Prefácio do autor
O primeiro – que procurei afastar imediatamente – é que estou ficando velho… De fato, já se vão dezesseis anos desde a publicação da primeira edição de Economia e Liberdade: a Escola Austríaca e a Economia Brasileira, pelo Instituto Liberal de São Paulo. Mas, como tudo tem um lado bom, (omnia in bonum, como escreveu São Paulo) pensei imediatamente que, decorrido esse tempo e mais uns cinco ou seis anos desde que comecei a ler os austríacos, minha experiência e domínio sobre o assunto devem ter aumentado consideravelmente. Felizmente, o tempo também joga a favor, especialmente para quem é acadêmico…
A segunda lembrança foi de quando — já sendo um economista com alguns anos de doutorado e com razoável experiência de ensino e de mercado — Og Leme e Donald Stewart Jr. me apresentaram à Escola Austríaca de Economia, com o reforço de peso, meses depois, de Roberto Campos. À memória dos três credito o fato de terem instigado minha curiosidade, o que me transformou, já nas primeiras páginas de Ação Humana, de Mises, de um monetarista ex-aluno de Alan Meltzer e novo clássico devorador dos artigos de Robert Lucas e Thomas Sargent, em um austríaco.
E a terceira foi efeito da segunda: muitos colegas passaram a me olhar intrigados, como se desejassem me perguntar algo como “o que aconteceu com você, Iorio”? Confesso que algumas vezes senti que me consideravam como algo semelhante a um OVNI, um objeto voador não identificado. E desconfio até hoje que alguns devam ter pensado com seus botões em aconselhar-me a procurar um psiquiatra. A vida de um economista austríaco, no mundo inteiro, definitivamente, não é fácil, principalmente nos meios ditos acadêmicos… Lembrei-me de que essas atitudes me incomodavam na época, mas que, há alguns anos, aprendi a aceitá-las com bom humor, a melhor atitude para quem sabe que eles, os críticos, não sabem bem do que estão falando, simplesmente porque não leram os austríacos…
Perguntam-me frequentemente o que vem a ser a Escola Austríaca de Economia. E essa questão não vem apenas de meus alunos dos cursos austríacos que venho ministrando há bastante tempo na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nem de outros cursos de pós-graduação em que costumo dedicar algumas aulas para tratar do tema. São, também, jornalistas, administradores de empresas e muitos colegas economistas (professores e não professores), bem como profissionais de outras áreas das ciências sociais e, até, de outros ramos das ciências, como engenheiros e físicos.
O que pude concluir desde muito cedo – ilação que só tem se robustecido com o passar dos anos — é que existe uma enorme ignorância a respeito de Menger, Böhm-Bawerk, Mises, Hayek, Kirzner e outros brilhantes economistas da tradição austríaca. O “conhecimento” máximo que a maioria costuma revelar é que os membros dessa escola “defendem o livre mercado”, ou que “são contra o estado[1]”, ou, ainda, “que querem privatizar tudo o que encontrarem pela frente”. Quando se trata de economistas, a única informação que demonstram ter sobre o assunto, adquirida em uma ou duas aulas da disciplina de História do Pensamento Econômico, é que o fundador da Escola Austríaca, Carl Menger, foi um dos descobridores dateoria da utilidade marginal (os outros foram Walras e Jevons). Tenho percebido também com os anos que muitos economistas a criticam sem sequer conhecê-la, uma atitude, digamos, “pouco científica”…
Até os anos 30 do século XX, quando aconteceu o famoso debate entre Hayek e Keynes sobre as causas da Grande Depressão, os economistas austríacos eram estudados nos currículos dos cursos de economia em pé de igualdade com os neoclássicos e os marxistas. Mas, como a versão de Keynes acabou prevalecendo, a Escola Austríaca foi jogada injustamente no deserto do ostracismo. Apenas em 1974, quando o mundo experimentou pela primeira vez a estagflação (que a teoria austríaca dos ciclos previa desde 1912, quando Mises publicou a Teoria da Moeda e do Crédito), é que se voltou a dedicar alguma atenção a ela, com a concessão a Hayek do Nobel — que, mesmo assim, teve que dividir com um economista socialista sueco, Gunnar Myrdal. Na década seguinte, o pensamento da Escola Austríaca influenciou a política econômica de Margaret Thatcher e também, indiretamente, a de Ronald Reagan, mas foi só isso… A vida dos economistasaustríacos continuava difícil…
E segue assim até os dias atuais, mesmo depois do estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos em 2008, cujas causas foram exatamente as que os austríacos sempre identificaram – e os fatos atestam isto sobejamente — como os germes deflagradores dos ciclos econômicos. Mas a crise mundial de 2008 e 2009 nos ensinou que é tempo de virarmos o jogo e colocarmos a Escola Austríaca no lugar de destaque que merece.
