Agressão, pena e proporcionalidade – como estabelecer os limites?

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I — Introdução

Sem dúvida a pena serve a muitos propósitos. Ela tem o poder de coibir o crime e pode prevenir que o criminoso cometa outros crimes. A pena pode até reabilitar certos criminosos, se não for capital. Pode satisfazer a sede de vingança da vítima, ou o de seus familiares. A pena também pode ser usada como uma alavanca para obter restituição, uma compensação por parte do dano causado pelo crime.

Por tais razões, a questão da pena é, e sempre foi, de vital importância para pessoas civilizadas. Elas querem saber os efeitos da punição e os meios eficazes de executá-la.

As pessoas civilizadas também estão preocupadas em justificar a pena. Querem punir, mas também querem ter a ciência de que essa punição é justificada — elas desejam estar habilitadas a punir legitimamente.[1] Daí decorre o interesse em teorias penais. Conforme apresentado por Murray Rothbard em sua curta porém perspicaz discussão sobre a pena e a proporcionalidade, contudo, a teoria da pena não foi adequadamente desenvolvida, mesmo entre os libertários.[2]

Neste artigo tentarei explicar como a punição pode ser justificada. O direito de punir aqui discutido aplica-se aos crimes contra a propriedade, como o roubo e a invasão, bem como a crimes que violam a dignidade do corpo humano, como a agressão, o estupro e o assassinato.

Como será visto, é defendida uma teoria geral da pena que seja retributivista/retaliatória, ou lex talionis, incluindo os princípios relacionados à proporcionalidade. Esta teoria da pena é largamente consistente com a Lei de Talião libertária segundo a abordagem de Murray Rothbard.[3]

II — Pena e Consentimento

O que significa punir? As definições dos dicionários são fáceis de se conceber, mas, no que diz respeito àqueles de nós que querem praticá-la, a punição é a aplicação da força física contra uma pessoa, em resposta a algo que ela tenha feito ou que ela tenha deixado de fazer.

A pena, portanto, compreende a violência física praticada contra o corpo de uma pessoa ou contra qualquer outra propriedade que esta pessoa possua legitimamente, ou contra quaisquer direitos que essa pessoa tenha. A pena é em razão de, ou em resposta a, uma ação, inação, aspecto, ou status da pessoa punida; se fosse de outra forma, ela seria simplesmente a prática aleatória de violência, que geralmente não é classificada como pena.

Em função disso, quando punimos uma pessoa, é porque a consideramos ser algum tipo de malfeitora. Nós geralmente ou queremos ensinar-lhe uma lição ou nos servirmos dessa pessoa como exemplo, ou mesmo queremos exercer vingança ou obter restituição pelo que ela fez.

Se os malfeitores sempre consentissem com a aplicação da pena quando condenados por um crime, nós não precisaríamos justificar a pena — ela estaria justificada pelo próprio consentimento do suposto malfeitor. Conforme a síntese da sabedoria popular feita pelo grande jurista romano Ulpiano centenas de anos atrás, “não há afronta [ou injustiça] onde há consentimento da vítima.”[4] É somente quando uma pessoa resiste e recusa-se a consentir em ser punida, que surge a necessidade de justificar a pena.

Conforme a notação de John Hospers, o que é problemático sobre a punição “é que, ao punir alguém, nós estamos forçosamente impondo sobre esta pessoa algo contra a sua vontade, que ela pode não aprovar.”[5]

Tentarei, portanto, justificar a pena exatamente onde ela precisa ser justificada: no ponto em que tentamos infligir uma punição contra alguém que se opõe a esta punição.

Em resumo, nós podemos punir alguém que deu início ao uso da força, de uma forma proporcional à sua iniciação de força e às consequências disso, exatamente porque ela não pode contestar coerentemente tal penalidade. Não faz sentido que ela conteste tal penalidade, posto que isto requer que ele defenda que a aplicação de força é errada, o que é contraditório porque ela mesma começou o uso da força intencionalmente.

Portanto, ela é impedida [estopped], para usar a terminologia jurídica[6], ou impossibilitada, de negar a legitimidade de sofrer ela própria uma punição; ela é impedida [estopped] de recusar dar seu consentimento[7]. Como é demonstrado abaixo, este raciocínio pode ser utilizado para desenvolver uma teoria da pena.

III — A pena e o Estoppel

A. Impedimento Legal

O estoppel (N.T.: impedimento, num sentido técnico-jurídico) é um princípio arqui-conhecido do common-law, que previne ou impede que alguém faça uma alegação, numa disputa judicial, que seja inconsistente com sua conduta prévia, caso a outra pessoa tenha mudado de posição em detrimento de si mesmo e em conformidade com conduta anterior da primeira (conhecido como “frustração de expectativa”).

O estoppel, então, nega a determinada parte a faculdade de reclamar um fato ou direito que de outro modo ela poderia. O estoppel é um princípio legal largamente aplicável, que tem incontáveis manifestações.[8] O Direito Romano e o moderno civil law contêm a semelhante doutrina do venire contra factum proprium, ou “ninguém pode contradizer suas próprias ações”.

Sob este princípio, “ninguém tem a permissão de ignorar ou negar seus próprios atos, ou as consequências deste, e reclamar um direito em oposição a tais atos ou consequências.”[9]

O princípio por trás do estoppel também pode ser visto em ditados populares como “ações valem mais do que palavras”, “faça o que você diz” ou “invista no que você acredita”[10], todos incorporam a ideia de que ações e afirmações deveriam ser consistentes.

Como disse Lorde Coke, a palavra “estoppel” é usada “porque os atos ou a aprovação de um homem lhe impedem ou fecham-lhe a boca para alegar ou pugnar a verdade.”[11]

Para o impedimento legal funcionar, normalmente deve ter havido uma frustração de expectativa por parte da pessoa que busca impedir a outra.[12][13]

Como exemplo, no recente caso Zimmerman v. Zimmerman, uma filha processou seu pai pela dívida no valor das mensalidades em que ela incorreu durante seu segundo e terceiro ano de faculdade.[14] Neste caso, quando a filha estava terminando o Ensino Médio, o pai prometeu-lhe pagar as mensalidades e demais despesas correlatas se ela frequentasse uma faculdade local (Adelphi University). Contudo, a promessa era uma “mera” promessa, porque não foi acompanhada por formalidades legais exigidas como a contrapartida, e portanto não constituiu um contrato válido.

Não obstante, durante seu primeiro ano de faculdade, seu pai pagou-lhe as mensalidades, como havia prometido. Entretanto, ele faltou em pagar-lhe as mensalidades durante o segundo e terceiro anos, muito embora ele lhe assegurasse repetidamente durante este período que pagaria as mensalidades quando tivesse o dinheiro. Disso resultou a obrigação legal de a filha ter que pagar a quantia aproximada de 6.700 dólares à Adelphi.

Neste caso, embora a promessa por si só não desse azo a um contrato válido e exigível (em função da ausência das formalidades legais como a contrapartida), decidiu-se que o pai tinha obviamente que esperar que a filha confiasse em sua promessa, como de fato confiou, executando ação substancialmente em detrimento ou desvantagem de si mesma (a saber, incorrendo em dívida com a Adelphi).

Portanto, a filha foi agraciada com sentença concedendo-lhe quantia suficiente para cobrir as dívidas não pagas. O pai foi, em realidade, impedido de negar que um contrato havia sido firmado, mesmo que este não tivesse sido firmado.[15]

B. Estoppel Dialógico

Como pode ser visto, no coração da ideia por trás do impedimento legal está a ideia da consistência. Um conceito similar, o “estoppel dialógico”, pode ser usado para justificar a concepção libertária de direitos, por causa da reciprocidade inerente à doutrina libertária de que a força só é legítima em resposta à força.

O insight básico por trás desta teoria dos direitos é que uma pessoa não pode contestar consistentemente sua punição se ela mesma deu início ao uso da força. Ela é (dialogicamente) “impedida” de afirmar a impropriedade do uso da força para puni-la, por conta de seu próprio comportamento coercivo. Esta teoria também estabelece a validade da concepção libertária dos direitos enquanto direitos estritamente negativos contra a agressão, a iniciação de força.[16]

O ponto em que a pena precisa ser justificada é quando tentamos aplicar a punição contra alguém que se opõe a esta punição. Logo, servindo-se de uma versão filosófica, generalizada do impedimento “dialógico”, quero justificar a pena somente nesta situação, ao demonstrar que um agressor é impedido de contestar sua pena. Sob este princípio do impedimento dialógico, ou simplesmente impedimento, para ser mais breve, uma pessoa é impedida de fazer certas alegações durante o diálogo se estas alegações são inconsistentes ou contraditórias.

Dizer que alguém é impedido de fazer certas alegações significa dizer que estas alegações não podem sequer estar certas, porque elas são contraditórias. É reconhecer que esta alegação desta pessoa está simplesmente errada porque é contraditória.

Aplicar o estoppel dessa forma complementa perfeitamente o propósito mesmo do diálogo. O debate, diálogo ou discussão — termos que são aqui utilizados comutativamente — é por natureza uma atividade que tem por objetivo achar a verdade.

Qualquer um envolvido num debate racional está necessariamente empreendendo em discernir a verdade sobre algum assunto em particular; se isto não ocorre, então não há debate, mas balbuciação ou mesmo briga física. Isto não pode ser negado. Qualquer um envolvido tempo suficiente num debate para negar que a verdade é o objetivo do debate contradiz a si mesmo, porque ele próprio está afirmando ou desafiando a veracidade de uma dada proposição. Portanto, a asserção de veracidade em favor de algo que simplesmente não pode ser verdade é incompatível com o propósito mesmo do debate, e logo não é admissível dentro dos limites do debate.

E as contradições certamente são o arquétipo das proposições que não podem ser verdadeiras. A e não-A não podem ambos ser verdadeiros ao mesmo tempo e com o mesmo sentido.[17] É por isso que os participantes do debate devem ser consistentes. Se um interlocutor não precisa ser consistente, a busca da verdade não pode acontecer. E, da mesma forma que a doutrina legal tradicional do estoppel exige uma espécie de consistência no contexto legal, o uso mais generalizado do estoppel pode ser utilizado para exigir consistência no debate.

A doutrina do estoppel que eu proponho não é nada além de uma forma conveniente de aplicar a exigência da consistência aos interlocutores, àqueles envolvidos no debate, no diálogo, na litigância, na discussão, ou na disputa. Pelo fato de o debate ser uma atividade que busca a verdade, quaisquer ações contraditórias desta natureza devem ser desconsideradas, elas não devem ser ouvidas, já que simplesmente não podem ser verdade.

