Algumas considerações sobre capitalismo, livre mercado e bolsa de valores

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vs_investidorO teste dificilmente falha.  Aborde uma pessoa relativamente culta e pergunte a ela o que os termos ‘mercado’, ‘livre mercado’ e ‘mercado desregulamentado’ lhe trazem à mente.  O conteúdo e o grau de tergiversação da resposta podem variar, porém a conclusão final será quase sempre a mesma: ‘mercado’ significa ‘bolsa de valores’ (talvez porque o termo ‘mercado financeiro’ é sempre utilizado pela mídia) e ‘mercado desregulamentado’ é sinônimo de um sistema em que agentes financeiros poderosos, especuladores inescrupulosos e grandes corporações estão totalmente livres para fazer o que bem entenderem, sem o mínimo de respeito às leis, ao investidor e ao consumidor.

Com um cenário desse em mente, não é difícil entender por que o capitalismo não é bem visto e por que o termo ‘regulamentação’ exerce um fascínio mágico, quase erótico, mesmo sobre os mais bem informados.

E isso está longe de ser uma exclusividade brasileira.  Uma pesquisa da reputada agência americana Rasmussen, feita em abril deste ano, apontou que apenas 53% dos americanos acham que o capitalismo é melhor que o socialismo.  20% dos americanos acham que o socialismo é melhor, e 27% não estão certos de qual é o melhor.

Quando se considera o universo de adultos com menos de 30 anos de idade, o resultado é pior ainda: 37% preferem o capitalismo, 33% preferem o socialismo, e 30% são indecisos.  Já para os adultos que estão nos seus 30 e poucos anos, 49% preferem o capitalismo e 26% que preferem o socialismo.  Adultos com mais de 40 anos preferem dominantemente o capitalismo, com apenas 13% deles preferindo o socialismo.

O detalhe importante é que a pesquisa não definiu aos entrevistados o que é ‘socialismo’ e o que é ‘capitalismo’.  Ainda assim, o espantoso apoio conseguido pela fracassada doutrina do socialismo nos EUA é preocupante.

Contudo, uma outra pesquisa da mesma Rasmussen, realizada no final de dezembro de 2008, apresenta um resultado muito interessante — e bem mais animador.  Quando perguntados qual sistema preferiam — se um livre mercado ou um mercado gerenciado pelo governo —, 70% dos americanos responderam que preferiam um sistema de livre mercado (embora muitos desses 70% tivessem dito que favorecem regulamentações governamentais sobre as grandes corporações), sendo que apenas 15% dizem preferir uma economia gerenciada pelo governo, similar aos 20% que dizem preferir o socialismo.  Outro detalhe importante: dois de cada três americanos acreditam que as grandes corporações fazem conluio com o governo, de modo a prejudicar os consumidores e os investidores (realidade esse que é dominante na economia brasileira, como já discutidoaqui).

Os resultados das duas pesquisas, a princípio, podem parecer estranhos.  Afinal, por que o livre mercado atrai muito mais apoio que o capitalismo (70% contra 53%)?  Entretanto, toda a confusão não passa de uma questão de semântica.  A expressão ‘economia de livre mercado’ é muito mais atraente do que a expressão ‘capitalismo’.  O termo ‘livre mercado’ é possível de ser associado à liberdade, à livre iniciativa e até mesmo a abundância, coisas difíceis de se argumentar contra.  Já o termo ‘capitalismo’ tende a ser associado a monopólios e a ricaços poderosos manipulando a economia para proveito próprio.

Arrisco-me a dizer que, se essas pesquisas fossem feitas aqui no Brasil, é bem possível que também houvesse essa “disparidade” entre ambas — embora é certo que os porcentuais de favorecimento ao socialismo e ao mercado gerenciado pelo governo seriam maiores.

Ao invés de ‘capitalismo’

E eis aí o dilema: Qual termo o defensor da liberdade e da propriedade (afinal, a primeira não existe sem a segunda), que está interessado em atrair mais adeptos para a causa, deve utilizar perante uma platéia — principalmente naqueles embates contra intelectuais universitários empedernidos?

Sim, para algumas platéias, a palavra ‘capitalismo’ é um termo positivo, e pode ser utilizada perfeitamente.  O problema todo está nas massas.

