Ação Humana – Um Tratado de Economia

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Capítulo XXV. A construção imaginária de uma sociedade socialista

QUINTA PARTE

A COOPERAÇÃO SOCIAL SEM O MERCADO

 

CAPÍTULO XXV — A CONSTRUÇÃO IMAGINÁRIA DE UMA SOCIEDADE SOCIALISTA

 

1 — A origem histórica da ideia socialista

 

Os filósofos sociais do século XVIII, quando lançaram as bases da praxeologia e da economia, tiveram de se confrontar com uma distinção, aceita universalmente quase sem contestação, entre o mesquinho egoísmo individual e o Estado — o representante dos interesses da sociedade como um todo. Entretanto, naquele tempo, o processo de deificação, que acabaria elevando os homens que dirigem o aparato de compulsão e coerção à categoria de deuses, ainda não havia atingido a sua plenitude. O que as pessoas tinham em mente ao se referir a governo não era ainda a noção quase teológica de uma deidade onipotente e onisciente, a personificação de todas as virtudes; o que tinham em mente eram os governos reais tal como se apresentavam na cena política. Eram as várias entidades soberanas cujas dimensões territoriais resultavam de guerras sangrentas, de intrigas diplomáticas e de casamentos entre dinastias hereditárias. Eram os príncipes, cujos domínios e renda ainda não estavam, em muitos países, separados do tesouro público, e as repúblicas oligárquicas, como Veneza, e alguns dos cantões suíços, nos quais o objetivo principal da gestão dos negócios públicos era o de enriquecer a aristocracia dirigente. Os interesses desses governantes, por um lado, não coincidiam com os interesses de súditos “egoístas”, preocupados exclusivamente com a própria felicidade, e, por outro lado, também não coincidiam com os governos estrangeiros, interessados somente na expansão de seus territórios e no correspondente butim.

Os autores de livros sobre esses antagonismos geralmente defendiam a causa do governo de seu próprio país. Supunham, bem candidamente, que os governantes são os defensores dos interesses da sociedade, os quais são irremediavelmente conflitantes com os dos indivíduos.

Ao repelirem o egoísmo de seus súditos, os governos estariam promovendo o bem-estar da sociedade, oposto ao dos mesquinhos interesses individuais.

A filosofia liberal rejeitou essas noções. Do seu ponto de vista, na sociedade de mercado não obstruído não existem conflitos entre os interesses corretamente entendidos. Os interesses dos cidadãos não são opostos aos da nação, os interesses de cada nação não são opostos aos de outras nações.

Não obstante, ao demonstrarem essa tese, os próprios filósofos liberais contribuíram para o fortalecimento da noção do Estado divino. Na sua análise, substituíram os governos reais de seu tempo pela imagem de um Estado ideal. Construíram a vaga imagem de um governo cujo único objetivo seria o de promover a felicidade dos seus súditos. Na Europa do Ancien Régime, esse ideal, certamente, não correspondia à realidade. Na Europa daquele tempo, havia principelhos alemães que vendiam seus súditos como se fossem gado, para lutar nas guerras de nações estrangeiras; havia reis que aproveitavam qualquer oportunidade para conquistar os seus vizinhos mais fracos; havia a revoltante experiência da divisão da Polônia; havia a França governada sucessivamente pelos homens mais devassos, o regente Filipe de Orléans e Luís XV; e havia a Espanha governada pelo grosseiro amante de uma rainha adúltera. Como quer que fosse, os filósofos liberais imaginaram um Estado que nada tinha em comum com aqueles governos de cortes e aristocracias corruptas. O Estado, tal como o conceberam em seus escritos, seria governado por um ser sobre-humano perfeito, um rei cujo único objetivo seria o de promover o bem-estar de seus súditos. Partindo dessa premissa, levantaram a seguinte questão: será que as ações individuais dos cidadãos, quando livres de qualquer controle autoritário, não seguiriam caminhos que um rei bom e sábio desaprovaria?

O filósofo liberal responde negativamente a essa pergunta. Ele admite, certamente, que os empresários são egoístas e visam ao seu próprio lucro. Entretanto, na economia de mercado, só podem auferir lucros se satisfizerem da melhor maneira possível as necessidades mais urgentes dos consumidores. Seus objetivos coincidem com os de um rei perfeito. Porque esse rei benevolente visa tão somente a que os meios de produção sejam empregados de forma a propiciar a maior satisfação dos consumidores.