O impedimento dialógico é, portanto, uma regra do debate que exclui dos limites do debate quaisquer alegações inconsistentes e mutuamente contraditórias, que são necessariamente inverídicas, são incompatíveis com o debate, logo não devem ser permitidas.[18] A validade desta regra é irrefutável, porque num debate ela é necessariamente pressuposta por qualquer participante.

Há vários modos pelos quais as contradições podem surgir em um debate. Primeiro, evidentemente, a posição de um argumentador pode ser explicitamente inconsistente. Por exemplo, se uma pessoa diz que A é verdadeiro e que não-A também é verdadeiro, não há qualquer dúvida que ele é incoerente. A, afinal, como Ayn Rand enfatizava repetidamente, é A; a lei da identidade é de fato válida e incontestável. É impossível que alguém afirme coerentemente e inteligivelmente que duas declarações contraditórias são verdadeiras; é impossível que ambas estas alegações estejam corretas.

Portanto, esta pessoa é impedida de afirmar isso, ela não é convidada a proferi-las, posto que elas não pretendem estabelecer a verdade, que é o objetivo de toda argumentação. Conforme Wittgenstein observou, “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.”[19]

A posição de um argumentador também pode ser inconsistente sem sustentar explicitamente que A e não-A são verdadeiros. De fato, raramente um argumentador afirmará A e não-A explicitamente. Contudo, sempre que um argumentador sustenta que A é verdadeiro, e também necessariamente que não-A é verdadeiro, a inconsistência ainda persiste, e ele ainda é impedido de (explicitamente) alegar que A é verdadeiro e (implicitamente) alegar que não-A é verdadeiro. A razão é a mesma que acima: o argumentador não pode estar correto de que A (explícito) e não-A (implícito) são ambos verdadeiros. Ele também pode remover a inconsistência retirando uma das alegações.

Por exemplo, suponha que alguém afirme que o conceito de Produto Interno Bruto é importante, e no minuto seguinte afirme exatamente o oposto, aparentemente contradizendo a afirmação anterior. Para evitar a inconsistência, ele pode renunciar à sua afirmação anterior (portanto, necessariamente sustentando que a sua afirmação anterior estava incorreta). Mas nem sempre é possível renegar uma das afirmações, se ela tem que ser pressuposta inevitavelmente como verdade pelo argumentador.

Por exemplo, o orador pode argumentar que ele nunca argumenta (ou participa de um debate, de uma discussão, e afins). Entretanto, como ele está argumentando, ele deve necessariamente, implicitamente sustentar que ele às vezes argumenta. Nós não permitiríamos as alegações contraditórias numa discussão, porque contradições são inverdades. Ele seria impedido de sustentar estas duas alegações contraditórias, uma explícita e outra implícita, e ele não poderia renunciar à segunda alegação — a de que às vezes ele argumenta — porque ele não pode evitar sustentar essa opinião enquanto participa de uma discussão. Para sustentar uma posição discutível (isto é, que pode ser verdadeira), ele teria então que renunciar à sua primeira alegação, de que ele nunca argumenta.

Alternativamente, se tivéssemos que argumentar com alguém tão incoerente a ponto de alegar que ele não acredita que a argumentação seja possível, apesar de estar participando dela, ele ainda assim seria impedido de afirmar que a argumentação é impossível. Porque ainda que ele não perceba que a argumentação é possível (ou, o que é mais provável, não admita isso), ainda, não pode ser o caso de a argumentação ser impossível se de fato alguém está argumentando. Portanto, se alguém afirma que a argumentação é impossível, esta afirmação contradiz a pressuposição inegável da argumentação — de que a argumentação é possível. Sua proposição não é verdadeira logo de cara, posto que contradiz a pressuposição inegavelmente verdadeira do ato de fazer proposições enquanto tal. Novamente, então, ele seria impedido de afirmar tal alegação, já que ela nem sequer pode ser verdadeira.

Logo, porquanto o diálogo é uma atividade que procura a verdade, os participantes são impedidos de fazer afirmações explicitamente contraditórias, já que elas subvertem o objetivo da busca da verdade por serem necessariamente falsas. Pela mesma razão, um argumentador é impedido de afirmar algo que contradiga outra coisa que ele necessariamente sustenta ser verdadeira, ou que contradiga algo que é necessariamente verdadeiro porque é uma pressuposição do debate ou, de fato, se é necessariamente verdadeiro enquanto aspecto inegável da realidade. Ninguém pode discordar destas conclusões gerais sem contradizer-se, dado que qualquer um que discorde de qualquer coisa é um participante de um debate, e portanto necessariamente valoriza a busca da verdade e, logo, a consistência.

C. Punindo comportamento agressivo

A conduta dos indivíduos pode ser dividida de duas formas: (1) coerciva ou agressiva (isto é, ações que dão início ao uso da força) e (2) não-coerciva ou não-agressiva. Esta divisão é puramente descritiva, e não presume que a agressão é inválida, imoral ou injustificável; simplesmente assume que (pelo menos em parte) a ação humana pode ser objetivamente classificada entre agressiva e não-agressiva.[20] Portanto, há dois tipos de comportamento pelos quais nós poderíamos tentar punir uma pessoa: agressivo ou não-agressivo.[21] Eu examinarei cada um a seu tempo para demonstrar que a punição do comportamento agressivo é legítima, e que a punição do comportamento não-agressivo é ilegítima.

O caso mais claro e mais severo de agressão é o homicídio, então tomemo-lo como exemplo. No que segue eu assumirei que a própria vítima (B), ou seu agente, C, tenta punir um suposto condenado A. A identidade ou natureza específica do agente C não é relevante para nossos propósitos aqui.[22] Suponha que A mate B, e o agente C de B condena e prenda A. Agora, se A contestar sua pena, ele estará alegando que C não deve tratá-lo dessa forma. Se feito de qualquer outra maneira, ele falhará em apresentar sua objeção.

O dever aqui é bem “estrito”, já que A alega que C não deve puni-lo. Mediante este palavreado normativo, A alega que ele tem um direito[23] a não ser punido. Para “contestar” sua pena, A deve pelo menos necessariamente alegar que o uso da força é errado (para que C deva portanto não punir A).[24] Contudo, esta alegação é flagrantemente inconsistente com o que deve ser sua outra posição: como ele matara B, o que é claramente um ato de agressão, suas ações indicaram que ele (também) sustenta a opinião de que a “agressão não é errada.”

Logo A, por conta de sua ação anterior, é impedido de alegar que a agressão é errada. (E se ele não pode sequer alegar que a agressão — a iniciação de força — é errada, então ele não pode fazer a alegação subsidiária de que a força retaliatória é errada). Ele não pode fazer alegações contraditórias; ele é impedido [estopped] de fazê-lo. A única forma de manter a consistência é retirar uma de suas alegações. Se ele mantiver (somente) a alegação “agredir é errado”, ele falhará em contestar sua própria prisão, e então o problema de justificar sua pena não surge. Ao alegar que a agressão é adequada, ele consente com sua pena. Se, por outro lado, ele retirar a alegação “agredir é certo” e mantiver (somente) a alegação “agredir é errado”, então ele de fato não pode contestar a sua prisão; mas, como veremos abaixo, é impossível que ele retire sua alegação de que “agredir é certo”, tal como seria impossível que ele se esquivasse de sustentar que ele existe ou que ele pode argumentar.

Reiterando: A não pode alegar consistentemente que matar é errado, dado que isso contradiz sua opinião de que matar não é errado, evidência extraída ou manifestada pelo homicídio que praticara anteriormente. Ele é impedido [estopped] de afirmar tais alegações inconsistentes. Portanto, se C tentar matá-lo, A não tem fundamento para contestar já que agora ele não pode dizer (não pode ser ouvido) que tal homicídio praticado por C é “errado”, “imoral” ou “inadequado”. E se ele não pode queixar-se caso C propusesse matá-lo, ele certamente não pode queixar-se caso C meramente o aprisione.[25]

Então, nós podemos legitimamente aplicar a força contra — isto é, punir — um homicida, em resposta a seu crime. Porquanto a essência dos direitos seja a sua legítima exequibilidade, isso estabelece o direito à vida — isto é, o de não ser assassinado. É fácil ver como este exemplo pode ser estendido para formas menos severas de agressão, como a lesão corporal, o sequestro e o estupro.

D. Possíveis defesas por parte do agressor

Existem diversas objeções possíveis a todo este procedimento que A poderia enunciar. Nenhuma delas aguenta uma análise mais aprofundada, entretanto.

1.  O conceito de agressão.

Primeiramente, A poderia alegar que é inválida nossa classificação das ações entre agressivas ou não agressivas. Nós poderíamos estar infiltrando uma norma ou um juízo de valor ao descrever o homicídio como “agressivo”, em vez de simplesmente descrever o homicídio sem estes sobressaltos valorativos. Esta norma infiltrada poderia ser o que aparentemente justifica a legitimidade de punir A, deixando então a justificação circular e, portanto, falha.

Contudo, para contestar sua punição, que é o justo uso da força contra ele, o próprio A deve admitir a validade de descrever certas ações como violentas — a saber, sua iminente punição. Se ele negar que quaisquer ações podem ser objetivamente descritas como sendo coercivas, ele não tem fundamento para contestar sua pena, dado que ele não pode sequer estar seguro do que constitui uma pena, e nós poderíamos proceder a puni-lo. Assim que ele contestar o uso da força, entretanto, ele não pode deixar de admitir que pelo menos algumas ações podem ser objetivamente classificadas como envolvidas no uso da força. Portanto, ele é impedido de contestar sob este fundamento.

2. Universalização.

Poder-se-ia também contestar que o princípio do estoppel está sendo aplicado incorretamente, que A não está, de fato, fazendo alegações inconsistentes. Em vez de ter opiniões contraditórias de que “agredir é adequado” e que “agredir é inadequado”, A poderia alegar em lugar disso que sustenta as posições consistentes de que “a agressão praticada por mim é adequada” e que “agressão praticada contra mim é inadequada”.

Entretanto, devemos lembrar que A, ao contestar que C o prenda, está participando de uma discussão. Ele está argumentando que C não deveria — por qualquer razão que seja — prendê-lo e, logo ele está fazendo afirmações normativas.