Para muitas pessoas, como já dito, o termo ‘capitalismo’ possui amplas conotações negativas.  Quando elas o ouvem, instantaneamente pensam em corporações insensíveis espoliando furiosamente seus consumidores, empregados e investidores; monopólios limitando a liberdade de escolha e extorquindo o povo; multinacionais ricas explorando países pobres do terceiro mundo; e indústrias envenenando rios e destruindo o meio ambiente com seus lixos tóxicos.  Como Thomas Woods ironizou, essas pessoas pensam até em homens feios e gordos fumando charutos e carregando sacos com o desenho de um cifrão.  Mas o fato é que, para muitos, o termo ‘capitalismo’ suscita fúria, ressentimento, raiva e temor.

Ou seja, não é nisso que queremos que a platéia, ou um interlocutor qualquer, pense quando estivermos descrevendo nossa visão do mundo ideal, certo?

Não é preciso ser especialista em comunicação para entender sua regra básica: o que interessa em todo o tipo de comunicação é aquilo que o ouvinte ouve.  Parece redundante?  Nem tanto.  Uma vez que uma determinada palavra já adquiriu conotações ruins, não interessa mais qual a sua real definição (o termo ‘direita’, no Brasil, sofre do mesmo mal).  Principalmente quando você tem pouco tempo para falar e transmitir suas ideias para uma pessoa ou para um grupo de pessoas.

Por exemplo, se você for dar uma palestra em uma universidade, é certo que haverá esquerdistas radicais, socialistas psolistas, social-democratas e até mesmo moderados em sua platéia.  Destarte, assim que você proferir a palavra ‘capitalismo’, provavelmente você será vaiado, apupado e xingado.  Não é improvável que tenha de se desviar de sapatos ou de copos de água arremessados em sua direção (a acurácia dos arremessos será inversamente proporcional à qualidade da substância consumida no DA local).  Assim, os poucos moderados que estavam presentes acabarão não recebendo sua mensagem, e a oportunidade será perdida.

Logo, ao invés de ‘capitalismo’, tente ‘livre mercado’, ‘livre iniciativa’ ou ‘livre concorrência’.  Uma vez escolhido o termo, basta dizer o que ele significa: trocas voluntárias entre as pessoas, ausência de qualquer tipo de coerção, ausência de qualquer tipo de privilégios, liberdade plena de escolha, liberdade de contrato, abundância de bens e serviços, e preços baixos.  Se bem explicado, qualquer um que se opuser ao que você defende estará inevitavelmente defendendo a coerção, a violência, a escravidão, o monopólio e a ineficiência.

Ademais, esses termos não apenas não estão carregados com as pechas negativas que foram dadas ao capitalismo, como são na realidade bem mais acurados.  Afinal, libertários defendem qualquer tipo de arranjo econômico voluntário, o que significa que se uma comunidade quiser se separar do restante da sociedade e adotar para si um modo de produção comunista, ela tem o perfeito direito de fazer isso — desde que, é claro, não obrigue ninguém mais a adotar tal sistema.

Enquanto que a maioria de nós prefere o capitalismo, pois sabe que ele é o melhor e mais moral sistema econômico possível — pois fundado nos valores da civilização ocidental, na revelação judaico-cristã, na filosofia aristotélica e na experiência política e jurídica romana —, um genuíno sistema de livre iniciativa ou de livre mercado respeita o direito dos indivíduos conduzirem suas vidas seguindo o sistema econômico que desejarem, da maneira pacífica e consensual que escolherem.

No mais, no Brasil atual, ‘capitalismo’ passou a significar ‘capitalismo de estado’ — ou, como dizem os americanos, ‘capitalismo de compadrio’ —, que é quando as grandes empresas fazem conluio com o governo e aprovam regras que dão a elas vantagens injustas no mercado.  As empresas ganham o protecionismo estatal, que as livra de qualquer concorrência e enriquece seus vários empresários incompetentes em detrimento dos mais pobres, que são obrigados a pagar mais por produtos de baixa qualidade; e o estado e seus integrantes ganham apoio político, favores e financiamento de campanha dessas empresas, algo crucial em um regime democrático.

Essa parceria entre governo e grandes empresas, que é o que sustenta também os monopólios, é comumente chamada de corporativismo ou mercantilismo. Benito Mussolini, que foi quem glorificou o modelo, chamou-o de fascismo.  Ele entendia do assunto.

Esse arranjo, embora seja anticapitalista por natureza — sendo, aliás, produto do intervencionismo do estado na economia —, é o que acabou ficando no imaginário da população como sendo algo inerente ao capitalismo.

Portanto, assim que você explicar que os termos ‘livre mercado’, ‘livre iniciativa’ e ‘livre concorrência’ representam o exato oposto daquilo que condenam, seus interlocutores não mais conseguirão se colocar contra você — se o fizerem, estarão se assumindo totalitários, coercivos e contrários à liberdade, coisas caras principalmente à juventude.

