A seguir, um editorial do Wall Street Journal, que faz uma descrição bastante correta de como a China se enquadra no padrão descrito pela TACE (Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos): crédito fácil gerando investimentos errôneos e insustentáveis, os quais, por sua vez, levam a uma crise.
O surpreendente anúncio feito pelo Banco Central da China, na quarta-feira passada, de que irá reduzir em meio ponto percentual a taxa dos depósitos compulsórios representou uma admissão explícita de que a economia chinesa já está enfrentando fortes ventos contrários. A inflação de preços ao consumidor permanece relativamente alta, em 5,5%. Porém, o verdadeiro valor da inflação — aquele refletido pelo deflator do PIB — já está próximo dos 10%.
A maioria dos analistas esperava que o afrouxamento monetário fosse começar apenas no ano que vem, quando a inflação de preços já estivesse mais sob controle. Só que a maioria destes analistas também previa um “pouso suave” para a economia chinesa. Os dados divulgados nos últimos dias sugerem que a atual tendência de estagflação irá continuar, e o pouso poderá ser brusco.
Os preços dos imóveis vêm caindo por três meses consecutivos, e essa tendência está acelerando. Os índices sobre a saúde do setor industrial (que mensuram variáveis como novos pedidos, nível dos estoques, produção, entregas de fornecedores e situação do emprego) — tanto aqueles mensurados pelo próprio governo quanto os mensurados pelo HSBC — sofreram um enorme baque em novembro, entrando em território negativo pela primeira vez desde o início de 2009. A diferença é que, desta vez, a China não poderá resolver seus problemas domésticos recorrendo a um aumento das exportações, dado que a demanda externa está encolhendo.
A China é um exemplo clássico da teoria dos ciclos econômicos criada pela Escola Austríaca de pensamento econômico. Após incorrer no maior programa de estímulos que o mundo jamais testemunhou, como resposta à crise financeira global, o país está afogado em investimentos improdutivos financiados com crédito fácil.
O governo gastou 15% do PIB majoritariamente em obras públicas em regiões do interior do país, financiadas com empréstimos de bancos estatais. O investimento como porcentagem do PIB disparou para 48,5% em 2010, e o agregado M2 da oferta monetária aumentou para um valor 40% maior que o M2 americano.
E agora vem a ressaca. Os projetos de obras públicas estão se arrefecendo, o que está desencadeando uma onda de desemprego e estimulando algumas inquietações sociais. O número de empréstimos bancários que não geram o retorno esperado está aumentando, e os governos locais estão insolventes. O país está repleto de prédios governamentais luxuosos, cidades fantasmas cheias de apartamentos vazios, linhas de trem de alta velocidade inseguras, e rodovias em estado calamitoso que vão do nada a lugar nenhum.
Um dos efeitos das taxas de juros reais negativas foi uma bolha imobiliária em nível nacional, com o preço médio de um apartamento urbano chegando a oito vezes o valor da renda média anual. Imóveis representam o investimento mais apreciado pelos ricos, de acordo com uma pesquisa feita pelo Banco Central chinês em setembro. Milhões de apartamentos luxuosos estão vagos, mesmo havendo uma escassez de imóveis a preços acessíveis para os mais pobres.
A construção de imóveis se transformou no “mais importante setor do universo”, segundo as palavras do economista do UBS Jonathan Anderson. Ela é a responsável direta por aproximadamente 13% da economia — 20% se incluirmos as indústrias relacionadas, como aço e concreto. Também é responsável por 40% da receita dos governos locais por meio da venda de terrenos (os quais são propriedade dos governos).
Uma piora nos indicadores da inflação de preços forçou o governo chinês a pisar no freio este ano. Assim como ocorre com a maioria das bolhas imobiliárias que estouram, as transações secaram. A isso se seguiu uma queda livre nos preços. Em setembro, os preços dos terrenos já haviam caído 60% em relação aos últimos doze meses. As incorporadoras estão cortando os preços dos novos lançamentos para adiar a falência.
Pequim reconhece os perigos de uma bolha imobiliária e, por isso, deliberadamente estourou a atual ao ordenar aos bancos que restringissem os empréstimos às incorporadoras. O governo parece determinado a pressionar algumas das pequenas incorporadas contra a parede, tanto para forçar algumas fusões na indústria quanto para convencer as incorporadoras restantes a entrar no programa governamental de construir imóveis para as pessoas de baixa renda.
Ainda no início deste ano, os reguladores do sistema bancário conduziram testes de estresse para mensurar a solidez dos bancos. Os resultados supostamente mostraram que o sistema financeiro pode suportar uma queda de 40% nos preços dos imóveis. Hipotecas e empréstimos às incorporadoras representam aproximadamente 20% dos empréstimos dos bancos. Porém, dado que a saúde da economia como um todo depende do setor imobiliário, a China pode vir a enfrentar um cenário semelhante ao enfrentado pelos EUA nos últimos anos. Como o mercado privado de imóveis era minúsculo até uns 10 anos atrás, quando o atual boom imobiliário começou, o país jamais vivenciou um amplo declínio nos preços dos imóveis. Portanto, não há nenhuma experiência anterior quanto a este cenário.
O governo e os analistas mais otimistas dizem que a construção de imóveis de baixa renda irá estimular qualquer possível enfraquecimento da economia, à medida que as atividades da ponta final do mercado forem esfriando. O problema é que mesmo que o governo alcance seus objetivos, o programa ainda é muito pequeno para salvar a economia. O Banco Barclays estima que ele irá contribuir com apenas um ponto percentual para o crescimento em 2011, e 0,5 ponto percentual em 2012. [Aqui o Wall Street Journal dá sua inevitável derrapada keynesiana, dando a entender que o programa seria melhor caso o governo estimulasse ainda mais as construções. Mas é perdoável.]
Não há maneira fácil de evitar a recessão que está por vir. O consolo é que o modelo chinês de crescimento, cada vez mais dependente de estímulos estatais, será desacreditado, abrindo espaço para um debate sobre o reinício das reformas que foram interrompidas em meados da década de 2000. Um setor financeiro que distribui crédito baseando-se em conveniências políticas em vez de em preços de mercado levou a China a esta bagunça. A pressão popular para desmantelar esse capitalismo clientelista está crescendo, e o Partido Comunista se daria bem caso se adiantasse a esses eventos enquanto ainda há tempo.
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