Mas como observa o Professor Hans-Hermann Hoppe:

Muito comumente tem-se notado que a argumentação implica que uma proposição reclama aceitabilidade universal, ou, sendo uma proposta normativa, que seja “universalizável”. Aplicado a propostas normativas, esta é a ideia, conforme formulada na Regra de Ouro da ética ou no Imperativo Categórico kantiano, de que só se pode justificar aquelas normas que podem ser formuladas enquanto princípios gerais que sejam válidos para todos sem exceção.[26]

É assim dado que as proposições feitas durante a argumentação reclamam aceitabilidade universal. “Está implícito na argumentação que qualquer um que possa entender um argumento deve em princípio estar apto a ser convencido por ele simplesmente por conta de sua força argumentativa …”[27]

A universalização é então uma pressuposição do debate normativo, e qualquer argumentador que violar o princípio da universalidade está sustentando posições inconsistentes (de que a universalização é necessária e de que não é necessária), e é então impedido [estopped] de fazê-lo. Somente proposições normativas universalizáveis são consistentes com o princípio de universalização que é necessariamente pressuposto pelo argumentador ao entrar no debate.

A maneira adequada, portanto, de selecionar a norma que o argumentador está afirmando é assegurar que ela é universalizável. As opiniões de que “a agressão praticada por mim é adequada” e de que “a agressão praticada pelo estado, contra mim, é inadequada” claramente não passa nesse teste. A opinião de que “agredir é [ou não é] adequado” é, em contraste, perfeitamente universalizável, e é então a forma apropriada de uma norma. O argumentador não pode escapar da aplicação do estoppel especificando arbitrariamente suas opiniões, de outra forma inconsistentes, borrifando alegremente alguns “só para mim”.[28]

Ademais, mesmo que A negue a validade do princípio de universalização e sustente que ele pode particularizar suas normas, ele não pode contestar se C fizer o mesmo. Se ele admitir que as normas podem ser particularizadas, C poderia simplesmente agir segundo a norma particular “É permitido punir A.”

3. Tempo.

A poderia igualmente tentar refutar esta aplicação do estoppel alegando que ele, de fato, sustenta atualmente que a agressão é inadequada; que ele mudou de ideia desde que matara B. Então não há inconsistência, nem contradição, porque ele não sustenta simultaneamente ambas as ideias contraditórias, e não é impedido de contestar seu aprisionamento.

Mas esta é uma questão simples de se superar.

Primeiramente, A está implicitamente alegando que a passagem do tempo deve ser levada em consideração quando da determinação de quais ações devem-se imputar a ele. Mas então, se isto é verdade, tudo que C precisa fazer é ministrar a punição e depois afirmar que tudo ficou no passado, que C, assim como A, agora condena sua ação anterior, mas, como ela ficou no passado, ela não pode mais ser imputada a C.

Com efeito, se tal requisito absurdo de simultaneidade é operante, a cada momento consecutivo do ato da punição, qualquer objeção ou ação defensiva de A é direcionada a ações no passado (imediato), e então torna-se imediatamente irrelevante e voltada ao passado. Logo, a irrelevância da simples passagem do tempo não pode ser negada por A.[29] Dado que, para efetivamente contestar ser punido, ele deve presumir que a passagem do tempo não faz diferença para imputar aos indivíduos ações que lhes sujeitam à responsabilidade.[30]

Em segundo lugar, ao contestar sua pena no presente, A necessariamente sustenta que a força não deve nem deveria ocorrer. Mesmo que A realmente não acredite mais que o homicídio é correto, sua própria opinião atual ainda assim condena o homicídio que cometera outrora, de modo que A necessariamente denuncia suas ações anteriores e é impedido de contestar a punição contra aquele homicida (isto é, ele mesmo), porque sustentar que um homicida não deveria ser punido é inconsistente com a alegação de que o homicídio não deveria, nem deve, ocorrer.

Em terceiro lugar, mesmo que A argumente que ele nunca sustentou a opinião de que “homicídio não é errado”, que ele matou apesar do fato de acreditar estar errado, A ainda assim admite que o homicídio é errado, e que ele matara B, de modo que continua denunciando suas ações anteriores. Logo, ele é novamente impedido de contestar sua pena, como na situação em que ele alegava ter mudado de ideia. Finalmente, se A sustentar que é possível ministrar força enquanto se acredita, ao mesmo tempo, que é errado, o mesmo se aplica a C. Então mesmo que C se convença do argumento de A de que seria errado puni-lo, C poderia ir em frente e fazer o mesmo, apesar dessa compreensão, da mesma forma que o próprio A alega ter feito.[31]

Portanto, quer A sustente ambas as opiniões, quer sustente somente uma delas, ele ainda assim é impedido de contestar sua prisão.

E. Punindo o comportamento não-agressivo

Como visto acima, a pena do comportamento agressivo é que pode ser justificada, basicamente porque o uso da força em resposta à força não pode ser condenado de forma sensata. Será que é possível punir alguém legitimamente por um comportamento não-agressivo? Se não, então isso significa que os direitos só podem ser direitos negativos contra a iniciação da força.

Como apresentado abaixo, nenhuma punição desse tipo nunca pode ser justificada, porque a punição é a aplicação da força, contra a qual uma pessoa não é impedida de contestar, a não ser que ela também tenha feito uso da força. Não há inconsistência de outra forma.

Primeiramente, o uso não-agressivo da força, por exemplo, a retaliação contra a agressão, não pode ser punido com justiça. Se alguém tentasse punir B por retaliar contra A, que é um agressor, B não é impedido de contestar, já que não há nada inconsistente ou não-universalizável em sustentar ambos (1) que o uso da força em resposta à iniciação de força, isto é, força retaliatória, é correto (a alegação implícita envolvida na retaliação contra A); e (2) o uso da força que não seja em resposta à iniciação de força é errado (o fundamento para a objeção de B contra a punição dele mesmo). B pode facilmente demonstrar que a máxima de sua ação é “o uso da força contra um agressor é legítimo”, o que não contradiz “o uso da força contra não agressores é ilegítimo”.

No lugar de ser uma alegação particularizável que não passa no teste de universalização, a posição de B é adaptada de fato à natureza de sua ação anterior. O princípio de universalização obsta somente afirmações tendenciosas e arbitrárias que não estão fundadas na natureza das coisas.[32] Então, o mero uso da força não é suficiente para impedir que alguém se queixe ao ser punido por ter usado a força. Somente a agressão, isto é, a força iniciatória, é que impede que alguém se queixe do uso da força contra si.

De forma semelhante, se A usar força contra B com a permissão de B, A não é um agressor e logo não pode ser punido. A poderia consistentemente afirmar que “usar a força contra alguém é permitido se isto for consentido” e que “usar a força contra alguém não é permitido se isto não for consentido”. Estas alegações não são inconsistentes, e a primeira não é barrada pelo princípio da universalização, porque se sustenta no reconhecimento de que a natureza de um ato com o qual se consentiu é diferente daquela de um ato que se objetou. Demais ações, como a publicação de um livro ou a pornografia, não envolvem o uso da força ou a agressão de forma alguma, e então não há fundamento para punir este comportamento também, tal que um não-agressor poderia consistentemente contestar a pena.

F. Direitos de propriedade

Até então, foi estabelecido o direito de punir em função da invasão iniciatória dos corpos das vítimas, o que assegura o direito de se possuir o próprio corpo, ou de autopropriedade.

Embora não haja espaço aqui para providenciar uma justificação detalhada dos direitos sobre os recursos escassos para além do próprio corpo — direitos de propriedade — eu delinearei brevemente tal justificação. Dado que os direitos sobre o próprio corpo foram estabelecidos, os direitos de propriedade podem ser estabelecidos sobre esta base. Isso poderia ser feito apontando-se que os direitos sobre o próprio corpo não significam nada sem os direitos de propriedade e vice-versa. Isso pode ser ilustrado pelo seguinte exemplo.

Imagine que A, um ladrão, admita que existam direitos de autopropriedade, mas que não há direito de propriedade para além disso. Mas, se isto for verdadeiro, nós podemos facilmente executar A meramente privando-lhe de propriedades externas, a saber, comida, ar, e/ou espaço para existir ou movimentar-se. Claramente, a negação do direito de propriedade de alguém mediante o uso da força pode causar dano físico ao seu corpo da mesma maneira que pode a invasão direta das fronteiras do seu corpo. O dano corporal, físico, pode ser executado de forma bastante direta, por exemplo, removendo rapidamente cada pedaço de comida das mãos de uma pessoa (por que não, se não há direitos de propriedade?) até que ele morra. Ou pode ser feito de forma mais indireta, ao limitar a habilidade de uma pessoa para controlar e utilizar o mundo externo, que é essencial à sua sobrevivência.

Tal privação de propriedade poderia continuar até que o corpo de A estivesse severamente deteriorado — implicando que a retaliação física é permitida em resposta ao crime contra a propriedade — ou até que A objetasse tal tratamento, aceitando desta forma a existência dos direitos de propriedade (dado que somente este pode ser o fundamento de sua objeção contra a privação de propriedade).

Da mesma forma que alguém pode agredir outrem com seu próprio corpo (ex.: com o punho) ou com uma propriedade externa (um porrete ou uma arma de fogo), logo pode-se agredir os direitos de autopropriedade ao se atingir a propriedade e o ambiente externo das pessoas.

A defesa que o Professor Hoppe faz dos direitos individuais mediante a “ética argumentativa” também demonstra que o direito de apropriação original está implícito no direito de autopropriedade. Primeiramente, Hoppe estabelece a autopropriedade focando nas proposições que não podem ser negadas no debate em geral.[33] Qualquer um que participe da argumentação implicitamente aceita o direito pressuposto de autopropriedade de todos os ouvintes e até de potenciais ouvintes, dado que, de outra forma, o ouvinte não poderia ponderar livremente e aceitar ou rejeitar o argumento proposto.

Em segundo lugar, dado que os participantes da atividade argumentativa precisam indiscutivelmente utilizar e controlar recursos escassos no mundo para sobreviverem, e dado que sua escassez possibilita o surgimento de conflito sobre o uso destes recursos, normas são necessárias para determinar o justo dono destes bem, de modo a evitar o conflito. Esta necessidade de as normas evitarem os conflitos no uso de recursos escassos é ela mesma inegável por parte daqueles participando da atividade argumentativa, porque qualquer um que esteja vivo no mundo e participando da atividade prática da argumentação não pode negar o valor de poder controlar recursos escassos e o valor de evitar conflitos sobre estes recursos.

