Atenção aos títulos do governo

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títulosNota do IMB 

Embora pouco comentada pela mídia, a evolução da Dívida Pública Bruta do governo brasileiro tem sido inquietante.  Para se ter uma ideia, em dezembro de 2006, a Dívida Pública Bruta era de 55% do PIB.  No terceiro trimestre de 2009, ela já havia pulado para 66,5% do PIB.  Prevê-se que em 2010 o valor supere os 70%.

Ao mesmo tempo, a dívida líquida segue praticamente constante, pois o governo está recorrendo à engenhosa medida de expandir o gasto por meio dos bancos públicos, medida essa que neutraliza a dívida líquida ao mesmo tempo em que aumenta a dívida bruta.

Ou seja, o PT descobriu como ludibriar alguns investidores mais desatentos: utilizando principalmente o BNDES para “investir” e distribuir dinheiro para os amigos.  Como em tese o BNDES compra “ativos”, a dívida líquida não se altera.  Porém, a dívida bruta (bastante acompanhada pelos analistas internacionais em geral) está saindo do controle.

Outra questão é a evolução do déficit nominal (a mídia quase só fala no superávit primário).  A tendência é bastante negativa.  Adicionalmente, há também o truque contábil do “investimento estratégico”, sobre o qual o Brasil convenceu o FMI em um diabólico acordo de ocultação da realidade.  (Para uma rápida explicação sobre o conceito de Dívida Pública Bruta e Dívida Pública Líquida, clique aqui).

Tendo esses fatos em mente, o texto a seguir nos fornece uma explicação teórica sobre o que pode acontecer caso essa tendência se mantenha – a mais previsível é a elevação da taxa básica de juros, que deve acontecer já em abril.

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I. Os incentivos para manter e emitir títulos da dívida do governo

Muitas pessoas investem sua poupança em títulos da dívida do governo.  Elas obviamente são da opinião de que os títulos do governo oferecem uma taxa de rendimento atraente e representam riscos quase nulos.

Mas não é bem assim.  Afinal, o que os títulos do governo representam?  Quem realmente paga os juros desses títulos?  E quem paga o principal?

Um título do governo representa um empréstimo feito ao setor público, e o governo utiliza os fundos assim arrecadados para financiar suas inúmeras despesas, como pagar os políticos, os burocratas, os grupos com os quais têm conexões especiais, a previdência e a seguridade social, os gastos militares, a infraestrutura etc.

O governo recorre a esse tipo de financiamento (financiamento via empréstimos ou financiamento por emissão de dívida) porque as receitas de impostos normalmente não cobrem suas despesas.  Mas então por que o governo não eleva os impostos, ou reduz os gastos, para assim poder equilibrar o orçamento?

Porque as pessoas não gostam de pagar impostos.  Mas, ao mesmo tempo, elas gostam de receber benefícios financeiros do governo.  Aqueles que estão no governo, por sua vez, adoram fazer as pessoas felizes dando-lhes dinheiro – dado que esta é a melhor forma de se assegurar uma reeleição.

De todos os instrumentos de financiamento disponíveis, o financiamento por emissão de dívida é, economicamente falando, o mais atrativo tanto do ponto de vista do governo quanto do ponto de vista do eleitorado.

Primeiro, ao se financiar via emissão de dívida, o governo pode fazer suas políticas assistencialistas (para os pobres e para os ricos) sem criar um ônus a mais para o pagador de impostos.  O eleitorado pode usufruir benefícios financeiros sem ter de pagar por eles.

Os pagadores de impostos terão apenas de arcar com os custos dos juros dessa dívida do governo, ao passo que o pagamento do principal é transferido para as gerações futuras de pagadores de impostos.

Segundo, as pessoas tendem a comprar títulos da dívida do governo voluntariamente, de modo que novas dívidas podem ser facilmente emitidas e vendidas a alguns poupadores sem que isso gere qualquer oposição política.

Terceiro, os títulos do governo são considerados de baixo risco: como o governo tem o poder de tributar – isto é, expropriar os cidadãos -, aqueles que investem em títulos do governo têm razão de estar confiantes de que irão recuperar seus investimentos e ainda auferir os juros.

E quarto, a economia de ideologia socialista faz o possível para legitimar o endividamento do governo: por exemplo, é frequentemente dito que gastos públicos financiados via emissão de títulos estimulam a produção e o emprego.

Isso, entretanto, é um mito.  O governo não cria novos bens caso incorra em gastos financiados por emissão de dívida.  Tudo o que esse tipo de financiamento faz é permitir que o governo aumente consideravelmente seu confisco de recursos escassos, recursos que de outra forma estariam disponíveis para outros projetos de investimento.

Como não houve esses outros investimentos, e como os benefícios dos investimentos que não foram realizados não são visíveis – pois as pessoas normalmente não têm a capacidade de imaginar o que poderia ter sido feito e não foi -, não ocorre uma indignação das pessoas em relação ao destrutivo gasto público financiado por emissão de dívida.

II. Os incentivos para se pagar o serviço da dívida do governo

Há outra questão importante a ser respondida: por que os pagadores de impostos de hoje estão dispostos a pagar o principal da dívida governamental que foi contraída no passado, uma dívida pela qual eles não devem ser responsabilizados e da qual eles não se beneficiaram?

A resposta é essa: porque ao fazer isso eles estão preservando o bom histórico de crédito do governo.  Pois se o histórico de crédito do governo se mantiver bom aos olhos dos investidores, os governantes e os governados de hoje podem continuar recorrendo ao financiamento via emissão de dívida.

