A Teoria da Moeda e do Crédito não alcançou nada próximo da recepção que merecia. A profissão de economista dominada pela Escola Historicista-Schmollerita de economia deu ao livro, como era de se esperar, muita pouca atenção. Até os austríacos viraram um ouvido surdo para as brilhantes inovações de Mises. Nessa época, Mises era há anos um membro dedicado do famoso seminário de Eugen von Böhm-Bawerk na Universidade de Viena. Após a publicação da Teoria da Moeda e do Crédito, o seminário de Böhm-Bawerk passou dois semestres inteiros discutindo a obra de Mises. O consenso rejeitou totalmente as contribuições de Mises. Böhm-Bawerk admitiu que a lógica de Mises, e sua análise do processo passo-a-passo, estava correta.
Böhm, portanto, não negou que uma mudança na oferta monetária não simplesmente aumentaria todos os preços de forma equiproporcional. Pelo contrário, o dinheiro nunca poderia ser “neutro” para o sistema de preços, e qualquer mudança na oferta de dinheiro deve obrigatoriamente alterar preços e rendimentos relativos.
Böhm admitiu esses pontos, mas depois traiu a essência da metodologia austríaca, alegando que tudo isso poderia ser alegremente ignorado como sendo apenas “atrito”. Como Mises disse,
Segundo ele [Böhm], a velha doutrina estava correta “em princípio” e mantinha sua significância total para uma análise voltada para “ação puramente econômica”. Na vida real há resistência e atrito que fazem com que o resultado se desvie daquele que se chegou teoricamente. Tentei em vão convencer Böhm-Bawerk da inadmissibilidade do uso de metáforas emprestadas da mecânica.[1]
Com Böhm-Bawerk e seus companheiros austríacos tendo incompreensivelmente rejeitando a abordagem “praxeológica” de Mises em oposição à abordagem positivista [ou seja, sua percepção de que cada passo da teoria dedutível tem que ser verdadeiro para evitar injetar erro e falsidade não erradicáveis na teoria] e desprezando sua integração do aspecto monetário na teoria geral e tendo sido desdenhado por schmolleritas e positivistas, Ludwig von Mises partiu sem reclamar para o caminho solitário de esculpir uma nova escola de pensamento econômico “neo-austríaca”.
Concordando com ele ou não, Ludwig von Mises era claramente um economista de grandes inovações, certamente digno de um cargo acadêmico na Universidade de Viena. Verdade, que como resultado de sua Teoria da Moeda e do Crédito, Mises foi nomeado em 1913 para um cargo como professor na Universidade. Mas foi apenas para o não pago, quiçá prestigiado, posto de privatdozent.
Enquanto Mises deu palestras e um seminário semanal de grande sucesso na Universidade pelas próximas duas décadas, ele nunca conseguiu um cargo universitário remunerado, e, portanto, teve que continuar em tempo integral como economista da Câmara de Comércio, e como o principal conselheiro econômico do país. Ele ainda não tinha o lazer necessário para perseguir sem impedimentos seu brilhante trabalho criativo na teoria econômica.
A carreira de Mises, juntamente com a de muitos outros, foi interrompida durante os quatro anos da Primeira Guerra Mundial. Depois de três anos na frente de batalha como oficial de artilharia, Mises passou o último ano da guerra na divisão de economia do Departamento de Guerra, onde ele foi capaz de escrever artigos em revistas sobre comércio exterior, e em oposição à inflação, e publicar Nation, Staat und Wirtschaft [Nação, Estado e Economia] (1919) em nome da liberdade étnica e cultural para todas as minorias.
A questão dos cargos acadêmicos foi então enfrentada plenamente após o fim da guerra. A Universidade de Viena conferiu três cargos remunerados para professores de economia: antes da guerra, eles foram preenchidos por Böhm-Bawerk, seu cunhado Friedrich von Wieser, e Eugen von Philippovich. Böhm morreu tragicamente logo após o início da guerra, Philippovich se aposentou antes da guerra, e Wieser seguiu logo após o fim da guerra.
A primeira vaga foi para o antigo professor de Mises, Carl Grünberg, mas Grünberg foi para uma cadeira em Frankfurt no início da década de 1920. Isso deixou três vagas em Viena, e foi geralmente assumido que Mises iria obter uma delas. Certamente, por qualquer padrão acadêmico, ele merecia.
A cadeira de Grünberg foi para outro historiador, o Conde Ferdinand Degenfeld-Schönburg, uma “não-entidade completa” [Fritz Machlup], cujas únicas qualificações para a posição eram seu título de nobreza e suas “desfigurantes lesões de guerra”[2].