Mas só há duas maneiras fundamentais de adquirir propriedade sobre bens livres [não possuídos por ninguém]: (1) fazendo com aquilo alguma coisa que ninguém nunca fez antes, i.e. a mistura do trabalho ou a apropriação original; ou (2) mediante um mero decreto ou uma declaração verbal. A segunda alternativa é arbitrária e não ajuda a evitar conflitos. Somente a primeira alternativa, aquela da apropriação lockeana, estabelece um vínculo objetivo entre uma pessoa em particular e um recurso escasso em particular, logo ninguém pode negar o direito lockeano de apropriar-se de recursos livres.

Conforme apontando por Hoppe, dado que o corpo de alguém já é em si mesmo um recurso escasso, ele é “o protótipo de um bem escasso para cuja utilização os direitos de propriedade, como os direitos de posse exclusiva, precisam ser estabelecidos de alguma forma, com a finalidade de evitar os confrontos.”[34] Então, o direito de apropriar-se de recursos escassos externos está implícito no fato da autopropriedade, dado que “as especificidades do princípio de não agressão, concebido enquanto uma norma especial da propriedade que se refere a um tipo específico de bem, precisam, em verdade, conter desde logo aquelas [especificidades] de uma teoria geral da propriedade.”[35]

Por estas razões, seja a autopropriedade estabelecida segundo a ética argumentativa de Hoppe seja pela teoria do estoppel — ambas as teorias focalizam a dinâmica do debate — tais direitos implicam o direito lockeano de apropriação, que nenhum agressor poderia negar tanto quanto não pode negar que existem os direitos de autopropriedade.

Para o restante deste artigo, eu colocarei no mesmo nível os direitos de propriedade e os direitos sobre o próprio corpo. De tal forma que, sob a teoria do estoppel, quem agredir o corpo de outrem ou sua propriedade externa é um agressor, puro e simples, que pode ser tratado enquanto tal.

IV. Os tipos de pena e o ônus da prova

A. A pena proporcional

Só porque os agressores podem ser punidos legitimamente não significa necessariamente que qualquer preocupação com a proporcionalidade pode ser preterida. À primeira vista, se focarmos somente na iniciação de força propriamente dita, poderia parecer que a vítima poderia apresentar um defesa prima facie de que, já que o agressor deu início ao uso da força — não importa o quão trivial tenha sido — a vítima tem o direito de usar força contra o agressor, incluindo aí a execução dele.

Suponha que A estapeie de leve a bochecha de B contra a sua vontade por conta de um comentário inapropriado. B tem o direito de executar A? É verdade que A iniciou o uso da força, então como ele pode reclamar que a força seja usada contra ele? Mas A não é impedido [estopped] de contestar sua execução. A pode com perfeita consistência contestar sua própria morte, dado que ele pode sustentar que matar é errado. Isto por si só não é inconsistente com a opinião implícita de A de que é legítimo estapear de leve os outros. Ao sancionar os tapas, A não alega necessariamente que matar é correto, porque normalmente (e neste exemplo) não há nada no ato de estapear que se eleve ao nível de matar.

É correto focar nas consequências da agressão ao se determinar até que ponto um agressor é impedido, porque a razão mesma de as pessoas contestarem a agressão, ou de quererem punir os agressores por conta disso, é somente porque isso traz certas consequências. Ação agressiva, pelo fato de interferir fisicamente com a pessoa da vítima, é indesejável porque, entre outros motivos, causa dor, fere, ou pode interferir com a busca dos próprios objetivos na vida de alguém, ou porque simplesmente cria um risco, uma situação perigosa na qual a dor, ou o ferimento, ou a violência têm maior probabilidade de ocorrer.

Matar alguém traz à tona o nível mais indesejável dessas consequências. Meramente estapear alguém, em contraste, em circunstâncias normais, não traz essas consequências. Um tapa tem consequências relativamente insignificantes em tudo isso, logo A não alega necessariamente que a matança agressiva é adequada só porque ele dá um tapa em B. O requisito de universalização não o previne de limitar razoavelmente sua alegação implícita do mais severo “agredir não é errado” para o menos severo “agredir um pouco, como estapear alguém, não é errado”. Logo B teria uma justificativa para estapear A de volta, mas não para matá-lo. Eu não estou dizendo que B pode só estapear A e não fazer mais nada, mas certamente B tem uma justificativa para, pelo menos, dar um tapa em A, e não tem para assassiná-lo.

Em geral, enquanto que o princípio de universalização previne a particularização arbitrária de alegações — por exemplo, adicionar “só para mim” — ele não consegue extinguir uma afirmação objetiva, razoável das alegações implícitas do agressor, adaptados à realidade de fato da agressão e suas consequências necessárias e implicações. Por exemplo, embora seja verdade que A tenha dado um tapa em B, ele não tentou tirar a vida de alguém; então ele não é impedido de queixar-se de sua iminente execução, ele pode consistentemente contestar ser executado, o que implica que B tornar-se-ia um homicida se matasse A.

Nesse sentido, podemos observar um requisito de proporcionalidade — ou, mais corretamente, de reciprocidade, nas mesmas linhas que a lex talionis, a lei da retaliação, ou olho por olho[36] — acompanha qualquer punição legítima de um agressor. “O dano infligido deve ser o mesmo sofrido”.[37]

Há portanto limitações ao total da pena que pode ser aplicada pela vítima contra o agressor, que tem relação com a extensão da agressão cometida pelo agressor, porquanto é a natureza de um ato de agressão em particular que determina a extensão do estoppel que opera contra o agressor. Quanto mais séria é a agressão e as consequências que se seguem dela, tanto mais o agressor é impedido de objetá-la, e consequentemente é maior o nível da pena que pode ser legitimamente aplicada.

B. As opções da vítima

A essa altura nós estabelecemos o direito básico sobre o próprio corpo e sobre os bens apropriados ou adquiridos pelo apropriador, bem como os contornos de um requisito básico de proporcionalidade na pena. Agora examinaremos mais a fundo os vários tipos de pena que podem ser aplicadas com justiça.

Conforme fora demonstrado, a vítima de uma agressão poderia infligir contra o agressor pelo menos o mesmo nível ou tipo de agressão, apesar de a proporcionalidade impor certos limites ao nível permissível de retaliação. Ao determinar o total e o tipo de pena que poderia ser aplicada, deve-se ter em mente a distinção entre vítima e vitimador, e devemos reconhecer que, para a maior parte das vítimas (isto é, aquelas que não são masoquistas), punir o malfeitor não vai genuinamente indenizá-las por completo nem vai beneficiá-las diretamente muito, se é que vai beneficiá-las.

Uma vítima que levou um tiro no braço por um assaltante, e que tenha perdido o braço, claramente tem o direito, se ela quiser, de amputar o braço do próprio assaltante. Mas isto, é claro, não restaura o braço da vítima; não se completará o resto do seu corpo. A restituição perfeita é sempre um objetivo inatingível, dado que os crimes não podem ser desfeitos.

Isso não quer dizer que o direito de punir é, em vista disso, inútil, mas temos que reconhecer que a vítima permanece vítima mesmo depois de retaliar contra o malfeitor. Nenhuma pena pode desfazer o dano cometido. Por esta razão, a vítima não deveria ser artificialmente ou facilmente restringida na extensão das opções da pena, porque isto a vitimaria ainda mais. A vítima não escolheu ser vítima, não escolheu ser colocada nessa situação em que ela tenha somente uma opção apertada para a pena (a saber, retaliação olho por olho).

Ao contrário, a responsabilidade por esta situação recai inteiramente sobre o agressor, que por suas próprias ações causou danos à vítima. Dado que o agressor colocou a vítima numa situação de benefício zero em que estar restrito a um limitado tipo de reparação poderia recuperar ainda menos a vítima do que outras reparações, o agressor é impedido [estopped] de reclamar se a vítima escolher entre vários tipos de penas, sujeitas ao requisito da proporcionalidade.

Na prática isso significa que, por exemplo, a vítima de lesão corporal não precisa estar restrita somente a bater no agressor (ou mesmo a matá-lo). A vítima poderia abominar a violência e poderia escolher renunciar a qualquer tipo de pena caso suas únicas opções fossem bater ou punir o agressor. A vítima pode preferir, ao invés disso, ser simplesmente compensada monetariamente com a propriedade (presente ou futura) do malfeitor. Se melhor satisfizer a vítima o uso da força contra o agressor de uma maneira diferente daquela pela qual ele violara seus direitos (por exemplo, tirando os bens de um agressor que tenha agredido a vítima), o agressor seria claramente impedido [estopped] de queixar-se disso, enquanto durar a proporcionalidade.

A não equivalência entre a maior parte dos crimes mais violentos faz esta conclusão ficar mais clara.

Suponha que A, um homem, estupre B, uma mulher. B teria o direito de pelo menos estuprar A de volta, ou de submeter A ao estupro praticado por uma firma profissional de punições. Mas a última coisa no mundo que uma vítima de estupro quereria é estar envolvida em ainda mais violência sexual, só isso então já lhe daria o direito de insistir em outras formas de pena. Limitar sua reparação à submissão de A ao estupro seria provocar ainda mais males a ela. B nunca poderá ser indenizada por completo, contudo, pelo menos, não lhe pode ser negada, entre um conjunto imperfeito de reparações, aquela que mais lhe agrade (na sua opinião). Ela não fez nada que justificasse negar-lhe tais opções.

Ainda, neste caso, simplesmente não há equivalente. O único equivalente remotamente semelhante é o estupro anal de A, mas mesmo isso é imensamente diferente de um estupro contra uma mulher. É de se esperar até que uma mulher considere o estupro uma violação muito pior do que considere um homem tratado de maneira “semelhante”, dado que cada uma dessas ações leva a consequências distintas para cada vítima. Então, se não há possibilidade da medida exata do tipo de retaliação “olho por olho” para um determinado ato de agressão, tal como é com o estupro, então ou (1) B não pode punir A, ou (2) B pode punir A de outra forma.

Claramente, a última alternativa é a correta, posto que um estuprador é impedido de negar o direito da vítima de puni-lo, e também é impedido de reclamar o benefício de não ter uma punição equivalente, porque a indisponibilidade de uma pena equivalente é um resultado direto da agressão praticada por A. Este é impedido [estopped] de contestar caso B aja de forma a mitigar os danos que A lhe causara (que incluem não somente o estupro, mas também a colocação de B numa situação em que todas as reparações seriam inadequadas e na qual não há sequer um equivalente possível).

