Mais um abuso estatal (atualizado)

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O assunto do momento é o anúncio da administração Lula sobre a extinção da isenção do imposto de importação sobre remessas internacionais de baixo valor (de até cinquenta dólares americanos).

Desejo, neste artigo, destrinchar os detalhes da questão e demonstrar o absurdo que Lula, Fernando Haddad (ministro da Fazenda) e Gabriel Galípolo (secretário-executivo do Ministério da Fazenda) estão anunciando fazer. Antes disso, faço algumas considerações de teor libertário.

O estado é uma organização — composta por seres humanos — que pratica violações contínuas e institucionalizadas dos direitos de propriedade num determinado território. O estado é apenas um aparato de coerção e compulsão, de intimidação e ameaça, de violência e agressão que conseguiu se institucionalizar. O estado é uma instituição que arroga a si mesma a condição de soberano i.e., de violador supremo dos direitos de propriedade.

O estado — uma instituição criminosa comandada por políticos e burocratas — sempre possui a tendência a ampliar o tamanho e o alcance das expropriações que pratica. O estado encontra-se na permanente busca de alcançar um nível “ótimo” de expropriações.

As três principais maneiras pelas quais o estado realiza as suas expropriações são: a tributação, a regulamentação e a inflação monetária. E tais maneiras costumam se entrelaçar.

(1) A tributação envolve a expropriação estatal de uma parcela da riqueza (bens econômicos; produtos e serviços) criada, transacionada e consumida pela população. Praticamente todos os atos da vida econômica são “fatos geradores” de “obrigações tributárias”.

O tributo constitui a expropriação estatal mais nítida, mais visível.

Na concepção positivista-jurídica moderna, o tributo é a obrigação, decorrente de imposição estatal (“lei”), de entregar dinheiro ao estado; o tributo configura apenas uma “relação jurídica entre credor e devedor”, com base no “ordenamento jurídico”, que, conforme a ideologia positivista-jurídica, seria a “vontade popular transformada em normas jurídicas”.

Antigamente, existia a ideia dos tributos “in natura” (mercadorias) e “in labore” (serviços).

Ora, se as pessoas obtêm receitas por meio do seu trabalho (serviços) ou da sua produção (mercadorias), então a atual concepção positivista-jurídica de tributo — apenas “in pecunia” — realmente envolve as expressões “in natura” e “in labore”.

A obrigação de transferir riqueza ao estado, então, é indireta.

Fala-se na “função extrafiscal” dos tributos; o estado imporia alíquotas altas ou baixas conforme os comportamentos que deseje estimular ou desincentivar. A tributação, portanto, seria uma ferramenta para realizar engenharia social.

Um elevadíssimo imposto de importação, então, teria a “função extrafiscal” de “proteger e estimular a indústria nacional” diante da “predatória” concorrência estrangeira (que oferta produtos melhores e mais baratos).

(2) A regulamentação envolve todos os textos normativos arbitrariamente inventados e impingidos pelo estado; envolve todas as ordens arbitrariamente inventadas e impingidas pelo estado aos indivíduos, os quais, assim, devem viver as suas vidas e utilizar as suas propriedades apenas conforme as limitações, as restrições, as obrigações e as proibições arbitrariamente inventadas e impingidas pelo estado. Textos normativos classificados hierarquicamente de “constituição”, “leis” (textos normativos infraconstitucionais) e “regulamentos” (textos normativos infralegais) compõem o gigante e sempre crescente monstrengo regulamentador do estado — monstrengo esse conhecido por legislação.

Existe a necessária distinção — infelizmente suprimida pela grande influência do positivismo jurídico nos meios midiático e acadêmico — entre lei e legislação.

A lei é composta por normas que têm base na ética e que, portanto, realmente propiciam a coexistência humana pacífica (i.e., que de fato evitam e resolvem conflitos). A lei encontra-se essencialmente nos direitos de propriedade (controle exclusivo sobre bens físicos, incluindo-se nisso o corpo dos indivíduos).

A legislação compõe aquilo que foi descrito anteriormente: o conjunto — cada vez mais volumoso — de comandos arbitrariamente inventados e impingidos por políticos e burocratas.

E esse conjunto de textos normativos de diversas categorias hierárquicas (de textos normativos de natureza geral que dão poder a textos normativos de natureza mais específica) não é nada perfeito. Textos normativos de categoria superior são muitas vezes desconsiderados e deturpados por textos normativos de categoria inferior — especialmente aqueles textos normativos de categoria superior que buscam garantir direitos individuais (direitos de propriedade) diante das agressões estatais.

