CAPÍTULO I – Conceitos fundamentais da economia

0
Tempo estimado de leitura: 58 minutos

Introdução

Para entender o surgimento da chamada economia 3.0 precisamos compreender antes o contexto dentro do qual emerge. Mas para entender este contexto torna-se necessário rever antes alguns conceitos básicos sobre Economia. Esse é o propósito deste primeiro capítulo.

O leitor que já é do ramo da Economia, ou ainda é familiarizado com tais conceitos, poderia ser tentado a pular este primeiro capítulo. Entretanto, não é recomendável, pois a abordagem que tomaremos para interpretar estes conceitos será um tanto diferente e também fundamental para compreender as consequências às quais chegaremos.

Como é habitual, para construir algo precisamos de ferramentas e essas ferramentas em ciência são as definições. Entendamos então estas definições, para depois construir os conceitos com os quais poderemos conceber de onde, como e por que emerge esta economia 3.0.

 

A ECONOMIA

O que é a economia?

Uma definição clássica de Economia seria a seguinte:

“A Economia é o estudo de como os indivíduos, as empresas, os governos ou outras organizações sociais tomam decisões e como estas decisões determinam o uso dos recursos da sociedade.”

Esta definição é, porém, uma dentre tantas. Realmente, existem muitas maneiras de definir o que é a economia, até porque definições são livres. Cada autor tem de fato sua própria definição, a maioria baseada em critérios ad hoc, ou seja, critérios com a finalidade de embasar as próprias ideias do autor.

Atendendo então a esse pragmatismo ad hoc, uma definição apropriada para os propósitos deste texto pode ser a seguinte:

A economia é um sistema complexo formado pelo conjunto de indivíduos de uma sociedade, os quais, na procura pela satisfação pessoal, interagem trocando informação e recursos escassos entre eles ou entre eles e a Natureza.

Esta definição proposta tem pouco a ver com a anterior ou com qualquer definição clássica sobre Economia. Por isso, durante esta seção trataremos de aprofundar nela para, já na próxima seção, analisar as consequências que emergem da mesma. Comprovaremos como, a partir desta definição, chegaremos a pontos de vista completamente diferentes; pontos de vista que as definições tradicionais não atingem.

Em ambas as definições, existe de início uma clara diferença no uso da palavra “economia”. Do ponto de vista tradicional a Economia é uma logia, um campo de estudo. Durante este texto, porém, e como assim se extrai da definição proposta, a palavra economia denota um sistema, uma estrutura viva em contínua mudança e adaptação. Para eliminar essa ambiguidade usaremos “economia” com “e” minúscula quando se trate do sistema econômico, como assim é denotado na definição proposta e, por ser mais geral, usaremos a palavra “Economia”, com “E” maiúscula, para denotar o estudo da mesma, incluindo neste, certamente, o estudo da economia como um sistema, que é precisamente a visão diferente que propomos.

O indivíduo e seus coletivos

Os ricos selecionam o mais apreciado e agradável. Eles consumem (…) com o propósito de satisfazer seus insaciáveis desejos, compartilhando com os pobres o fruto de todos os progressos.” Adam Smith

O primeiro que devemos entender na definição é o conceito de indivíduo. Por indivíduo entende-se não só o próprio sujeito, se não também sua propriedade privada. Nesta incluem-se todos os itens que ele possui, os quais chamaremos de produtos ou bens, além do seu próprio tempo, o qual podemos visualizar como um item quantizado que, como qualquer objeto material, pode ser trocado por outro efetuando um serviço. Portanto, em analogia com uma unidade celular, entendemos o indivíduo como uma unidade econômica, da qual produtos podem entrar, sair, ficar estocados, serem consumidos internamente ou serem despejados e serviços também podem entrar ou sair, no sentido de serem realizados para, ou por, outra unidade econômica.

Estas unidades econômicas ou, agora que foi esclarecido, indivíduos, na sua procura pela satisfação pessoal, satisfação das suas necessidades ou dos seus desejos, poderão se agrupar com outros indivíduos para formar estruturas orgânicas mais complexas como famílias, clubes, corporações, condomínios, associações ou empresas. Como se fosse qualquer outra unidade individual, estes coletivos perseguem os mesmos propósitos:

  1. Sobreviver, o qual envolve uma necessidade.
  2. Aprimorar a qualidade da sua sobrevivência, o qual envolve um desejo.

E por causa disso, a partir dos objetivos diretos dos componentes individuais é natural que emerjam outros objetivos indiretos como o lucro, sem o qual a sobrevivência e manutenção de qualquer unidade econômica não seria factível.

Os coletivos são estruturas das quais também podem entrar ou sair produtos e serviços, ou parte desses produtos podem ficar estocados, serem consumidos ou serem despejados. Portanto, do ponto de vista econômico, os coletivos também atuam como se fossem indivíduos. Eventualmente, então, usaremos o conceito geral de unidade econômica, denotando indiferentemente um ente individual ou um ente coletivo.

A economia é um sistema complexo

O segundo detalhe importante, presente na definição, é a interação entre os indivíduos. Essa conexão é inicialmente feita através de trocas de informação peer-to-peer entre as próprias unidades econômicas ou entre elas e a Natureza. Á medida que essa informação gradualmente se espalha pelo que chamaremos de ambiente ou contexto econômico, ela é passível de causar estímulos em cada vez mais unidades econômicas, as quais eventualmente podem ser induzidas a realizar mudanças nos seus hábitos de consumo. Portanto, essa troca inicial de informação pode causar mudanças nas unidades econômicas impossíveis de avaliar, as quais, porém, se materializam quando finalmente a troca física é efetivada; troca, a qual, por sua vez, se converte numa nova fonte de informação.

Nesse cenário, a importância desse contexto econômico é capital, pois será este quem, através dessa troca de informações, maiormente influenciará nas decisões particulares das unidades econômicas; decisões como comprar, poupar, gastar, investir ou produzir, que realmente estão associadas com a entrada, saída, estocagem ou despejo de produtos ou serviços previamente mencionada. Por causa destas atividades, já que as unidades econômicas agem ou reagem em função do contexto, ocasionalmente usaremos também o conceito de agente econômico como sinônimo.

Esta conexão entre as unidades econômicas, ou agentes econômicos, e seu entorno é recíproca, o qual está embutido no fato de que a economia é um sistema complexo. Neste tipo de sistemas todas as partes que o compõem se encontram inter-conectadas. Isso quer dizer que uma unidade econômica pode tomar uma decisão, a qual afeta direta ou indiretamente ao resto das unidades, as quais tomarão por sua vez suas próprias decisões, as quais em última instância acabarão afetando às unidades econômicas que tomaram essas decisões em primeiro lugar.

O paradigma econômico tradicional

O fato da economia ser um sistema complexo é a parte mais importante, porém a menos relatada nos livros tradicionais de Economia.

A Economia, como todos os ramos da ciência, se constrói a partir de pilares tradicionais, os quais acabam se tornando muito difíceis de reformar, apesar das claras evidências em contra.

Na prática, de maneira análoga ao sistema econômico, os próprios paradigmas científicos são também construções vivas e ativas, as quais, às vezes, quando há interesses envolvidos, acabam sendo controladas por poderes centrais que evitam seu progresso. Daí a dificuldade de mudar paradigmas em alguns casos.

A Economia não é uma ciência exata

A economia é um organismo muito sensível.” Hjalmar Schacht

A Economia não é uma ciência exata. Também, o método científico, baseado na experimentação e na criação de modelos a partir de dados, não pode ser aplicado, pois em última instância a economia depende do comportamento humano, o qual é individualmente imprevisível. Alguns autores, os menos ortodoxos, não tratam de fato a Economia como uma ciência pura e sim como uma ciência social ou uma praxeologia.

Este livro adere a essa corrente de pensamento ao considerar que, sendo a economia um sistema complexo, as soluções, ao um nível individual, são tipicamente indeterminadas. Inclusive, as consequências de induzir mudanças nos hábitos de indivíduos para produzir resultados esperados, pode, contrariamente, produzir resultados inesperados. Este tipo de dinâmica, particular de sistemas complexos, é o que se conhece como efeito borboleta. O efeito borboleta pode acontecer quando uma dinâmica econômica, baseada em interações retroalimentadas negativamente, a qual atua amortecendo as mudanças, de repente se transforma em outra baseada em interações retroalimentadas positivamente.

Em última instância, a economia trata das ações humanas, ações que envolvem a satisfação das necessidades ou dos desejos presentes e futuros, os quais são impossíveis de medir e que só podem ser estudados de um ponto de vista qualitativo, através dos padrões que emergem do conjunto de indivíduos. Precisamente, a partir desses padrões podemos definir um comportamento médio, pois é uma reação psicológica natural agir como outros agem devido ao chamado efeito manada. Estes padrões, que emergem do próprio indivíduo, acabam se elevando até as estruturas que eles formam. As unidades econômicas, portanto, são entes altamente influenciados pelo ambiente econômico e perfeitamente adaptadas a ele através desse comportamento médio.

O fato de tratar a economia de um ponto de vista qualitativo entra em contradição com a interpretação ortodoxa da mesma. Esta interpretação convencional considera a economia como um sistema em equilíbrio, e portanto previsível, formado por indivíduos que, como se estes fossem máquinas perfeitamente programadas, tomam individualmente suas decisões agindo sempre racionalmente. Entretanto, se algo caracteriza a economia é justo o contrário: os sentimentos irracionais como o medo à perda ou a empolgação pelos ganhos e principalmente uma clara imperfeição dada pelos erros sistemáticos nas decisões dos indivíduos, tudo dentro de um entorno hostil de flagrante assimetria de informação.

É precisamente esta irracionalidade a que eventualmente provoca bolhas, naturais ou artificiais, em torno a um determinado produto ou ativo. Bolhas que estes economistas matemáticos não conseguem explicar se não é sob a hipótese de considerar que os indivíduos “se desviaram irracionalmente” do seu comportamento.

Não. A irracionalidade dos indivíduos não pertence ao verbo estar, se não ao verbo ser e, por causa disso, a economia, a qual emerge das interações entre eles, atravessa por situações de equilíbrio temporárias, que são habitualmente quebrados através do estouro de bolhas econômicas de escalas de tempo muito pequenas e das quais emergem novos equilíbrios temporários caracterizados por mudanças drásticas respeito aos períodos de equilíbrio anteriores.

Esta visão dos chamados equilíbrios interrompidos, ou punctuated equilibria, é típica de sistemas complexos, e segundo esta, a economia é um sistema sujeito a mudanças intermitentes, sendo estas mudanças rápidas, descontínuas e, sobre tudo, completamente imprevisíveis.