Três grandes motivos – que fui descobrindo, entre encantado e perplexo – forjaram a convicção de que a Escola Austríaca precisa ser novamente estudada sistematicamente pelos economistas, desde a sua formação nas universidades.
O primeiro é que os fatos atestam sobejamente que ela tem muito a dizer e a ensinar, o que me impõe a obrigação, como economista e professor, de estimular o maior número possível de futuros profissionais do ramo — e também de outras áreas — a conhecê-la. O segundo é que ela funciona mesmo -“it works!” -, como me afirmou o economista austríaco Mark Thornton por ocasião do I Seminário de Economia Austríaca promovido pelo Instituto Mises do Brasil, em Porto Alegre, em abril de 2010, porque explica corretamente a ação humana no mundo real, ao preocupar-se, mesmo em suas formulações teóricas, com a economia do dia a dia, (economy), e não apenas com os aspectos teóricos (economics). E o terceiro é o seu caráter humanista, porque analisa a economia não como um compartimento estanque e sem comunicação com outros setores, mas de uma forma integrada com as demais atividades sociais de natureza política, jurídica, psicológica, histórica, antropológica, ética e cultural, ao amparo da filosofia e no bojo de umateoria geral da ação humana. A Escola Austríaca rejeita o homo oeconomicus a que se restringe a quase totalidade dos livros-textos da teoria econômica convencional, porque considera o homem, a pessoa humana, em sua plenitude – e não apenas suas ações econômicas.
Somando tudo isso e um algo mais, aceitei o desafio de publicar este segundo livro sobre o tema. Oalgo mais é o estímulo triplo representado (a) pelo convite do Helio; (b) pelo incentivo de muitos alunos, especialmente os da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, que mostraram, para minha surpresa e alegria, uma vontade grande de conhecê-lo e estudá-lo, seja nas disciplinas eletivas em que o abordo, seja nas dezenas de monografias de conclusão de curso com temas austríacos, apresentadas ao longo dos anos; (c) e, por fim, por mensagens que recebo frequentemente de estudantes de economia de todo o Brasil, queixando-se da orientação keynesiana e marxista que eiva os currículos de nossa ciência e pedindo que os oriente de alguma forma.
Sobre o livro, cabe mencionar que o título – Ação, Tempo e Conhecimento – representa o coração da Escola Austríaca de Economia. Enfeixa uma introdução e dez capítulos. A introdução e seis desses capítulos foram escritos recentemente (de outubro de 2009 até agosto de 2010), desde que encarei o desafio do Helio; os quatro restantes foram escritos entre 2003 e 2009, na forma de artigos para meu site pessoal (www.ubirataniorio.org) e de papers apresentados em conferências e palestras, a que dei nova forma e roupagem, para efeitos de padronização. Mesmo assim, é inevitável que alguns conceitos sejam eventualmente abordados em mais de um capítulo, embora a revisão final tenha buscado evitar o excesso de repetições. Mas, por outro lado, um dos benefícios da repetição é ajudar a fixar melhor os temas relevantes. No intuito de tornar mais leve a leitura de um assunto normalmente pesado, achei por bem não dar tratamento acadêmico formal ao livro e, por essa razão, não coloquei notas de rodapés e registrei apenas as referências bibliográficas estritamente necessárias, mas sempre no corpo do próprio texto.
Expresso minha sincera gratidão ao Helio Beltrão, que tem feito um trabalho extraordinário de divulgação da Escola Austríaca em nosso país à frente do Instituto Mises do Brasil. Agradeço também aos meus alunos da UERJ, pela motivação que me passam ano após ano. Eles me fazem acreditar que, mesmo em um país que maltrata a educação e os que a ela se dedicam, sempre é gratificante ensinar.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2011
O autor
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[1] N.E.: O editor, Instituto Ludwig von Mises Brasil, em todas as suas obras, opta pela a grafia “estado” com letra “e” minúscula, embora a norma culta sugira a grafia “Estado”. Assim como o Instituto Mises Brasil, a revista Veja adota a grafia “estado” desde 2007. À época, Veja argumentou que “se povo, sociedade, indivíduo, pessoa, liberdade, instituições, democracia, justiça são escritas com minúscula, não há razão para escrever estado com maiúscula.“. Este editor concorda. A justificativa de que a maiúscula tem o objetivo de diferenciar a acepção em questão da acepção de “condição” ou “situação” não convence. São raros os vocábulos que somente possuem um único significado, e ainda assim o contexto permite a compreensão e diferenciação dos significados. Assim como Veja, o editor considera que grafar estado é uma pequena contribuição pra a demolição da noção disfuncional de que o estado é uma entidade que está acima dos indivíduos.