A mágica da Universidade Mises

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MU MUDedico este artigo à memória do estudante libertário John David Fernandez, que infelizmente não tive a oportunidade de conhecer, mas que marcou a vida das pessoas que o conheceram. J.D., como era conhecido, foi a primeira pessoa a escrever um artigo sobre a experiência do Mises University, no qual me inspirei para redigir este. J.D. viveu pouco, mas viveu como um homem livre.

Agradeço a Deus pela dádiva de ter conhecido o movimento libertário.

Agradeço aos meus pais por terem me presenteado com esta linda viagem ao Alabama e Geórgia.

E agradeço ao professor Nelson Cantarino, de História Econômica e das Organizações, pela carta de recomendação. Sei que ele não concorda com uma única palavra deste artigo, mas defende até a morte o direito que tenho de dizê-las. Eu também não concordo com uma só opinião dele, mas o admiro pelo ambiente acadêmico de debates e honestidade intelectual que ele propicia em suas aulas.

Introdução: o que é o Mises University e qual a sua importância?

Fazer um curso de economia em plenas férias escolares é algo que, alguns anos atrás, soaria para mim como insanidade.

Economia? Aquelas gigantescas séries de índices, números, e gráficos arbitrariamente despejados por “experts” tentando matematizar as interações humanas, apenas para serem contraditados dias depois pelos fatos observados?  Por que alguém em sã consciência escolheria estudar esta (para usar um termo de Thomas Carlyle) “ciência sombria”, sem serventia alguma?

Por muito tempo, mantive este sentimento de desconfiança em relação à ciência econômica.  Isto só mudou quando entrei na faculdade de administração e estudei as disciplinas de microeconomia e macroeconomia curriculares.  E então a desconfiança se transformou em ódio.

Nada daquilo fazia sentido. A ortodoxia mainstream que me foi lecionada não possuía nenhum embasamento epistemológico, nenhuma sustentação empírica, nenhuma consistência lógica.  Pior: possuía graves implicações éticas. Repleta de falsas premissas, falácias utilitaristas e conclusões coletivistas, a doutrina econômica que atualmente prevalece no meio acadêmico me assustou a ponto desenvolver em mim uma rejeição à economia.

Não havia relação entre uma aula e outra ou entre uma disciplina e outra, nem tampouco uma capacidade dos modelos estudados em explicar algum aspecto do mundo real. Eu decorava as fórmulas para passar nas provas, esquecendo-as tão logo entregava a avaliação ao professor. Como resumiu Cristiano Chiocca, era uma “completa conversa de loucos travestida de ciência.”

Francis Bacon, em Novum Organum Scientiarum, descreve os falsos ídolos que impedem o homem de adquirir o verdadeiro conhecimento. O filósofo destaca os “ídolos do teatro” (idola theatri) como os mais perigosos.  São representações da realidade que nada possuem de reais, mas que gozam de ampla aceitação devido à sua natureza dogmática. É o caso dos sofismas econômicos ministrados nos cursos superiores do mundo inteiro. São absorvidos sem o devido questionamento, mas não consistem na verdadeira ciência econômica e sim em um disfarce teatral.

Então eu não odiava economia, e sim aquela farsa. A verdadeira ciência econômica me era desconhecida.

Em Living the Truth, o filósofo Josef Pieper afirma que algo é bom se estiver de acordo com a realidade, e que é necessário que a nossa cognição seja capaz de alcançar a essência das coisas. Através dos meus amigos do Instituto Mises Brasil, conheci a única escola econômica consistente com a realidade: a Escola Austríaca de Economia. Maravilhado pelo contato com a essência da economia, nela me aprofundei e percebi quão boa ela é.

Embora não se trate de um campo normativo, seu conhecimento leva qualquer pessoa de caráter e bom senso a conclusões éticas. Sua divulgação poderá libertar a humanidade de séculos de mentiras goebellianas contadas pelo establishment político e contribuir para o fim da tirania estatal.

O que há alguns anos me pareceria insanidade se tornou uma das melhores decisões que eu já tomei. Viajei quase 8000 km até a sede do Mises Institute em Auburn, Alabama, EUA, para estudar economia (dentre outros campos do conhecimento) no curso de uma semana do Mises University.