Evidentemente, esse raciocínio implica em introduzir julgamentos de valor e preconceitos políticos na análise dos problemas. Esse governante paternal é meramente um alter ego do economista que, por meio desse artifício, eleva os seus próprios julgamentos de valor à dignidade de um padrão de valores absolutos e eternos válido universalmente. O economista em questão se identifica com o rei perfeito e denomina de bem-estar geral, bem comum, produtividade nacional (wirtschaftliche) os fins que ele mesmo escolheria se tivesse os poderes de um rei, fins esses que seriam diferentes dos perseguidos egoistamente pelos indivíduos. Sua ingenuidade o impede de perceber que esse hipotético chefe de Estado é meramente uma hipótese gerada pelos próprios julgamentos de valor; acredita piamente ter descoberto uma maneira incontestável de distinguir o bem do mal. Sob a máscara do rei paternal e benevolente, o próprio ego do autor é entronizado como o arauto da lei moral absoluta.

A característica essencial da construção imaginária do regime desse rei ideal é a de estarem todos os seus cidadãos incondicionalmente sujeitos a um controle autoritário. O rei emite ordens e todos obedecem. Isso não é uma economia de mercado; deixa de haver a propriedade privada dos meios de produção. Mantém-se a terminologia da economia de mercado, mas, na realidade, já não há mais propriedade privada dos meios de produção, as compras e vendas não são mais verdadeiras, os preços de mercado deixam de existir. A produção não é dirigida pela conduta dos consumidores, revelada pelo mercado, mas por decretos autoritários. O governante atribui a cada um sua posição no sistema de divisão social do trabalho, determina o que deve ser produzido e de que maneira cada indivíduo está autorizado a consumir. Isso é o que, hoje em dia, pode ser corretamente denominado de socialismo do tipo germânico.[1]

Ora, os economistas comparavam esse sistema hipotético, que no entender deles corporificava a própria lei moral, com a economia de mercado. O que de melhor poderiam dizer da economia de mercado era que seus resultados não seriam diferentes dos engendrados pela supremacia do autocrata perfeito. Recomendavam a economia de mercado apenas porque, a juízo deles, atingiria os mesmos resultados que o rei perfeito desejaria atingir.

Assim sendo, a simples identificação do que é moralmente bom e economicamente adequado com os planos do ditador totalitário que caracteriza os defensores do planejamento central e do socialismo não chegou a ser contestada por muitos dos antigos liberais. Pode-se até dizer que eles deram origem a essa confusão quando substituíram os depravados e inescrupulosos déspotas e políticos do mundo real pela imagem ideal do Estado perfeito. É claro que, para o pensador liberal, esse Estado perfeito era apenas um instrumento auxiliar de raciocínio, um modelo com o qual ele comparava o funcionamento da economia de mercado. Mas ninguém deve surpreender-se com o fato de que as pessoas se tenham perguntado por que não passar esse Estado ideal do pensamento para a realidade.

Os antigos reformistas queriam implantar a boa sociedade, confiscando a propriedade privada e promovendo a sua redistribuição; todos teriam uma parte igual e a permanente vigilância das autoridades garantiria a preservação desse sistema igualitário. Com o advento das operações em larga escala na indústria, na mineração e no transporte, esses planos se tornaram irrealizáveis. Não se poderia cogitar desarticular uma grande empresa e distribuir igualmente os pedaços.[2] O antigo programa de redistribuição foi superado pela idéia da socialização. Os meios de produção deveriam ser desapropriados, mas não seria necessário redistribuí-los. O Estado deveria dirigir ele mesmo todas as fábricas e todas as explorações agrícolas.