(Caso o leitor seja mais paciente, ele pode utilizar o argumento incontestável de Hans-Hermann Hoppe, e explicar que todo aquele que se opõe à propriedade inevitavelmente estará se contradizendo).

O livre mercado e o mercado financeiro

Superada a questão semântica, voltemos à questão levantada no início do texto: a diferença entre livre mercado, mercado financeiro e mercado desregulamentado.

Definindo o livre mercado

Livre mercado, como já explicado em inúmeros artigos desse texto (em especial neste) é simplesmente um arranjo em que os indivíduos transacionam voluntariamente bens e serviços de modo que todas as partes se beneficiam nessa transação.  Quando você vai a uma casa de carnes, você valoriza a picanha mais do que o dinheiro que paga por ela, ao passo que o dono do restaurante valoriza o seu dinheiro mais do que aquele pedaço de picanha que ele lhe vende.  Desta forma, ambos saem ganhando com essa troca voluntária.  Qualquer troca que seja coerciva — por exemplo, quando você é obrigado de maneira não contratual a pagar por um determinado bem ou serviço — descaracteriza o arranjo econômico como sendo de livre mercado.

Além de trocas voluntárias, livre mercado também significa que a entrada de ofertantes de bens e serviços no mercado é livre — o que aumenta a variedade de fornecedores, bem como a concorrência entre eles.  Qualquer obstrução a essa entrada, seja via barreiras regulatórias, seja via altos impostos, também descaracteriza o arranjo econômico como sendo de livre mercado.  É válido dizer que, nesse caso, a questão mais importante é a ausência total de barreiras legais para se entrar no mercado.  Se este é servido por apenas um ofertante, isso não configura monopólio.  A concorrência existe a partir do momento que o estado não proíbe outras companhias de entrarem no mercado também.

Outra característica intrínseca a um livre mercado é a existência de um livre sistema de preços.  São os preços que nos informam sobre a abundância ou escassez de um bem ou de um serviço, e são os preços que coordenam como cada bem e serviço será usado em um dado processo de produção.

Por exemplo, imagine um fabricante de rádio.  Para construir seu produto, ele pode utilizar uma miríade de materiais, desde um simples plástico até a nobre platina.  Como a platina é um metal nobre e relativamente escasso, seu preço é alto.  Esse preço alto está enviando um sinal inequívoco ao fabricante de rádio: se ele quer usar platina, então é bom que seja para um motivo muito urgente, pois ele estará retirando recursos de outras indústrias para as quais a platina é um dos poucos materiais que tornam seu processo de produção lucrativo.  Esse alto preço da platina, que o fabricante de rádio certamente não pode pagar, é reflexo do fato de que a platina é necessitada com mais urgência em outros setores da economia, e a lucratividade que ela gera para esses setores permite que seus usuários elevem o preço da platina até o ponto em que passa a não ser vantajoso para o fabricante de rádio competir por esse recurso escasso.

É claro que o fabricante de rádio não necessariamente sabe por que o preço da platina é tão alto, ou quais são seus outros possíveis usos.  Tudo o que ele sabe é que a platina é cara — e ele deve reajustar seu processo de produção de acordo com essa realidade.  Ele terá, então, de utilizar um material como o plástico, cuja maior abundância ou menor urgência em outros setores torna seu uso mais viável e racional.

Milhões de decisões como essa são feitas diariamente, desde a fabricação de aviões até a produção de pães.  As decisões são racionalizadas exatamente por causa do sistema de preços, e sem que os produtores envolvidos nesses processos tenham de saber por que exatamente as condições econômicas do momento fazem os preços serem como são.

Esse simples exemplo nos mostra como o arranjo é intrincado e instável demais para ser “gerenciado” ou sofrer uma “sintonia fina”.  O sistema de preços aloca os recursos de forma que eles sejam utilizados da maneira mais racional possível, de modo a evitar desperdícios e más alocações.  Qualquer controle de preços, por mais trivial que pareça, irá inevitavelmente perturbar e descoordenar todo esse complexo arranjo.

Conclusão lógica: qualquer intervenção no sistema de preços irá gerar irracionalidade na produção, desperdícios de recursos e escassez de bens.  Qualquer intervenção no sistema de preços, inclusive no preço da mão-de-obra ou no preço do dinheiro (juros), também descaracteriza o arranjo econômico como sendo de livre mercado.

