Nos últimos anos, poucos assuntos geraram tanta comoção entre o público geral do que a questão da pena de morte. Por todo o país, e principalmente nas áreas urbanas, uma crescente onda de crimes violentos, assaltos e homicídios geraram uma efervescente pressão popular pela restauração da pena de morte para os homicídios.
Mesmo que unicamente por essa razão, o movimento libertário deve abordar diretamente a questão da pena capital, pois somente se abordarmos honesta e diretamente os assuntos do dia é que poderemos tornar o libertarianismo relevante para o público. Não há dúvidas de que a esmagadora maioria do público, independente de credo ou ocupação, apóia veementemente o retorno da pena de morte, pondo um fim à abolição que havia sido implementada por intelectuais de esquerda e seus simpatizantes judiciais.
Mesmo a altiva Suprema Corte dos Estados Unidos já oscilou. Em 1972 ela baniu toda e qualquer pena capital com base na nova e curiosa doutrina constitucional de que isso violava a proibição imposta pela Oitava Emenda de “punição cruel e atípica”. Em 1976 e 1977, entretanto, ela recuou a ponto de autorizar a pena de morte para homicídios apenas (e não para estupro ou sequestro), mas somente onde sua imposição não havia sido tornada compulsória pela legislatura local. Atualmente, trinta e três estados possuem estatutos para a pena de morte, os quais continuam sendo testados nos tribunais.
O Partido Libertário, de cujo comitê faço parte, vem tentando se esquivar da questão da pena de morte até que um consenso mais amplo sobre a teoria da punição seja obtido dentro do movimento libertário. As opiniões dentro do movimento variam ampla e abertamente, indo desde a visão ultrapacifista de que todo o tipo de punição deve ser abandonado, até a posição do “juiz carrasco”, que diz que qualquer violação da propriedade privada de alguém, por menor que seja, demonstra que o criminoso não possui qualquer respeito pelos direitos de propriedade e que, portanto, esse pequeno agressor deve ser executado. Independente das opiniões, o fato é que não podemos nos dar ao luxo de continuar adiando um posicionamento acerca da questão da pena de morte. Esta tornou-se uma questão premente na vida política, deixando de ser apenas mais um fascinante problema da eminente teoria libertária. Precisamos antes resolver esse problema dentro de nossos quadros para, só então, promovermos nossa visão no debate público.
Em minha opinião, não se trata de uma mera casualidade o fato de haver muito pouco apoio entre o público para a pena de morte que não seja para o crime de homicídio — ainda que na Inglaterra do século XVIII, por exemplo, a pena de morte tenha sido empregada com prestimosa naturalidade para vários tipos crimes. Creio que os instintos do público estejam corretos quanto a esse quesito: ou seja, que a punição deve ser de acordo com o crime; que a punição deve ser proporcional ao crime praticado. A justificativa teórica para tal é que um agressor perde seus direitos à medida que ele viola os direitos de outro ser humano. Se A rouba $10.000 de B, então ele não apenas deveria ser obrigado a devolver esses $10.000 (sendo essa a posição “restitucionista”, com a qual a maioria dos libertários concordaria), como também deveria perder o direito de ter $10.000 para si próprio; ou seja, ele deveria ser forçado a pagar à vítima $10.000 por sua agressão.
Porém, se A perde seu direito de ter $10.000, deveria B, a vítima, também ter o direito de executar A pelo seu crime? É claro que não, pois desta forma a punição seria grosseiramente desproporcional. O criminoso perderia, desta forma, uma importante parte de seus próprios direitos, e B — a vítima anterior — e seus cúmplices estariam agora cometendo seu próprio ato de agressão contra A.
É relativamente fácil determinar punições monetárias no caso de roubo. Mas e quanto a crimes como homicídio? Neste caso, em minha opinião, o assassino perde precisamente o direito do qual ele privou outro ser humano: o direito de ter sua vida preservada e protegida da violência de outra pessoa. O assassino, portanto, merece ser morto em troca. Ou, colocando de forma mais exata, a vítima — neste caso seu representante, na forma de herdeiro ou testamenteiro — deveria ter o direito de executar o assassino em troca. Os libertários não podem mais se dar ao luxo de adiar uma abordagem quanto à pena de morte. A questão tornou-se um problema urgente demais.
A tese esquerdista de que a pena de morte é brutal porque é condescendente com o assassinato é falaciosa porque tira do contexto o isolado ato de matar o assassino: o contexto do assassinato anterior que o agressor cometeu. Já estamos familiarizados com o fato de que os esquerdistas, ao derramarem lágrimas pelo assassino condenado, deliberadamente ignoram a violência muito mais trágica que este assassino cometeu contra sua vítima.