Essas inferências se tornaram logicamente inevitáveis tão logo as pessoas começaram a atribuir ao Estado, além de perfeição moral, também perfeição intelectual. Os filósofos liberais haviam descrito o seu Estado imaginário como uma entidade não egoísta, preocupada exclusivamente com o maior bem-estar possível de seus súditos. Haviam descoberto que, no contexto da sociedade de mercado, o egoísmo dos cidadãos produziria os mesmos resultados que esse Estado não egoísta pretendia realizar; para eles, era precisamente este fato que justificava a preservação da economia de mercado. Mas as coisas mudaram quando as pessoas começaram a atribuir ao Estado não só as melhores intenções mas também a onisciência. A partir daí, era inevitável concluir que o Estado infalível tinha melhores condições de ser mais bem-sucedido na condução das atividades produtoras do que indivíduos sujeitos ao erro. Evitar-se-iam assim todos aqueles erros em que frequentemente incidem empresários e capitalistas. Não haveria mais investimentos equivocados e nem desperdício dos escassos fatores de produção; a riqueza se multiplicaria. A “anarquia” da produção parece ser esbanjadora de recursos quando comparada com o planejamento do Estado onisciente. O modo de produção socialista parece ser, então, o único sistema razoável, e a economia de mercado, a encarnação da irracionalidade. Para os que procuram defender racionalmente o socialismo, a economia de mercado é simplesmente uma incompreensível aberração da humanidade. Para os que sofrem a influência do historicismo, a economia de mercado é a ordem social própria de um estágio inferior da evolução humana, e será eliminada pelo inevitável processo de contínuo aperfeiçoamento com a finalidade de estabelecer o mais adequado sistema socialista. Ambas as linhas de pensamento concordam com o fato de que a própria razão exige a passagem para o socialismo.

O que essas mentes ingênuas chamam de razão não é mais do que uma tentativa de tornar absolutos os seus julgamentos de valor. Limitam-se a identificar o seu próprio raciocínio com a duvidosa noção de uma razão absoluta. Nenhum autor socialista parou para pensar na possibilidade de que a entidade abstrata à qual seriam atribuídos poderes ilimitados — seja ela chamada de humanidade, sociedade, nação, Estado ou governo — poderia agir de uma maneira que ele mesmo não aprovasse. Um socialista defende o socialismo por estar plenamente convencido de que o supremo mandatário da comunidade socialista agirá sempre de uma maneira que ele — indivíduo socialista — considera razoável; de que procurará atingir aqueles objetivos que ele — indivíduo socialista — aprova inteiramente; de que tentará atingir aqueles objetivos escolhendo os meios que ele — indivíduo socialista — também escolheria. Os socialistas só consideram genuinamente socialista o sistema em que essas condições estejam inteiramente preenchidas; quaisquer outros sistemas, ainda que se qualifiquem de socialistas, são meras falsificações completamente diferentes do verdadeiro socialismo. Todo socialista é um ditador disfarçado. Desgraçados sejam os dissidentes! Perderam o direito à vida e devem ser “liquidados”.

A economia de mercado torna possível a cooperação pacífica entre pessoas, apesar do fato de estas divergirem em relação aos seus julgamentos de valor. Nos planos socialistas, não há lugar para divergências. Seu princípio é a Gleichschaltung, a uniformidade perfeita, imposta pela polícia.

Existem pessoas que costumam considerar o socialismo uma religião. Na verdade, é uma religião de autodeificação. O Estado e o governo de que falam os planejadores, o Povo para os nacionalistas, a Sociedade para os marxistas, a Humanidade para os positivistas comteanos, são nomes dos deuses dessas novas religiões. Mas todos esses ídolos são meramente um alter ego do próprio indivíduo reformista. Ao atribuir a seu ídolo aqueles atributos que os teólogos atribuem a Deus, está glorificando o seu próprio ego. É infinitamente bom, onipotente, onipresente, onisciente, eterno; é o único ser perfeito nesse mundo de imperfeições.

Não cabe à economia examinar a fé cega e o fanatismo. Os crentes são inacessíveis a qualquer argumento; consideram escandalosa qualquer crítica, uma blasfêmia de homens cruéis contra o imperecível esplendor de seu ídolo. A economia lida apenas com os planos socialistas e não com os fatores psicológicos que impeliram as pessoas a esposar a estatolatria.

 

2 — A doutrina socialista

 

Karl Marx não foi o fundador do socialismo. O ideal socialista já estava plenamente elaborado quando Marx adotou o credo socialista. Nada havia a acrescentar à concepção praxeológica do sistema socialista, desenvolvida por seus predecessores, e Marx, efetivamente, nada acrescentou. Marx também não refutou as objeções quanto à viabilidade, conveniência e vantagem do sistema socialista, levantadas por autores anteriores e por seus contemporâneos. Não chegou sequer a tentar, pois tinha plena consciência de sua incapacidade em conseguí-lo. Para responder às críticas ao socialismo, limitou-se a criar a doutrina do polilogismo.[3]

Não obstante, os serviços que Marx prestou à propagação do socialismo não se limitaram à invenção do polilogismo. Mais importante ainda foi a sua doutrina da inevitabilidade do socialismo.