Portanto, a pesar de que em situações de equilíbrio transitório emerjam padrões, os quais possam sim ser estudados quantitativamente, isto é, analiticamente através de modelos, a abordagem mais abrangente para estudar a economia deve ser qualitativa, pois esta abordagem entende que comportamentos irracionais não são anômalos e sim naturais.

A prepotência humana e os arquitetos econômicos

A Economia, como outras ciências que nasceram no impulso do iluminismo, foram muito influenciadas pela física clássica. A física clássica, construída sobre os alicerces da mecânica lagrangiana, acreditava que todos os fenômenos da Natureza eram regidos por equações matemáticas deterministas, para as quais, se eram sabidas as condições iniciais, todo o comportamento ulterior podia ser predito com exatidão. Como afirmava categoricamente Lord Kelvin no final de século XIX, antes de conhecer a verdadeira essência indeterminada da Natureza, introduzida inicialmente pela física quântica: “exceto alguns poucos fenômenos físicos, para os quais apenas são necessárias medidas mais precisas para serem desvendados, a humanidade tem descoberto todos os segredos da Natureza”.

No marco desse soberbo impulso nasceram estes economistas matemáticos ou keynesianos, os quais consideravam a economia como um relógio de engrenagens, regido pelas leis da física clássica, que podia ser ajustado perfeitamente à vontade. Logicamente, a maioria dos nossos dirigentes adotaram esta escola de pensamento, pois era a justificativa perfeita para fingir ser necessários para a sociedade. Entretanto, como vamos estudar, o paradigma econômico contemporâneo, construído em base a esta escola keynesiana, com sua Teoria Monetária Moderna, tem convertido esse mecanismo de engrenagens numa grande bomba-relógio; a maior bolha artificial conhecida (the everything bubble), susceptível de estourar qualquer dia.

Ao longo dos próximos capítulos trataremos de entender o porquê, mas para isso, antes, torna-se necessário continuar aprofundando na definição sugerida e dominar alguns conceitos de Economia básica, que surgem naturalmente da própria definição.

Os recursos escassos

Dentre todas as espécies da Natureza, a humana é a única ciente de que terá uma vida limitada. Efetivamente, poucos anos depois de nascermos entendemos que nosso tempo de vida algum dia acabará. Ou seja, nosso intervalo temporal se consome inexoravelmente até chegar a um mínimo de zero.

Nosso tempo é, portanto, o principal recurso escasso. Um recurso, porém, que devemos usar para sobreviver. Todos nós precisamos nos alimentar e para isso, devemos usar nosso tempo para realizar um trabalho. Assim, usamos esse tempo para efetuar um serviço ou força de trabalho, graças à qual podemos produzir os alimentos necessários para sobreviver ou podemos, alternativamente, trocar essa força de trabalho por dinheiro, e com este comprar esses alimentos. Ou seja, de maneira geral, ao realizar essa tarefa estaremos trocando algo interno, nosso tempo, por algo externo através de um serviço.

Logicamente, já que nosso tempo é limitado, o dinheiro que potencialmente podemos ganhar usando nossa força de trabalho também. Portanto, tanto nosso tempo quanto nosso dinheiro são recursos escassos.

A satisfação pessoal

Ao longo da história, a humanidade sofreu duas grandes decepções contra seu inocente amor-próprio. A primeira, vinda da Astronomia, foi aceitar que a Terra nunca foi o centro do Universo. A segunda, vinda da Biologia, foi reconhecer que provemos do macaco, e não de nenhuma criação divina. Existiria, porém, uma terceira, vinda da Psicologia, a qual quer provar que nem se quer o sujeito é dono do seu próprio ‘lar’.” Do livro: “A General Introduction to Psychoanalysis” de Sigmund Freud

Como qualquer outra espécie, nós humanos não agimos com total liberdade, pois todos estamos limitados pelas nossas necessidades biológicas e somos irracionalmente levados por nossos desejos. Necessidades e desejos que, uma vez cumpridos, nos trazem satisfação pessoal.

Todos nós somos guiados a procurar tal satisfação pessoal, e para isso, precisamos usar nossos recursos escassos. Por exemplo, se, dentro de um contexto urbano, tivermos sede podemos usar nosso dinheiro para comprar uma garrafa de água. Já no caso de um contexto rural, podemos usar nosso tempo para ir até o rio mais próximo para coletar água doce, extraindo assim um bem da Natureza.

Através deste exemplo podemos entender que, ao trocar nossos recursos escassos, tempo ou dinheiro, por água, a própria água passará a ser outro recurso escasso, pois eventualmente também poderá ser usada tanto no presente quanto no futuro para saciar nossa satisfação pessoal. Entretanto, quando assim for, para separar o que é origem do que é fim, diremos que a água será um produto ou um bem, e eles, insistimos, uns em maior medida e outros em menor medida dependendo do contexto, também são recursos escassos.

Trocas voluntárias

Os indivíduos, portanto, usam seu tempo para exercer um serviço, sua força de trabalho, a qual é usada para diretamente produzir bens, ou para ganhar dinheiro, com o qual indiretamente poderão adquirir esses bens; os bens que eles necessitam ou desejam. Ou seja, de maneira resumida, os indivíduos trocam com o ambiente econômico seus próprios recursos escassos, tempo, dinheiro ou bens, pelos recursos escassos de outros, para assim satisfazer suas necessidades ou desejos tanto presentes quanto futuros.

Curiosamente, essas trocas não consistem apenas em cambiar um item por outro; elas são, de fato, trocas voluntarias e isso quer dizer que há uma vontade envolvida nessa troca. Em outras palavras, em cada troca que se produz no sistema econômico há algo a mais, algo imaterial que, ao contrário da materialidade dos itens trocados não pode ser quantificado, mas sem o qual essa troca não seria efetivada. De fato, é justamente essa necessidade ou desejo por um item a verdadeira causa de qualquer troca. Ou seja, a procura pela satisfação pessoal é o verdadeiro motor da economia.

Precisamente, é por isso que, insistimos, a abordagem para estudo da Economia deve ser qualitativa, pois se tal enfoque fosse apenas quantitativo estaríamos excluindo da análise a última e verdadeira causa que move as engrenagens da economia.

Entendamos com um exemplo. Suponhamos um colecionador de arte, quem foi informado do preço de venda, digamos 1000 R$, de um quadro feito por um determinado pintor. Sendo assim, se esse pintor decide vender seu quadro por 1000 R$ é porque ele deseja esse dinheiro antes que seu quadro e, da mesma maneira, se o colecionador oferece essa quantia é porque ele deseja esse quadro antes que os 1000 R$. Dito de outro modo, numa troca voluntária, ambas as partes envolvidas possuem um desejo ou necessidade de efetivá-la; desejos ou necessidades que se satisfazem quando a troca é encerrada.

Este mesmo exemplo nos mostra outro detalhe importante: em toda troca voluntária emerge um fluxo de itens: produtos, serviços ou dinheiro, da parte que menos precisa, ou deseja, para a parte que mais precisa, ou deseja. Ou, de outro ponto de vista, em toda troca voluntária as duas partes implicadas perdem algo a cambio de ganhar outra coisa que necessitam ou desejam mais e, portanto, nenhuma das partes se aproveita da outra; ambas as partes, de fato, ganham com a troca.

Os processos econômicos são irreversíveis

As necessidades e os desejos, portanto, são o combustível que movimenta a economia. Essas necessidades e desejos produzem demanda e quando há demanda por um determinado produto ou serviço emerge a oferta dos mesmos, ou aumenta a oferta dos poucos produtos ou serviços que já existiam no mercado. Entretanto, tal oferta de produtos e serviços não surge do nada, se não que requer um tempo; um tempo útil.

Efetivamente, para criar um determinado produto de consumo vários insumos precisam ser usados e isso requer um serviço. Ou seja, para criar um produto é necessário um tempo, o qual não pode ser recuperado de volta. De fato, qualquer produto de consumo leva embutido o tempo do trabalho de alguém, que efetivamente não pode ser desmanchado e recuperado. Sendo mais técnicos, e de maneira geral para assim incluir a força de trabalho de máquinas, em qualquer montagem, ensamblagem ou criação de um produto houve uma energia jogada no ambiente na forma de calor a qual é irrecuperável. Esse “desperdiço”, porém, não foi em vão, pois a partir desse serviço foi criado algo; um produto de consumo necessário ou desejável para alguém.

Curiosamente, podemos usar o mesmo raciocínio não só para criar produtos e realizar serviços, mas também para a perícia desse serviço, pois para qualquer unidade econômica se tornar especialista em realizar adequadamente esse determinado serviço precisa-se de tempo; um tempo, o qual novamente, é irrecuperável, pois caso esse serviço se torne desnecessário para a sociedade tal aprendizagem não poderia ser revertida para obter o tempo investido de volta.

Efetivamente, tanto a criação de produtos e a realização de serviços, quanto a formação de expertos capazes de realizar tais serviços são processos que chamaremos irreversíveis. O fato de que a economia envolva processos irreversíveis tem interessantes consequências. Uma pergunta cabível, porém, deve ser: será que todos os processos na economia realmente são irreversíveis? Numa troca voluntária entre produtos ou serviços, por exemplo, nenhum produto novo é criado a partir do tempo de alguém. Será então que as trocas voluntárias entre produtos ou entre serviços são realmente irreversíveis?

Para responder a essa pergunta suponhamos um indivíduo que deseja um modelo de específico de celular fabricado por uma empresa determinada. Dado esse desejo, esse indivíduo resolve então comprar o celular, e para isso se dirige fisicamente até a empresa, ou virtualmente até seu site, e troca voluntariamente seu dinheiro pelo celular. Entretanto, dias depois o indivíduo descobre que o celular veio com defeito de fábrica e, sendo assim, deseja devolvê-lo e recuperar seu dinheiro. Aparentemente, a empresa não deseja a devolução, mas por cima de tudo deseja cumprir o contrato de compra-venta, o qual nesse caso permite a devolução do dinheiro, pois do contrário essa informação se espalharia e acabaria perdendo clientes. Portanto, tanto cliente quanto empresa desejam reverter a troca e para isso, o cliente novamente se dirige até a empresa, ou até seu site, e exige a devolução do seu dinheiro, invertendo assim a troca.

