A democracia liberal dos progressistas fracassou – Descentralização radical é a solução

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As assim chamadas “democracias liberais” têm caracterizado o Ocidente por um século, e são vistas como o pináculo do desenvolvimento político. Tanto é assim que as elites ocidentais estão firmemente convictas de que esse sistema de governança deve ser espalhado por toda a terra – seja indiretamente (por meio de “revoluções” patrocinadas) ou diretamente (sanções econômicas, operações militares, ou expedições para “construir nações”).

Democracias liberais são sistemas nos quais o povo delega o poder político a uma classe política que, pelo menos em teoria, é limitada por uma Constituição no exercício desse poder. Ademais, democracias liberais deveriam proteger liberdades civis, e respeitar nominalmente os direitos de propriedade.

O que pode parecer bom para muitos (pelo menos no papel) não necessariamente funciona bem no mundo real. Ao analisar mais de perto a política do último século no Ocidente, percebe-se rapidamente que a ordem liberal clássica, laissez-faire, do século XIX tornou-se uma preocupação muito distante para os liberais progressistas de hoje. Mais que isso, a democracia liberal moderna tornou-se pouco mais que uma máscara pouco convincente para um autoritarismo velado. A ilusão da democracia liberal no Ocidente foi completamente estilhaçada pela forma como os governos ocidentais responderam à pandemia de covid-19.

Certos eventos no Canadá, um país bem estimado por progressistas do mundo todo, foram reveladores nesse respeito. A invocação da Lei de Emergências pelo primeiro-ministro Justin Trudeau, com o objetivo de calar os protestos do Comboio pela Liberdade, mostrou ao mundo que a democracia liberal não é tão “excepcional” assim – e está tão sujeita a cair em despotismo descarado quanto qualquer outro sistema.

Protestos e bloqueios contra as restrições estritas impostas em nome da luta contra o covid-19 foram o suficiente para o governo Trudeau soltar os proverbiais cães de caça atrás das pessoas que ousaram levantar a voz contra um governo que excedia sua autoridade.

O regime Trudeau matou dois pássaros com uma só pedra ao usar seus poderes de emergência para atacar tanto manifestantes pacíficos quanto o nascente setor de criptomoedas – uma das poucas vias de atividade humana que ainda não foram totalmente envoltas pelo estado. A primeira-ministra substituta Chrystia Freeland anunciou, no meio de fevereiro, que as carteiras de criptomoedas de manifestantes do Comboio pela Liberdade, bem como daqueles que financiavam os protestos, tinham sido congeladas. Apesar de Trudeau ter aparentemente revogado os poderes de emergência de seu governo, o estrago já foi feito.

As ações do governo canadense – em contraste com sua retórica sobre direitos humanos – expuseram o quão vazia é a democracia liberal na era covid-19. Empurradas contra a parede, democracias liberais como o Canadá eventualmente cederam e revelaram ao mundo suas verdadeiras cores tirânicas.

O que o Ocidente está testemunhando hoje é a culminação de mais de um século de expansão contínua do governo. A usurpação de autoridade governamental chegou a tal ponto que quaisquer ilusões que os ocidentais pudessem ter sobre suas supostas liberdades se evaporaram.

Os ocidentais precisarão parar e exercitar um pouco de introspecção. Discordando respeitosamente do grande Ludwig von Mises, a democracia não é a apoteose dos sistemas políticos. Em Nation, State, and Economy, Mises argumentou que:

“Se alguém deseja a paz, então esse alguém deve livrar-se da possibilidade de conflitos entre povos. Apenas as ideias do liberalismo e da democracia têm o poder de fazer isso.”

O liberalismo do século XIX facilita a cooperação social e interações voluntárias. Em contraste, a democracia, no contexto de uma sociedade de massa, levou ao desenvolvimento de um regime tecnocrático que respeita, nominalmente, os direitos de propriedade… mas busca administrar minuciosamente o comportamento humano através do estabelecimento gradual de ditames burocráticos, ao mesmo tempo em que compra a população com assistencialismo. Bancos centrais e um aparato militar vultoso também são características desse estado onipotente, o qual se formou, não por coincidência, durante a consolidação da democracia de massa no século XX.

Para ser justo com Mises, ele era um homem de seu tempo. Ele via a democracia pragmaticamente como o mal menor em um continente europeu destroçado pela guerra, onde monarquias e movimentos nacionalistas nascentes abraçavam ideologias coletivistas. No entanto, a democracia passou de sua vida útil, e já não é mais capaz de conter o tsunami de estatismo que se alastra pelo Ocidente.

Voltar a eras romantizadas do passado não é uma opção. Temos que seguir em frente e abrir um novo caminho para uma sociedade mais justa, baseada na propriedade privada e na liberdade de associação. O jurista Carl Schmitt disse certa vez que “uma verdade histórica só é verdadeira uma vez.”

