A Rússia é o agressor na Ucrânia – é realmente tão simples assim?

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Se você não recebeu o memorando, o governo dos EUA está extremamente interessado que você veja a invasão russa da Ucrânia de uma maneira e apenas de uma maneira: a Rússia é o agressor devido à sua invasão “não provocada” de um país soberano. A Ucrânia deve ser apoiada pela OTAN com todas as “ferramentas” econômicas e financeiras disponíveis para punir a Rússia por esse ato ilegal.

É seu dever como pessoa íntegra e moral sofrer as consequências econômicas dessas sanções porque “é isso que somos”.

É verdade que a Ucrânia não havia cometido nenhum ato explícito de guerra contra a Rússia antes da invasão. Não havia violado as fronteiras da Rússia com tropas. Não havia realizado ataques aéreos a alvos dentro das fronteiras da Rússia. Não havia lançado nenhuma arma biológica contra a população da Rússia (até onde sabemos).

Por esses parâmetros, a Rússia foi certamente o agressor nesta guerra com a Ucrânia. E pelos mesmos parâmetros, os EUA foram o agressor no Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia, Iêmen, Iugoslávia e Kosovo, só para citar algumas intervenções recentes. Então, existem outras razões válidas (pelos seus padrões) para a guerra preventiva?

A razão declarada para invadir o Iraque foram as supostas “armas de destruição em massa” (ADM) que seriam usadas contra os Estados Unidos no futuro. A Rússia também citou armas de destruição em massa (laboratórios de armas biológicas) na Ucrânia que poderiam ser usadas contra a Rússia no futuro.

As armas iraquianas de destruição em massa não estavam lá. Muitas pessoas suspeitam que o governo Bush nunca acreditou que elas estivessem e simplesmente as usou como um falso pretexto para a guerra. Que os planos de invasão tenham sido discutidos na primeira reunião de gabinete de Bush, meses antes de 11/09/2001, certamente dá apoio indireto a essa teoria.

O governo dos EUA negou veementemente que houvesse laboratórios de armas biológicas na Ucrânia até que Victoria Nuland disse a Marco Rubio durante seu depoimento no Senado que os ucranianos tinham “laboratórios de pesquisa”. A nova história tornou-se que os laboratórios estavam estudando biotecnologias “puramente defensivas” para impedir um ataque com armas químicas.

Isso pode ser verdade. No entanto, Nuland está preocupada que os materiais nesses laboratórios possam cair nas mãos dos russos como resultado da invasão. Basta lembrar que as narrativas que recebem apoio total da mídia geralmente evoluem:

“As vacinas contra a Covid são 95% eficazes na prevenção da infecção.” “A proteção das vacinas contra a Covid pode diminuir.” “As vacinas contra a Covid não previnem a infecção, mas previnem doenças graves.” “Nós nunca dissemos que as vacinas contra a Covid previnem a infecção.”

Uma evolução semelhante ocorreu em relação à teoria de vazamento de laboratório do Covid.

No início da controvérsia do laboratório de armas biológicas, a ideia de que havia laboratórios foi desprezada como “teoria da conspiração”. Hoje, eles “não são realmente laboratórios de armas, mas ainda contêm materiais perigosos”. Qual será a história daqui a um mês?

Independentemente disso, parece haver muito mais bases para a alegação russa de laboratórios de armas biológicas na Ucrânia do que para as alegações dos EUA de armas de destruição em massa no Iraque. No entanto, nenhum boicote mundial aos EUA ocorreu após a invasão do Iraque.

A Rússia também afirma estar defendendo repúblicas separatistas em Donbass contra as atrocidades cometidas pelo governo ucraniano. Ninguém contesta que o presidente Zelensky estava bombardeando a região antes da invasão da Rússia. Como isso é diferente das intervenções militares dos EUA na Síria ou Kosovo?

Kosovo é especialmente semelhante por ser uma região separatista, povoada por pessoas de etnia, idioma e cultura diferentes do resto da Iugoslávia. Os EUA tomaram o lado da região separatista contra o governo do país do qual se separou. Tanto no Kosovo quanto na Síria, os EUA justificaram suas intervenções militares com base em supostas atrocidades cometidas pelo governo reconhecido contra os rebeldes.

Por que é diferente quando a Rússia faz isso?

Existem duas diferenças importantes entre o conflito Rússia-Ucrânia e qualquer uma das intervenções militares dos EUA acima mencionadas. Primeiro, a Rússia está intervindo em um conflito em sua própria fronteira, não a milhares de quilômetros dela, como no caso das intervenções dos EUA.

Segundo, a Rússia está obviamente respondendo à tentativa de décadas do governo dos EUA de admitir a Ucrânia na OTAN, justificando assim o envio de tropas e armas da OTAN, incluindo armas nucleares, para a Ucrânia. Esses esforços incluíram a realização de revoluções coloridas para derrubar o governo ucraniano duas vezes, em 2004 e 2014, para esse propósito expresso.