Então, por exemplo, B poderia escolher, em vez disso, amputar o pênis de A, ou mesmo o seu braço ou a sua perna. Ou B poderia escolher ainda submeter A a um açoite público, à exposição, e à prisão por determinado período de tempo, ou mesmo à escravidão durante tanto tempo, de modo a trazer lucro para B. Como alternativa, B poderia ameaçar A com a aplicação da pena mais severa a que ela tenha direito, permitindo que A pague para que não seja punido (ou para que reduza a gravidade da pena) com quanto dinheiro ele puder oferecer.[38]

Ainda, mesmo que tal estupro de um homem tenha algo de equivalente ao estupro de uma mulher, o estupro de uma pessoa inocente (B) é tipicamente uma transgressão muito maior do que uma violação semelhante praticada contra um criminoso (A) que evidentemente não abomina tanto a agressão. A pode até ser um masoquista e gostar de apanhar ou de ser sodomizado, de modo que um valor de pena que seja literalmente igual ao da agressão praticada não causaria tanto dano a A quanto ele causou a B.

Há também o fato de que A está acostumado a um estilo de vida em que a força é utilizada mais rotineiramente, de tal sorte que uma punição “igual” de A não lhe causaria tantos danos quanto causaria caso fosse aplicada em B, que não está habituada a tal violência.

Logo B tem o direito de infligir uma pena maior em A do que ele infligira nela, de modo a igualar mais ou menos o dano infligido.[39] Logo, se A lesa permanentemente o braço de B, esta poderia ter o direito de lesar ambos os braços de A, ou mesmo todos os seus membros. (Quão maior precisamente pode a pena ser em relação à agressão original, e como isso é determinado, é discutido em maiores detalhes na Parte IV. C, abaixo.)

De forma semelhante, a vítima tem o direito de tomar pela força uma porção da propriedade do agressor, caso a punição que tal alternativa o infligisse melhor lhe satisfizesse, ou caso a vítima prefira esta reparação por um motivo qualquer, inclusive por ganância, por maldade, ou por sadismo. Evidente que a mistura entre essas opções seria igualmente permitida. Em resposta ao estupro, a vítima poderia confiscar todos os $10.000 do patrimônio do violador, submetê-lo a açoite público, e escravizá-lo por alguns anos até que seu trabalho lhe renda $100.000 (levando-se em consideração que tal punição seria, grosso modo, equivalente ao estupro).

Nesse sentido, pode-se lidar com quem agride a propriedade, como um ladrão, de várias maneiras diferentes. A vítima poderia satisfazer-se só com a propriedade do agressor, caso seja possível, ou mediante a punição corporal, se isto melhor lhe aprouver (como é discutido em maiores detalhes abaixo). Em suma, quaisquer direitos ou combinação de direitos de um agressor podem ser ignorados por parte da vítima ao puni-lo (o que implica que o agressor em verdade não tem estes supostos “direitos”), enquanto levar-se em consideração as linhas gerais da proporcionalidade.

Outros fatores que aumentem a quantidade da pena contra o agressor podem ser levados em consideração, que ultrapassam o gênero do dano inicialmente causado pelo agressor. Conforme explicado acima, no que diz respeito ao estupro, a agressão contra uma pessoa inocente e pacífica pode causar mais dano psíquico à vítima do que causaria uma ação parecida contra o agressor.

Também, como explica Rothbard, um criminoso, como o ladrão A, não somente roubou algo da vítima B, ele “também pôs B num estado de incerteza e de terror, de incerteza sobre o quanto B poderia sofrer. Mas a pena imposta contra A é fixa e certa antecipadamente, pondo A numa situação muito melhor do que aquela em que esteve originalmente sua vítima.”[40] O criminoso também impôs outros danos como os juros, e mesmo demais custos genéricos da prevenção do crime (porque a quem se imputariam tais custos e de quem se extrairiam, senão dos criminosos quando capturados?). Como observado por Kant, “aquele que rouba algo traz insegurança à propriedade de todos.”[41]

Este método de analisar se a proposição de determinada pena é adequada também deixa claro o porquê de a ameaça de violência contra a propriedade ser tratada como um crime agressivo. Define-se ameaça como colocar alguém em estado de terror de sofrer agressão física.[42]

Suponha que A ameace B, por exemplo apontando-lhe uma arma ou ameaçando bater nele. Claramente B tem o direito de fazer com A o que ele lhe fizera — A é impedido [estopped] de contestar a legitimidade de ser ameaçado. Mas o que isso significa? Ameaçar é manifestar a intenção de causar dano, e fazer B saber disso, de modo que ele acredite que A agirá de tal forma (se for de qualquer outra maneira, seria um teatrinho ou uma piada, e B não estaria apreensivo pelo fato de poder sofrer coerção).

A foi capaz de colocar B em estado de terror ao ameaçá-lo. No entanto, por causa da natureza da ameaça, o único modo de B poder de fato fazer A temer uma retaliação da sua parte é se B realmente expressar isso e for capaz de convencer A deste fato.

Então B deve de fato (ser capaz de levá-la) querer levar a cabo a coerção que ameaçou executar contra A, e não simplesmente enunciar as palavras, de outra forma A saberá que B está proferindo ameaças vazias, meros blefes. Com efeito, B pode legitimamente seguir em frente com a ação de que ameaçara A, para fazê-lo acreditar, de modo que ele seja de fato ameaçado. Embora A não precise de fato usar a força para ameaçar B, simplesmente não há como este ameaçá-lo de volta sem que de fato tenha o direito de usar a força contra A. Dado que a situação toda é causada pela ação de A, este é impedido [estopped] de contestar a necessidade de que B use a força contra ele.[43]

Os limites gerais da proporcionalidade também são satisfeitos quando se leva em consideração as consequências e as potenciais consequências sofridas pela vítima, que tenham sido causadas pela agressão. Desta forma, certos crimes podem ser punidos com a pena capital, desde que suas consequências sejam graves o suficiente, por exemplo, roubar o cavalo de um homem que depende dele para sobreviver, como era feito na fronteira do Velho Oeste pela mesma razão.[44]

(Este é o único ponto em que discordo de Rothbard, que, todavia, argumenta que “deve estar claro que, sob a lei libertária, a pena capital deveria ficar confinada estritamente ao crime do homicídio. Visto que um criminoso só perderia seu direito à vida se antes ele tivesse privado sua vítima do mesmo direito. Não seria permitido, portanto, que um mercador que tenha seu chiclete roubado executar o ladrão condenado”.[45] Visto que se pode imaginar situações raras em que o roubo de um chiclete poderia ser legitimamente punido com a execução, se o roubo pusesse em perigo a vida de seu dono.)[46]

A agressão pode também tomar a forma de um crime contra a propriedade. Por exemplo, quando A, tendo roubado $10.000 de B, tem este o direito de recobrar $10.000 do patrimônio de A. Contudo, a captura destes $10.000 não configura uma punição contra A, mas meramente a retomada da própria propriedade de B. Ele então tem o direito de tomar mais $10.000 do patrimônio de A, ou até mesmo uma quantia ainda maior, se for o caso de os $10.000 roubados de B lhe valerem muito mais do que o que valem para A (por exemplo, se A tem uma preferência temporal maior ou se tem planos menos importantes que os de B para usar este dinheiro, o que é bem provável, ou se A tem mais dinheiro do que B, o que não é muito provável).[47]

Este valor também pode ser elevado para se levar em conta outros danos como os juros, os custos genéricos da prevenção contra o crime, e também aqueles referentes à deslocação da vítima para um estado de terror e de incerteza.[48]

Também pode ser elevado para se levar em conta a incerteza de não se saber precisamente quanto deve ser a extensão exata da retaliação ou da restituição, dado que tal incerteza é culpa de A, não de B. Alternativamente, como opção da vítima, a punição corporal pode ser aplicada por B ao invés de retomar seus próprios $10.000 — de fato, esta pode ser a única opção nos casos em que o ladrão não tem mais um centavo sequer, e a propriedade roubada tenha sido consumida ou destruída.

Portanto, a vítima de um crime violento tem o direito de escolher entre diferentes misturas e tipos de penas. A gravidade e a extensão totais das penas com permissão para serem aplicadas, consistentes com os princípios da proporcionalidade, e o ônus da prova no que diz respeito a isso, são discutidos na seção seguinte.

C. O ônus da prova

As teorias penais estão preocupados com a justificativa da pena; estão preocupados em oferecer aos homens decentes que hesitam em agir imoralmente uma razão pela qual eles podem punir os outros. Isso é útil, é claro, para oferecer a homens éticos a orientação e a certeza de que eles podem lidar adequadamente com aqueles que buscam lhes causar algum dano. Estabelecemos até então um caso prima facie em prol do direito penalizar proporcionalmente um agressor em resposta a atos de violência, a ações que invadem os limites dos corpos dos outros ou que invadem os limites da propriedade adquirida legitimamente. Resolvida esta matéria, entretanto, é justo colocar o ônus da prova sobre o agressor para que ele demonstre porque a proposta de uma dada pena contra ele é desproporcional ou de alguma forma injustificada.

Conforme observado acima, como foi o agressor que colocou a vítima na situação em que ela tem reparações de variedade e de extensão limitada, o agressor é impedido [estopped] de queixar-se caso ela utilize um gênero de força diferente daquele utilizado pelo agressor contra ela. O ônus de argumentar e provar está portanto sobre o agressor para mostrar porque a proposta de determinada pena criativanão é justificada pela agressão a que deu causa.

De outra forma, um ônus adicional é colocado sobre a vítima, além do dano que ela já sofreu. Se a vítima quiser evitar suportar este fardo adicional, o agressor é impedido [estopped] de contestar, posto que foi o próprio agressor que colocou a vítima na posição de ter este fardo, em primeiro lugar.

Se houver uma área cinzenta, não se deve permitir que o agressor levante as mãos para o alto, falsamente perplexo, e livre-se de toda a responsabilidade; antes, a linha deve ser traçada na área cinzenta naquele lado que for mais favorável à vítima, a menos que o agressor possa limitar um pouco mais a área cinzenta com teorias e argumentos convincentes, dado que o agressor é que deu causa ao cinza.

De forma semelhante à da questão da proporcionalidade. Embora a proporcionalidade ou reciprocidade seja um requisito genérico, se um caso prima facie pela punição puder ser estabelecido (como é o caso sempre que se inicia a força), o ônus da prova jaz sobre o agressor para que este demonstre que qualquer proposta de uso da força, incluindo aí a execução, mutilação ou escravização, excede os limites da proporcionalidade. Como mencionado acima, na prática há muitas áreas mais claras: o homicídio justifica a execução; o roubo mais simples, sem o emprego de armas ou de violência, não justifica.