Outra reclamação comum dos esquerdistas é a de que a pena de morte não desestimula novos homicídios de serem cometidos. Todas as estatísticas são seguidamente torturadas na tentativa de “provar” ou refutar essa alegação. Embora seja impossível provar seu grau de dissuasão, parece ser incontestável o fato de que alguns homicídios seriam desencorajados pela pena de morte. Algumas vezes o argumento esquerdista aproxima-se perigosamente da alegação de que nenhuma punição pode impedir crime algum — uma visão manifestamente absurda que poderia ser facilmente testada: remova todas as punições legais para o não pagamento do imposto de renda e observe se haveria alguma redução nos impostos pagos (quer apostar?). Ademais, o próprio assassino certamente será “dissuadido” de repetir seu crime — e de modo bem permanente.
Porém, em todo caso, observe que não formulei meu argumento em termos utilitaristas, como a dissuasão de futuros crimes; meu argumento foi baseado em direitos básicos e na exigência de justiça. O libertário posiciona-se a favor dos direitos individuais não simplesmente tendo por base suas consequências sociais, mas mais enfaticamente tendo por base a justiça que é devida a cada indivíduo. Alguns estados americanos autorizam a pena de morte apenas para assassinos de policiais ou guardas penitenciários, e não para quaisquer outros casos de homicídios. Ao libertário resta apenas considerar tais estatutos uma obscenidade. Impor a pena de morte exclusivamente para assassinos de funcionários do governo, e não também para os assassinos de cidadãos comuns, é algo que pode ser considerado no mínimo uma grotesca caricatura de justiça. Afinal, isso significa que o propósito do governo é o de proteger integralmente apenas os direitos de seus próprios membros e os de mais ninguém?
Até aqui estive ao lado dos proponentes da pena de morte, aliando-me aos instintos do público em geral e contra os sofismas da elite intelectual esquerdista. Porém, há uma importante diferença. Enfatizei durante todo esse tempo o direito da vítima, e não o da “sociedade” ou do estado. Em todos os casos, deveria ser a vítima — e não a “sociedade” ou “seu” promotor público — quem deveria fazer as acusações e decidir se irá ou não exigir alguma punição. A “sociedade” não tem direito algum e, portanto, não tem o que palpitar no caso em questão. O estado hoje monopoliza a oferta dos serviços de defesa, de justiça e de punição. Enquanto ele continuar fazendo isso, ele deveria agir como nada mais nada menos que um agente voltado para a guarda e cumprimento dos direitos da cada indivíduo — nesse caso, os da vítima.
Se, portanto, um crime for cometido, deveria ser função da vítima prestar queixas ou decidir se a restituição ou punição devida a ela deve ser impingida pelo estado. A vítima deveria ter a possibilidade de dizer ao estado para não prestar queixas ou para não punir a vítima na totalidade em que tem direito. Assim, suponha que A pratique uma agressão contra B; porém, se B for um pacifista ou não acreditar em punições por algum motivo qualquer, então o estado não deveria poder, como pode hoje, continuar processando A em nome da “sociedade”, mesmo com a vítima insistindo para que isso não ocorra. Ou, de modo similar, o criminoso deveria poder negociar com a vítima um preço para não ser processado ou punido. Pois, neste caso, a vítima concordou voluntariamente em permitir que o criminoso pague a ela uma restituição monetária em lugar de outras sanções contra ele.
Em suma, dentro dos limites de seu direito proporcional à punição, a vítima deveria ser a única a decidir o quanto de seu direito ela quer exercer — e se ela quer exercê-lo.
Porém, e isso já foi dito, como podemos deixar a decisão para a vítima no caso de assassinato, precisamente o único crime que remove a vítima totalmente do cenário? Podemos realmente confiar que seu herdeiro ou testamenteiro irá cumprir total e sinceramente os interesses da vítima, especialmente se permitirmos ao criminoso pagar pela anulação da punição, ao lidar diretamente com o herdeiro?
Este, entretanto, não é um problema insuperável. A resposta para esse impasse é lidar com o problema da mesma maneira que os desejos de uma pessoa falecida são cumpridos: por meio de um testamento. O falecido pode instruir herdeiros, tribunais e terceiros em como ele gostaria que um eventual assassino seu fosse tratado. Nesse caso, pacifistas, intelectuais esquerdistas e afins poderiam deixar cláusulas em seus testamentos instruindo as autoridades a não matar, ou até mesmo a não processar um criminoso na eventualidade de seu assassinato; e as autoridades seriam obrigadas a obedecer.
Como uma questão prática, aqui e agora, e até que tais desejos se tornem uma prática comum, os libertários podem entrar na arena política com a seguinte e bem definida posição, uma posição que não apenas endossa os ardorosos instintos do público em geral, mas que também os instrui ainda mais nos princípios libertários, a saber: defendemos a pena de morte para todos os casos de homicídio, exceto para aqueles casos em que a vítima deixou um testamento instruindo seus herdeiros a não impor a pena capital em qualquer possível assassino seu. Desta forma, aqueles que possuem uma consciência pacifista, progressista ou complacente podem descansar em paz sabendo que nunca tomaram parte da pena de morte. Enquanto isso, o resto de nós pode usufruir a pena capital que gostaríamos de aplicar, livres da interferência de esquerdistas inoportunos e intrometidos.