Trata-se de um curso de escola austríaca de economia e de ciências sociais sob uma abordagem libertária, abrangendo temas como ciência política, ética, história e sociologia. Além das aulas regulares, o aluno pode participar de atividades complementares como filmes, palestras de convidados e eventos sociais.  Ao final do curso, os estudantes podem realizar uma prova escrita opcional para testar seus conhecimentos.  Aqueles que são aprovados podem fazer o Mündliche Prüfung, um rigoroso exame oral. Destes, alguns se classificam para uma etapa final, da qual emergem os três primeiros colocados que ganharão prêmios em dinheiro, oferecidos por doadores do instituto.

A maioria das aulas é disponibilizada online aqui, aqui e através do curso Virtual Mises University, oferecido pelo Mises Academy.

Como disse John David Fernandez, o Mises University é como uma mini-universidade. A admissão se dá mediante uma aplicação para processo seletivo. Há bibliotecas das quais se pode pegar livros emprestados, dentre muitos outros recursos. Há alunos que são summer fellows envolvidos em projetos de pesquisa e que, juntamente com acadêmicos na função de observadores, frequentam os cursos avançados para pós-graduandos.

Os estudantes costumam se instalar no Cambridge Dorm, um alojamento estudantil da Universidade de Auburn que aprimora imensamente nossa capacidade de valorizar a cama e o quarto que temos em casa. É possível, no entanto, se hospedar no Auburn University Hotel, a poucas dezenas de metros de distância.

O credenciamento aconteceu na tarde do dia 20 de Julho, em um Domingo. Após o jantar no próprio instituto, os alunos se reuniram no Wolfe Hall, um grande salão com bancadas e cadeiras cujas paredes mal aparecem por trás das imponentes estantes de livros. E não são livros de autoajuda ou de esoterismo, mas tratados adensados de alguns dos maiores intelectuais da Terra. Alguns deles emprestam seu nome àquela atmosfera acadêmica, escrito em alto relevo na parte mais alta das paredes.

Jeff Deist, o atual presidente do Mises Institute, abriu o evento, destacando a presença de alunos oriundos das mais diversas instituições de ensino, especialmente aquela de maior relevância e desempenho de elite: o homeschooling.

De fato, ser educado em casa é uma dádiva e não vale a pena sequer ir até a esquina para sofrer lavagem cerebral nos campos de doutrinação que as escolas e faculdades do mundo inteiro se tornaram.

Por outro lado, é compensador viajar ao Alabama para se aprimorar no Mises University, onde é possível experimentar um pouco do que a instituição universitária foi na sua origem medieval: um local de livre debate de ideias onde se cultiva aquilo que o Cardeal Newman chama de “hábito filosófico da mente”.

Não há doutrinação. Os professores apenas fornecem substrato teórico para que os alunos escolham sua própria convicção, como Otto Maria Carpeaux dizia ser o papel de uma universidade.

O aprendizado é mútuo. As diferenças brutais entre as credenciais acadêmicas dos senior fellows e dos estudantes colegiais não impedem que estes tenham suas ideias debatidas, consideradas ou que até consigam mudar o ponto de vista de um docente.

Os alunos aprendem uns com os outros. Minha colega Maureen Barahona, médica, explicou-me fatos interessantíssimos sobre regulação no setor de saúde.

Acostumado a ver estudantes reclamando da carga de leitura? No Mises University você os verá pedindo sugestões de autores e procurando os professores para autografar livros recém comprados.

Os docentes, por sua vez, são extremamente prestativos em tirar dúvidas dos alunos, e até mesmo em ajudá-los com projetos de pesquisa. O professor Robert Murphy, por exemplo, me enviou um valioso material para a minha pesquisa sobre como uma sociedade libertária evitaria a formação de novos estados.

Naquele que eu chamei de Dia Zero, o professor Thomas Woods proferiu a palestra de abertura, chamada “O Papel da Economia Austríaca no Movimento de Liberdade”.  Sintetizando de forma brilhante a simbiose entre a ética libertária e a sólida ciência econômica, Woods ressaltou o fato de a escola austríaca ter conquistado praticamente toda a atenção dos movimentos de liberdade ao redor do mundo. Afirmou também que o Mises University é sua semana favorita. Não demorei muito para entender o motivo.