Mas de fato há áreas cinzentas onde fica difícil, senão impossível, de definir com precisão a quantia exata da pena máxima permitida. No entanto, e de novo, esta situação incerta, este cinza, é causado pelo agressor. A vítima é posta num dilema e pode subpenalizá-lo, ou subutilizar o direito de puni-lo, se ela tiver que justificar quanta força poderia utilizar. Ou ela pode ter que despender mais recursos em termos de tempo e dinheiro (ex.: contratar um filósofo ou um advogado para calcular exatamente quanto de punição está garantida), o que aumentaria de forma inadmissível o dano contra a vítima.

Mas de uma coisa nós sabemos: iniciou-se o uso da força contra a vítima, e então a força, genericamente, pode ser utilizada contra o vitimador. Diferente dos casos fáceis ou já consagrados, qualquer ambiguidade ou dúvida deve ser resolvida em favor da vítima, a menos que o agressor suporte o seu ônus de argumentar e explicar porque a pena proposta excederia a agressão que cometera inicialmente.[49]

Portanto, pode-se levar em conta diversos fatores ao se determinar uma pena apropriada.

Suponha que o agressor sequestre e decepe a mão da vítima. A vítima claramente tem o direito de fazer o mesmo com o agressor. Mas se a vítima quiser, no lugar disso, cortar o pé do agressor (por uma razão qualquer), ela tem, prima facie, o direito de fazê-lo. A vítima também teria o direito de cortar ambas as mãos do agressor, a menos que o agressor conseguisse explicar por que isto seria uma quantidade de coerção além daquela que ele havia praticado.

(Admito que é difícil conceber como tal argumento sucederia, ou mesmo o que seria um bom argumento. Mas isso deve ser preocupação do agressor, não da vítima, e há uma maneira simples de evitar ser posto nessa posição: não inicie o uso da força contra o próximo).

Meramente cortar uma das mãos do agressor pode, na verdade, não ser uma atitude tão extrema quanto a ação do agressor. Por exemplo, a vítima poderia ser um pintor. Logo, a consequência da violência agressiva poderia ser a de que, além de arriscar a vida da vítima e causar-lhe dor, a vítima sofresse um dano mental e financeiro muito significativo. Poderia ser o caso de, para infligir a mesma quantidade de dano ao agressor, decepar-lhe todos os quatro membros, ou mesmo decapitá-lo. Sabemos que é admissível empregar a violência contra um agressor. Quanta violência? Deixe que o agressor lide com o ônus de calcular isso.

Como supramencionado quanto ao estupro, a vítima pode ser muito sensível à própria aplicação da violência e, pois, recuar diante da ideia do olho por olho. Se tal é a natureza da vítima, ela não deveria ser penalizada ainda mais ao ser forçada a aplicar a lex talionis. O agressor não pode alegar a vulnerabilidade da vítima e é impedido de se queixar porque ele deixou a vítima numa situação em que as preferências especiais da vítima só podem ser satisfeitas por uma pena não-recíproca.

Logo, a vítima poderia, em vez disso, escolher confiscar uma determinada porção da propriedade do agressor. A quantidade da recompensa que é “igual” ao dano provocado é, evidentemente, difícil de determinar, mas, pelo menos, princípios semelhantes poderiam ser utilizados como o são hoje na justiça civil e criminal. Se a quantidade de dano é incerta ou parece “muito alta”, deve-se recordar que fora o próprio agressor que originou esse estado de incerteza, e que, portanto, não pode agora ouvir-se sua queixa quanto a isso.

Alternativamente, uma recompensa mais objetiva pelo dano poderia ser determinada por uma negociação entre a vítima e o agressor, aquela desistindo de todo seu direito de punir em troca de parte ou da totalidade do patrimônio deste. Esta pode ser uma alternativa especialmente atraente (ou pelo menos pouco atraente) para alguém que tenha sido vitimado por um agressor muito rico. A recompensa consolidada por decepar a mão de alguém poderia ser normalmente, digamos, $1 milhão.

Contudo, isso quer dizer que um bilionário poderia cometer tais crimes com certa impunidade. Sob visão do estoppel quanto à pena, a vítima, em vez de tomar $1 milhão do dinheiro do agressor, poderia sequestrá-lo e ameaçá-lo de exercer seu direito de, digamos, cortar fora as duas mãos do agressor, dolorosamente. Um bilionário poderia se dispor a trocar metade ou mesmo toda a sua fortuna para escapar desta pena.

Para agressores pobres, não há propriedade a ser tomada como restituição, e a mera imposição de dor contra o agressor pode não satisfazer certas vítimas. Estas teriam o direito de escravizá-los, ou de vendê-los como escravos ou para experimentos médicos, de modo a render-lhe melhor proveito.

Claramente, os modos segundo os quais a pena pode ser aplicada são abundantes e variados, e todos os objetivos tipicamente apresentados da pena podem ser acomodados sob esta forma de compreender a pena. Os criminosos poderiam ser incapacitados e detidos, ou mesmo reabilitados, talvez, a depender da escolha da vítima. A restituição poderia ser obtida de várias formas, ou, a depender da escolha da vítima, também a vingança ou a retribuição.

Muito embora seja difícil determinar precisamente as fronteiras da proporcionalidade, a justiça requer que o agressor seja responsabilizado pelo dilema que ele criou, bem como pela agressão que ele cometeu.

 

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Notas

[1] A distinção entre os efeitos ou a utilidade da punição e a razão pela qual temos o direito de punir é reconhecida há muito tempo. Ver ex.:, IV William Blackstone, Commentaries on the Law of England *7-*13, §§ 7(a)-7(c); F.H. Bradley, Ethical Studies 26-27 (2d ed., London: Oxford University Press, 1927); H. L. A. Hart, Punishment and Responsibility 73-74 (New York: Oxford University Press, 1968).

[2] Murray N. Rothbard, Punishment and Proportionality, ch. 13 em The Ethics of Liberty (Atlantic Highlands, N.J.: Humanities Press, 1982) [hereinafter, Rothbard, Ethics], at p. 85. Este capítulo apareceu substancialmente da mesma forma em Rothbard, Punishment and Proportionality, in Assessing the Criminal: Restitution, Retribution and the Legal Process (Randy E. Barnett & John Hagel III, eds., Cambridge, Mass.: Ballinger, 1977), ch. 11, pp. 259-70. Ver também o artigo de Rothbard “King on Punishment: A Comment”, 4 J. Libertarian Stud. 167 (1980) (comentando em J. Charles King, A Rationale for Punishment, 4 J. Libertarian Stud. 151 (1980)). Para mais discussões sobre várias teorias penais, ver Criminal Justice: The Legal System vs. Individual Responsibility (Robert James Bidinotto, ed., Irvington-on-Hudson, New York: Foundation for Economic Education, Inc., 1994);Philosophical Perspectives of Punishment (Gertrude Ezorsky, ed., Albany: State University of New York Press, 1972); Theories of Punishment (Stanley E. Grupp, ed., Bloomington: Indiana University Press, 1971); and Hart, supra note 2.

[3] Os professores Barnett e Hagel afirmam a teoria penal de Rothbard, “com sua ênfase nos direitos da vítima, … é um afastamento significativo e provocativo da teoria retributivista tradicional e, talvez, mereça um novo rótulo.” Barnett and Hagel, supra nota 3, em 179.

[4] Ulpiano (Dominitius Ulpianus), Edito, livro 56, 4 O Código de Justiniano (eds. Theodor Mommsen, Paul Krueger, & Alan Watson, Philadelphia: University of Pennsylvania Press 1985) no Livro 47, §10.1.14 (nulla iniuria est, quae in volentem fiat). Conforme explica Richard Epstein, “A auto-flagelação não enseja o direito a ação, não importa o motivo. Não há razão, portanto, pelo que uma pessoa que possa causar dano a si mesma não deveria, prima facie, ter permissão para que outrem o fizesse em seu lugar.” Richard A. Epstein, Intentional Harms, 4 J. Legal Stud. 391, 411 (1975).

[5] John Hospers, Retribution: The Ethics of Punishment, in Barnett & Hagel, eds., supra nota 3, na 190.

[6] N.T. O autor usa a expressão estopped, no inglês, referente ao Estoppel.

[7] Para um apresentação mais antiga dessas ideias nesses termos, ver N. Stephan Kinsella, Estoppel: A New Justification for Individual Rights, Reason Papers No. 17 (Outono, 1992), p. 61.

[8] Saúl Litvinoff, Still Another Look at Cause, 28 La. L. Rev. 3, 21 (1987).

[9] 2 Lord Coke, Commentary Upon Littleton 352a (1628), citado em 18 Am. Jur. 2d, Estoppel and Waiver, §1. No restante deste artigo, a expressão “estoppel” ou “estoppel dialógico” se refere ao estoppel mais genérico, filosófico, cuja teoria é desenvolvida aqui, em oposição à teoria tradicional o estoppel jurídico, que será chamado de “estoppel legal”.

[10] N.T.: as expressões originais são: “actions speak louder than words”, “practice your preach”, “put your money where your mouth is”.

[11] Bellsouth Advertising & Publishing Corporation v. Gassenberger, 565 So. 2d 1093, 1095 (La. App. 4th Cir. 1990).

[12]Ver Dickerson v. Colegrove, 100 U.S. 578, 586 (1879)

[13] O conceito de “frustração de expectativa” na verdade envolve um raciocínio circular, contudo, dado que confiar-se no desempenho não é “razoável” ou justificável a menos que já se saiba que se pode fazer cumprir a promessa, o que levanta essa questão. Ver, e.g., Randy E. Barnett, A Consent Theory of contract, 86 Columbia L. Rev. 269, 274-76 (1986). A legitimidade do conceito legal tradicional de frustração de expectativa é irrelevante aqui, todavia.

[14] Zimmerman v. Zimmerman, 86 A.D.2d 525, 447 N.Y.S. 2d 675 (Sup. Ct. 1982).

