o emprego total cresceu 34%).  Aqueles que mexem indiretamente com o setor, como fabricantes e fornecedores de materiais de construção, também vivenciaram ótimos momentos.  Pergunte a alguém que trabalha com venda de materiais de construção o que ele tem achado do mercado recentemente.

Enfim, quando tudo isso ocorre, é sinal de que a bolha já está bem inflada.  E, assim como qualquer glóbulo de ar, quanto mais inflada ela estiver, maior será a intensidade do estouro quando este acontecer.

A pergunta do milhão

Mas quando ela vai estourar?  Obviamente, é impossível – e irresponsável – precisar qualquer data.  Mas tanto a teoria quanto a empiria nos permitem algumas especulações.

Como Mises e Hayek deixaram claro, uma vez que uma bolha gerada pela expansão monetária se inicia, essa expansão monetária tem de, no mínimo, manter o mesmo ritmo ou até se acelerar para que a bolha continue se formando.  Qualquer desaceleração mais prolongada na expansão do crédito irá arrefecer essa bolha.

Assim, se uma economia sofreu uma forte expansão do crédito durante um certo tempo, e essa expansão deu surgimento a uma ou a várias bolhas, essa expansão terá de se dar a taxas cada vez maiores para impedir que essa bolha desinfle.  Não é necessário que o crédito se contraia; basta que ele cresça a uma taxa menor e a bolha se esvaziará.

Nos EUA, a bolha começou a se formar em 1997.  Com a recessão que se iniciou no final de 2000 e, principalmente, com os ataques de 11 de setembro de 2001, a taxa básica de juros da economia americana foi derrubada de 6,5% para 1%, ficando nesse nível até meados de 2004, quando o Fed começou a elevar novamente os juros até atingir o valor de 5,25% em junho de 2006.  Foi durante esse intervalo de tempo, com juros excepcionalmente baixos, que houve a maior fase de expansão da bolha imobiliária.

Os juros permaneceram em 5,25% de junho de 2006 até o final de 2007, exatamente quando todos os problemas no setor ficaram explícitos.  Foi essa elevação dos juros que secou o crédito e estourou a bolha.  (Para um resumo dessa sequência de acontecimentos, este é o melhor artigo da rede).

Portanto, baseando-se na teoria, e apoiando-se na empiria – e partindo do pressuposto de que realmente temos uma bolha em formação -, podemos dizer que a nossa bolha vai ser arrefecida quando o Banco Central subir os juros e isso causar uma contração do crédito.

No final de 2008 e início de 2009, houve uma forte contração do crédito no Brasil, como foi demonstrado nesse artigo (a oferta monetária parou de crescer).  Logo, pela teoria, tal evento deveria ter debelado a nossa bolha imobiliária; porém, como sabemos, a valorização dos imóveis passou incólume.  Por quê?

A resposta está na intervenção do governo, que além de criar o programa Minha Casa, Minha Vida, também colocou em ação seus bancos estatais para manter o crédito farto para o setor.  Isso foi bom?  Para quem está no setor, sem dúvida.  Para as construtoras, então, foi uma maravilha.  Porém, como sempre ocorre na economia, o problema está naquilo que não se vê de imediato – mas que, quando se torna explícito, já é tarde demais.

Todo esse incentivo artificial a um setor significa que recursos estão sendo retirados de outros setores e desviados para este.  Como os recursos são escassos, a tendência é que os custos subam.  E é esse aumento de custos que vai alimentando a bolha.  Isso vai ocorrer até o ponto em que os custos superarem o retorno esperado.  É nesse ponto que os investimentos se revelam mal direcionados e excessivos (mais detalhes desse processo aqui).

Traduzindo a teoria para a nossa realidade, os imóveis estarão cotados a preços que ninguém poderá pagar.  Isso fará com que os preços deles tenham de cair para que possam ser vendidos.  A principal consequência disso é que os bancos que financiaram o crédito imobiliário terão prejuízos, assim como as construtoras.  Caso o governo queira evitar essa queda de preços, ele terá de fazer o que vem fazendo: facilitar o crédito e subsidiar.  Só que os preços já estarão tão altos que simplesmente não haverá compradores.  A única solução seria recorrer ao artifício das prestações mensais de 30 anos a juros baixos.  Mas isso só seria possível se a SELIC estivesse constantemente baixa – algo não muito plausível.

Se há algo contra o qual jamais se pode lutar, esse algo é o sistema de preços.  O governo americano hoje vem fazendo de tudo para evitar que os preços dos imóveis caiam (ironicamente, após fazer inúmeros programas para facilitar a aquisição da casa própria), pois isso é prejudicial para os bancos, que possuem esses imóveis como ativos.  Se os ativos se depreciam, o patrimônio dos bancos encolhe.

Portanto, o estouro da nossa bolha foi artificialmente impedido em 2008/2009.  Não só foi impedido, como o ar continuou sendo soprado com ainda mais intensidade.  A bolha hoje está maior do que estava naquela época.

Será igual?

Outra pergunta inevitável: se estivermos em uma bolha e ela estourar, as consequências serão iguais àquelas dos EUA?

Não.  O que aconteceu nos EUA foi uma completa anormalidade, possibilitada apenas pelo nível de intervenção do governo tanto no setor bancário – havia políticas que obrigavam os bancos a conceder hipotecas a pessoas com histórico de crédito ruim, (ver mais aqui) – quanto no setor imobiliário (Fannie Mae e Freddie Mac), além da própria intervenção no setor monetário, por meio da taxa de juros manipulada pelo Fed.

Tudo isso fez com que a parcela da economia voltada para o setor imobiliário se agigantasse enormemente (mais detalhes no artigo de amanha), fazendo com que grande parte da própria riqueza americana estivesse ligada ao setor.

A situação chegou a tal ponto que, quando o sujeito perdia o emprego, ele simplesmente comprava um imóvel e ganhava a vida com sua valorização.  Como isso funcionava?  Ele ia ao banco, arrumava um empréstimo (que era extremamente fácil, mesmo estando desempregado) e fazia o pagamento de entrada.  Teoricamente ele deveria pagar juros mensais por essa hipoteca, mas como o imóvel só se valorizava, o cidadão conseguia negociar junto ao banco novos empréstimos tendo como caução justamente essa valorização do seu imóvel.  Assim, ele atingia a mágica de ficar rico (na verdade, endividado) sem ter qualquer fonte de renda.  Como ele achava que seu imóvel iria se valorizar perpetuamente, ele não precisava se preocupar em pagar sua dívida junto ao banco – isso até o dia em que o preço do seu imóvel começou a cair e ele percebeu que sua dívida era impagável.

A menos que nossa economia chegue a esse ponto, girando majoritariamente em volta do setor imobiliário, não há motivos para imaginar que nossa bolha, quando estourar, trará consequências igualmente danosas.  Aliás, enquanto o estouro não vem, é possível ganhar bastante dinheiro nesse setor.  Basta você saber jogar e ter otiming correto da hora de sair.

Conclusão

O objetivo desse artigo não é causar alarde e nem fazer previsões.  É apenas analisar o que pode estar acontecendo com um importante setor da economia brasileira, para onde ele pode estar indo e quem poderá ser afetado.

Em todo caso, é hora de rever com muita atenção o vídeo (ou, pelo menos, veja essa parte) em que Peter Schiff conta inúmeros exemplos que ilustram a irracionalidade comportamental que tomou conta dos americanos durante a bolha imobiliária daquele país, e aprender com os americanos o que não deve ser feito.

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