Entretanto, as coisas mudam drasticamente se e quando o financiamento via emissão de dívida se tornar insustentável para os governantes e governados.

Tão logo a emissão de mais dívida se torna excessivamente custosa – como, por exemplo, quando o nível da dívida ultrapassa um certo limite -, o incentivo econômico para os governantes e governados continuarem pagando o serviço da dívida [pagamento dos juros] declina rapidamente.  Esse incentivo, com efeito, pode se evaporar por completo.

“Por que continuar pagando a dívida que foi gerada por outras pessoas?”, os pagadores de impostos irão se perguntar a si próprios.  “Por que continuar gastando dinheiro em algo do qual nós não mais nos beneficiamos?”

E os governantes irão se perguntar, “Por que incorrer na politicamente desfavorável medida de tributar as pessoas, dado que nem nós e nem nossos governados podem emitir mais dívidas?”

É claro que, se a dívida do governo está em grande parte nas mãos do eleitorado, então o governo e a população têm um grande incentivo para continuar pagando o serviço da dívida, ao menos em princípio.

Entretanto, se a dívida do governo atingiu um nível que obstrui a expansão econômica e reduz as receitas de impostos, e se, por motivos políticos, os outros gastos do governo não puderem ser contidos, o serviço da dívida terá de ser pago por novas emissões de títulos da dívida – uma situação que levará, mais cedo ou mais tarde, ao colapso da qualidade do crédito do governo.

Se a dívida do governo estiver predominantemente em posse de grupos que não têm voz direta na determinação das políticas do governo (tais como, por exemplo, estrangeiros ou um grupo minoritário do eleitorado doméstico), o incentivo dos governantes e da maioria dos governados para repudiar a dívida pública se torna razoavelmente alto.

Nos dias de hoje, a maioria dos investidores em títulos do governo não esperam que o governo irá de fato quitar a sua dívida.  O que eles esperam é que um título do governo que esteja prestes a se maturar seja rolado.  Isso significa que um investidor de hoje tem a esperança de que haverá investidores no futuro que irão voluntariamente e de bom grado emprestar dinheiro para o governo, permitindo assim a rolagem da dívida.

Aplicando o mesmo raciocínio, os investidores futuros também têm de ter a esperança que, num futuro ainda mais distante, quando os seus títulos do governo maturarem, haverá outros investidores que também irão voluntariamente emprestar dinheiro para o governo.

Portanto, se os investidores de hoje perderem a confiança de que haverá investidores no futuro dispostos a rolar a dívida vincenda do governo – porque temem (correta ou erroneamente) que nem o governante e nem os governados terão incentivos para continuar pagando o serviço da dívida até lá -, haverá grandes problemas.

Nesse caso, o que vai acontecer é que os investidores começarão a fugir dos títulos do governo.  Consequentemente, os preços dos títulos cairão e, reciprocamente, os custos de financiamento do governo (juros) subirão.

Não é preciso muito esforço para ver que investir em títulos emitidos por países que não têm capacidade – muito menos disposição – para quitar suas dívidas é um negócio, no mínimo, altamente arriscado.

III. O incentivo para a inflação

Ultimamente, os investidores ficaram mais preocupados com a hipótese de que os governos não irão pagar o serviço de suas dívidas, a se julgar pelos sinais de preços que estão sendo emitidos pelos mercados financeiros.  Por exemplo, os spreads dos CDS (Credit Default Swap, algumas vezes traduzido como Swap de Crédito, corresponde a uma espécie de seguro contra um eventual calote de alguma instituição) têm aumentado drasticamente em todos os mercados de títulos governamentais.

Falando mais simples, o spread de um CDS pode ser interpretado como o preço para garantir um seguro ao portador de um título contra um calote.  Nesse sentido, quanto maior o spread do CDS, maior é a probabilidade, do ponto de vista dos investidores, de que o tomador do empréstimo irá dar um calote na sua dívida.

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Spreads de CDS com maturidade de cinco anos

 

O recente aumento nos spreads dos CDS – que ainda permanecem abaixo dos níveis vistos no final de 2008 e início de 2009 – foi provocado por temores crescentes em relação à qualidade do crédito da Grécia: a capacidade e disposição de seus governantes e governados continuarem pagando o serviço da dívida do setor público.

Esse evento obviamente acabou servindo como um lembrete para muitos: os investidores estão cada vez mais cientes da insustentável situação financeira de muitos governos, um fato que vinha sendo ignorado há muito tempo.

Entretanto, essas preocupações quanto à possibilidade de calotes governamentais podem ser exageradas.  Os investidores deveriam se lembrar de que imprimir dinheiro para pagar a dívida do governo é, pelo menos do ponto de vista do governo, uma medida economicamente mais atraente do que calotear a dívida pública.

Não seria nada surpreendente se, no final, o real perigo acabar sendo – como várias vezes aconteceu no passado – a inflação, e não o calote.  Como Ludwig von Mises observou,

Se um governo não está em posição de negociar empréstimos, e também não ousa impor novos tributos por medo de que os efeitos financeiros e econômicos serão revelados rápida e precocemente, de modo que perderá apoio para a implementação de seu programa, ele sempre irá considerar ser necessário recorrer a medidas inflacionárias.[1]

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Notas

[1] Mises, Ludwig von (2006 [1923]), “Stabilization of the Monetary Unit – From the Viewpoint of Theory,” in: The Causes of Economic Crisis and Other Essays Before and After the Great Depression, ed. Greaves, Percy L. Jr., p. 39.

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