Também poderia acontecer que esse cliente, supostamente experto na montagem de websites, não deseje um celular novo, se não consertar seu antigo. Sendo assim, a empresa resolve pactuar com seu cliente o serviço do conserto em troca do serviço de melhora do seu website. Entretanto, suponhamos, nessa troca de serviços uma ou ambas as partes não gostaram do resultado. Do ponto de vista teórico, esse processo poderia ser revertido, pois a empresa poderia deixar o celular com o defeito que tinha e o cliente poderia desinstalar seu site da empresa, deixando a versão antiga. Contudo, nessa reversão nem sempre tudo fica exatamente como estava. Nem se quer, do ponto de vista prático, essa reversão faria o menor sentido para alguma das partes implicadas. Deduzimos, então, que trocar reversivelmente serviços não é tão factível desde essa perspectiva prática. Na maioria dos casos é ainda impossível (pense-se num corte de cabelo, por exemplo), quando comparada com trocar reversivelmente produtos.

Em qualquer caso, através destes exemplos podemos concluir que, a pesar de que as trocas entre produtos ou serviços possam ser sim quantitativamente reversíveis, há algo a mais que não pode ser obtido de volta. Efetivamente, nos exemplos descritos o cliente e a empresa literalmente perderam seu tempo; um tempo que não pode ser recuperado, a pesar de haver revertido fisicamente as trocas de produtos ou serviços.

Refletindo mais profundamente no primeiro exemplo, vemos que se o cliente perdeu seu tempo para adquirir um celular novo e, posteriormente, recuperar seu dinheiro e a empresa perdeu seu tempo para adquirir o dinheiro e, posteriormente, recuperar seu celular, foi porque em todo momento esse era o desejo de ambos. Portanto, de maneira geral, tanto na criação de produtos ou no uso de um serviço para tal criação, quanto nas trocas diretas de produtos e serviços, as unidades econômicas envolvidas gastam seu tempo voluntariamente porque perseguem satisfazer uma necessidade ou um desejo, os quais são consumidos quando a troca é encerrada. Este raciocínio lógico implica que numa troca voluntária há envolvido algo a mais, diferente dos próprios produtos ou serviços trocados; algo qualitativo, que não pode ser quantificado.

Já que a abordagem mais abrangente para estudar a Economia deve ser qualitativa, concluímos que, devido às necessidades ou desejos, os quais precisam de um tempo para serem satisfeitos (e portanto o consumo de um recurso escasso), todos os processos da economia são irreversíveis. E isso, por sua vez, implica que, há uma transformação do tempo, ou da energia despejada em forma de calor durante esse processo, em algo que é de utilidade para alguém.

A economia é um sistema fora do equilíbrio

Através da informação recebida do ambiente econômico, os indivíduos, ou seus coletivos, tomam então suas decisões e agem em prol de satisfazer suas necessidades ou desejos. Essa atitude, porém, implica que há uma diferença entre o antes e o depois da troca. Antes de troca há efetivamente um estado latente de necessidade ou desejo, o qual é consumido quando a troca é encerrada.

A minimização desses estados latentes de ação potencial é algo que acontece natural e espontaneamente em todos os sistemas da Natureza. Todos os sistemas tendem, de fato, a um estado de mínima tensão com seu ambiente. Nada muito diferente, portanto, acontece quando os indivíduos agem em prol de resolver suas insatisfações e assim atingir um estado de maior conforto pessoal.

De este ponto de vista, considerando tal estado latente de ação potencial, diríamos que há uma situação de desequilíbrio, pois o indivíduo, como unidade econômica, precisa ou deseja algo do seu entorno. Desta maneira, quando o indivíduo realiza essa troca, esse estado de tensão é finalmente aliviado, pois ele não precisará mais do entorno nem o entorno precisará mais dele. Neste sentido, já que nenhum precisaria trocar mais nada com o outro, haveria se atingido uma situação de equilíbrio econômico.

Tal raciocínio lógico nos leva naturalmente a pensar que as necessidades ou desejos dos agentes econômicos são fontes de desequilíbrio. E, portanto, enquanto os indivíduos, ou os coletivos que eles formam, tenham necessidades ou desejos que satisfazer, devemos concluir que o sistema econômico, o qual emerge das interações entre tais unidades econômicas, se encontrará permanentemente fora do equilíbrio.

A economia é um sistema auto-organizado

Quanto mais um Estado ‘planeja’, mais dificulta ao indivíduo planejar.” F. A. Hayek

Os sistemas complexos que atuam fora do equilíbrio são fundamentais na Natureza, pois são no entorno deles que, através de processos irreversíveis, emerge espontaneamente padrões ou estruturas ordenadas a partir do caos. Esse processo de geração de ordem de maneira espontânea a partir da desordem é o que se conhece como auto-organização.

O conceito de auto-organização tem uma importância capital quando é aplicado a nosso contexto econômico e ele implica no mínimo três corolários:

  1. A economia sempre procura maior eficiência, pois o sistema econômico por si só retém o que lhe resulta eficiente e despeja o que não for.
  2. O processo de auto-organização acontece natural e espontaneamente, ou seja, sem necessidade de que ninguém o controle ou o dirija.
  3. Já que este processo é natural, qualquer dirigente que interfira nele só vai causar um retardamento ou a emergência de soluções piores que as que emergiriam se ele não interferisse.

Sistemas abertos e informação

Em verdade, para que um sistema como é o sistema econômico se auto-organize, as estruturas das quais se compõe, as unidades econômicas, precisam satisfazer certos requisitos. Especificamente, elas devem ser sistemas abertos.

Do ponto de vista físico, um sistema é aberto quando:

  1. Há uma interação inclusiva com a vizinhança, por meio de uma troca de matéria, parte da qual pode chegar a formar parte do próprio sistema ou ser quebrada para obter energia, sendo os resíduos despejados do sistema.
  2. Há uma interação exclusiva com a vizinhança, por meio de uma troca de energia ou informação através da superfície e, portanto, sem que a substância mensageira forme parte do sistema.

Do ponto de vista econômico, as unidades econômicas atuam como sistemas abertos porque podem trocar com a vizinhança substâncias inclusivas, ou seja, itens escassos que podem entrar ou sair da sua propriedade, ou também substâncias exclusivas como informação.

Do ponto de vista biológico, a informação se define como o estímulo sensorial que afeta ao comportamento do indivíduo. A informação, portanto, é uma substância exclusiva, tipicamente imaterial ou quase-imaterial, a qual interage com o sistema através da sua superfície. Por exemplo, podem ser ondas eletromagnéticas que estimulam as células fotorreceptoras, ou ondas acústicas que pressionam a superfície do tímpano, ou oscilações moleculares ou repulsões elétricas que trocam energia através da pele (calor ou pressão) ou substâncias químicas que deixam sua estampa na superfície do paladar e do olfato.

A informação que interage superficialmente através de nossos sentidos deixa efetivamente uma mensagem interna, a qual em última instância é a responsável de que indivíduo sinta uma certa necessidade ou desejo por um determinado produto ou serviço por cima de outro, e acabe, em função disso, tomando uma decisão.

As unidades econômicas são efetivamente sistemas abertos. Poderia-se pensar, porém, que, já que o conjunto de todas as unidades econômicas é finito, o conjunto delas seria então um sistema fechado; fechado no sentido em que se produzem trocas interiores, mas não exteriores. Entretanto, como foi explicitado na definição, e como foi exemplificado com aquele indivíduo que usava seu tempo para ir até o rio, as unidades econômicas podem também trocar produtos ou serviços e informação com a Natureza; a própria Natureza é a verdadeira a fonte de todos os recursos escassos que utilizamos. Em consequência, o sistema econômico em seu conjunto é uma estrutura composta por subsistemas abertos em todas suas escalas.

AÇÕES E REAÇÕES NA ECONOMIA

A otimização dos recursos escassos

Na seção anterior aprendemos que os indivíduos, ou seus coletivos, usam seus recursos escassos e os gastam visando sua satisfação pessoal. Entretanto, já que esses recursos são, como a própria palavra diz, escassos, se torna então razoável que os próprios indivíduos, ou seus coletivos, efetuem um bom gerenciamento de tais recursos. De fato, fazer uma boa gestão desses recursos escassos também traz satisfação, pois dispor destes recursos de maneira perpétua não é só a chave para uma sobrevivência e bem-estar presente, mas também para uma sobrevivência e bem-estar futuro. Desta maneira, é lógico então pensar que as unidades econômicas agirão em prol de otimizar seus recursos escassos, maximizando seus ganhos ou minimizando suas perdas.

Entendamos com um exemplo. Imaginemos que, nesse ambiente urbano descrito anteriormente, um indivíduo tem muita sede. Essa sede cria uma insatisfação nele e, por isso, resolve pagar 50 R$ por um 1 litro de água. Esse indivíduo necessita da água e acaba trocando parte de seus recursos escassos, seus 50 R$, por outro, a garrafa de água. Essa água satisfaz sua necessidade, pois acaba com sua sede. Entretanto, nessa troca ele sentiu outra insatisfação, pois julgou que a gestão que fez de seus recursos escassos não foi ótima. Ele deseja aprimorar tal gestão e por isso, a próxima vez, procurará outro fornecedor de água. Dito de outra maneira, o indivíduo procurará uma melhor adaptação ao ambiente: aquela que otimize a gestão de seus recursos escassos.

Essas decisões são muito particulares, pois outros tipos de informação, além da visual dada pelo preço, podem estar envolvidas. Por exemplo, no contexto rural, um indivíduo pode escolher ir até um rio mais distante simplesmente por julgar melhor o sabor da água. Em qualquer caso, nessa decisão, ele haverá escolhido a melhor água atendendo a seus próprios critérios de qualidade. Ou seja, efetivamente, haverá perdido o tempo mínimo para obter o ganho que ele julga máximo e, portanto, indiferentemente, haverá realizado a melhor gestão dos seus recursos escassos.

O lucro

Continuando com o exemplo anterior, suponhamos que a informação da venda dessa garrafa de água chegou visual ou acusticamente até um terceiro indivíduo. Este terceiro indivíduo se encontra desempregado e, sendo assim, tal informação lhe gerou grande insatisfação. Ele então pensa que ele mesmo poderia efetuar esse serviço usando seu tempo para ir até aquele rio de água saborosa e engarrafá-la para posteriormente vendê-la na cidade. Neste caso, se o conseguir, este indivíduo haveria trocado com a Natureza um recurso escasso, seu tempo, para obter outro, a água, a qual, por sua vez, irá ser trocada posteriormente por outro, o dinheiro de algum comprador. Durante toda esta ação, o indivíduo agiu em prol do lucro, pois este é uma via indireta de conseguir satisfazer necessidades ou desejos presentes ou futuros.