[15] Conforme é usado aqui, “A ‘agressão” é definida como a iniciação do uso da força ou da ameaça de violência física contra a pessoa ou a propriedade de outrém.” Murray N. Rothbard, Por uma Nova Liberdade: o Manifesto Libertário (edição revisada, Nova York: Libertarian Review Foundation, 1985)

[16] Sobre a impossibilidade de se negar a lei de contradição, ver IV Aristóteles, Metafísica, 1005b19-21 (“A mesma coisa não pode ao mesmo tempo tanto pertencer como não pertencer a um mesmo objeto e sob o mesmo aspecto.”); Hans-Hermann Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism: Economics, Politic and Ethics 232 n.23 (Boston: Kluwer Academic Publishers, 1989) [doravante Hoppe, Socialism & Capitalism]; e Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics 25 et seq. (3ª ed. rev., Chicago: Henry Regnery, 1966). Ver também a discussão de Ayn Rand sobre a identidade, ou “A é A”, e a lei da contradição em Atlas Shrugged 942-43 (New York: Signet, 1959); Leonard Peikoff, Objectivism: The Philosophy of Ayn Rand 6-12, 118-21 (New York: Dutton, 1991); e Ronald E. Merreil, Axioms: The Eightfold Way, Objectivity, vol. 2, no. 2, 1995, p. 1.

[17] Dado que um debate é pacífico, cooperativo, dado que é uma atividade livre de conflitos, bem como uma investigação em prol da verdade, a coerção é também incompatível com as normas pressupostas por todos os participantes do debate. De fato, é esta a concepção que o Professor Hoppe constrói em sua brilhante defesa dos direitos individuais segundo a “ética argumentativa”. Ver Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, supra nota 16, Capítulo 7, “A Justificativa Ética do Capitalismo e Por que o Socialismo é Moralmente Indefensável “; idem, The Economics and Ethics of Private Property: Studies in Political Economy and Philosophy 180-86 et pass. (Boston, Kluwer Academic Publishers, 1993) [doravante Hoppe, Economics & Ethics]. Para uma análise detalhada de Economics and Ethics, ver N. Stephan Kinsella, The Undeniable Morality of Capitalism, 25 St. Mary’s L. J. 1419 (1994). Para outras teorias mais recentes (embora não necessariamente libertárias) que comportem alguma semelhança à metodologia da ética do debate de Hoppe, ver G.B. Madison, Philosophy without Foundations, Reason Papers No. 16 (Fall 1991), p. 15; idem, The Logic of Liberty ch. 11, esp. pp. 263-72 (New York: Greenwood Press, 1986); Roger A. Pilon, Ordering Rights Consistently: Or What We Do and Do Not Have Rights To, 13 Ga. L. Rev. 1171 (1979); idem, A Theory of Rights: Toward Limited Government (Dissertação de Ph.D., U. Chicago, 1979); Fran Van Dun, Economics and the Limits of Value-Free Science, Reason Papers No. 11 (Primavera de 1986), p. 17; idem, On the Philosophy of Argument and the Logic on Common Morality, em Argumentation: Approaches to Theory Formation 281 (Amsterdam: John Benjamins, 1982); Paul G. Chevigny, Philosophy of Language and Free Expression, 55 N. Y. U. L. Rev. 157 (1980); Michael Martin, On a New Argument for Freedom of Speech, 57 N. Y. U. L. Rev. 906 (1982); Paul G. Chevigny, The Dialogic Right of Free Expression: A Reply to Michael Martin, 57 N. Y. U. L. Rev. 920 (1982); e Lawrence Crocker, The Upper Limit of Just Punishment, 41 Emory L. J. 1059 (1992). Para mais artigos correlatos interessantes, ver Tibor R. Machan, Individualism and Political Dialogue, Poznan Studies in Philosophy; Jeremy Shearmur, Habermas: A Critical Approach, 2 Crit. Rev. 39 (1988); idem, From Dialogue Rights to Property Rights, 4 Crit Rev. 106 (1990); e Douglas B. Rasmussen, Political Legitimacy and Discourse Ethics, 32 Int’l Phil. Q. 17 (1992).

[18] Eu já tive mais de uma vez a experiência frustrante e desconcertante de ver alguém de fato afirmar que a consistência não é necessária à verdade, que ideias mutuamente contraditórias podem ser sustentadas por uma pessoa e serem verdadeiras ao mesmo tempo. Quando defronte de tal oponente, embora ele esteja claramente errado, não há muito o que se fazer além de tentar apontar quão absurda sua posição é. Para além disso, porém, um oponente teimoso deve ser visto como quem renunciou à lógica e à razão, e portanto simplesmente incapaz, ou relutante, em participar em um debate significativo. Ver Peikoff, supra nota 16 em 11-12 (discutindo quando se deve abandonar as tentativas de se comunicar com indivíduos teimosamente irracionais).

[19] Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus 7.0 (D. Peras & b. McGuiness trans. 1961) (1921).

[20] Outras divisões também poderiam ser propostas, mas delas não resultam resultados interessantes ou úteis. Por exemplo, poder-se-ia dividir a conduta humana entre praticar jogging e não praticarjogging, mas com que finalidade? Embora tal divisão fosse válida, não produziria resultados interessantes, diferentemente da divisão agressiva/não-agressiva, que produz resultados relevantes para a teoria da pena, que por necessidade se preocupa com o uso da força. Ver Ludwig von Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science: An Essay on Method (Kansas City: Sheed, Andrews and McMeel, 1978), p. 41, idem, Epistemological Problems of Economics (New York: New York University Press, trans. George Reisman 1981), pp. 87-88 e idem, supra nota 16, no Cp. II, §10, pp. 65-66 (explicando que se pode referir à experiência para se desenvolver leis “interessantes” baseadas nos axiomas fundamentais da praxeologia, em vez de leis irrelevantes ou desinteressantes (embora não inválidas)). Em qualquer situação, está claro que certas ações podem ser objetivamente caracterizadas como agressivas. Ver Parte III.D.1, infra.

[21] Para ser mais preciso, se nós tentarmos punir alguém, ou é em razão de um comportamento agressivo ou de um comportamento não-agressivo. Comportamento não-agressivo é uma categoria residual que inclui tanto o comportamento não-agressivo, como falar ou escrever, quanto categorias não comportamentais, como o status, a raça, a idade, a nacionalidade, a cor de pele, e afins.

[22] Em princípio, qualquer direito da vítima de punir o vitimador poderia ser delegado ao seu herdeiro ou a uma agência privada como uma agência de proteção – ou ao estado, se o governo for algo legítimo, o que não precisa nos preocupar aqui.

[23] A este respeito, Alan Gewirth apontou, “Agora estes ‘dever-seres’ envolvem uma necessidade normativa; eles dizem o que, em termos de direito, outras pessoas devem fazer. Tal necessidade também tem a ver com o uso frequentemente apontado de ‘justo’ e ‘legal’ como sinônimos, ou pelo menos componentes do uso substantivo de ‘direito’”. Os direitos de uma pessoa são aquilo que a ela pertencem de forma justa, aquilo que lhe é atribuído por lei, daí é que ele pode juridicamente exigir algo de outras pessoas.” Alan Gewirth,The Basis and Content of Human Rights, 13 Ga. L. Rev. 1143, 1150 (1979). Para uma discussão da justificação dos direitos segundo Alan Gewirth e da sua relação com o estoppel, ver Kinsella, supra nota 7, em n9.

[24] Se um cético objetasse o uso de conceitos morais aqui (ex.: errado, dever, etc.), deve-se apontar que é o próprio criminoso, A, que introduz a terminologia normativa e técnica do direito ao tentar contestar sua punição. Ponto semelhante é levantado por Randy Barnett num contexto diferente. O Professor Barnett argumenta que quem alega que a Constituição dos EUA justifica certas regulações do governo sobre os indivíduos está, ele mesmo, fazendo uma alegação normativa, que pode então ser examinada ou criticada pelos outros desde um ponto de vista moral. Randy E. Barnett. Getting Normative, The Role of Natural Rights in Constitutional Adjudication, 12 Const. Comm. 93, 100 (1995). Ver também Idem, The Intersection of Natural Rights and Positive Constitutional Law, 25 Conn. L. R. 853 (1993).

[25] Muito embora A não possa queixar-se que sua iminente execução por C violaria seus direitos, isto não significa necessariamente que C poderia executar assassinos legitimamente, dado que é possível que certos procedimentos ou institutos de C poderiam pôr em perigo os direitos de terceiros não envolvidos, e portanto violá-los. Para uma discussão mais profunda, ver Kinsella, supra nota 7, em n10.

[26] Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, supra nota 16, em 131.

[27] Hoppe, Economics & Ethics, supra nota 17, em 182.

[28] Como Hoppe observa, regras particularistas,

que especificam direitos ou obrigações diferentes para classes diferentes de pessoas, não têm chance de serem aceitas como justas por cada participante em potencial da discussão por razões meramente formais. A menos que a distinção feita entre classes diferentes de pessoas seja de tal forma que seja aceitável aos dois lados como fundada na natureza das coisas, tais regras não seriam aceitáveis porque isto implicaria que um grupo seria recompensado com privilégios legais, em detrimento de discriminações completares contra outro grupo. Certas pessoas, doravante, tanto aquelas que têm permissão para fazer algo ou aquelas que não têm, não poderiam concordar que estas são regras justas. Hoppe, Socialism & Capitalism, supra nota 16, em 138.

[29] Isso não quer dizer que a passagem do tempo não possa ser relevante por outras razões. Do mesmo modo como a pena capital não viola os direitos do homicida executado, mas pode-se pensar em objetá-la nas bases do perigo posto por tal prática a pessoas inocentes (ver supra nota 25), logo a pena depois de um longo período de tempo não viola os direitos de criminosos de fato culpados, mas pode constituir sem dúvidas uma ameaça a pessoas inocentes (por conta da relativa insegurança da prova envelhecida, das memórias apagadas etc.). Mas estas são preocupações processuais ou estruturais, não substantivas, cuja discussão ultrapassa o escopo deste artigo. Meu foco aqui são os princípios básicos daqueles direitos que devem subjazer em qualquer justificação geral da pena, mesmo que outros aspectos processuais ou sistêmicos também precisem ser levados em conta depois de se estabelecer prima facie o direito de punir. Logo, neste artigo eu também não pondero sobre questões como o perigo de se atuar como juiz em causa própria, dado que são preocupações separadas.

[30] Para um argumento semelhante de Hoppe no que diz respeito a porque qualquer participante de um debate contradiz a si mesmo se negar a validade da distinção “antes-depois” que diferencia entre apropriadores (anteriores) e retardatários (posteriores), ver Hoppe, Socialism & Capitalism, supra nota 16, em 142-44.

