Máscaras tem sido promovidas por órgãos oficiais como a ANVISA, governos e prefeituras como ferramenta importante no combate à pandemia de COVID-19. Máscaras foram obrigatórias em espaços públicos fechados e durante um bom tempo, até mesmo em espaços abertos. Somente há pouco, em 4 de março, o governo de São Paulo liberou o uso de máscaras no transporte público, mas mantém ainda a sua obrigatoriedade em unidades de saúde.
Haveria, em 2023, justificativa plausível para o decreto ou a recomendação do uso de máscaras?
Neste pequeno ensaio, irei argumentar que não. Muito pelo contrário, a apologia às máscaras carece de evidências e se assemelha à uma “terapia alternativa”, ou a uma “ciência patológica”, sem base científica sólida.
Embora máscaras sejam intuitivamente intervenções plausíveis e a eficiência de filtração de máscaras cirúrgicas tenha sido parcialmente demonstrada em experimentos de laboratório, a sua capacidade de reduzir a transmissão viral não foi validada em ensaios clínicos randomizados (RCTs). Este fato foi corretamente apontado pelo presidente do Conselho Federal de Medicina, em uma carta à ANVISA, que corajosamente disse: “O uso de máscaras como sinalização de virtude ou como medida de sensação de pertencimento social jamais podem ser impostas a pessoas que não compartilham de tais ideologias ou comportamentos, em especial na ausência de evidência científica ou mesmo eventual prejuízo à saúde do paciente, como é no caso em tela.”
A sensação de que máscaras fornecem uma barreira de proteção contra vírus respiratórios é real. Até mesmo este que vos escreve, se sente mais seguro vestindo uma máscara em um ambiente aglomerado. Além disso, a ideia de que máscaras protegem contra a entrada ou saída de patógenos das vias aéreas é intuitiva, fruto do bom senso.
Acontece que intuição e bom senso nem sempre estão de acordo com a ciência. O bom senso sugere que a Terra é plana e estática (quem sente que vagamos a uma velocidade de 100.000 km/h em torno do sol?), que uma partícula não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo ou que os seres vivos não evoluem (quem já viu uma espécie biológica se transformar em outra?). A julgar pelas melhores evidências científicas, a percepção de que máscaras funcionam é apenas isso, uma percepção.
A exigência de que as máscaras passem por RCTs não é uma mera formalidade; novos medicamentos e terapias raramente são aprovadas sem um ou mais RCTs, que tenham resultados claros e estatisticamente significativos. A eficiência das máscaras na redução da transmissão viral foi testada em vários RCTs antes e durante a pandemia da COVID-19. Estes estudos foram revisados e atualizados por pesquisadores da Cochrane. A quinta e mais recente revisão foi publicada em um artigo de 300 páginas no final de janeiro de 2023. Para aqueles que não estão familiarizados com esta organização, a Cochrane é uma rede internacional de colaboradores cuja missão é analisar e resumir as melhores evidências da pesquisa biomédica, sem interferência de interesses comerciais ou financeiros. As análises da Cochrane são reconhecidas internacionalmente como referência de informações de alta qualidade.
Durante 10 anos ministrei um curso sobre a demarcação da ciência e da pseudociência para estudantes de pós-graduação na USP. Sempre que um aluno me perguntava “qual seria uma fonte confiável de informação clínica e biomédica?”, eu respondia, sem titubear: a organização Cochrane. Isto era correto antes da pandemia, e segue correto hoje também.
A revisão da Cochrane analisou o efeito de várias intervenções não-farmacológicas na transmissão de vírus respiratórios, entre elas, as máscaras faciais. Foram incluídos na análise 13 RCTs, realizados entre 2008 e 2022, sendo que o cálculo combinado de redução de risco de infecção por influenza/SARS-CoV-2 proporcionada pelas máscaras foi de 1,01. O intervalo de confiança, que indica a variação entre os estudos analisados na revisão, foi de 0,72 (28% de redução de risco relativo) a 1,42 (42% de aumento de risco relativo). Em outras palavras, para que as máscaras tivessem um efeito claro, a redução de risco deveria ter sido muito inferior a 1,0, mas, como vimos, isso não aconteceu. Com base nestes dados (que, relembrando, são as melhores evidências científicas disponíveis), os autores concluíram que as máscaras não tiveram efeito sobre a transmissão viral.