De forma geral, os produtos ou serviços oferecidos pelos agentes econômicos podem resultar úteis, ou inúteis, para a sociedade. O lucro é, portanto, a maneira em que a economia premia a criação de um produto ou a realização de um serviço que é útil para o mercado. Esta é a forma, então, através da qual a própria economia se auto-organiza, criando, ou mantendo, produtos e serviços que verdadeiramente forem úteis e eliminando os inúteis.

Curiosamente, o próprio lucro é também a forma em que a economia cria estruturas hierárquicas superiores a partir dos indivíduos, pois se num empreendimento individual lucrativo o indivíduo julgar que não está usando um tempo mínimo para obter um lucro máximo, então ele será espontaneamente levado a procurar parcerias. Ou seja, a satisfação através do lucro é a maneira mediante a qual a economia se auto-organiza e cria naturalmente estruturas superiores que, em seu conjunto, são mais eficientes no uso dos recursos escassos que as estruturas individuais.

A oportunidade

Dada então essa procura pelo lucro, e dado que nas trocas envolvidas para obter tal lucro as entradas de produtos ou serviços de uma unidade econômica estão atreladas às saídas de produtos ou serviços de outras, o ambiente econômico se torna aparentemente um lugar hostil onde, visando a melhor gestão dos recursos escassos, tais unidades econômicas procuram ganhos máximos que acarretem perdas mínimas.

Dentro deste ambiente econômico em contínua mudança, emergem, porém, oportunidades de ganho líquido que são aproveitadas pelas unidades econômicas na sua necessidade vital de sobreviver e no seu desejo de melhorar sua sobrevivência. Contudo, tais oportunidades só serão energeticamente favoráveis, ou digamos, lucrativas, se o retorno desse empreendimento for maior que o investimento feito por essa unidade econômica usando seus recursos escassos: seu tempo ou seu dinheiro/bens. Ou seja, uma oportunidade será lucrativa se nas trocas envolvidas os ganhos se tornam maiores que as perdas.

Incentivos

As oportunidades que emergem na economia não são todas iguais, pois umas serão mais lucrativas que outras. Sendo assim, logicamente, as unidades econômicas serão maiormente movidas a agir nas tarefas que forneçam maior lucro, ou equivalentemente, nas tarefas que façam minimizar, ou exaurir, o mais rapidamente possível essas oportunidades de lucro.

Esse fenômeno não é nada diferente do que acontece na Natureza. Do mesmo jeito que a água não escorrega em qualquer direção, senão sempre através dos caminhos mais abruptos, ou a corrente elétrica não se move para qualquer lugar, senão sempre no sentido do mínimo de energia potencial, ou o ar não se movimenta aleatoriamente, senão sempre para as zonas de menor pressão atmosférica, ou o calor não se transfere para qualquer direção, se não maiormente no sentido dos corpos mais frios, as unidades econômicas não agirão de qualquer maneira, senão segundo aquela que faça otimizar seus recursos escassos. Portanto, da mesma maneira que afirmamos que sobre os corpos emergem forças motrizes que os induzem a se movimentar na direção do chamado gradiente, devemos afirmar também que sobre as unidades econômicas emergem incentivos que as induzem a agir naquelas oportunidades que lhes forneçam um lucro máximo usando um tempo mínimo.

Essa abordagem de como os incentivos emergem através do lucro não é nova, pois há mais de 300 anos o considerado pai de Economia, Adam Smith, já afirmava brilhantemente que “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos seus próprios interesses”, aliás, o interesse deles pelo lucro.

Sem lucro não há incentivos

A procura pelo lucro é efetivamente a força natural que leva os indivíduos a aproveitar oportunidades e empreender, e sendo assim, se o lucro for eliminado, também seria eliminado o incentivo ao empreendedorismo. Logo, sem lucro não há incentivos.

Durante as últimas décadas, emergiram teorias políticas paranoicas, as quais, ludibriando a população através de sentimentos irracionais como o medo, a pena ou a inveja, atacaram e demonizaram a visionários e empreendedores, que arriscaram seu tempo e seu capital em busca do lucro.

Estas políticas perseguidoras e controladoras do lucro se tornaram um completo fracasso, pois se o Estado é quem controla o lucro dos indivíduos, ou o monopoliza, estes não terão então nenhum incentivo em criar parcerias e formar empresas. Sem empresas não há emprego e sem emprego as famílias não têm renda. Sem renda o povo não consome, virando dependente do Estado para receber comida, e se as pessoas não consomem o Estado não arrecada através de impostos diretos ou indiretos.

Punir o lucro é, portanto, algo completamente ilógico e irracional, e que só leva a uma lenta e lacerante destruição de uma nação, desde dentro e pouco a pouco.

Monopólio do lucro

O sucesso de uma civilização depende das fontes de energia à sua disposição, as quais estão intimamente ligadas, direta ou indiretamente, aos gradientes. Por exemplo, a energia hidráulica é extraída de um gradiente de energia potencial gravitacional, a energia solar é extraída de um gradiente de temperaturas ou a energia cinética que faz os automóveis se movimentarem é extraída da queima de combustível fóssil, o qual produz um enorme gradiente de pressão, que impulsiona os pistões de um motor.

Da mesma maneira, os gradientes com diferentes oportunidades de lucro que emergem no ambiente econômico são aproveitados pelas unidades econômicas. Inicialmente, os pioneiros são os que mais se beneficiam. Entretanto, à medida que cada vez mais unidades tiram proveito o benefício individual tende a ser tão limitado que só acabam se lucrando os indivíduos, ou as unidades econômicas, que se tornam eficientes na exploração de tal oportunidade. Ou seja, aqueles que conseguem produzir mais por menos.

Essa livre concorrência desemboca em um negócio cada vez menos lucrativo para os empreendedores, mas que beneficia ao conjunto da sociedade ao dispor de preços mais baixos. Entretanto, quando emerge um indivíduo particular como é o Estado, o qual detém o monopólio da força, ele acabará tomando conta desses gradientes, controlando-os parcialmente, através de uma cobrança de impostos, ou totalmente, oligopolizando ou monopolizando o lucro. Nesses casos, o conjunto da sociedade sai prejudicada, pois quando a livre concorrência é inibida aquele com o poder dos gradientes poderá intervir os preços quando e como quiser.

Interações econômicas

Como estudamos na seção anterior, toda troca voluntária envolve uma necessidade ou desejo mútuo de realizar tal troca. Daí a palavra voluntária. Todas as unidades econômicas precisam ou desejam itens (produtos, serviços ou dinheiro) de outras unidades econômicas e, por isso, emergem continuamente interações entre elas, as quais poderíamos denominar como relações simbióticas, pois em toda troca voluntária ambas as partes saem beneficiadas.

Quando as trocas são voluntárias, as necessidades ou desejos implícitos atuam como motores da economia. As unidades econômicas se agrupam da maneira mais eficiente e, atendendo à demanda da sociedade, as inovações emergem, as quais, por sua vez, geram novos empregos e novas agrupações ainda mais eficientes que as anteriores para explorar as pequenas e efêmeras oportunidades de lucro. Ou seja, quando há vontade nas trocas, a economia espontaneamente se auto-organiza.

Entretanto, quanto as trocas não são voluntárias e sim forçadas, todo esse belo e natural arranjo se desmancha. Quando duas unidades econômicas estabelecem uma interação através da qual uma das partes não concorda com a troca, essa interação se torna uma relação parasitária, pois apenas uma das unidades é quem sai beneficiada.

Como veremos ao longo dos próximos capítulos, no decorrer da história, a relação entre o Estado e seus cidadãos é cada vez mais opressora, pois estes são forçados a realizar trocas com as quais de maneira geral não concordam. Este tipo de interações deturpam a beleza, a naturalidade e a espontaneidade dos processos econômicos e acabam destruindo gradualmente o sistema através da morte do hospedeiro.

Trade-offs dos indivíduos

A economia está formada, em última instância, pelo conjunto de indivíduos de uma sociedade, os quais diariamente devem tomar inúmeras decisões. Já que o tempo e o dinheiro que cada indivíduo possui são recursos limitados, é normal que estes tenham que tomar decisões que envolvam a melhor gestão de tais recursos, e nessa escolha, alguma decisão deverá ser tomada em detrimento de outra. Ou seja, em palavras corriqueiras, para conseguir algo sempre haverá que sacrificar outra coisa. Esse sacrifício é o que se denomina trade-off do indivíduo, ou das unidades econômicas, e sempre envolverá um custo de tempo ou dinheiro; o chamado custo da oportunidade.

Como exemplo, ler este livro será uma escolha do leitor, que dedicará seu tempo a essa tarefa em detrimento de, por exemplo, trabalhar. Neste caso, trabalhar será o trade-off do leitor, e esse sacrifício acarreta um custo, pois se, ao invés de ler tivesse dedicado seu tempo a trabalhar provavelmente teria ganho um dinheiro que não ganhará enquanto estiver lendo este livro.

Toda vez que sacrificamos nosso tempo em prol de outra tarefa alternativa é porque essa é nossa melhor decisão. O autor é consciente do trade-off que o leitor faz ao escolher este livro. Por isso, o mesmo se compromete a que a leitura deste texto seja mesmo a melhor decisão do leitor.

Trade-offs da economia

As ações e reações dos indivíduos elevam-se ao conjunto do sistema econômico, formado por todas suas unidades, o qual acaba se comportando como se fosse outro indivíduo qualquer, tomando suas próprias decisões na procura da maior eficiência. Efetivamente, no processo de auto-organização emergem inovações que trazem novos produtos ou novos serviços ao mercado, os quais tornam os anteriores ineficientes, levando-os a sua extinção. Entretanto, se isso acontece é porque a economia tomou sua melhor decisão; decisão sábia e necessária. Inovações, portanto, não devem ser entendidas como algo ruim, pois nesse processo os benefícios do coletivo superam amplamente as perdas dos prejudicados.

Estas perdas colaterais associadas a mudanças necessárias na sociedade são o que poderíamos denominar trade-offs da economia. Um claro exemplo disto é a inovação dos aplicativos de carona que, ao diminuir os custos do transporte, trazem grandes benefícios para a sociedade, que agora terá mais dinheiro para gastar em itens de maior utilidade. Neste contexto, a perda potencial de empregos dos taxistas seria o trade-off econômico da inovação trazida pelos aplicativos de carona. Como vemos, através dos trade-offs econômicos, as utilidades se internalizam e as inutilidades são despejadas do sistema econômico.

A partir deste exemplo podemos concluir que na economia não existem soluções perfeitas, pois toda mudança econômica natural agradará à maioria, mas certamente desagradará a uma minoria.