Aspectos acadêmicos: como é o curso?

O curso é uma ode ao conhecimento. Os alunos anotam não apenas o conteúdo ensinado, mas também os inúmeros insights que florescem nas mentes fertilizadas pelos debates e reflexões.

Os 15 professores (Tom Woods, Andrew Napolitano, Walter Block, Thomas DiLorenzo, Lucas Engelhardt, Roger Garrison, David Gordon, Jeffrey Herbener, Robert Higgs, Guido Hülsmann, Peter Klein, Bob Murphy, Joe Salerno, Timothy Terrell e Mark Thornton) ofereceram mais de 60 aulas de 1 hora de duração cada. Os alunos cursam 37 delas, sendo 19 disciplinas comuns e 18 eletivas.

As disciplinas comuns introduzem o aluno aos conceitos fundamentais da economia.  Logo no primeiro dia (segunda-feira) os estudantes foram familiarizados com a metodologia e a história da Escola Austríaca, com a teoria austríaca do capital, e com os conceitos de valor subjetivo, preços e dinheiro.

Destaco uma aula de David Gordon chamada “Praxeologia, a Método da Ciência Econômica”. Em meio às suas piadas, como direi?, tradicionalistas (muitos já as decoraram), o professor apresentou uma fascinante introdução ao estudo lógico da ação humana: a praxeologia, a ciência da ação humana, da qual a economia é um ramo.  Ela parte do axioma da ação humana, segundo o qual o homem age, e de alguns poucos postulados.  A partir disto, a praxeologia deduz logicamente princípios apriorísticos, ou seja, que não podem ser falseados por análises empíricas.  É assim que o verdadeiro conhecimento econômico é adquirido.

E temos uma evidência empírica disto: o professor Gordon adquiriu tanto conhecimento que se tornou uma enciclopédia humana, uma walkingpedia. Pergunte-lhe algum conceito e ele te dirá a nota de rodapé onde ele é citado.

Ao longo do curso, os alunos estudaram aplicações e implicações da praxeologia embasadas por fatos históricos. A impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo, a economia bancária, e a dinâmica dos ciclos econômicos foram alguns dos temas abordados.

As disciplinas eletivas cobriram uma ampla gama de assuntos em diferentes campos da ciência. Muitas vezes elas eram lecionadas no mesmo horário, em salas distintas. E como era difícil escolher qual assistir! Aprender mais sobre a história dos padrões monetários com Joseph Salerno ou reforçar meus argumentos anti-protecionistas com Mark Thornton?

Houve, contudo, uma decisão fácil e definitivamente acertada: inscrever-me no curso especial “A Constituição Americana e o Livre Mercado”, ministrado pelo Juiz Andrew Napolitano, um dos grandes nomes do libertarianismo mundial. Possui uma oratória digna de Demóstenes e atualmente é analista sênior de assuntos jurídicos da Fox News.

Para ser aceito no curso é necessário fazer uma aplicação para um processo seletivo específico e se comprometer a frequentar todas as nove aulas.

Durante as aulas comparamos a terminologia jusnaturalista da Declaração de Independência com o positivismo que permeia a Constituição. Analisamos as diversas maneiras por meio das quais o estado interpreta o texto constitucional em proveito da própria expansão. Estudamos casos famosos, muitos dos quais estabeleceram uma perigosa jurisprudência contrária a liberdade e ao livre mercado.

E tudo isto por meio do método socrático, no qual o professor dialoga com o aluno incitando-o à reflexão. Ao ouvirmos o juiz dizer nosso nome, levantávamos como em um tribunal.  Éramos então questionados ou convidados a expor uma opinião a respeito de um caso. Algumas vezes outro estudante discordava e a sala de aula se transformava na Suprema Corte.

Foi neste ambiente verdadeiramente acadêmico que concluímos, por exemplo, pela invalidade processual da tributação. Diferente daquela falácia nebulosa do contrato social que o seu professor de direito lhe fez engolir em sua faculdade mainstream?

Por falar em mainstream, devo ressaltar que as vertentes econômicas ortodoxas foram amplamente cobertas durante o curso. Enquanto as instituições de ensino convencionais omitem a existência da Escola Austríaca por desconhecimento ou por medo, os professores do Mises University expõem constantemente a teoria mainstream de maneira intelectualmente honesta.