Mas e os outros dois postos, ambos programados para teóricos, sucedendo Wieser e Böhm-Bawerk? Apesar de suas inovações não serem aceitas pelos austríacos ortodoxos, Mises era claramente o portador da grande tradição austríaca.
Conhecido como um excelente professor, seu artigo em 1920 sobre a impossibilidade de cálculo econômico sob o socialismo foi a crítica teórica mais importante já nivelada ao socialismo. Não só isso: foi tão reconhecido pelos socialistas de todo o continente, que esses trabalharam — sem sucesso — por quase duas décadas para tentar refutar as críticas desafiadoras de Mises.
Mas Mises nunca foi escolhido para um cargo acadêmico remunerado; na verdade, ele foi deixado de lado mais de quatro vezes. Em vez disso, as duas cadeiras teóricas foram (a) para Othmar Spann, um sociólogo organicista austríaco treinado pela Alemanha, mal consciente da economia, que se tornaria um dos mais proeminentes teóricos fascistas da Áustria, e (b) para Hans Mayer, sucessor escolhido a dedo por Wieser, que, apesar de suas contribuições para a teoria da utilidade austríaca, dificilmente estava na mesma liga que Mises.
Mayer, além disso, desaprovava fortemente as conclusões liberais laissez-faire de Mises. O corpo docente da Universidade de Viena, antes da guerra a inveja da Europa, começou a assumir as dimensões de um zoológico, com Spann e Mayer em intriga um contra o outro, e contra Mises, que como um privatdozent, era um homem de baixa hierarquia no totem acadêmico.
Mayer humilhava abertamente Spann para os alunos, e sistematicamente batia a porta na cara de Spann se ambos entrassem em uma sala. Spann, por sua vez, cada vez mais antissemita em um ambiente de antissemitismo em desenvolvimento, denunciou nomeações de acadêmicos judeus em reuniões secretas do corpo docente, e também puniu Mayer por apoiar tais nomeações.
Mayer, por outro lado, conseguiu adaptar-se facilmente à suposição nazista do poder na Áustria em 1938, liderando a faculdade em devoção ostensiva à causa nazista. Mayer, na verdade, informou aos nazistas que Spann era insuficientemente pró-nazista, e Spann foi preso e torturado pelos nazistas em consequência.[3]
Nesta atmosfera fétida, não é de admirar que Mises relate que Spann e Mayer discriminaram seus alunos, que foram forçados a assistir o seminário de Mises sem se registrar, e “também dificultaram muito para aqueles candidatos a doutorado nas ciências sociais que queriam escrever suas teses comigo; e aqueles que buscavam se qualificar para um seminário universitário tinham de ter cuidado para não serem conhecidos como sendo meus alunos.” Os alunos que se inscreveram no seminário de Mises sem se inscrever no seminário de um de seus rivais, não foram autorizados a usar a biblioteca do departamento de economia; mas Mises observa triunfantemente que sua própria biblioteca na Câmara de Comércio era “incomparavelmente melhor” do que a do departamento de economia, então essa restrição, pelo menos, não causou dificuldades aos seus alunos.[4]
Depois de entrevistar amigos e ex-alunos de Mises, Earlene Craver indica que Mises não foi nomeado para uma cadeira de professor porque ele teve três ataques contra ele: (1) ele era um liberal laissez-faire não reconstruído em um mundo de opinião que estava sendo rapidamente capturado pelo socialismo da esquerda marxista ou pela direita corporativista-fascista; (2) ele era judeu, em um país que estava se tornando cada vez mais antissemita;[5] (3) ele era pessoalmente intransigente e não estava disposto a comprometer seus princípios. Os ex-alunos de Mises, F.A. Hayek e Fritz Machlup, concluíram que “as realizações de Mises foram tais que dois desses defeitos poderiam ter sido negligenciados — mas nunca três”.[6]
Mas há, acredito, outra razão importante para este tratamento vergonhoso que Craver não menciona e que Mises sugere em suas memórias, embora talvez sem ver o significado. Ao contrário de seus inimigos bem sucedidos, como Schmoller e Lujo Brentano, e até mesmo Wieser, nem Menger nem Böhm-Bawerk viram a arena acadêmica como um campo de batalha político a ser conquistado. Assim, ao contrário de seus oponentes, eles se recusaram a promover seus próprios discípulos ou seguidores, ou bloquear a nomeação de seus inimigos.
Na verdade, Böhm-Bawerk inclinou-se ainda mais para trás ao incitar as nomeações de inimigos jurados de si mesmo e da Escola Austríaca. Esta forma curiosa de autoabnegação ajudou a torpedear Mises ou qualquer nomeação acadêmica semelhante. Menger e Böhm aparentemente insistiram na visão ingênua de que a verdade sempre vencerá, sem ajuda, sem prestar atenção, sem perceber que esta não é a maneira como a verdade ganha na arena acadêmica ou em qualquer outra arena.