Protecionismo

Os trade-offs econômicos sempre acarretam grandes incômodos a nossos dirigentes, que ao invés de abraçar e aceitar as inovações engendradas belamente pelo mercado, colocam todo tipo de empecilhos para que estas não progressem, apesar de serem benéficas para a grande maioria da sociedade. Principalmente se nesse trade-off estão envolvidos grandes corporações, grandes empresas estatais ou grupos de votantes fiéis.

A gestão que nossos dirigentes fazem dos trade-offs econômicos, levando a cabo um protecionismo a seus grupos de interesse, é uma das primeiras razões pelas quais o sistema econômico contemporâneo não está construído a partir de incentivos corretos. Um dirigente não tem que proteger ninguém. No máximo, só deveria proteger a liberdade do mercado. Mas já que o mercado é um sistema complexo que se auto-organiza por si só, sem a ajuda de ninguém, arquitetos econômicos são completamente prescindíveis.

Antes de continuar, merece a pena abrir um pequeno parêntese para salientar que em momento algum o autor está dando sua opinião. O leitor deveria observar que apenas está se usando a definição proposta de economia, feita na primeira seção deste capítulo, e levando-a até suas últimas consequências. Parêntese fechado. Continuemos.

A questão do protecionismo é bastante discutida hoje em dia dentro do marco da guerra comercial entre os EUA e a China. Neste contexto, o governo americano pretende proteger suas empresas nacionais da sua provável falência, ante a clara vantagem dos produtos importados da China, os quais são cada vez de maior qualidade e certamente mais baratos que os americanos. Com essa política protecionista, o governo americano talvez consiga salvar suas empresas, apesar de terem se tornado ineficientes, mas à custa de prejudicar a toda sua população, que terá que pagar mais caro pelos seus produtos nacionais.

Protecionismo pode ser ótimo para nossos dirigentes e para os setores específicos que estão sendo resguardados, mas não assim para o conjunto da sociedade. Setores não precisam ser protegidos, pois, já que a economia não fornece soluções perfeitas, não são necessários governantes populistas que pensem que eles as trarão. A economia não precisa de engenheiros sociais. Apenas precisa do chamado laissez-faire, ou seja, deixá-la agir por si só, pois assim é como traz o máximo benefício para a sociedade.

O significado do preço

No processo de auto-organização, a economia, agindo através do mercado, não está preocupada com o que for melhor para um indivíduo particular ou para um coletivo, se não com o que for melhor para a própria economia, e consequentemente, para a sociedade. Resulta curioso como, quando um produto ou um serviço se torna mais barato, as pessoas aceitam e defendem o livre mercado, mas o atacam, e procuram nossos dirigentes para que estes controlem preços e punam empresários, quando o preço sobe.

É importante entender que o preço é o único mecanismo que o mercado tem para ele se auto-regular. Por exemplo, quando o preço de um produto cai, o mercado estaria mandando uma clara mensagem às partes implicadas:

  1. Aos consumidores, para que estes aumentem sua demanda por esse produto, pois ao ser mais barato o incentivo para comprá-lo será maior.
  2. Aos produtores para que estes ofertem menos unidades desse produto, pois ao ser mais barato o incentivo para produzi-lo será menor.

Desta maneira, através deste mecanismo natural de homeostase, se esse aumento da demanda é atendido pelos consumidores ou essa diminuição da oferta é atendida pelos produtores, o preço subirá até se reequilibrar. Entretanto, se nenhuma destas condições for atendida, o preço desse produto continuará caindo porque essa é a maneira através da qual o mercado reforça a mensagem de que esse produto não é mais desejado ou necessário para a sociedade, levando sua produção a uma extinção necessária.

De maneira análoga, quando o preço de um produto sobe, o mercado estaria mandando uma clara mensagem às partes implicadas:

  1. Aos consumidores, para que estes diminuam sua demanda por esse produto, pois ao ser mais caro o incentivo para comprá-lo será menor.
  2. Aos produtores, para que estes ofertem mais unidades desse produto, pois ao ser mais caro o incentivo para produzi-lo será maior.

Desta forma, através também deste mecanismo natural de homeostase, se essa diminuição da demanda é atendida pelos consumidores ou esse aumento da oferta é atendida pelos produtores, o preço cairá até se reequilibrar. Entretanto, se nenhuma destas condições for atendida, o preço desse produto continuará subindo porque essa é a maneira através da qual o mercado reforça a mensagem de que esse produto é desejado ou necessário para a sociedade.

Assim é como o mercado funciona e também a maneira em que ele, agindo livremente, é mais eficiente para a sociedade. Qualquer tipo de intervenção nos preços, imposta por arquitetos soberbos que se julguem mais inteligentes que o mercado, só interferirá no processo de auto-organização da economia, e portanto, só trará um prejuízo maior para a sociedade.

Um claro exemplo destas intervenções é o tabelamento dos preços. Quando o preço de um produto sobe, os produtores, na procura pelo lucro, têm um grande incentivo em produzir mais unidades desse produto ou em buscar uma maneira mais barata de produzi-lo. Porém, se o preço do produto é tabelado, impedindo sua subida natural, então os produtores não possuem mais esse incentivo. Desta maneira, o tabelamento do preço sempre acabará desembocando irremediavelmente na escassez dos produtos.

Escassez que, além disso, é reforçada pelo fato de que, em situações de pânico, as pessoas compram impulsivamente, mesmo sem precisar, e mesmo sem se preocupar pelos outros. A subida natural do preço, portanto, é saudável porque evita que alguém compre todos os produtos e acabe com o estoque. Se o preço subir, esse indivíduo pensará duas vezes antes de esgotar o estoque, deixando a possibilidade de que outros, que verdadeiramente precisem desse produto, tenham acesso a ele.

Homeostase dos preços

É interessante então observar que, quando um produto ou serviço é desejado ou necessário, a própria oferta e demanda atuam como mecanismos naturais para reequilibrar o preço ante qualquer mudança do mesmo. Este mecanismo de estabilidade é o que poderíamos denominar homeostase dos preços. Curiosamente, a homeostase é típica dos sistemas complexos abertos, dentre eles os seres vivos.

Por exemplo, nosso próprio corpo dispõe de vários mecanismos de homeostase, fundamentais para manter a vida através de processos bioquímicos e biofísicos. Dentre eles estão:

  • Manter uma temperatura estável de 37°.
  • Manter uma concentração constante de glicose no sangue.
  • Manter um nível fixo de pH no sangue.
  • Manter uma concentração regular de cálcio, sódio e potássio.

Para que a homeostase funcione, algum processo de retroalimentação negativa deve estar envolvido, pois desta maneira, a mudança de alguma variável induz a ativação de outra, a qual reverte a primeira e a reequilibra. Isso é precisamente o que estudamos no assunto anterior, na qual subidas de preço são revertidas por diminuições na demanda dos consumidores ou por aumentos na oferta dos produtores, e analogamente quando o preço cai.

Entretanto, nem sempre a homeostase é mantida. De fato, quando um produto não é mais necessário para a sociedade, a retroalimentação se torna positiva, pois a queda do preço de um produto que não acaba sendo consumido leva a uma diminuição da sua oferta, a qual leva a uma diminuição ainda maior na sua demanda, tipicamente porque os consumidores procuraram um substituto.

Retroalimentações positivas podem efetivamente emergir naturalmente para provocar a extinção de um produto ou serviço. Entretanto, também podem surgir, no processo inverso, para sua criação e expansão pelo mercado. De fato, os produtores podem inovar testando a criação de algumas poucas unidades dos seus produtos ou serviços. Se esse teste se encaixar com as necessidades ou desejos dos consumidores, então emergirá uma súbita demanda (Lei de Say), que levará a um aumento da sua oferta, a qual, por sua vez, levará a novos aumentos na sua demanda, e o processo se retroalimentará positivamente até que oferta e demanda se equilibrem, entrando em homeostase.

Infelizmente, como veremos, a intervenção da economia também quebra, de maneira artificial, a homeostase dos preços, o qual acarreta dramáticas consequências como são os eventos de hiperinflação, nos quais se ativa uma retroalimentação também positiva, através da qual os preços saem do equilíbrio e perdem completamente o controle, subindo sem limites.

OFERTA E DEMANDA

A lei da demanda

As vontades subjetivas dos consumidores de bens e serviços são realmente incertas, pois cada consumidor possui um contexto econômico diferente e um desejo impossível de medir. Contudo, poderíamos afirmar que as vontades dos consumidores seguem um certo padrão médio chamado de lei da demanda.

A lei da demanda estabelece que quanto menor for o preço de um produto ou serviço (seta verde no eixo vertical), maior será o incentivo por consumi-lo, e portanto, maior será a quantidade de produtos ou serviços (seta verde no eixo horizontal) que o consumidor demandará. Já ao contrário, quanto maior for o preço de um produto ou serviço (seta vermelha no eixo vertical), menor será o incentivo por consumi-lo, e portanto, menor será a quantidade de produtos ou serviços (seta vermelha no eixo horizontal) que o consumidor demandará.

O significado de demandar

É importante aprofundar em alguns detalhes respeito ao significado de demandar. A curva de demanda é de fato uma construção imaginária, pois envolve necessidades e desejos subjetivos impossíveis de avaliar. Entretanto, a pesar de que o comportamento de indivíduos específicos é imprevisível, o comportamento da maioria tende a se agrupar ao redor de um certo padrão.

Para entender tal reação, e suas consequências, escolhamos alguns pontos A, B, C do plano e suponhamos vários compradores com vontade de consumir, por exemplo, maçãs. Ou seja, consumidores dispostos a trocar seu dinheiro por uma determinada quantidade Q de maçãs. Tal vontade dos consumidores forma a curva de demanda, a qual, suponhamos, passa pelo ponto C. Sendo assim, a maioria dos consumidores apenas comprariam essas Q maçãs se seu preço fosse PC. Contudo, caberia nos perguntar, por que a curva de demanda passa por C e não por outro ponto?

Em verdade, alguns poucos consumidores estariam mesmo dispostos a trocar Q maçãs por um preço PA, bastante mais alto que PC. Entretanto, a grande maioria dos consumidores não estaria disposta a realizar essa troca, pois eles visam a melhor gestão de seus recursos escassos. Essa atitude se deve a que o dinheiro que eles possuem teria subjetivamente mais valor que as Q maçãs desejadas ao preço PA.

Já se, ao invés de PA, o preço fosse PB, o incentivo por consumir aumentaria. De fato, mais consumidores que antes se animariam a efetuar tal troca. Entretanto, ainda a grande maioria também não o veria claro. Esta atitude ainda reticente se deve a que, para esta maioria, seu dinheiro ainda teria subjetivamente mais valor que as Q maçãs negociadas pelo preço PB. Contudo, essa diferencia já não seria tanta.