A essa alegação, o complexo de mídia do governo dos EUA responde que a Ucrânia é um país soberano e pode entrar em qualquer aliança que desejar. Putin responde: “Os documentos internacionais consagram explicitamente o princípio da segurança igual e indivisível, que, como você sabe, inclui a obrigação de não fortalecer a própria segurança em detrimento da segurança de outros Estados. Posso consultar aqui a OSCE Charter for European Security adotada em Istambul em 1999 e a Declaração da OSCE de Astana em 2010.”

É a alegação de Putin que a Ucrânia violou esses acordos. Mesmo que não seja um membro oficial da OTAN, tem sido um membro de fato devido ao envio de tropas e armas para a Ucrânia nos últimos oito anos.

Qual é a resposta da OTAN a este argumento?

Alguém realmente acredita que se a Rússia não tão secretamente derrubasse o governo do México, admitindo-o em uma aliança contra os Estados Unidos que incluía, digamos, Cuba e Canadá, e começasse a realizar exercícios militares dentro das fronteiras do México enquanto o presidente mexicano meditava sobre a aquisição de armas nucleares, que o governo dos EUA ficaria de braços cruzados porque “o México é um país soberano?”

Os EUA há muito reivindicam o status de “nação excepcional”, imaginando que têm um mandato para policiar o mundo militarmente e punir o que considera “nações desonestas” por mau comportamento. O que “excepcional” realmente significa é que o governo dos EUA não acredita que a lei internacional se aplica a ele da mesma forma que se aplica a todos os outros países do mundo.

Vladimir Putin demonstrou tremenda contenção enquanto observava a longa marcha da OTAN para o leste em direção às suas fronteiras. O governo dos EUA descartou suas preocupações como as do líder de um “poder secundário”. Seu último esforço diplomático foi feito no final de 2021, pedindo o que qualquer observador objetivo descreveria como garantias muito razoáveis: uma garantia por escrito da neutralidade da Ucrânia e abstenção de colocar armas perto de suas fronteiras.

A “nação excepcional” descartou seus pedidos mais uma vez. Então, Putin agora fez uma declaração clara na Ucrânia: “A Rússia também é excepcional”.

O livro de Provérbios diz: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda.”

Qual nação tinha sido soberba e altiva antes desta guerra estourar?

 

 

Artigo original aqui

1 COMENTÁRIO

  1. Mais um excelente artigo sobre a guerra na Ucrânia.

    É extremamente relevante observar que a mídia corporativa comprou a versão que os russos são os bad guys e os ucranianos donzelas andando de mini saia de madrugada em um arque escuro. Eu acho que agora está mais ou menos claro que a mídia se vende para o poder e ponto final. Não importa que esses caras sejam em sua vasta maioria esquerdistas e progressistas – ou exatamente por isso, no final, eles acabam trabalhando para os interesses mais amplos do sistema.

    “enquanto o presidente mexicano meditava sobre a aquisição de armas nucleares, que o governo dos EUA ficaria de braços cruzados porque “o México é um país soberano?”

    Certamente que não. Por muitos menos os imperialistas americanos invadiram uma pobre ilha chamada Granada, que segundo o governo dos EUA, estava sendo usada como cabeça de ponte dos soviéticos. Isso sem falar que os generais americanos queriam varrer Cuba do mapa durante a crise dos mísseis, sendo que graças ao Kennedy eles foram impedidos. Talvez seja por isso mesmo que o complexo industrial o matou depois.

    A questão é simples. A guerra de video game e drones faz com que a geração snow flake – tem velho também, típica do mundo ocidental dos dias de hoje, ignore que superioridade aérea nunca ganhou guerra nenhuma. Ou seja, bases da OTAN na Ucrânia serviriam para uma vasta concentração de tanques e infantaria bem debaixo do nariz de Moscou. Esse é a fato relevante.

    “documentos internacionais consagram explicitamente o princípio da segurança igual e indivisível, que, como você sabe, inclui a obrigação de não fortalecer a própria segurança em detrimento da segurança de outros Estados”

    Esse trecho é interessante, pois é contra-intuitivo para qualquer sociedade privada. São princípios tipicamente estatistas e não libertários. O meu vizinho não pode invadir o meu terreno apenas porque eu construí um mura alto para me proteger. É por causa destas coisas que a escalada de violência estatal aumenta sobre a população. Os governos entendem a segurança diferente do cidadão comum. Os indivíduos orientam sua segurança para proteger a si próprios, ou seja, defensiva. O estado – que não somos nós, busca orientar sua segurança de maneira sempre e inexoravelmente agressiva. A começar pela maneira como se financia: roubo em larga escala.

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