Ultimamente, cada vez mais tem chegado ao nosso conhecimento que muitos autoproclamados libertários recusam a ideia de abolir a escravidão. É quase incrível contemplar isso, pois alguém poderia pensar que pelo menos a definição mínima de um libertário é alguém que favorece a abolição imediata da escravidão. Certamente, a escravidão é o oposto da liberdade?
Mas parece que muitos libertários argumentam o seguinte: os senhores de escravos compraram os seus escravos no mercado de boa fé. Eles têm a nota fiscal de venda. Portanto, o respeito pelos seus direitos de propriedade exige que a escravidão seja deixada intacta, ou pelo menos que o senhor de escravos seja compensado pela perda de seu escravo ao valor de mercado.
Eu costumava acreditar, e escrevi artigos nesse sentido, que a ideia de que os direitistas defendem os “direitos de propriedade acima dos direitos humanos” é apenas uma difamação da esquerda. Mas evidentemente não é uma difamação. Pois estes libertários de fato chegam ao ponto grotesco de defender os direitos de propriedade à custa do direito humano de autopropriedade de cada pessoa. Não só isso: ao assumirem esta posição fetichista, estes libertários pró-escravidão negam o próprio conceito, a própria base, do próprio direito de propriedade. Pois de onde vem o direito de propriedade? Só pode vir de uma fonte básica e suprema – e essa não é a declaração do Estado de que o Sr. A pertence ao Sr. B. Deste direito de autopropriedade deriva o seu direito a quaisquer recursos anteriormente não possuídos e não utilizados que um homem possa encontrar e transformar através da utilização da sua energia de trabalho. Mas se cada homem tem um direito de propriedade sobre a sua própria pessoa, isso nega imediatamente qualquer “direito de propriedade” grotescamente proclamado sobre outras pessoas.
Existem cinco posições possíveis sobre a questão da abolição da escravidão. (1) Que a escravidão deve ser protegida como parte do direito de propriedade e (2) que a abolição só pode ser acompanhada por uma compensação integral aos senhores parece-me que se baseia na nossa discussão acima. Mas a terceira posição (3) – a abolição simples – a que foi adotada, também foi insatisfatória, pois significava que os meios de produção, as fazendas e engenhos em que os escravos trabalhavam, permaneciam nas mãos, na propriedade, dos seus senhores. De acordo com o princípio da apropriação original libertária, (4) as fazendas deveriam ter sido revertidas como propriedade dos escravos, daqueles que foram forçados a trabalhar nelas, e não ter permanecido nas mãos de seus senhores criminosos. Essa é a quarta alternativa. Mas há uma quinta alternativa que é ainda mais justa: (5) punir senhores criminosos e beneficiar os seus antigos escravos – em suma, a imposição de reparações ou danos à antiga classe criminosa, em benefício das suas vítimas. Tudo isto remete a excelente declaração do Liberal de Manchester, Benjamin Pearson, que, quando ouviu o argumento de que os senhores deveriam ser compensados, respondeu que “ele pensava que eram os escravos que deveriam ter sido compensados”.
Deveria ser evidente que esta discussão não é uma coisa do passado. Pois existem hoje muitos análogos à escravidão, um enorme número de casos em que a propriedade foi adquirida não através de esforço legítimo, mas através de roubo do Estado, e onde, portanto, alternativas semelhantes terão de ser analisadas mais uma vez.
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