Portanto, apenas quando o preço é PC, essa grande maioria de consumidores estaria disposta a efetuar tal compra. Essa atitude indica que sua percepção mudou no sentido em que, agora, para eles, essas Q maçãs valem subjetivamente um pouco a mais do que o dinheiro pago por elas. Esta mudança de percepção representa de fato a situação limite, pois daí para baixo, para qualquer preço menor que PC, todos os consumidores iriam aceitar tal troca, dando já mais valor a essas Q maçãs do que ao dinheiro que seria pago para comprá-las.

Através desta reflexão lógica, podemos então concluir que:

  1. Toda troca envolve um dilema, no qual está envolvido a otimização dos recursos escassos. De fato, em toda troca o consumidor deve ponderar que item tem mais valor: o dinheiro que ele possui ou o produto ou serviço que ele deseja.
  2. O produto ou serviço demandando é adquirido apenas se, após tal ponderação, o ganho com a troca é maior que a perda.
  3. A curva da demanda representa o caso limite a partir do qual, para a maioria dos consumidores, o produto ou serviço demandado teria ligeiramente mais valor que o dinheiro oferecido para adquiri-lo.
  4. Tais julgamentos são completamente subjetivos e, portanto, o comportamento dos consumidores, o qual provoca mudanças na curva demanda, atende a fatores conjunturais efetivamente impossíveis de predizer.
  5. Atendendo ao princípio da optimização dos recursos escassos, nesse julgamento, o valor atribuído a um item, seja o dinheiro, o produto ou o serviço demandado, depende fortemente de qual for mais escasso. Contudo, já que as necessidade e desejos das pessoas estão limitadas pelo seu dinheiro, a demanda por produtos ou serviços dependerá da abundância desse dinheiro na economia.

Mudanças na demanda

As vontades dos consumidores de bens e serviços dependem de um contexto, o qual está em contínua mudança. Por isso, a curva da demanda não é fixa, se não que pode se deslocar para cima ou para abaixo em função das necessidades e desejos dos consumidores atuantes no mercado.

Pode acontecer, por exemplo, que os indivíduos, ao se aproximar uma data especial como o natal, aumentem sua vontade de consumir. Sendo assim, eles não ficarão receosos de pagar mais (provocando uma mudança no preço de P para P’) pela mesma quantidade Q de produtos, forçando a um deslocamento para cima da curva da demanda. A interpretação é que, dada essa empolgação, os consumidores dão mais valor aos produtos ou serviços de que ao dinheiro pago por eles.

Já ao contrário, depois de uma época de consumo excessivo, os indivíduos pensarão duas vezes na hora de consumir. Isso produzirá um deslocamento para baixo da curva, o qual provocará que o preço de uma determinada quantidade de produtos Q passe de P para P’. A interpretação é que os consumidores dispõem de maneira geral de menos dinheiro para satisfazer suas necessidades ou desejos. Ou de outro ponto de vista, os consumidores dão mais valor a seu dinheiro, agora mais escasso, do que aos produtos ou serviços desejados.

A lei da oferta

As necessidades ou desejos subjetivos dos produtores de bens e serviços também são incertos, pois cada um deles tem um contexto diferente e umas preferências particulares impossíveis de medir. Porém, podemos estimar o comportamento médio dos produtores através da chamada lei da oferta.

A lei da oferta estabelece que quanto menor for o preço de um produto ou serviço no mercado (seta vermelha no eixo vertical), uma menor quantidade será ofertada pelo empresário (seta vermelha no eixo horizontal), pois ele terá um menor incentivo a fazê-lo. Já se o preço de um produto ou um serviço for maior (seta verde no eixo vertical), uma maior quantidade será ofertada (seta verde no eixo horizontal), pois maior será também o incentivo.

O significado de ofertar

Aprofundemos também mais um pouco no significado de ofertar. Para isso, usemos agora como o exemplo a contraparte: agricultores de maçãs, os quais pensam em ofertar uma quantidade Q delas por 3 preços diferentes.

Se tal quantidade Q de maçãs fosse ofertada por um preço PA baixo demais, alguns poucos agricultores talvez se animariam a realizar essa venda. Porém, de maneira geral, para a maioria deles, ofertar a um preço tão baixo não seria lucrativo, ou seja, não mereceria a pena trocar maçãs por dinheiro. Isto é, para eles essas maçãs teriam subjetivamente mais valor que o dinheiro que receberiam por elas.

Se o preço da venda subisse agora para PB, mais agricultores estariam dispostos a vender por esse preço. Porém, a grande maioria ainda seria reticente a essa troca. Em consequência, para eles as maçãs ofertadas ainda teriam mais valor que o dinheiro que receberiam por elas, mas já nem tanto.

Desta maneira, apenas quando o preço é PC a situação mudaria, pois por esse preço a grande maioria de agricultores julgaria que há ligeiramente mais valor no dinheiro que eles receberiam do que nas maças que eles ofertariam, e sendo assim, eles estariam dispostos a efetuar tal troca.

 Evidentemente, a partir daí, para qualquer preço por cima de PC, todos os agricultores sem exceção dariam mais valor ao dinheiro que receberiam do que a essas Q maçãs à venda e, portanto, estariam dispostos a realizar tal troca sem duvidar.

Através desta reflexão lógica, podemos então concluir que:

  1. Toda troca envolve um dilema, no qual está envolvido a otimização dos recursos escassos. De fato, em toda troca o produtor deve ponderar que item tem mais valor: o produto ou serviço ofertado ou o dinheiro que receberia por ele.
  2. O produto ou serviço ofertado é vendido apenas se, após tal ponderação, o ganho com a troca é maior que a perda.
  3. A curva da oferta representa o caso limite a partir do qual o dinheiro recebido teria mais valor, para a maioria dos produtores, que o produto ou serviço ofertado.
  4. Tais julgamentos, apesar de parecerem objetivos, pois cada produtor está limitado pela margem de lucro, acabam sendo completamente incertos, pois a oferta de produtos ou serviços depende de tantas variáveis, muitas delas acopladas e outras imprevisíveis que, o comportamento dos produtores se torna também impossível de predizer.
  5. Atendendo ao princípio da optimização dos recursos escassos, nesse julgamento, o valor atribuído a um item, seja o dinheiro, ou o produto ou serviço ofertado, depende fortemente de qual for mais escasso. Contudo, já que, ao contrário do dinheiro, a oferta de produtos ou serviços estão limitados pela Natureza, o valor relativo atribuído a um item dependerá principalmente da abundância do dinheiro na economia.

Mudanças na oferta

As necessidades e desejos dos produtores de bens e serviços efetivamente dependem de um contexto em contínua mudança. Desta maneira, pode acontecer, por exemplo, que umas condições meteorológicas excepcionais forneçam uma ótima colheita de um determinado produto. Sendo assim, os produtores, neste caso agricultores, terão que oferecer uma maior quantidade de produtos (passando de Q para Q’) pelo mesmo preço P, pois do contrário teriam que jogar eles fora, provocando um aumento da oferta no mercado. Essa atitude se deve a que eles dão mais valor a dinheiro do que aos produtos ofertados, já que estes se tornaram muito abundantes.

Entretanto, pode acontecer que umas chuvas torrenciais estraguem a colheita, fazendo com que a quantidade de produtos oferecidos pelos agricultores ao mesmo preço P seja menor (passando de Q para Q’), provocando uma diminuição da oferta no mercado. Essa atitude se deve a que nessa situação os agricultores dão mais valor aos produtos ofertados, já que estes se tornaram mais escassos que o dinheiro que iam receber por eles.

Mecanismo da geração do preço: lei da oferta e da demanda

Se juntarmos as vontades dos consumidores que demandam determinados bens e serviços (curva decrescente) com as vontades dos ofertantes desses bens e serviços (curva crescente), emerge um ponto no cruzamento de ambas as curvas conhecido como ponto de equilíbrio. A projeção desse ponto de equilíbrio no eixo vertical e no horizontal marcaria qual seria o preço que essa quantidade específica de produtos ou serviços teria no mercado. Este, portanto, é o mecanismo da geração do preço no mercado.

De outro ponto de vista, esse ponto de equilíbrio estabelece uma coincidência entre o valor máximo que os compradores estariam dispostos a pagar com o valor mínimo que os vendedores estariam dispostos a aceitar.

INFLAÇÃO E DEFLAÇÃO

Mudanças nos preços dos bens ou dos serviços

Tanto a demanda dos consumidores quanto a oferta dos produtores não é fixa, senão sujeita a mudanças causadas por fatores que podem ser inúmeros.

Por exemplo, supondo uma oferta fixa, um aumento da demanda por um determinado produto ou serviço provocará um aumento do seu preço, mudando-o de P para P’’, e, ao contrário, uma diminuição da demanda por um determinado produto ou serviço provocará uma queda do seu preço, mudando-o de P para P’.

Analogamente, supondo uma demanda fixa, um aumento da oferta por um determinado produto ou serviço provocará uma queda do seu preço, mudando-o de P para P’, e, ao contrário, uma diminuição da oferta por um determinado produto ou serviço provocará uma subida do seu preço, mudando-o de P para P’’.

Aumentos ou diminuições na demanda, mantendo a oferta fixa, e aumentos ou diminuições na oferta, mantendo a demanda fixa, são, porém, suposições teóricas usadas para facilitar a compreensão, as quais não tem por que acontecer. Efetivamente, tanto a oferta quanto a demanda podem mudar independentemente.

Inflação e deflação

Por diversos motivos (modas, vontades, expectativas, …) pode acontecer que a demanda por um determinado produto cresça fora do normal. Por outros tantos motivos (tributação excessiva, condições climatológicas adversas, encarecimento de insumos, barreiras na importação, aumento da exportação, …) também poderia acontecer que a oferta por um determinado produto ou serviço diminua consideravelmente. Como acabamos de estudar, a lei de oferta e da demanda determina que, por qualquer uma dessas razões agindo individualmente, ou pelas duas atuando conjuntamente, o preço desse produto ou serviço tenderá a subir.

Subidas ocasionais dos preços de determinados produtos ou serviços são normais na economia e até saudáveis, pois os consumidores serão incentivados a procurar substitutos e os produtores serão incentivados a ofertá-los, o qual fortalece a estrutura do mercado. Entretanto, quando a subida dos preços é generalizada, não há substitutos onde acudir. Essa falta de opções causa um profundo impacto econômico e social, que afeta principalmente as famílias de baixa renda. A subida geral dos preços é um importante fenômeno econômico conhecido como inflação. O processo inverso, a deflação, definido como uma queda geral dos preços pode também acontecer. Porém, pelas razões que descreveremos na próxima seção, a economia é arquitetada para evitar cenários deflacionários.

