Bancos e o Estado – Parte II

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No artigo anterior expusemos a ideia de que os bancos comerciais em nosso ambiente econômico não fazem parte do que hoje entendemos como mercados. Vimos como, apesar de ser formalmente propriedade privada, grande parte da sua atividade reside em financiar os Estados e servir de correia de transmissão das suas políticas econômicas, servindo de escudo contra as críticas sociais que estas possam suscitar. Recordamos também que a atividade bancária tradicional poderia, noutras circunstâncias, ser uma atividade comercial como qualquer outra. E, portanto, com rendimentos e lucros obtidos com a sua atividade, semelhantes aos de qualquer outra empresa comercial. Neste artigo quero expor quais são as razões que me levam a justificar esta posição e para isso procurarei expor quais são os privilégios concedidos pelos governantes a este tipo de organizações, privilégios que faltam total ou parcialmente no restante das empresas privadas.

O privilégio de emitir moeda com curso legal

A primeira, e para mim a mais importante, é que os bancos comerciais de hoje têm o privilégio legal de criar moeda legal a par da moeda estabelecida como tal pelos governantes. É bem sabido por quem acompanha este instituto que, por meio de mecanismos de reservas fracionárias, os bancos podem criar mais ou menos moeda fiduciária, refletida em notas eletrônicas em seus balanços.

Esta moeda tem o privilégio de curso forçado; ou seja, serve para resgatar todas as dívidas públicas e privadas. Ou seja, funciona exatamente como uma cédula ou qualquer outra forma de dinheiro e cumpre as mesmas funções. Além disso, para fins legais, é negociada em par com o dinheiro físico emitido pelos bancos centrais, que juntamente com os depósitos bancários no banco central constituem a chamada base monetária. As cédulas eletrônicas baseadas nesta base não são, portanto, exatamente iguais a esta, pelo que poderiam perfeitamente precificar com desconto ou com valorização nos mercados, quando o usuário percebesse esta diferença.

O estranho banco privado

Por exemplo, em tempos de crise bancária, os cidadãos podem preferir o papel-moeda pelo risco de as suas poupanças em cédulas ficarem imobilizadas em meio a uma crise deste tipo e até perdê-las total ou parcialmente. Se fossem cotados de acordo com o mercado, serviriam também como indicador da solvência ou insolvência de determinado banco. Mas não é assim. Legalmente, eles negociam ao par devido ao privilégio legal, como se um livro de papel fosse obrigado por lei a custar o mesmo que um eletrônico.

Desta forma, os bancos, incluindo o banco central, claro, podem inflar seus balanços sem ter que assumir custos de falta de confiança que poderiam resultar de uma avaliação muito diferente. Esse privilégio, que, como acabamos de apontar, não está ao alcance de outros setores da economia, é necessário para que os governos se financiem indiretamente pelo sistema bancário, e sirvam de correia de transmissão para suas políticas monetárias, expansionistas ou restritivas de crédito. Este é um estranho banco privado que tem a capacidade de emitir dinheiro em moeda compulsória com o respaldo do poder político e que vê essa capacidade limitada às regulamentações que o próprio governo indica. Este setor não se parece muito com um mercado privado e livre.

Depósitos garantidos

Outro privilégio legal que o banco “privado” tem é o que é conhecido como garantia de depósito. Para evitar corridas aos bancos, ou seja, quando os depositantes decidem em massa sacar seus depósitos eletrônicos e resgatá-los por papel-moeda, os Estados garantem, direta ou indiretamente e exclusivamente, por meio dos chamados fundos de garantia de depósitos, depósitos à vista ou a prazo supostamente mantidos por bancos comerciais.

O valor garantido varia de país para país, desde o depósito total até um valor específico, além do qual o fundo não é responsável e, em alguns casos, pode nem haver tal garantia. Na Espanha, hoje, os depósitos são garantidos até o valor de cem mil euros. Essa garantia constitui outro claro privilégio se compararmos com o que ocorre com outros setores da economia.

Etapa de pré-resgate

Por exemplo, antes da crise de 2007 era comum comprar casas na planta; ou seja, antecipar o valor total ou parcial da compra antes da construção da casa. Dessa forma, o construtor era financiado e o comprador a obtinha um pouco mais barato. No decorrer da crise aconteceu que muitos construtores faliram e não conseguiram entregar as casas. O dinheiro entregue foi penhorado no processo de falência e se recebessem algo, os lesados ​​receberiam apenas o que lhes correspondesse no processo judicial. Ou seja, seus adiantamentos não foram garantidos por fundos estatais, nem todos os desembolsos para qualquer outro tipo de investimento ou transação comercial.