(3) A inflação monetária envolve a adição de quantidades de dinheiro fiduciário (mero papel-moeda, meros dígitos eletrônicos) à economia; com esse “recurso” adicionalb, o estado paga despesas suas e deprecia o poder aquisitivo do dinheiro fiduciário que ele próprio força a população a utilizar em transações diárias.

Comecemos agora com esta nota do Ministério da Fazenda publicada em 12/04/2023 e atualizada em 13/04/2023:

A respeito de notícias que têm circulado em redes sociais mencionando o “fim da isenção de US$ 50 para compras on-line do exterior”, o Ministério da Fazenda esclarece:

Nunca existiu isenção de US$ 50 para compras on-line do exterior. Portanto, não faz sentido afirmar que se pretende acabar com o que não existe. Nada muda para o comprador e para o vendedor on-line que atua na legalidade.

O que o Ministério da Fazenda pretende fazer é reforçar a fiscalização. A partir da Medida Provisória, o exportador vai ter que prestar declaração antecipada com dados do exportador e de quem compra, além do produto.

Sobre o fim dos US$ 50,00 de isenção de pessoa física para pessoa física, o Ministério da Fazenda esclarece:

Esse benefício — que deixará de existir — se aplica somente para envio de pessoa física para pessoa física. Se, com base nele, empresas estiverem fracionando as compras e se fazendo passar por pessoas físicas, estão agindo ilegalmente.

Com as alterações anunciadas, não haverá qualquer mudança para quem, atualmente, compra e vende legalmente pela internet.

As mudanças vão beneficiar o consumidor que vai receber suas compras on-line mais rápido, com mais segurança e qualidade. Isso porque os produtos terão o processo de liberação agilizado, a partir das informações prestadas pelo vendedor legal, enquanto ainda estiverem em trânsito para o país.

Beneficiam-se também as empresas brasileiras, sobretudo as pequenas empresas, que são as que mais empregam e pagam corretamente os seus tributos.

O artigo 2 do decreto-lei 1.804, de setembro de 1980, estabelece, no inciso II (cuja redação foi atualizada pela lei 8.383, de 1991), que o Ministério da Fazenda irá “dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas”.

O Ministério da Fazenda criou a portaria (texto normativo infralegal) 156, de 24 de junho de 1999.
O parágrafo segundo do artigo primeiro dessa portaria diz: “Os bens que integrem remessa postal internacional no valor de até US$ 50.00 (cinquenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.”

O dispositivo dessa portaria restringe o valor de isenção a 50 dólares americanos. Ele, aparentemente, estaria dentro do poder que o decreto-lei concedeu ao Ministério da Fazenda (“até cem dólares”), mas inventa, legisla uma regra: somente remessas internacionais entre pessoas físicas (destinatário e remetente) estão isentas. (E fica duvidoso se o decreto-lei realmente deu ao Ministério da Fazenda o poder de limitar para 50 dólares americanos o valor da isenção.)

O decreto-lei diz que basta o destinatário ser pessoa física para ser beneficiado com a isenção do imposto de importação — contanto que o valor da remessa internacional não ultrapasse cem dólares americanos.

O decreto-lei não deu ao Ministério da Fazenda o poder de estabelecer que o remetente deva também ser pessoa física. Apenas lhe deu o poder de normatizar sobre a aplicação da isenção do imposto de importação sobre remessas internacionais destinadas a pessoas físicas no valor de até cem dólares americanos.

Porém, na realidade, o que está realmente valendo é a portaria 156/1999 do Ministério da Fazenda. Uma portaria que afronta uma norma que lhe é superior. Sobre o fim dos US$ 50,00 de isenção de pessoa física para pessoa física, o Ministério da Fazenda esclarece: Esse benefício — que deixará de existir — se aplica somente para envio de pessoa física para pessoa física. Se, com base nele, empresas estiverem fracionando as compras e se fazendo passar por pessoas físicas, estão agindo ilegalmente.” Esse trecho da nota do Ministério da Fazenda é extremamente enganoso. Quem está realmente agindo ilegalmente (i.e., contra um texto normativo na categoria hierárquica de “lei”) é o próprio Ministério da Fazenda. Ademais, ele está ameaçando extinguir algo que se encontra fora do seu alcance. Um texto normativo na categoria hierárquica de “lei” — o decreto-lei 1.804, de 1980 — somente pode ser modificado ou extinto por outro texto normativo de mesma categoria hierárquica.