Qualquer outro argumento semelhante de A também falharia. Por exemplo, A poderia defender a si mesmo ao afirmar que não existe essa coisa de livre-arbítrio, de modo que ele estivesse sujeito a uma determinação para matar B e, logo não pode ser culpado por isso. Contudo, observe que a teoria do estoppel não assume em lugar algum a existência do livre-arbítrio, de modo que tal argumento é irrelevante. Ademais, se A está correto, não há livre-arbítrio, então C está analogamente predestinado a fazer o que quiser, e se isto inclui punir A, como ele poderia ser responsabilizado? A lógica da reciprocidade é inescapável. Assim como Rothbard apontou, o filósofo tomista R. P. Philips alcunhou este tipo de axioma um “princípio bumerangue … porque por mais que nós o lancemos para longe de nós, ele volta para nós novamente…” R. P. Phillips, Modern Thomistic Philosophy (2 vols., Westminster, Md.: Newman Bookshop, 1934-35), II, 36-37, citado em Rothbard, Beyond Is and Ought, Liberty, Nov. 1988, p. 44, em p.45.

[31] Ver Parte III.D.2, supra.

[32] Para mais detalhes ver as fontes citadas na nota 17, supra.

[33] Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, supra nota 16, em 9.

[34] Id. em 134.

[35] Levítico 24:20, supra nota 36.

[36] A fórmula clássica da lex talionis é “vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.” Êxodo 21:23-25, em The Jerusalem Bible: Reader’s Edition (Garden City, New York: Doubleday & Company, Inc., 1968). Ver também Deutoronômio 19:21; Levítico 24:17-21

[37] Levítico 24:20, supra nota 36.

[38] Para uma discussão sobre as tentativas de Jefferson de imaginar penas proporcionais, ver Walter Kaufman, Retribution and the Ethics of Punishment, in Barnett & Hagel, eds., supra nota 3, em 223. Para exemplos recentes de tentativas de juízes sobre penas criativas para “ajustar-se ao crime”, ver Judy Farah, Crime and Creative Punishment, Wall Street J., 15 de março, 1995, Ai15; e Andrea Gerlin, Quirky Sentences Make Bad Guys Squirm, Wall Street J., 4 de agosto, 1994, B1, B12. Ver também Richard A. Posner, An Economic Theory of Criminal Law, 85 Colum. L. Rev. 1193, 1212 (1985), discutindo maneiras diferentes de variar a gravidade da pena.

[39] Claro, valores são subjetivos, então o dano nunca pode ser igualado. (Sobre a teoria subjetiva do valor, ver Mises, Ação Humana, supra nota 16, em 94-97, 200-206, 331-33 et passium; Murray N. Rothbard, 1 Man, Economy and State: A Treatise on Economic Principles (Los Angeles: Nash Publishing, 1962) (2 vols.), pp. 14-17 (ch.I, §5.A.).) Mas, novamente, isso não é culpa da vítima, e se a única opção dela é tentar medir ou balancear uma equação difícil de se balancear — ex.: ao tentar equacionar aspectos físicos da força um quê quantificáveis, como a magnitude e o tipo da força e as consequências físicas advindas dela – ela não pode ser responsabilizada e o agressor não pode queixar-se. (Para uma teoria ilustrativa propondo atribuir culpa e responsabilidade de acordo com fatores objetivos como a força e o momentum numa situação como a de uma colisão de um automóvel, ver as seções sobre a causação e as defesas causais, respectivamente, em Richard. A. Epstein, A Theory of Strict Liability, 2 J. Legal Stud. 151 (1973), Defenses and Subsequent Please in a System of Strict Liability, 3 J. Legal Stud. 165 (1974).) Ainda, se o agressor A quisesse sustentar com seriedade que o uso da força contra A e o uso da força contra B fossem inteiramente incomensuráveis, ele jamais poderia objetar significativamente ao fato de ser punido — dado que para objetar à pena (uso de força contra A) ele deveria sustentar que tal força é injusta e que certo nível e tipo de força poderia ser utilizado de forma justa de modo a impedir sua punição. Mas isto implica certa comensurabilidade. Se A realmente sustentasse a incomensurabilidade, B poderia levar palavras dele a sério e postular que a aplicação da pena por parte de B contra A não justifica qualquer força retaliatória da sua parte — o que significa que A não está alegando com efetividade que ele tem um direito de não ser punido (dado que direitos são legitimamente executáveis).

[40] Rothbard, supra nota 15, em 88.

[41] Immanuel Kant, em Ezorsky, ed., supra nota 3, em 105 (de Immanuel Kant, The Philosophy of Law (trans. W. Hastie, Edinburgh: T. T. Clark 1887), Part II, pp. 194-98).

[42] La. Crim. Code §36 ; Black’s Law Dictionary (6ª ed. 1990) p. 114 (definindo a o termo “assault”); Mason v. Cohn, 108 Misc.2d 674, 675, 438 N.Y.S.2d 462, 464 (Sup. Ct. 1981) (definindo o termo “assault”). O Código Penal de Louisiana define a tentativa de agressão como “uma tentativa de cometer agressão, ou a colocação propositada de outrem em estado de razoável apreensão de sofrer agressão.” Uma agressão é definida como “o uso proposital da força ou violência contra a pessoa de outrem; ou a ministração propositada de veneno ou de outro líquido ou substância tóxica em outrem.” Id. em §33. Tentativa então também pode incluir uma agressão tentada (que não precisa colocar a vítima num estado de apreensão de sofrer agressão – ex.: a vítima pode estar dormindo e sem conhecimento de que outra pessoa acabou de golpear sua cabeça com um taco, mas errou). Esta segunda definição de tentativa de agressão é ignorada para os presentes propósitos.

[43] Recentemente a correção de se classificar a fraude como uma violação de direito sob os princípios fundamentais do libertarianismo esteve sob ataque. James W. Child, Can Libertarianism Sustain a Fraud Standard? 104 Ethics 702 (1994). Eu creio que Child está equivocado e, em consonância com os princípios aqui desenvolvidos, a fraude é de fato uma espécie de roubo, embora não haja espaço aqui que me permita tratar deste tópico.

[44] Ver People v. Borja, 32 Cal.App.4th 1390, 1394, 22 Cal.Rptr.2d 307, 309 (1993); Guido v. Koopman, 1 Cal.App.4th 837, 842, 2 Cal.Reptr.2d 437, 439 (1992) (discutindo a importância crítica dos cavalos no transporte e na sobrevivência do Velho Oeste). Isto traz à mente a troca reportada “muitos anos atrás entre o Chief Justice (presidente do tribunal local) do Texas e um advogado de Illinois que visitava o estado. ‘Por que é que,’ perguntou o advogado visitante, ‘você continua enforcando ladrões de cavalos no Texas, mas frequentemente libera os homicidas?’ ‘Porque,’ respondeu o Chief Justice, ‘nunca houve um cavalo que precisasse ser roubado!’” História contada no People v Skiles, 115 III.App.3d 816, 827, 450 N.E.2d 1212, 1220 (1983).

[45] Rothbard, A ética da liberdade, supra nota 3, em 85.

[46] Contudo, é uma questão separada (e além do escopo deste artigo) se um comerciante teria o direito de matar o ladrão da goma de mascar que, tendo sido capturado em flagrante, se recusasse a abandonar sua tentativa de roubo.

[47] Entretanto, quando o bandido é mais pobre do que a vítima, como é geralmente o caso, isto não significa que a vítima não tem o direito de recuperar todos os $10.000,00. Ex.: se os $10.000,00 roubados é somente 1% do patrimônio da vítima, e o patrimônio do bandido é de somente $10.000,00 (depois que a vítima já tenha-lhe tirado seus próprios $10.000), não é o caso de a vítima estar limitada a 1% dos $10.000 ($150). Dado que foi o bandido que causou o dano, a vítima deveria ter a opção de selecionar o maior entre (a) o valor que fora roubado, ou (b) um valor maior que seja equivalente ao dano causado. Para mais sugestões seguindo essas linhas, como a visão de Stephen Schaferde de que a pena “deveria … ser igualmente onerosa e justa para todos os criminosos, independente de seus recursos, sejam milionários ou proletários,” ver Randy E. Barnett, Restituição: A New Paradigm of Criminal Justice, in Barnett & Hagel, eds., supra nota 3, em 363-64 (citando Stephen Schafer, Compensation and Restitution to Victims of Crime 123 (2d ed. cnl., Montcalir, New Jersey: Patterson Smith Publishing Crop., 1970)). Note-se que a visão de Rothbard sobre a restituição e a retribuição é levemente diferente dos princípios discutidos acima. Ver Rothbard, Ethics, supra nota 3. em 86.

[48] Ver supra nota 39 e o texto que acompanha.

[49] Muitos crimes estabeleceriam ou aceitariam níveis ou pelo menos espectros permissíveis de penas, por exemplo como os incrementados por um sistema privado de justiça de uma sociedade livre, e/ou por especialistas escrevendo tratados sobre o assunto e afins. Para uma maior discussão sobre o papel dos juízes ou de outros foros jurídicos descentralizados e das legislaturas para o desenvolvimento do Direito, ver N. Stephan Kinsella, Legislation and the Discovery of Law in a Free Society, 11 J. Libertarian Sutd. 132 (Summer 1995). Não há dúvida de que os litigantes num tribunal ou foro equivalente, especialmente o réu, contratariam advogados para apresentar os melhores argumentos possíveis em favor da pena e de seus limites permissíveis. Numa sociedade que respeitasse a teoria geral libertária dos direitos e da pena aqui desenvolvida, poder-se-ia até mesmo esperar que os advogados se especializassem em argumentar se um réu é impedido [estopped] de afirmar determinada defesa, ou se dada defesa é universalizável ou particularizável, quando que o ônus da prova para cada lado estaria satisfeito e coisas do tipo.

No que diz respeito ao conceito de apresentar um caso prima facie e inverter o ônus da prova do autor para o réu, Richard Epstein expôs uma teoria promissora de alegações e presunções, pela qual a parte que quiser perturbar o equilíbrio inicial deve estabelecer um caso prima facie, que poderia ser contrariado por uma defesa, que poderia enfrentar uma segunda rodada de argumentos prima facie, etc.Ver Richard A. Epstein, Pleading and Presumptions, 40 U. Chi. L. Rev. 556 (1973). Para a aplicação disso aos campos dos danos e crimes, ver seu artigo A Theory of Strict Liability, and Defenses and Subsquent Please in a Sysyem of Scrict Liability, supra nota 39; e Intentional Harms, supra nota 5.

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