Todas essas características inerentes ao livre mercado — trocas voluntárias, livre concorrência, livre sistema de preços — só funcionam corretamente em um sistema de propriedade privada, sem a qual todos os itens acima desapareceriam ou se tornariam de prática impossível.

Entendidas essas definições básicas de livre mercado, vejamos se elas existem no mercado financeiro.

O mercado financeiro

“Uma empresa bem sucedida nunca é controlada, em última instância, por administradores contratados,” escreveu Ludwig Von Mises ainda em 1949.  Efetivamente, a “conduta de seus negócios” deve ser “exercida por seus acionistas”.

Fazer com que os administradores das grandes empresas ajam de acordo com esse princípio é algo praticamente inédito no Brasil.  Afinal, o que se vê aqui, além de grandes líderes empresariais fazendo lobby por protecionismo, regulamentações (sim, elas quase sempre são favoráveis para as grandes empresas), subsídios e privilégios, é um conluio entre as grandes empresas e a CVM para impedir que os acionistas exerçam sua vontade sobre a dos administradores.  A consequência tem sido o aumento da burocracia corporativa, bem como a transferência de riqueza dos acionistas para a elite empresarial, que assim podem expandir seu poder e sua renda.

A esquerda é ótima para fazer críticas ferozes ao mercado financeiro e à elite empresarial que o domina; o problema é que todas elas são pura agitação ideológica sem foco e sem substância.  Mas o fato é que uma elite empresarial tem, sim, dominado o mundo corporativo brasileiro (e grande parte das políticas governamentais, independente do partido no poder), quase sempre em detrimento de empreendedores genuínos, de seus clientes e de seus acionistas.  Essa elite está nos setores siderúrgico, minerador, bancário, telefônico, elétrico e, principalmente, petrolífero.

Mises também já havia previsto esse problema da elite empresarial e entendido sua origem: “A emergência de uma onipotente classe empresarial não é um fenômeno da economia de mercado operando livremente.  É, ao contrário, uma consequência natural das políticas intervencionistas que conscientemente visam a eliminação da influência dos acionistas e sua virtual expropriação.”  Este é, disse ele, o “passo preliminar em direção à substituição da livre iniciativa pelo controle governamental das empresas”.

A livre e irrestrita concorrência é o único instrumento capaz de restringir o poder de uma elite empresarial que enriqueceu por causa do estado e que vive de favores deste.  Em um livre mercado, se os administradores não estão gerindo uma empresa em seu máximo potencial, os acionistas — que afinal são os proprietários da empresa — têm o direito de demiti-los e contratar outros.

Em uma economia livre, portanto, existe um mercado que lida com aquisições corporativas.  Nesse mercado, até mesmo aqueles administradores que são considerados a crème de la crème estão com seus cargos constantemente ameaçados por uma voraz e constante concorrência.  Afinal, qualquer empreendedor que creia estar vendo naquela empresa uma oportunidade de lucro pode fazer uma oferta de compra de ações — sendo o preço ofertado pelo comprador sempre superior ao seu valor de mercado — em quantidade suficiente que lhe permita substituir a gerência atual e reformar a empresa.  Aliás, a simples ameaça de tal ato já seria o suficiente para alterar a maneira como a empresa em questão está sendo gerida.  Para concorrer e sobreviver com sucesso em um livre mercado de aquisições corporativas, o administrador tem de fazer todo o possível para aumentar o valor das ações de sua empresa e dos dividendos para seus proprietários.

Porém, como o leitor já adivinhou, essa prática de mercado é severamente fiscalizada pela CVM, através de suainstrução nº 361.  Os empreendedores que tentam incorrer nessa prática são tachados de ‘raiders’ (agressores, atacantes), porém eles efetuam uma função empreendedorial extremamente importante: ao procurar por ações que estão subvalorizadas e ao tentar trazê-las — bem como a empresa — para seu pleno potencial de mercado, eles estão extirpando todos os desperdícios burocráticos e criando valor.

A regulamentação governamental que obstrui ao máximo tal prática foi obviamente resultado do lobby das poderosas elites corporativas, que se sentiam ameaçadas por esse mercado.  Caso o leitor seja desocupado o bastante para ler a instrução linkada acima, verá que todas as restrições foram cuidadosamente pensadas de modo a aumentar o preço das ações da empresa atacada, dificultar sua aquisição e, ao mesmo tempo, permitir que a alta cúpula da empresa crie estratégias defensivas — todas devidamente financiadas com o dinheiro dos acionistas — para impedir que os próprios acionistas lucrem com esse aumento do preço das ações.