Marx viveu numa época em que a doutrina do meliorismo evolucionário era aceita por quase todos. A mão invisível da Providência conduz os homens, independentemente de suas vontades, de um estágio mais baixo e menos perfeito para um mais alto e mais perfeito.

Prevalece, no curso da história do homem, uma tendência inevitável ao progresso e à melhoria. Cada estágio posterior da evolução da sociedade é, pelo fato mesmo de ser posterior, também um estágio mais alto e melhor. Nada é permanente na condição humana, salvo esse impulso irresistível para o progresso. Hegel, que morreu alguns anos antes de Marx entrar em cena, já havia apresentado essa doutrina na sua fascinante filosofia da história, e Nietzsche, que entrou em cena no momento em que Marx se retirava, tornou-a o ponto focal de seus não menos fascinantes escritos. Esse tem sido o mito dos últimos duzentos anos.

A grande contribuição de Marx foi a de integrar o credo socialista à doutrina meliorista. O advento do socialismo, achava ele, é inevitável, e isso basta para provar que o socialismo é um estágio mais elevado e mais perfeito do que o estágio capitalista que o precedeu. É inútil discutir os prós e contras do socialismo. Seu advento ocorrerá “com a inexorabilidade de uma lei da natureza”.[4] Só débeis mentais podem ser tão idiotas a ponto de duvidar que um estágio posterior seja mais benéfico do que o estágio que o precedeu. Só apologistas venais, defensores das injustas pretensões dos exploradores, podem ser tão insolentes a ponto de encontrar defeitos no socialismo.

Se considerarmos marxistas os que estão de acordo com essa doutrina, teremos de considerar marxistas a imensa maioria dos nossos contemporâneos. Todas essas pessoas estão convencidas de que o advento do socialismo é, ao mesmo tempo, absolutamente inevitável e altamente desejável. A “onda do futuro” conduz a humanidade para o socialismo. É claro, divergem entre si sobre a quem caberá o comando da nau capitânia do Estado socialista. Não faltam candidatos a esse posto.

Marx tentou provar sua profecia de duas maneiras. A primeira consiste no método dialético hegeliano. A propriedade privada capitalista é a primeira negação da propriedade privada individual, e deve dar origem à sua própria negação, qual seja, o estabelecimento da propriedade pública dos meios de produção.[5] No tempo de Marx, as hordas de escritores hegelianos que infestavam a Alemanha viam as coisas com essa simplicidade. O segundo método consiste na demonstração das condições insatisfatórias provocadas pelo capitalismo. A crítica de Marx ao sistema capitalista de produção está inteiramente equivocada. Mesmo o mais ortodoxo dos marxistas não seria capaz de defender seriamente sua tese principal, a saber, que o capitalismo resulta num progressivo empobrecimento dos assalariados. Mas, se admitirmos, só para argumentar, todos os absurdos contidos na análise marxista sobre o capitalismo, ainda assim nada se acrescenta que possa contribuir para a demonstração dessas duas teses: que o advento do socialismo é inevitável e que é um sistema não apenas melhor do que o capitalismo, mas, sobretudo, o mais perfeito dos sistemas cuja implantação proporcionará aos homens a felicidade eterna na sua vida terrestre. Todos os silogismos sofisticados dos tediosos volumes publicados por Marx, Engels e centenas de autores marxistas não conseguem esconder o fato de que a única fonte da profecia de Marx é apenas uma pretensa inspiração por meio da qual Marx pretende ter adivinhado os planos dos misteriosos poderes que determinam o curso da história. Da mesma forma que Hegel, Marx também era um profeta, revelando ao povo o que uma voz interior lhe havia confiado.

O fato mais importante na história do socialismo entre 1848 e 1920 foi o de ninguém ter examinado os problemas essenciais relativos ao seu funcionamento. O tabu marxista estigmatizava como “não científica” toda tentativa de examinar os problemas econômicos de uma comunidade socialista. Ninguém ousava enfrentar esse anátema. Tanto os amigos quanto os inimigos do socialismo assumiam tacitamente que este era um sistema de organização econômica perfeitamente viável. A vasta literatura socialista limitou-se a apontar supostas deficiências do capitalismo e a enaltecer as implicações culturais do socialismo. Jamais se ocupou dos aspectos econômicos do socialismo.