Em algumas ocasiões, ideias keynesianas e monetaristas eram apresentadas a título de curiosidade ou de comparação. Soavam como piadas! Em outras, o objetivo era refutá-la diretamente. Na palestra “Uma Crítica Austríaca à Economia Mainstream” o professor Block o fez sem piedade. Aliás, nem mesmo os triângulos macroeconômicos do professor Garrison foram poupados da fúria blockeana! (sim, austríacos também têm suas desavenças internas).

Os cursos convencionais de economia, direito, ciência política e de outras humanidades sofrem de um assustador grau de compartimentação acadêmica. Não há relação epistemológica entre as disciplinas ministradas e não é raro elas se contradizerem. Algumas vezes isto ocorre na mesma aula, como quando um professor afirmou, corretamente, que comparações interpessoais de utilidade são impossíveis; mas minutos depois começou a igualar funções matemáticas de utilidade para justificar impostos.

No Mises University, ao contrário, os princípios estudados se relacionam entre si e com os fatos históricos. A análise do professor DiLorenzo refutando o conceito de monopólio natural é sustentada pelas exposição da natureza do empreendedorismo, na aula do professor Klein.  Os argumentos do professor Terrell demolindo a ideia de que o capitalismo perverte a cultura e a moralidade são complementados pela interessantíssima palestra de Guido Hülsmann a respeito de como a moeda fiduciária provoca degradação cultural e moral.

Foi, aliás, em outra aula do professor Hülsmann que eu entendi a essência, a simplicidade e a beleza do mercado financeiro e seu papel em uma sociedade livre. Nas aulas de finanças da faculdade nos é apresentada uma enxurrada de modelos matemáticos com fórmulas gigantescas que, além de não guardarem relação alguma com o mundo real e de terem falhado miseravelmente em Wall Street, são chatos demais! Muito diferente da útil e agradável abordagem praxeológica de Hülsmann.

E enquanto os comuns dos mortais estiverem entusiasmados com o boom econômico causado pela expansão artificial de crédito, aqueles que assistiram à aula “Previsão e o Ciclo Econômico” de Mark Thornton saberão que a euforia é apenas um sintoma da proximidade da depressão. Terão assim uma chance de se precaverem.

Apesar de a minha posição anarcocapitalista ser anterior ao Mises University, imagino que dificilmente algum resquício de estatismo sobreviveria ao curso. Timothy Terrell e Peter Klein demonstram a superioridade do livre mercado nos setores ambiental e de pesquisa científica, respectivamente. Já Robert Murphy explorou a essência da teoria anarquista em uma análise da produção privada de justiça, segurança e defesa militar.

Se você assistir a essa aula e ainda achar que o estado é superior em prover segurança e paz, pense outra vez enquanto assiste à espetacular palestra proferida pelo professor Robert Higgs durante o curso. Aprenda como o estado se alimenta da guerra enquanto a financia através de meios fraudulentos e de roubo.

Recomendo aos futuros alunos do Mises University que não percam as aulas opcionais. Uma delas foi uma emocionante palestra do convidado especial Gary North. O professor falou sobre as possibilidades da carreira acadêmica no âmbito da tradição austrolibertária, ressaltando que a qualidade dos trabalhos produzidos prepondera sobre a quantidade. E finalizou com a ideia de que, mesmo que sigamos outra profissão, não podemos ignorar o nosso chamado, ou seja, a missão para a qual somos destinados. Para nós, esta missão inclui a difusão e fortalecimento dos ideais de liberdade.

Finalmente, há os painéis com os docentes, um de teoria (mais filosófico) e outro de procedimentos (mais aplicado). Os professores debatem questões formuladas pelos alunos.

O curso do Mises University ensina a questionar. Quando aquele seu livro didático mainstream da faculdade afirmar que existem bens públicos (aqueles que, supostamente, o livre mercado não poderia prover), lembre-se:  o empreendedorismo humano sempre encontra uma solução lucrativa para atender às necessidades das outras pessoas de maneira voluntária. É por isso que alguns são empreendedores e outros são escritores de livros didáticos furados.

Isento de hipocrisia politicamente correta, o curso ensina que ganhar dinheiro (claro que de forma honesta) é bom.