A inflação (potencial) é um fenômeno monetário artificial

A inflação é sempre, e em qualquer lugar, um fenômeno monetário.” Milton Friedman

Ao analisar as causas que, ao longo da história, desembocaram em eventos de inflação, os economistas não chegam a um consenso. Por um lado, a escola keynesiana, base da corrente ortodoxa da Economia, acredita que a inflação é um fenômeno natural” numa economia com pouco desemprego, e sendo assim, eles consideram necessário a interferência econômica de alguma instituição, tipicamente um governo, para assim “proteger” sua população da inflação.

Para os keynesianos, a inflação tem o significado de subida generalizada dos preços e, como quem sobem os preços são os empresários, pois eles não têm outra opção que repassar a alta do preço dos insumos para o consumidor, estes acabam sendo apontados como os vilões da inflação. Vilões contra os quais emergem os super-heróis dos políticos, colocando-se como os “salvadores” da população.

Por outro lado, a corrente heterodoxa, a escola austríaca, acredita que a inflação é um fenômeno completamente artificial, o qual se deve a um aumento do dinheiro e do crédito na economia não correspondido por um aumento na sua demanda, e cujos únicos responsáveis são os governos. Sob este ponto de vista, o aumento da massa monetária na economia seria a causa e a potencial subida geral dos preços seria a consequência. Sendo assim, para escola austríaca a inflação teria o significado de inflar, ou seja, de inchar a base monetária.

Observe-se então a diferença entre os dois pontos de vista: uma coisa é que os preços inflem “naturalmente”, inflação segundo a escola keynesiana, e outra inflar artificialmente a massa monetária, a qual potencialmente provocará subida dos preços, inflação segundo a escola austríaca. Entretanto, como logicamente governos aderiram à escola de pensamento keynesiana, a narrativa que permaneceu foi que inflação é a subida generalizada dos preços, camuflando suas verdadeiras causas, as quais são claras para a escola austríaca. Já que a narrativa está mesmo perdida, ao longo deste livro será usado inflação com o significado de subida geral dos preços. Porém, em todo momento ficará explícito que ela é consequência, e não causa, de políticas monetárias discutíveis.

Em realidade, como veremos agora, tais políticas, como o aumento da massa monetária e, em consequência, a expansão do crédito, criam o ambiente para que potencialmente se produza inflação, a qual eventualmente se desencadeará devido a mudanças nos hábitos de consumo dos agentes econômicos, forçados em última instância por ditas políticas monetárias.

Quem causa inflação e como se produz?

A economia é tanto psicológica quanto ‘ciclo-lógica’.” Mike Maloney

Todos, absolutamente todos os bens e serviços, desde uma saca de milho, um barril de petróleo, um corte de cabelo, uma manicure, uma onça de ouro, um título de dívida, a ação de uma empresa, o valor de um salário ou até o próprio dinheiro, todos seguem a mesma lei da oferta e da demanda, pois esta lei está baseada em padrões de comportamento humano, os quais emergem naturalmente na hora de trocar qualquer item: dinheiro, produtos ou serviços.

De um ponto de vista global, o mercado financeiro, dentro do qual se precifica o valor do dinheiro depende da demanda pela moeda, a qual por sua vez depende de vários fatores macroeconômicos (taxa de juros básica, carga de impostos, confiança na moeda, fluxo de exportações, expectativas econômicas, …) e também depende da oferta de moeda, influenciada principalmente por mecanismos de regulação dos bancos centrais (taxa de juros básica, fração de depósitos compulsórios, taxa de juros de desconto, relaxamento quantitativo). Estes fatores serão estudados detalhadamente no capítulo IV, mas simplificando bastante o valor do dinheiro depende fortemente dos bancos centrais, por serem estes às vezes criadores ou ofertantes de dinheiro e às vezes destruidores ou demandantes, através da troca de ativos financeiros por dinheiro.

Quando um banco central atua como ofertante de moeda, ele o faz para aumentar a quantidade de dinheiro na economia, comprando uma quantidade Q’ de ativos financeiros, tipicamente títulos de dívida pública. Também, ele pode atuar como demandante de moeda, vendendo uma quantidade Q desses mesmos ativos financeiros em troca de dinheiro.

Um banco central pode, portanto, atuar nos dois lados da curva. Entretanto, como o balanço dos bancos centrais tipicamente não para de aumentar, a quantidade de ativos financeiros comprados tende a ser maior que os vendidos. O efeito líquido é um aumento cada vez maior de dinheiro na economia, o qual provoca uma desvalorização do mesmo por se tornar menos escasso, principalmente se esse aumento da oferta não é correspondido por um aumento da sua demanda.

Fonte: Haver Analytics. O balanço dos principais bancos centrais do mundo, a Reserva Federal (Fed), o Banco Central Europeu (ECB), o Banco de Japão (BOJ) e o Banco Popular da China (PBOC) não para de aumentar. Um aumento do balanço significa que os bancos centrais possuem cada vez mais ativos financeiros, tipicamente títulos de dívida, os quais foram comprados em troca de dinheiro que eles criaram do nada.

Em consequência, como o dinheiro pode ser eventualmente trocado por produtos e serviços, uma desvalorização do dinheiro implica uma valorização potencial dos produtos e serviços, ou seja, um cenário de inflação potencial. E ao contrário, uma valorização do dinheiro implica uma desvalorização potencial dos produtos e serviços, ou seja, um cenário de deflação potencial.

É importante analisar o uso do termo “potencial”. Efetivamente, uma valorização/desvalorização do dinheiro criaria mesmo o ambiente para uma desvalorização/valorização dos produtos e serviços, mas tal evento não tem por que acontecer imediatamente. Dito de outro modo, a valorização/desvalorização do dinheiro é condição necessária para acontecer deflação/inflação dos preços, porém não é condição suficiente.

O motivo está em que, para que uma valorização/desvalorização do dinheiro desemboque em deflação/inflação dos preços, os agentes econômicos do mercado financeiro devem interagir com agentes econômicos do mercado dos produtos e serviços. Efetivamente, essa interação é progressiva e demora em atingir as últimas camadas da economia, as famílias, que são em última instância as consumidoras individuais de bens e serviços. Este retardo é o que se conhece como efeito Cantillon, o qual teoriza que o dinheiro recém criado demora em percolar pela economia, e dada essa demora, quem mais se beneficia são aqueles que têm acesso antecipado ao dinheiro novo, tipicamente as classes altas. Devido a esse acesso prioritário, eles poderão adquirir produtos ou serviços ainda baratos, pois a medida que eles compram os preços irão subindo progressivamente e os últimos em comprar serão os que mais sofram o efeito da inflação.

Efetivamente, o aumento da oferta monetária, criada pelos bancos centrais não causa inflação imediata. Para que assim seja, as famílias precisam interagir, como consumidoras, no mercado de bens e serviços. E esta interação, como já estudamos na seção anterior, depende de vontades, desejos, expectativas ou ainda comportamentos de grupo (efeito manada), que a tornam completamente imprevisível.

De fato, se as famílias percebem que elas possuem suficiente dinheiro, mesmo que seja em abundância, porém não enxergam um futuro promissor, elas darão então mais valor a seu dinheiro do que aos produtos e serviços ofertados no mercado. Em consequência, as famílias preferirão poupar antes que consumir, pois efetivamente pensarão que será importante dispor de dinheiro no futuro. Neste caso, haverá um cenário de inflação, a qual, porém não acaba se materializando. Daí a denominação de inflação potencial.

A outra possibilidade é que as famílias possuam dinheiro em abundância no presente e ainda acreditem que essa abundância não faltará no futuro. Desta maneira, elas darão mais valor aos produtos e serviços ofertados no mercado do que a seu próprio dinheiro. Neste caso, as famílias preferirão consumir antes que poupar, pois pensarão que no futuro ainda terão dinheiro suficiente. Neste caso, haverá um cenário de inflação potencial que, desta vez, acaba sim se materializado.

São, portanto, as atitudes dos indivíduos, agindo como agentes econômicos, as quais possuem o potencial de concretizar a inflação. Tais percepções são efetivamente impossíveis de medir e de predizer. Entretanto, é possível estimar as consequências de tais decisões através da chamada velocidade do dinheiro. De fato, se os agentes possuem dinheiro, mas não acham oportuno consumir, este apenas cambiaria de mãos, o que leva a uma queda da sua velocidade. E ao contrário, se os agentes econômicos se animam a consumir isso produzirá um efeito cascata, fazendo a velocidade do dinheiro aumentar.

Por exemplo, ante uma percepção futura de melhora, um pai de família com dinheiro ou crédito disponível pode se tornar otimista e resolver comprar um colar de ouro para sua esposa, algo que não faria em outro momento. Com o dinheiro dessa compra, agora em mãos do joalheiro, ele também melhora sua percepção econômica, e igualmente resolve comprar, suponhamos, um computador novo para seu filho, algo que não faria em outro momento. Com o dinheiro dessa compra, agora em mãos do lojista de computadores, o ciclo continua segundo um comportamento de grupo. Desta maneira, é lógico esperar que mudanças na velocidade do dinheiro estejam aproximadamente correlacionadas com mudanças dos preços dos bens e serviços.

Fonte: Reserva Federal. Aumentos da oferta de dinheiro ou do crédito não correspondidos por aumentos da sua demanda, ou diminuições da demanda do dinheiro ou do crédito não correspondidas por diminuições na sua oferta são condições necessárias, porém não suficientes para desembocar em inflação dos preços. Para que tal inflação se materialize o dinheiro deve circular pela economia. Ou seja, a velocidade do dinheiro deve ser crescente. Efetivamente, variações da velocidade do dinheiro estão aproximadamente correlacionadas com variações nos preços dos bens e serviços, medidos, neste caso, através do CPI (Consumer Price Index) americano. A velocidade do dinheiro, porém, como qualquer outro indicador indireto, não é plenamente confiável.

Resumindo então este longo, porém fundamental apartado: os bancos centrais, ao aumentar a massa monetária, provocam um ambiente de inflação potencial, o qual só é efetivado quando o dinheiro ou o crédito chega as famílias e estas julgam que é oportuno consumir e não mais procrastinar tal consumo.

CICLOS VIRTUOSOS E CICLOS VICIOSOS

Ciclos virtuosos da economia

Já que os governos, através dos bancos centrais, podem influenciar nos preços aumentando ou diminuindo a base monetária, uma pergunta cabível deveria ser: por que eles não diminuem a quantidade de dinheiro na economia para valorizá-lo, o que potencialmente provocaria uma queda artificial dos preços, ajudando assim às classes da sociedade mais carentes e desfavorecidas? Infelizmente, apesar de que nossos dirigentes constantemente proclamam defender aos pobres, nenhum governo, sem importar a ideologia, acaba agindo dessa maneira.