Em uma tentativa de requentar a narrativa das máscaras, vários defensores dessa intervenção não-farmacêutica alegam que o conhecimento sobre a eficácia das máscaras evoluiu nos últimos três anos e que máscaras de pano ou máscaras cirúrgicas não são suficientes. Em vez disso, devemos usar respiradores do tipo P2/N95. Este raciocínio, no entanto, tem algumas falhas. Para começar, a esmagadora maioria das pessoas usa máscaras de pano ou máscaras cirúrgicas, que são muito mais acessíveis do que os respiradores. Além disso, a revisão da Cochrane também avaliou 5 RCTs que compararam os respiradores P2/N95 às máscaras cirúrgicas. A redução de risco foi de 1,10, com um intervalo de confiança de 0,90 a 1,34, o que sugere que as máscaras cirúrgicas tiveram um desempenho melhor que os respiradores P2/N95! Entretanto, o resultado não foi estatisticamente significativo. Ademais, em dezembro de 2022, foi publicado mais um RCT comparando máscaras médicas e respiradores N95 em relação à transmissão de COVID-19. Este estudo, realizado em 29 unidades de saúde do Canadá, Israel, Paquistão e Egito, foi o maior RCT sobre respiradores N95 já realizado. O resultado foi que não houve diferença significativa entre os grupos que usaram N95 e aqueles que usaram máscaras médicas. Em outras palavras, a N95 não mostrou ser mais eficiente do que as máscaras médicas. E como já sabemos que as máscaras médicas não impedem a transmissão viral….
Tendo em vista a perplexidade que a mais recente revisão da Cochrane causou nos meios midiáticos, não tardou a reação dos defensores das máscaras, que visaram minimizar a conclusão inevitável de que máscaras fizeram nenhuma ou pouca diferença. Nas mídias sociais e em colunas de jornais da grande mídia, foram e ainda são emitidos toda sorte de argumentos – de que o estudo da Cochrane possui falhas metodológicas e limitações, de que o trabalho apenas concluiu que não é possível saber se máscaras funcionam e assim em diante. A pressão foi tão grande que a própria editora-chefe da Biblioteca Cochrane chegou a soltar uma nota dizendo que os resultados são inconclusivos.
Será mesmo? Foram analisados 13 RCTs de máscaras e 5 RCTs de respiradores. Não se trata de um único estudo, mas dos dados individuais e também combinados de 13 estudos de máscaras, sem que nenhum deles tenha apresentado qualquer efeito significativo sobre a transmissão viral! Como explicar a ausência de efeito? Será que é porque a ausência de evidência não implica a evidência de ausência? Já ouvi argumentação semelhante de apologistas de “terapias alternativas” e de outras pseudociências.
É preciso acrescentar que a ineficiência das máscaras já havia sido apontada em uma revisão anterior da Cochrane publicada em dezembro de 2020. Mesmo antes disso, qualquer pessoa que tivesse examinado a literatura científica teria deduzido o mesmo, como neste artigo de julho de 2020, que foi publicado em minha página web.