Talvez a maior lição do curso tenha sido um comentário do Juiz Napolitano.  Um homem honrado é fiel aos seus princípios. Em uma terra livre, ele morrerá fiel aos seus princípios em uma cama, cercado pelos seus familiares, incluindo netos e bisnetos. Em uma terra sem liberdade ele morrerá fiel aos seus princípios fuzilado em praça pública.

Neste curso aprendemos que preservar a liberdade é preservar a vida.

A experiência do Mises University: como é estar lá?

Adentrar as paredes do Mises Institute pela primeira vez é uma experiência memorável. Os nossos heróis intelectuais estão ali. E à disposição dos alunos. (Para ter uma ideia do que isso significa para um libertário, imagine um fã de heavy metal em um curso musical ministrado presencialmente por astros como Ritchie Blackmore, Ozzy Osbourne e Eric Adams).

A decoração clássica combinada com as imponentes fileiras de livros da Biblioteca Murray N. Rothbard confere uma otimista sensação de triunfo da civilização sobre a barbárie.

Em uma grande e impecavelmente organizada mesa de madeira próxima à entrada os alunos apanham guias do evento, material de anotação e um crachá com nome (muito útil para saber como se escreve o nome daquele seu novo amigo polonês).

Nele consta também o nome do seu padrinho, ou seja, a pessoa que pagou pelo seu curso. São doadores do Mises Institute que permitem que este sonho se realize, e que sequer conhecem os estudantes.

Pouco mais adiante, como se a estupefação de caminhar entre gigantes não fosse suficiente, erguem-se as estantes da livraria repletas de joias do austrolibertarianismo. Consumi como um keynesiano, a ponto de ter que comprar uma segunda mala para acomodar os livros. Havia também camisetas, souvenires e pôsteres à venda.

O gerente da livraria, Brandon Hill, tão prestativo quanto conhecedor da Escola Austríaca, está sempre disposto a lhe ajudar a encontrar aquele livro que você queria para surrar seu professor socialista (você pode interpretar esta frase literalmente também, visto que alguns livros têm mais de 1000 páginas).

Minutos após a chegada, conheci pessoalmente meu amigo do facebook, Guilherme Benezra, também libertário. Neste mesmo dia eu reencontraria o editor da Revista do IMB Alex Catharino e faria inúmeros novos amigos e contatos.

Foi então que percebi que o Mises University é mais que um curso de Escola Austríaca e teoria libertária. É uma oportunidade única de conversar pessoalmente com liberais e libertários do mundo inteiro, cultivar amizades, fortalecer o networking libertário mundial e, é claro, se divertir.

Um dos meus professores da faculdade disse que eu só me tornei um libertário por viver no Brasil, e que se eu tivesse nascido em um país rico eu sequer saberia quem foi Ludwig von Mises. Como ele explicaria o fato de haver alunos libertários dos EUA, Dinamarca, Reino Unido, Alemanha, Suécia, Canadá, Israel, Singapura, Suíça, República Checa, França e Holanda no Mises University, além de outros 14 países?

A explicação foi dada pelo próprio Mises e está exposta no balcão da livraria: “Tanto a força quanto o dinheiro são impotentes contra ideias.”

O desejo de ser livre permanece vivo nos indivíduos enquanto neles houver algum resquício de natureza humana, independentemente das circunstâncias.  Eventualmente, um contato ainda que breve com ideias de liberdade, aliado à reflexão crítica, pode transformar esta chama tênue em um incêndio indomável. Quando uma pessoa tem a felicidade de passar por esse processo, não há propaganda estatal, ilusão coletiva, nem censura ou ameaça capaz de matar este ideal.

Ao longo daquela curta porém intensa semana vivemos momentos inesquecíveis. Embora tenhamos aprendido muito nas aulas, era fora delas que as experiências mais emblemáticas, informações mais inusitadas e piadas mais espirituosas eram encontradas. Era um brinde à ordem espontânea.

Naquele ambiente mágico, alguns padrões sociais se alteram, tal qual ocorre com alguns padrões da física em um buraco negro. Usar uma camiseta do economista francês Robert Turgot (1727 – 1781) ou um moletom estampado com gráficos comparando as teorias austríaca e keynesiana dos ciclos econômicos torna você um descolado. E se você disser que não é anarquista as pessoas olharão com estranheza.  Lá você encontra meninas bonitinhas lendo textos de epistemologia praxeológica e de política monetária. E quando você lhes conta uma piada de keynesiano elas não só entendem como riem.