Esta notícia veiculada em 14/04/2023 no portal do poder judiciário federal da quarta região é, porém, um pequeno alento:

Liminar determina liberação de mercadorias importadas por menos de US$ 100

Um morador de Palma Sola, Oeste de Santa Catarina, obteve na Justiça Federal liminar para que a Receita libere três chaveiros, com valor total de US$ 40,70 (cerca de R$ 200 no câmbio de hoje), que foram importados da Suécia e retidos pela Receita em Curitiba (PR) para pagamento de impostos. O Juízo da 2ª Vara Federal de Chapecó acolheu o argumento do cidadão, de que as mercadorias importadas com preço inferior a US$ 100 são isentas de tributos.

Segundo a decisão proferida ontem (13/4), a jurisprudência reconhece que “a isenção estabelecida pelo Decreto-Lei nº 1.804/80 alcança mercadorias de até 100 dólares norte-americanos (US$ 100), cujo destinatário seja pessoa física”.

O valor dos chaveiros estaria, inclusive, abaixo do limite de US$ estabelecido em uma portaria e uma instrução normativa da Receita de 1999. Entretanto, a Justiça considera que o limite ainda assim é de US$ 100, porque essas normas não poderiam reduzir o valor previsto naquele decreto.

“A legislação tributária que trata de isenção, da qual é exemplo o Decreto-Lei nº 1.804/80, deve, nos termos do art. 111 do CTN [Código Tributário Nacional], ser interpretada de forma literal, de modo que a portaria e a instrução normativa não poderiam ter restringido o alcance da norma contida no diploma legal”.

Os chaveiros seriam — ou ainda poderão ser — dados de presente de aniversário e são confeccionados em couro ou metal, com motivos de letras do alfabeto ou trevo de quatro folhas.

“O periculum in mora resulta da possibilidade de devolução da mercadoria importada ao remetente após o vencimento do DIS [demonstrativo de impostos e serviços]”, considerou o Juízo. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre.

Essa questão de extinguir a isenção do imposto de importação para remessas internacionais de baixo valor veio à tona porque empresários corporativistas — como o caricato Luciano Hang, conhecido pela alcunha “Velho da Havan”, e o dono das lojas Riachuelo, Flávio Rocha — não estão gostando da concorrência de empresas asiáticas como Shein, Shopee e AliExpress.

Lula, Haddad e Galípolo são pessoas que desejam proteger os grandes empresários brasileiros da concorrência estrangeira.

Ademais, ressalta-se o inciso IV do artigo 150 da constituição do estado brasileiro:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV — utilizar tributo com efeito de confisco; (…)”

A alíquota de 60% do imposto de importação é manifestamente confiscatória. Encontra-se flagrantemente contrária a essa vedação constitucional. Trata-se de flagrante violação a essa vedação.

E essa enorme alíquota incide tanto sobre as mercadorias quanto sobre o frete; a soma “mercadorias + frete” é chamada de “valor aduaneiro”. Além disso, ocorre a incidência de ICMS (o pomposo imposto estadual sobre “circulação de mercadorias e serviços”) sobre a soma “valor aduaneiro + imposto de importação” — sim, o ICMS incide inclusive sobre o imposto de importação. O valor total da expropriação estatal sobre remessas internacionais pode facilmente ultrapassar o percentual de 100%. Caso a pessoa não cumpra o pagamento, sujeita-se à devolução do pacote ao remetente e, inclusive, ao perdimento do pacote.

Tudo para “proteger a indústria nacional” e forçar a população brasileira — especialmente a sua parcela mais pobre — a adquirir itens dos grandes empresários brasileiros.

Itens esses que, muitas vezes, não são da melhor qualidade, não apresentam uma variedade mais ampla e, principalmente, não são sequer similares aos itens estrangeiros.

O padrão material de vida dos brasileiros é severamente restringido.

E não estou me referindo apenas a itens considerados “supérfluos” (roupas, perfumes, entre outros). Qualquer item que alguém considere necessário para a sua felicidade, o seu bem-estar e a sua saúde (mas que não seja medicamento aprovado pela ANVISA ou livro/periódico) sofre, na prática, essa gigantesca, ultrajante, acintosa exação.

Aparentemente, a extinção da isenção do imposto de importação para remessas internacionais de baixo valor ainda não ocorreu. Foi apenas anunciada.

Galípolo, funcionário de Haddad (o qual, por sua vez, é funcionário de Lula), ameaçou: uma “medida provisória” (texto normativo na categoria de “lei”) está a caminho.

A “Frente Parlamentar do Empreendedorismo”, liderada pelo excelentíssimo senhor doutor Marco Bertaiolli, compõe uma das forças que iniciou todo esse ultraje. Nada de novo. O grande empresariado brasileiro é extremamente corporativista, extremamente fascista, extremamente contrário ao livre mercado (à livre concorrência; à plena liberdade de entrada no processo de mercado).