A verdade deve ser promovida, organizada e deve lutar contra o erro. Mesmo que possamos manter a fé de que a verdade, sem ajuda por estratégia ou táticas, vencerá a longo prazo, infelizmente é uma corrida extremamente longa em que muitos de nós, certamente incluindo Mises, estaremos mortos. No entanto, Menger adotou a visão estratégica arruinada de que “há apenas um método certo para a vitória final de uma ideia científica, deixando cada proposição contrária executar um curso livre e completo”.[7]
Enquanto as ideias e a reputação de Mises, ao contrário de seu posto acadêmico, bem como de seus escritos, desfrutavam de uma influência crescente na Áustria e no resto da Europa na década de 1920, sua influência no mundo de língua inglesa era muito limitada pelo fato de que a Teoria da Moeda e do Crédito não foi traduzida até 1934. O economista americano Benjamin M. Anderson Jr., em seu The Value of Money (1917) foi o primeiro escritor de língua inglesa a apreciar o trabalho de Mises, e o restante de sua influência anglo-americana teve de esperar pelo início da década de 1930.
A Teoria da Moeda e do Crédito poderia ter sido muito mais influente se não tivesse recebido uma crítica depreciativa e totalmente incompreensível do brilhante jovem economista John Maynard Keynes, então editor do principal periódico econômico acadêmico britânico, o Economic Journal.
Keynes escreveu que o livro tinha “considerável mérito”, que era “iluminado no mais alto grau possível” [o que quer que isso possa significar], que o autor foi “amplamente lido”, mas que no final Keynes ficou decepcionado porque não era “construtivo” ou “original”. Bem, o que quer que possa ser pensado sobre A Teoria da Moeda e do Crédito, ela foi altamente construtiva e sistemática, e quase extremamente original, e assim a reação de Keynes é intrigante de fato.
O quebra-cabeça foi esclarecido, no entanto, uma década e meia depois, quando, em seu Tratado sobre Dinheiro, Keynes escreveu que “Em alemão, eu só posso entender claramente o que eu já sei, de modo que novas ideias podem passar desapercebidas mim pelas dificuldades da língua”. A arrogância de tirar o fôlego, a pura ousadia de fazer um review de um livro em uma língua na qual ele não conseguia compreender novas ideias, e depois denunciar o livro por não conter nada de novo era muito característico de Keynes.[8]
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Notas
[1] Mises, Notes, p. 59.
[2] Craver, “Emigration”, p. 2.
[3] Após a Segunda Guerra Mundial, Mayer deveria continuar sua carreira de oportunismo sem princípios. Quando os russos ocuparam Viena, eles estavam compreensivelmente prontos para prender Mayer, mas ele tirou seu cartão do Partido Comunista e assegurou aos russos que ele tinha agitado por muito tempo em seu nome. Quando os Aliados substituíram os russos, Mayer estava pronto com seu cartão do partido social-democrata e novamente escapou ileso.
[4] Mises, Notes, p. 95.
[5] Karl Popper lembrando-se de Viena na década de 1920 conta que “tornou-se impossível para qualquer um de origem judaica se tornar um professor universitário.” Fritz Machlup, um distinto estudante e discípulo de Mises, que era judeu, foi impedido de receber seu diploma de habilitação, o equivalente à segunda metade de um doutorado, que era necessário para permitir que alguém ensinasse na Universidade de Viena como um privatdozent. Isso contrastou com o recebimento de suas habilitações para os outros três principais estudantes de Mises, que não eram judeus, Hayek, Haberler e Morgenstern.
Machlup lembra que o apoio de um dos três professores titulares era necessário para levar a habilitação a uma votação. Mayer se opôs a ele por causa do ciúme que o consumia de Mises e dos protegidos de Mises. Spann e Degenfeld-Schönburg se recusaram a votar em Machlup por uma questão de princípio antissemita. Craver, “Emigration”, pp. 23-24.
[6] Craver, “Emigration”, p. 5.
[7] Mises, Notes, p. 38.
[8] O Review de Keynes está no n Economic Journal, Vol. XXIV, pp. 417-419. Sua admissão prejudicial está em seu Treatise on Money (Londres, 1930), I, 199, n. 2. O relato de Hayek deste estudo caracteristicamente toma por ausente a arrogância e a ousadia, e trata o episódio como meramente um defeito de aprendizagem, concluindo que “o mundo poderia ter sido salvo de muito sofrimento se o alemão de Lorde Keynes tivesse sido um pouco melhor”. O problema com Keynes não estava confinado ao seu conhecimento defeituoso do alemão! Hayek, “Tribute to Ludwig von Mises”, em Mises, My Years, p. 219.