Esta garantia excepcional de depósitos bancários é supostamente constituída para reforçar a confiança no sistema bancário como um todo e assim procurar evitar os saques em massa de depósitos, objetivo que, como estamos vendo, não cumpre plenamente o seu objetivo. Na verdade, serve para poder justificar resgates bancários com fundos estatais, se necessário, já que os fundos de garantia espanhóis mal poderiam cobrir o resgate de um ou dois bancos médios hoje.

A crise financeira

Já na última crise tivemos que verificar que esse fundo foi gasto com o resgate de duas caixas econômicas e depois para casos como o do Bankia tivemos que recorrer a fundos de resgate europeus, embora não se chamassem assim. Além de ser um gracioso privilégio concedido pelos Estados ao setor bancário, a garantia de depósitos também subsidia os bancos menos confiáveis ​​ou os mais arriscados em seus investimentos em detrimento daqueles que pretendem fazer uma gestão mais conservadora. Desta forma, passa-se ao cliente do banco a ideia de que não importa depositar o dinheiro em um banco ou outro, já que o Estado os cobrirá em caso de problemas.

Isso, como era de se esperar, gera risco moral e na época teve como consequência que todos se envolvessem em maior ou menor grau em operações de alto risco por não temerem a retirada de recursos por parte dos clientes por não perceberem esse grande problema de depositar em um banco ou outro e não hesitar em aceitar sem medo as melhores remunerações que os bancos de risco ofereciam para financiar suas atividades de risco.

Esta medida também enfraquece o controle que os clientes poderiam exercer sobre o desempenho de seus bancos ou sobre sua carteira de investimentos, enfraquecendo os incentivos para melhorar a educação financeira da população, afastando-a do monitoramento de informações relevantes sobre o fluxo do sistema bancário. Exatamente o que os governos atuais gostam. Nada como uma população mal informada para o governo poder continuar operando o sistema bancário à sua vontade.

Reserva fracionária

O terceiro grande privilégio é o da reserva fracionária. Como o professor Huerta de Soto apontou em seu livro sobre dinheiro e crédito bancário, também é um privilégio que só é concedido aos bancos com uma licença do regulador. É ilegal em qualquer outro setor econômico, como o comércio de grãos ou petróleo, por exemplo, ou em qualquer outra forma de depósito; um depósito de móveis, para dar outro exemplo.

O debate sobre a reserva fracionária é bem conhecido dos leitores deste instituto, e ainda é fonte de debate entre os austríacos sobre sua adequação ou não. Nosso interesse aqui não reside em seus aspectos técnicos ou morais, mas em seu caráter de privilégio concedido pelos Estados aos bancos sob sua jurisdição. A sua principal função atual, além de servir para financiar as despesas do Estado com os papéis emitidos pelos bancos que foram originalmente utilizados para isso e ainda o são, é servir de instrumento de política monetária.

Manipulação da relação de caixa

Ou seja, manipular o índice de fluxo de caixa, baixando-o quando se quer aumentar a quantidade de dinheiro em circulação e elevando-o quando se quer restringir, é há décadas uma das principais ferramentas utilizadas pelos reguladores na tentativa de controlar e manipular a atividade econômica. Esse coeficiente não é algo natural ou que advém do livre fluxo do mercado, mas deriva do próprio privilégio do coeficiente fracionário, e a prova disso é que cada país tem sua própria política de reservas.

Curioso, para dizer o mínimo, que as regras técnicas de gestão de um banco dependem tanto de quem governa, e, portanto, das políticas que estabelecem, quanto de onde governam. De modo que cada Estado terá regras de funcionamento diferentes. Não parecem ser formas de operação muito técnicas ou orientadas para a melhor disposição dos depósitos, se não orientarem o controle estatal da economia por meio de seus agentes, os bancos comerciais.

Estes são utilizados para esses fins e, em troca, obtêm proteção e benefícios ao cumprir essa função. Pior, para ser justo, seria preciso dizer que não poderiam optar por outro sistema. Também deve ser destacado que o papel do índice de caixa como ferramenta perdeu qualquer importância como ferramenta.

 

 

 

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