Os grandes empresários brasileiros devem a sua fortuna à proteção e aos benefícios que o estado lhes concede.

Sendo o fascista sistema trabalhista um enorme aliado. Na prática, o poder judiciário trabalhista (cujos burocratas — juízes, desembargadores e ministros — recebem nababescos proventos) e a CLT (“consolidação das leis do trabalho”) aumentam os custos dos negócios e asfixiam as pequenas e médias empresas — além, é claro, sob a prepotente justificativa de “zelar pelo lado com hipossuficiência”, de restringirem e até mesmo proibirem a liberdade dos próprios trabalhadores de aceitarem termos, condições, rendimentos e formas de remuneração diferentes.

Mesmo com o real bastante depreciado (atualmente são necessários aproximadamente cinco reais para comprar um dólar americano; desvalorização essa perpetrada pela administração Bolsonaro), algo que, por si só, faz as importações encarecerem muito, os grandes empresários brasileiros ainda consideram “predatória” a concorrência de varejistas asiáticos. Eles, aliás, desejam tomar o lugar desses varejistas: importar as mercadorias da Ásia na condição de pessoas jurídicas e, agindo como atravessadores, como intermediários, vendê-las aqui no Brasil para a população brasileira a preços ainda maiores.

Ao contrário da sua retórica, a esquerda brasileira — assim como a maioria dos políticos considerados “de direita” — não está preocupada com os pobres; está na realidade preocupada apenas com os salários e as mordomias dos funcionários estatais (políticos e burocratas), com os grandes empresários, com os sindicalistas e com muitas celebridades milionárias.

Recentemente, a administração Lula torrou 65 (sim, sessenta e cinco) mil reais num sofá e 42 (sim, quarenta e dois) mil reais numa cama para o conforto do excelentíssimo senhor doutor “presidento” e da sua primeira-dama. No ano passado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), cujos membros se dizem preocupados com todos os “hipossuficientes” trabalhadores brasileiros, lançou um edital para adquirir quarenta cadeiras de luxo para o conforto dos excelentíssimos senhores doutores ministros, cada cadeira custando 13 (sim, treze) mil reais.

O estado — a organização que pratica violações contínuas e institucionalizadas dos direitos de propriedade num determinado território; o poder político; o sistema de agressão institucional — sempre foi, é e será um instrumento para a espoliação de uma maioria e para o correspondente enriquecimento de uma minoria.

Nota de atualização

Em 18/04/2023, a administração Lula disse “estar recuando” da sua ideia de extinguir a isenção do imposto de importação para remessas internacionais de baixo valor entre pessoas físicas (remetentes e destinatários).

Mas não disseram que irão respeitar o decreto-lei 1.804/1980.

Muito menos que irão respeitar o inciso IV do artigo 150 da constituição, que veda a utilização de tributo com efeito de confisco. A alíquota de 60% deveria sofrer grande redução.

O inciso II do artigo segundo do decreto-lei em questão diz que basta o destinatário ser pessoa física; o remetente pode tanto ser pessoa física (indivíduo) quanto pessoa jurídica (empresa). Ademais, tal inciso fala de um limite maior, de até cem dólares americanos.

Na prática, o tal “recuo” se refere apenas à possibilidade de extinção desse benefício entre pessoas físicas. A administração Lula continua com a ideia de tributar remessas de baixo valor provenientes de varejistas asiáticos (Shopee, AliExpress, Shein) — pessoas jurídicas.

Remessas internacionais de baixo valor entre pessoas físicas que provenham de outros lugares (por exemplo, Austrália, Espanha, Rússia, Costa Rica, Egito, Canadá, Panamá, entre muitas outras regiões) talvez fiquem com o benefício intocado.

Mas remessas entre pessoas físicas provenientes da Ásia — em especial, da China — sofrerão maior escrutínio do Ministério da Fazenda (por meio da sua superagência, a Receita Federal).

Outra atualização do artigo (data: 25.07.2024)

O inciso II do artigo 2 do decreto-lei 1.804, de 03 de setembro de 1980, o qual estabelecia a isenção do imposto de importação para remessas internacionais de até cem dólares (texto: “dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas”), foi REVOGADO pela lei 14.902, de 27 de junho de 2024, que instituiu um tal de “Programa de Mobilidade Verde e Inovação”. Clique aqui para conferir as modificações realizadas no decreto-lei.