O físico Ernest Rutherford, agraciado com o prêmio Nobel de 1908, pela descoberta de divisibilidade dos átomos, costumava dizer que “se o seu experimento requer análise estatística (para confirmar o efeito estudado), é melhor planejar um novo experimento”. O que ele quis dizer com isso é que, resultados robustos, com efeitos grandes e claros, não requerem análises estatísticas para tirar as conclusões corretas. Por exemplo, um antibiótico que mata 99% de uma população de bactérias após 2 h de exposição ao medicamento, apresenta um efeito tão grande e robusto que, mesmo sem análise estatística, é possível concluir corretamente que o antibiótico tem forte atividade antibacteriana. É fato que, por motivos inerentes à complexidade dos sistemas biológicos e também devido à limitações metodológicas, boa parte dos experimentos biomédicos e ensaios clínicos não fornece resultados tão claros como o do antibiótico do exemplo em questão. Os estudos clínicos das máscaras, por outro lado, apresentam efeitos tão minguos que nem a análise estatística consegue “salvá-los”. Assim como alegações extraordinárias requerem evidencias extraordinárias (famosa frase do Carl Sagan), a recomendação e ainda mais a obrigação do uso de máscaras deveriam exigir evidências claras e robustas, muito melhores daquelas mostradas pelos RCTs, que, como já vimos, apresentaram efeitos nulos ou excessivamente fracos.
Há evidências publicadas de que máscaras reduzem a transmissão de vírus respiratórios? Sim, há. Mas todas elas vêm de estudos observacionais (ou de suas revisões), de qualidade inferior quando comparadas aos RCTs. O governo e a mídia têm usado esses estudos de baixa qualidade para impor máscaras à população. Este ponto é tão importante que vou repeti-lo: os decretos de máscaras foram impostos com base em estudos de baixa qualidade, em detrimento de testes clínicos randomizados, que são bem mais confiáveis, e que demonstraram, em sua totalidade, que máscaras não reduziram a transmissão viral. Como via de regra, quanto melhor a qualidade do estudo (por exemplo, ensaios observacionais versus estudos clínicos randomizados), menor será a eficiência das máscaras. Estes ensaios não devem ser tomados como prova de causalidade e certamente não devem instruir políticas de saúde pública.
Um outro tipo de análise, bem menos rigorosa que o RCT, mas ainda assim informativa e acessível, é a análise de dados do mundo real (também chamada de evidência ecológica). Por exemplo, mostrei em um artigo publicado em abril de 2022 que a Espanha e a Itália, respectivamente, tinham médias de mascaramento de 95% e 91% (porcentagem de pessoas que afirmaram usar máscara sempre que saíam de casa), ou seja, as maiores taxas de aderência à máscaras em toda a Europa durante o inverno de 2020-2021. Entre os 35 países analisados durante esse período, a Itália e a Espanha ocuparam o 20º e 18º lugares, respectivamente, em termos do número de casos de COVID-19. Em teoria, se as máscaras impedissem a transmissão viral, as populações espanholas e italianas deveriam ter tido as menores taxas de casos de COVID-19, mas não é isso que os dados mostram. Outro exemplo: o Japão, cuja população tradicionalmente utiliza máscaras, mesmo antes da pandemia, registrou um aumento de 15 vezes nos casos de COVID-19 entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2022 (de 1,73 milhões para 29,23 milhões de casos). De forma similar, Hong Kong, que impôs um decreto de máscaras que durou 3 anos, teve um aumento de 178 vezes no número de casos de COVID neste mesmo período. No primeiro ano da pandemia, o alto nível de mascaramento no Japão foi citado como a razão para as baixas taxas de COVID-19 naquele país. Mas o aparente sucesso do Japão no combate à COVID-19 foi de curta duração, e não teve nada a ver com a máscara, como os “especialistas” teriam descoberto se esperassem um pouco mais. Embora evidências ecológicas não possam ser usadas para inferir causalidade, estes dados indicam que, em nível populacional, as máscaras também falharam.
Em conclusão, apesar de máscaras conferirem uma sensação de segurança em relação à transmissão de vírus respiratórios, testes clínicos randomizados mostraram, em sua totalidade, que máscaras não conferem proteção significativa e que, portanto, a sensação de segurança é falsa. Sendo assim, fica aqui a pergunta: quantos milhões de pessoas foram infectadas por SARS-CoV-2 porque, confiando nas máscaras, acreditaram que estavam protegidas?