Seja na rodinha de piadas politicamente incorretas com Tom Woods e Jörg Guido Hülsmann no lobby do Auburn University Hotel, seja acessando uma rede sem fio de um aluno chamada NSA Surveillance nos corredores do alojamento, é fácil notar o aguçado e peculiar senso de humor naquelas paragens.

Certa vez almoçamos na mesa da entrada com Walter Block e quase nos esquecemos de voltar à sala de aula. Perdíamos a noção do tempo enquanto debatíamos com ele as mais profundas implicações da teoria libertária, tais como contratos implícitos e a (falta de) ética das reservas fracionárias. Onde quer que houvesse uma janela de tempo, lá estava Block cercado de estudantes entusiasmados, explorando as mais intrigantes questões.

Na terça-feira, todos os alunos e professores se reuniram no anfiteatro externo para a tradicional foto oficial. Com sua forma semicircular e bancadas de tijolos em degraus ao longo do declive, o local lembra mesmo um anfiteatro da Grécia Antiga. Para além do último degrau estende-se um verdejante gramado com mesas e cadeiras, emoldurado por arbustos e flores. O “filósofo em meditação” de Rembrandt, que deve ter passado muito tempo enfurnado, iria gostar muito de sentar ali para relaxar e apreciar as discussões ao entardecer.

E as pessoas incorporaram a maneira rothbardiana de encarar a noite: como uma criança. Alguns desafiavam Tom Woods para uma partida de xadrez. Outros apreciavam um show de jazz no restaurante do hotel. Havia também as sessões de filme nas salas do alojamento, ou de jogos de tabuleiro. E havia, como não poderia deixar de ser, os baladeiros. Raros eram os seguidores do Professor Garrison, que iam dormir cedo.

Na quinta-feira à noite alunos e professores foram a um bar com karaokê, onde os libertários mostraram que sua gama de talentos não se limita às ciências sociais. Não faltaram alunos dançarinos, roqueiros e cantores country. Mas o grande número da noite foi o Professor Robert Murphy cantando Margaritaville e outros sucessos.

Dois alunos se destacaram de forma especial no curso: Andrew Widener e Guilherme Benezra. Widener estava dando muito trabalho ao Professor Woods, exímio enxadrista acostumado a aplicar rápidos massacres contra seus oponentes.  Por causa disso o programa do curso foi alterado. A partida de xadrez oficial da semana, marcada para as 18:45 da quinta-feira, seria originalmente um duelo entre Woods e Walter Block. Passou a ser um embate entre Woods e Widener. E o aluno venceu, refutando qualquer falácia de apelo à autoridade!

Benezra conseguiu uma façanha ainda mais notável. Fez o circunspecto Professor Joseph Salerno rir! Alguns dizem que foi uma ocorrência inédita.

Na tarde de sábado houve o jantar da premiação, onde foram anunciados os alunos aprovados no Mündliche Prüfung, os aprovados com honras (dentre os quais este que vos escreve, modéstia a parte) e os três alunos que receberam os prêmios em dinheiro: Edgar Duarte Aguilar, Matei Apavaloaei e Kyle Marchini

MU WOODS 2.jpgTive a honra de sentar com James Herring, que se tornou libertário na década de 1980 após ler alguns artigos de Lew Rockwell, e hoje é um dos doadores do Mises Institute. Notem na história deste homem a importância da divulgação das ideias de liberdade.

Conforme o evento ia se aproximando do fim, uma saudade antecipada começava a se agigantar. As pessoas já ensaiavam as despedidas quando Tom Woods comentou conosco sobre a “depressão pós-Mises University” que o acomete todo ano. Respondi-lhe com o mesmo comentário que dirigi ao Juiz Napolitano: “alegremo-nos, pois aconteceu”.

Woods estava com a camiseta mais descolada de todas, estampada com a foto de Joseph Salerno e sua frase-bordão: “That’s Unbelievable!” (Isto é inacreditável). É a melhor maneira de resumir o que é a experiência do Mises University. Inacreditável.

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