Tais mudanças — a extinção da isenção; o estabelecimento de uma alíquota de 20% de imposto de importação sobre remessas internacionais de até 50 dólares americanos (e a manutenção da alíquota de 60% para remessas acima de 50 dólares); e a concessão de poderes ao Ministério da Fazenda para impingir vários outros comandos referentes à importação de bens — foram inseridas num texto normativo (a lei 14.902, de 27 de junho de 2024) cuja matéria nada tem a ver com a questão do protecionismo. Essas mudanças — um verdadeiro “jabuti” legislativo — foram aprovadas pelo congresso (câmara dos deputados e senado) em votações rápidas, meramente simbólicas, após conchavos na surdina com o poder executivo chefiado pelo “presidento” Lula.

Então, a partir de agora, todas as remessas internacionais de até 50 dólares americanos sofrerão a incidência de um imposto de importação de 20%. Além desse imposto, incidirá um imposto sobre consumo (ICMS; futuramente, IBS) de, no momento, 17%. A carga tributária total sobre a remessa internacional de até 50 dólares americanos — lembremos que a soma “mercadorias + frete” é chamada de “valor aduaneiro” e que o imposto sobre consumo incide também sobre o imposto de importação (sobre a soma “valor aduaneiro + imposto de importação”) — ultrapassará os 40%.

O excelentíssimo senhor doutor senador Jorge Seif, do Partido Liberal (PL) de Santa Catarina, proferiu, em prol do protecionismo, um vociferante discurso cheio de chavões e falácias:

“Tomemos a solução, uma postura de estadistas, de protetores da indústria nacional, de protetores do comércio brasileiro. Emprego, renda, imposto — imposto esse que paga o nosso salário, que paga a infraestrutura, que paga a saúde, que paga o MEC. Eu não posso acreditar que Senadores da República vão ficar defendendo emprego, renda e dinheiro pra chinês, preterindo a indústria nacional, o comércio nacional. Não sejamos hipócritas nem populistas; sejamos homens de posição. Porque o cidadão consciente vai entender que chineses não podem fazer o que querem no comércio brasileiro como têm feito. Um milhão de pacotes por dia. Descaminho. Sonegação. Contrabando. Subfaturamento. Desemprego. É isso que nós vamos votar? Com certeza não, senhor presidente [do senado].”

Essa conversa — com insuportáveis afetações de intelectualidade e superioridade moral — de “proteger a indústria nacional” não é nada nova; é extremamente antiga. Trata-se de algo repetido ad nauseam por várias décadas a fio. O resultado está óbvio: uma “indústria nacional” que, em geral, mostra-se defasada, mimada, atrasada em questões de tecnologia e gestão, com pouca competitividade perante empresas e produtos do estrangeiro. O protecionismo — assim como, por exemplo, a volumosa regulamentação (burocratização) da economia brasileira (incluindo-se nisso o fascista sistema trabalhista) — não trouxe progressos verdadeiros ao país; apenas promoveu (e continua promovendo) atrasos e subdesenvolvimento.

Se todo esse intervencionismo do aparato de coerção — toda essa interferência estatal na economia, na cultura, na educação — fosse, de fato, salutar, benéfico, positivo para o desenvolvimento e a civilização, então o Brasil, com a sua altíssima carga de tributação e de burocracia, seria atualmente, após todas essas décadas, um dos lugares mais avançados do mundo em termos econômicos, culturais e tecnológicos. A realidade, porém, revela-se o oposto. Apenas pessoas com a mente dominada pela ideologia socialista-coletivista (notadamente indivíduos egressos de cursos universitários de “ciências humanas/sociais/jurídicas”) continuam achando que o Brasil, com o seu gigantesco estado, com os seus eminentíssimos políticos e burocratas, seja realmente o ápice da humanidade.

2 COMENTÁRIOS

  1. Ótimo texto, Marcelo.

    Depois vou divulgar o artigo em grupos de libertários.

    A piada é essa frente parlamentar ter o “empreendedorismo” no nome, sendo que não há nada de empreendedor em se buscar privilégios mercantilistas.

    Nenhuma surpresa os grandes empresários virem reclamar. Quem sabe assim, o PT consiga algum apoio político a mais.

    Parabéns ao juiz que emitiu a liminar. Infelizmente acaba sendo exceção, todavia.

  2. Outra razão pela qual o texto é enganoso é que pelo remessa conforme que o mesmo governo instituiu há pouco tempo, compras abaixo dos 50 dólares pagam “apenas” o ICMS (antes devido a diferença da arbitrariedade dos fiscais não costumavam pagar nem isso), mesmo que sejam de pessoas jurídicas. É o que está valendo atualmente, pelo menos até 1 de agosto quando isso vai acabar.

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