O credo socialista repousa em três dogmas: Primeiro: a sociedade é um ser onipotente e onisciente, imune às fraquezas e debilidades humanas. Segundo: o advento do socialismo é inevitável. Terceiro: sendo a história um contínuo progresso de estágios menos perfeitos para outros mais perfeitos, o advento do socialismo é desejável.

Para a praxeologia e para a economia, o único problema relativo ao socialismo que precisa ser analisado é o seguinte: pode o sistema socialista funcionar na base da divisão do trabalho?

 

3 — O caráter praxeológico do socialismo

 

O traço essencial do socialismo é o de que haja apenas uma vontade atuante. Pouco importa quem seja o titular dessa vontade. Esse comando pode caber a um rei, cuja dinastia remonte aos deuses, ou a um ditador, que governa por força de seu carisma; pode caber a um führer ou a um conjunto de líderes eleitos pelo voto popular. O fundamental é que o emprego de todos os fatores de produção seja comandado por um único centro de decisão. Uma única vontade escolhe, decide, dirige, age, ordena. O resto simplesmente obedece às ordens e segue as instruções. A “anarquia” da produção e a iniciativa das várias pessoas é substituída pela organização e pelo planejamento central. A cooperação social sob o signo da divisão do trabalho é mantida por um sistema de vínculos hegemônicos que permite ao hierarca exigir a obediência de seus vassalos.

Ao designar esse diretor pelo termo sociedade (como fazem os marxistas), Estado (com E maiúsculo),governo ou autoridade, as pessoas tendem a esquecer que o diretor é sempre um ser humano e não uma noção abstrata ou uma mítica entidade coletiva. Podemos admitir que o diretor ou a junta de diretores seja composta por pessoas de capacidade superior, de máxima sabedoria e cheias de boas intenções. Mas precisaria que fôssemos idiotas para admitir que são oniscientes ou infalíveis.

Numa análise praxeológica dos problemas do socialismo, não estamos preocupados com o caráter moral e ético do diretor. Tampouco discutimos os seus julgamentos de valor e a sua escolha dos objetivos supremos. O que nos importa é saber se um ser mortal qualquer, equipado com a estrutura lógica da mente humana, pode estar à altura das tarefas que cabem a um diretor de uma sociedade socialista.

Suponhamos que esse diretor disponha de todo o conhecimento tecnológico de seu tempo. Além disso, que tenha um inventário completo de todos os fatores materiais de produção disponíveis e um registro de toda a mão de obra utilizável. Uma multidão de técnicos e especialistas trabalha em seus escritórios para lhe dar todas as informações e responder corretamente a todas as questões relativas a esses assuntos. Volumosos relatórios se acumulam sobre a sua mesa. É chegada a hora de agir. É preciso escolher entre uma infinidade de projetos, de forma a que nenhuma necessidade que ele mesmo considere mais urgente deixe de ser atendida porque os fatores de produção teriam sido utilizados para satisfazer necessidades que ele considera menos urgentes.

É importante notar que esse problema nada tem a ver com o valor que se possa atribuir aos objetivos pretendidos. Refere-se apenas aos meios cujo emprego permitirá atingir os objetivos desejados. Suponhamos que o diretor tenha decidido sobre os objetivos a serem perseguidos. Não questionamos a sua decisão. Tampouco levantaremos a questão de saber se as pessoas, os vassalos, aprovam ou não a decisão do diretor. Podemos supor, só para argumentar, que um misterioso poder faz com que todos concordem entre si e com o diretor, na escolha dos objetivos almejados.

Nosso problema, o problema único e crucial do socialismo, é um problema puramente econômico, e, como tal, diz respeito meramente aos meios e não aos fins últimos.



[1] Ver adiante página ….

[2] Existem ainda hoje nos EUA pessoas que querem desarticular a produção em larga escala e terminar com as grandes empresas.

[3] Ver cap. III. (N.T.)

[4] Ver Marx, Das Kapital, 7. ed., Hamburgo, 1914, vol.1, p.728.

[5] Ibid

 

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.

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