Atualmente, é praticamente impossível apontar uma empresa blue chip cuja gerência seja desafiada de algum modo, sofrendo algum tipo de concorrência e tendo seus cargos em risco.  É impossível porque o sistema foi configurado pelo governo de modo a deixar tudo assim.  Quando o ‘raider’ tenta levantar fundos para seu ‘ataque’, ele inevitavelmente tem de ir atrás dos grandes bancos, que por sua vez possuem relações estreitas com a elite empresarial e com o governo.  Sua oferta de compra torna-se virtualmente impossível.  E as grandes empresas seguem impassíveis.  Agora, quando o ‘raider’ é algum manda-chuva com poderosas conexões políticas que quer adquirir uma concorrente menor, pode ter certeza de que os cofres do BNDES estarão à sua inteira disposição.

Outros elementos essenciais num livre mercado são aqueles agentes que fazem as arbitragens: indivíduos que tentam ganhar dinheiro especulando com a diferença entre o preço de uma ação no momento da oferta de compra e o seu preço final.  Eles garantem um número específico de ações a um dado momento e a um certo preço, e, ao fazerem isso, eles cumprem a essencial função empreendedorial de assumir riscos.

Entretanto, há um porém: como eles precisam de todas as informações possíveis, eles precisam recorrer ao “crime” da informação privilegiada (insider trading, no jargão econômico). Insider trading nada mais é do que investir com base em informações que não foram tornadas públicas.  E desde que as informações sejam honestamente adquiridas, não há nada de errado com tal procedimento.  Bom, mas a CVM não pensa assim — e oinsider trading é considerado crime no Brasil desde 2001.  O curioso é que, em última instância, todos os investimentos de sucesso são baseados em dados não-públicos.  Warren Buffet, por exemplo, não divulga suas análises particulares.  O insider trading só é crime por causa das regulamentações que visam coibir as ofertas de compra de ações.

A coisa é tão bizarra que se você estiver em um restaurante nas imediações da Bovespa, ouvir por acaso uma conversa sobre alguma possível incorporação e comprar uma ação em decorrência da fofoca, você pode ser condenado por crime de insider trading caso essa ação suba quando a incorporação for anunciada.  Tal lei não faz nenhum sentido econômico ou moral.

Outra peculiaridade: insider trading é considerado crime, mas o governo se recusa a definir claramente qual é exatamente esse crime.  Afinal, se definido fosse, os especialistas em arbitragens e os “raiders” poderiam achar brechas técnicas.  E o governo não quer dar uma definição precisa porque, se desse, as pessoas que ele quer pegar provavelmente não cometeriam esse crime.  É exatamente assim que governos totalitários agem: decretando leis turvas e ambíguas, que dá liberdade de atuação para seus burocratas.  Os cidadãos nunca sabem ao certo o que podem fazer, e os grupos de interesse podem facilmente utilizar essa ambiguidade a seu favor, adquirindo assim ainda mais poderes.

Enfim, todo esse tecnicismo foi apenas para mostrar que os quatros itens fundamentais de um livre mercado — trocas voluntárias, livre concorrência, livre sistema de preços e propriedade privada — são sistematicamente violados no mercado financeiro.  No caso específico da propriedade privada, é válido lembrar que todo o sistema é em si uma violação dos direitos de propriedade.  Afinal, os acionistas são os donos de uma empresa e deveriam ter o direito de exercer suas vontades sobre a gerência da mesma.  Mas o aparato regulatório do governo os impede disso.  Apenas em um capitalismo de estado os acionistas são obrigados a aceitar cegamente a gerência de suas empresas, sem poder exercer qualquer controle sobre ela.

Conclusão

Associar livre mercado a mercado financeiro, assim como dizer que um mercado financeiro desregulamentado é um mercado que fortalece os poderosos, não apenas é algo infundado, como também é algo completamente oposto à real natureza das coisas.

Agentes financeiros poderosos, especuladores inescrupulosos e grandes corporações estão totalmente livres para fazer o que bem entenderem, sem o mínimo de respeito às leis, ao investidor e ao consumidor, exatamente naqueles mercados controlados rigidamente pelo governo.

Nos mercados livres e desregulamentados, quem é soberano é o consumidor, e quem obedece são os empresários.  O governo entra em cena justamente para reverter essa situação.  E é justamente essa atuação do governo que é exigida por aqueles que querem cercear as grandes empresas.  Deixaram o banco de sangue sob os cuidados de vampiros.

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