Estimular a aceitação do liberalismo laissez-faire é sempre bom, pois estabelece alguns limites sobre os desmandos de um regime. Mas a história sugere que baluartes ideológicos não são suficientes.

Talvez esteja na hora de pensar mais ambiciosamente, e podemos fazer isso baseando-nos em um dos aspectos menos apreciados da obra de Mises: a saber, seu foco na descentralização radical. Isso pode ocorrer na forma de nulificação, secessão “branda”, localismo, e outras formas de quebrar o poder centralizado. O desafio perante nós é construir uma alternativa descentralizada que continue com os aspectos positivos da ordem liberal anterior, enquanto retifica suas falhas para forjar uma nova arquitetura de liberdade ordenada e associação voluntária.

Pensar além dos modos tradicionais de organização política será um desafio crucial à medida que os ocidentais navegam as águas inexploradas do despotismo woke. A descentralização radical será o farol luminoso para os países ocidentais que se perderam. Resta ver se esses países ajustarão seus cursos.

 

Artigo original aqui

3 COMENTÁRIOS

  1. A democracia, sem direito à secessão é nula, sob qualquer aspecto que se veja esta questão. Somente este direito é capaz de salvar a democracia para alguma utilidade mais ampla em um sistema de propriedade privada, direitos naturais, direito consuetudinário e princípio da não-agressão. O sistema democrático talvez pudesse de fato, ter uma função para limitar os poderes na sociedade que, evidentemente não seriam políticos, pois o estado tem que ser abolido.

    Sem essas condições eu continuo um ardoroso e militante anti-democrático, inclusive já nem tenho mais título de gado do sistema. É curioso observar neste caso, que os gregos no tempo de Aristóteles consideravam o sorteio uma forma mais justa de democracia, evitando assim o que se convencionou chamar de lei de ferro das oligarquias. Os gregos tinham até mesmo uma “máquina” para fazer o sorteio, chamada kleroterion.

    A democracia é uma grande farsa em todos os lugares. Talvez apenas na Suíça ela tenha alguma credibilidade, mas sendo questão de tempo para cair na mesma lama que chafurda o resto do mundo. Não podemos esquecer que a Suíça é aliada dos movimentos globalistas, pois deixou de ser neutra no caso da guerra da Ucrânia. O Putin pode ser o líder de uma quadrilha poderosa, mas quando todas as outras quadrilhas se juntam, perde-se toda a perspectiva a respeito de quem são os bandidos e os mocinhos, infelizmente.

  2. Crítica 1 – Esse texto sofre do problema de Rothbard mesmo: ele ataca a democracia sem apresentar NENHUM caminho viável. Por exemplo, hoje temos um viés mais progressista e democrático e do outro lado os representas da “liberdade de não tomar vacina” são autoritários centrais baseados no militarismo e no sentimento de rebanho/macho alpha como bolsonaro, trump, erdogan, etc. Do ponto de vista político acho que um texto desse deveria começar “então a maior merda possível é bolsonaro, trump, erdogan, putin, etc… depois disse temos o mal menor que é essa democracia ocidental” sabe? Só para que desavisados não se confundam.

    Crítica 2 – Normalmente essa ideiologia ancapsta presume que tudo pode ser resolvido com livre mercado, infelizmente não é assim pois a própria pandemia fere o princípio de afetar terceiros. Se você não se vacina então você é um vetor de transmissão para outras pessoas. Nesse caso a livre associação só funcionaria se o Estado separasse todos que querem e todos que não querem se vacinar, o que é inviável. No dia que surgir uma vacina contra o câncer, ou uma contra a AIDS aí eu serei o primeiro a defender que esses acéfalos não se vacinem pois nem câncer nem AIDS são transmissíveis pelo ar. PS: Se você encontrar na história da humanindade um caso em que uma população “acertou” ao não se vacinar me diga.

    Crítica 3 – Mesmo encarando como errado essas ações do Estado, mesmo dizendo que elas estão ferindo a liberdade individual, atacando direitos, etc, etc, etc… isso me parece meio catástrofismo não? Ou em outras palavras estão fazendo tempestade em copo dágua. Máscara e não aglomeração era um saco mesmo mas vacina? Putz é a coisa mais fácil de fazer não dá trabalho. A questão é que tudo isso é temporário, maior parte dos lugares já estão parando com essas medidas. Entenda meu ponto de vista: do jeito que você fala parece que o Trudeau confiscou a poupança, desfez o congresso, suspendou a constituição, etc, quando a birra toda é uns marmanjos com medo de agulha. Mesmo aceitando que essa democracia liberal ocidental errou nisso, você não acha perigoso demais querer a destruição dela por esse detalhe? Aindam ais com os verdadeiros autoritários centrais da crítica 1 a espreita???

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