A irrelevância da impossibilidade do anarco-libertarianismo

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Recentemente fiquei sabendo de um artigo de 1982, A impossibilidade do anarcocapitalismo. Nele o autor, um tal de Tony Hollick, argumenta que os “componentes” do anarcocapitalismo são:

  1. Uma crença de que uma ordem social baseada plenamente no livre mercado de propriedade privada pode ser alcançada e mantida sem a existência de um único e definitivamente arbitrário sistema de legislação e aplicação da lei que impõe jurisdição sobre partes sem seus consentimentos.
  2. Uma preferência pelas vantagens imaginadas desta ordem social mesmo que concebidas.
  3. Uma predisposição para defender tentativas de instanciar ela como um experimento verdadeiro em um futuro mais ou menos próximo.

Este tipo de argumentação é típico de quem quer defender estados e a agressão que estados comentem, e ao mesmo tempo continuar a usar o rótulo de libertário. É um jeito de distanciar o assunto da agressão que eles defendem, ao insinuar a suposição de que o anarquista é a favor de alguma coisa, e portanto precisa prova-la antes de abandonarmos a ordem (estatista) atual e “adotar” o sistema conhecido como anarquia. Esta abordagem tenta pintar a anarquia como apenas mais um dentre tantos sistemas possíveis concorrente igualmente válidos prima facie. Pesa sobre os anarquistas o ônus da prova de que deveríamos “adota-la” do mesmo modo que pesa sobre os socialistas o ônus da prova de que deveríamos adotar o socialismo. Assim, não é surpresa nenhuma que Hollick conclua que, “são chocantes as similaridades entre ‘socialismo’ e ‘anarquismo’. Partidários de cada tipo se apressam para mostrar que suas visões são unicamente viáveis; e as visões cobrem toda a gama de sistemas e práticas mutualmente contraditórias.”

Porém, logicamente, anarquistas não defendem um “sistema substituto”. Não somos a favor de alguma coisa, a não ser de respeito pelos direitos. Mais propriamente, somos an-arquistas, “sem (crença em) governantes (políticos)”. Simplesmente não somos persuadidos de que a ação política seja legítima. Isto porque vemos que os estados, por suas naturezas, cometem agressão – e como somos libertários e contra a agressão (veja meu O que é libertarianismo), somos, portanto, contra estados.

Em outras palavras, ser um anarco-libertário é simplesmente se opor a agressão, e reconhecer que estados são inerentemente agressivos. Isto não quer dizer que, por exemplo, como afirma Hollick, nós anarquistas, enquanto anarquistas, mantemos “Uma crença de que uma ordem social baseada plenamente no livre mercado de propriedade privada pode ser alcançada e mantida sem [qualquer coisa].” O anarquista não é alguém que tem uma crença sobre “o que irá funcionar”. Ao invés disso, ele é alguém que se opõe a agressão em todas as suas formas. Como eu expliquei no O que significa ser um anarcocapitalista:

As críticas dos conservadores e dos minarquistas-libertários ao anarquismo, baseando-se em argumentos como “não vai funcionar” ou “não é prático”, são apenas confusas. Anarquistas não (necessariamente) predizem que a anarquia será implementada — eu, por exemplo, não acredito que será. Mas isso não significa que o estado seja justificável.

Considere uma analogia: Conservadores e libertários concordam que crimes cometidos por indivíduos (assassinato, roubo, estupro) são injustificáveis e não deveriam ocorrer. Entretanto, não importa o quão bondosos os homens se tornem, sempre haverá alguns elementos que recorrerão ao crime. O crime é algo que sempre estará conosco. E, ainda assim, continuamos condenando o crime e trabalhando para reduzi-lo.

É logicamente possível não haver qualquer tipo de crime? Claro que sim. Todas as pessoas poderiam voluntariamente escolher respeitar os direitos das outras. Assim, não haveria crime algum. É fácil imaginar. Porém, dada a nossa experiência com a natureza humana e suas interações, é seguro dizer que sempre haverá crimes. Contudo, mesmo em face da inevitabilidade de sua recorrência, ainda consideramos que o crime é algo maligno e injustificável. Portanto, à minha afirmação de que o crime é imoral seria estupidez e hipocrisia redarguir dizendo que “trata-se de uma visão impraticável” ou “mas isso não funcionaria,” “uma vez que crimes sempre existirão”. O fato de que sempre existirão crimes — que nem todos irão voluntariamente respeitar os direitos alheios — não significa que é algo impraticável se opor a eles; também não significa que o crime é justificável. Não há qualquer “falha” na proposição de que o crime é errado e imoral.

Da mesma maneira, à minha afirmação de que o estado e suas agressões são injustificáveis seria hipocrisia redarguir dizendo que “a anarquia não vai funcionar” ou que ela é “impraticável” ou que “é improvável que ela venha a ocorrer”. A ideia de que o estado é injustificável é uma posição normativa e ética. O fato de não serem muitas as pessoas que estão dispostas a respeitar o direito de seus vizinhos permitirem que a anarquia surja — ou seja, o fato de haver um grande número de pessoas que (erroneamente) apoiam a legitimidade do estado, permitindo que ele exista — não significa que o estado, e suas agressões, sejam justificáveis.

Em outras palavras, não dá para Hollick atacar o anarco-libertarianismo argumentando que não mostramos que “uma ordem social baseada plenamente no livre mercado de propriedade privada pode ser alcançada e mantida sem [qualquer coisa].” Na verdade, já que anarco-libertarianismo somente significa oposição estrita a agressão, atacar a anti-agressão apenas é defender a agressão. E não se pode justificar a agressão alegando-se que libertários não provaram que uma ordem de propriedade privada pode “funcionar”. Que tipo de argumento é esse? “Senhor, por que está me roubado? Por que o senhor pode fazer isso?” “Por que? Porque você não provou que uma ordem de propriedade privada pode funcionar, é por isso!”

 

Tradução de Fernando Chiocca

Artigo original aqui.

4 COMENTÁRIOS

  1. Estatistas (notadamente os de esquerda) têm uma gigantesca dificuldade em diferenciar causa e efeito.
    Questione um deles se seria capaz de cometer homicídio (caso não fosse considerado crime pelo Estado) para vê-lo gaguejar…

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