A realidade é que para os governos é mais conveniente forçar um ambiente econômico inflacionário do que ambiente deflacionário, pois num ambiente econômico inflacionário o dinheiro cada vez vale menos, e sendo assim, é melhor consumir logo do que esperar ao futuro. Dessa maneira, as pessoas são forçadas a consumir ao invés de poupar. Curiosamente, tanto consumir quanto poupar é importante; o ideal é realmente o equilíbrio, pois ao contrabalançar consumo e poupança, a sociedade estaria equilibrando necessidades e desejos presentes com necessidades e desejos futuros. A questão está em que como os governos apenas duram 4 anos, para eles o melhor é que as pessoas consumam logo. Se isso esgota a capacidade de consumo futura não importa. Isso não é problema desse governo e sim do seguinte.

Forçar o consumo é, portanto, a chave, pois consumir implica demandar e se aumenta a demanda sobem os preços e se sobem os preços, os empresários veem oportunidades de lucro e montam mais empresas, as quais geram mais empregos para os cidadãos, que agora terão mais renda para consumir e assim o processo se retroalimenta positivamente, quebrando o mecanismo natural de homeostase dos preços, e entrando no se que conhece como ciclo virtuoso da economia.

Sem se importar, então, com a subida geral dos preços, que corrói o poder aquisitivo das classes baixas sem elas perceberem, os ciclos virtuosos da economia são ótimos para os governos, pois além de deixar os cidadãos felizes, a arrecadação através de impostos se dispara.

Ciclos viciosos da economia

Que beleza! Nossos dirigentes são tão extremadamente inteligentes que, como se fosse por obra divina, eles conseguem que a economia gere felicidade para todos: para eles mesmos e para os cidadãos.

Nada mais longe da realidade. Da mesma maneira que na Natureza não existem os chamados motos perpétuos: invenções naturais ou artificiais que gerem energia infinita, em economia não existem os ciclos virtuosos perpétuos, por mais que nossos dirigentes insistam nisso. Ainda mais, forçar ciclos virtuosos só passará a fatura da conta dessa intervenção para o futuro e o estrago que o final do ciclo terá, ao passar do ciclo virtuoso para o chamado ciclo vicioso, será catastrófico. Efetivamente, como veremos no capítulo IV, a consequência de ter forçado ciclos virtuosos contínuos durante as últimas décadas tem criado a maior bolha econômica da história (the everything bubble) com o potencial de provocar a mais profunda crise jamais vista.

Além de inútil, intervir a economia é algo completamente prejudicial porque se quebram os mecanismos naturais e espontâneos de auto-regulação. Devemos entender que, da mesma maneira que ninguém deve forçar outro a ser feliz, ninguém deveria forçar a economia a experimentar um ciclo virtuoso forçado, permanente e contranatura.

Os efeitos da inflação

Durante um processo contínuo de inflação, os governos podem confiscar de maneira secreta e sem ninguém perceber, uma parte importante da riqueza dos cidadãos. A pesar de que este processo empobrece a muitos, certamente enriquece a alguns.” John Maynard Keynes

Para forçar um ciclo virtuoso, todos os governos estabelecem uma meta de inflação. Em países europeus esse objetivo está em 2% anual. Entretanto, no Brasil essa meta é de 4% ao ano. Uma inflação do 4% ao ano implica que, depois de um ano, para comprar os mesmos bens e serviços de antes será necessário pagar um 4% a mais. Dito de outro modo, depois de um ano o poder de compra do dinheiro terá perdido um 4% do seu valor. Dessa maneira, fazendo a soma ano após ano, depois de 12 anos e meio, dito poder aquisitivo terá reduzido pela metade (12,5 * 4% = 50%). Ou seja, se um cidadão tiver 1000 R$ na conta corrente, depois de 12,5 anos, tal indivíduo continuará tendo esses 1000 R$, mas agora serão 1000 R$ que apenas teriam a capacidade de comprar 500 R$ em bens e serviços, pois, devido à inflação, estes terão duplicado de preço nesses 12,5 anos. A conclusão, portanto, é que não importa a quantidade de dinheiro que alguém tiver; o que verdadeiramente importa é quanto que esse dinheiro compra.

Levando esta análise em consideração, a consequência imediata é que a inflação prejudica aos que poupam, pois se os poupadores não consomem, seu dinheiro perderá poder aquisitivo com o tempo. Entretanto, se a perda de poder aquisitivo dos poupadores é o trade-off econômico artificial de um cenário inflacionário, quem seriam os beneficiados nesse ambiente?

Se, segundo a definição, a inflação é o aumento generalizado dos preços dos bens ou dos serviços, aquele possuidor ou ofertante desses bens, ou fornecedor desses serviços, sairá claramente beneficiado. Dentre estes possuidores de bens estão os detentores de ativos escassos, que tipicamente ocupam os mais altos degraus de uma sociedade: proprietários de terras, proprietários de imóveis, titulares de ações de empresas, detentores de metais preciosos ou de peças de arte, … Logo, em períodos de inflação, as classes altas são as mais beneficiadas. E, por conseguinte, sob este ponto de vista, a inflação é uma maneira tácita e passiva de transferir riqueza das classes baixas para as classes altas.

Fonte: Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI). Para disfarçar as consequências do aumento da inflação tornou-se natural que os construtores ofertem moradias cada vez de menor tamanho. Dessa maneira, o comprador tem a sensação de que os imóveis não aumentam de valor. Entretanto, a realidade é que o preço do metro quadrado no Brasil não para de aumentar como resultado da inflação, e nunca parará se o Banco Central continuar aumentando a massa monetária.

Uma pergunta que deveria surgir neste momento poderia ser: se a meta de inflação é feita para forçar ciclos virtuosos e, pelo jeito para favorecer as classes altas, por que não forçar mais a barra para produzir ciclos virtuosos ainda mais intensos e assim espoliar mais rapidamente as classes baixas em favor das altas? Dito de outro modo, por que não colocar direto a meta de inflação em, por exemplo, 10% ou 20% ao ano?

A resposta é que isso sim seria percebido pelo povo e consequentemente acabaria produzindo muito caos social. Sendo assim, é mais conveniente ter paciência e ir aos poucos. Entretanto, como veremos, existe outra saída. Os governos têm de fato outra maneira de produzir alta inflação sem que os cidadãos percebam. Para entender como, é necessário saber como é medida a inflação, ou melhor dito, como os governos medem a inflação, ou equivalentemente, como se mede o poder aquisitivo do dinheiro. Estudaremos isso na última seção deste primeiro capítulo; antes é necessário entender o fenômeno da hiperinflação.

A perda de poder aquisitivo

Eventualmente o papel-moeda sempre retorna a seu valor intrínseco: zero.” Voltaire

Muitos pensarão que, sendo o Brasil um país emergente, é normal haver perdas inflacionárias. Na realidade, porém, o poder de compra de todas as moedas, sem importar o país, cai continuamente por causa da inflação. O gráfico demonstra de fato a perda do poder de compra de uma moeda forte como o dólar nos últimos 100 anos. Efetivamente 1 dólar em 1913 continua sendo 1 dólar em 2013, mas com o poder de compra de 5 centavos.

Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics. Poder de compra do dólar americano durante a série histórica desde 1913 até 2013. Observe-se como ao longo deste século o dólar americano perdeu o 95% de seu valor. Os eventos que produziram estas perdas de poder aquisitivo serão estudados no capítulo IV.

Os efeitos da deflação

Uma pergunta simples, porém razoável deve ser: se a inflação é ruim para a maioria da população, então a deflação é boa?

Já sabemos que na economia não existem soluções boas para todos. Como acabamos de ver, a inflação, de fato, não é boa para todos, pois apenas favorece aos que detêm ativos. Os que não detêm ativos saem prejudicados, pois terão que pagar mais para comprá-los. Com a deflação, porém, acontece o efeito antagônico.

Em um ambiente deflacionário existe um grande incentivo dos consumidores a poupar, pois se com o tempo os preços caem, o mais inteligente é procrastinar o consumo. Porém, se os consumidores não compram, as empresas vendem menos, e se estas vendem menos também contratam menos, o qual provoca menor renda para as famílias e assim em diante retroalimentando o ciclo positivamente. Sem oferta de emprego, as pessoas não dispõem de tanto dinheiro, o que provoca que o estado não arrecade através de impostos. A deflação, portanto, cria um ambiente de crescente desemprego, o qual poderia gerar descontentamento social, além de um ambiente de baixa arrecadação, o qual não convém aos governos.

De um ponto de vista complementário, se num ambiente deflacionário os preços caem, aqueles que ofertam produtos ou fornecem serviços saem prejudicados, pois cada vez recebem menos dinheiro por eles. Dentre estes prejudicados estão os detentores de ativos escassos que, como já explicamos anteriormente, tipicamente pertencem às classes altas.

Desta maneira, a pesar de que, do ponto de vista dos preços, um ambiente deflacionário favorece às classes mais baixas, como os mais prejudicados são os governos e as classes altas, os ambientes deflacionários são fortemente evitados por nossos dirigentes.

Soluções perfeitas e soluções adequadas

Finalmente, agora que entendemos os efeitos da inflação e da deflação, para encerrar esta seção, caberia uma reflexão. Se, por um lado, durante os ciclos virtuosos os cidadãos dispõem de cada vez mais dinheiro, porém um dinheiro que compra cada vez menos, e por outro, durante os ciclos viciosos, os cidadãos dispõem de um dinheiro que cada vez compra mais, porém do qual cada vez dispõem menos, qual é então a solução?

A solução é a não intervenção. Aliás, é precisamente a intervenção na moeda que causa essas falácias de falso dilema. Os ciclos viciosos e virtuosos são, de fato, armadilhas retóricas criadas por arquitetos econômicos para, tendenciosamente, ante essas “únicas” duas opções, a população aceite e acredite que uma é sem dúvida melhor que a outra. As próprias palavras virtuoso e vicioso já são completos eufemismos, que exprimem um claro viés ideológico. Com tais apelidos não é necessário nem pensar; se torna evidente qual será o favorito da população, mesmo que essa “melhor” opção se converta, sem que quase ninguém saiba, num ato de auto-flagelação.

Não existem soluções perfeitas e como não existem soluções perfeitas não tem sentido pensar que dirigentes ungidos as trarão. O próprio mercado, agindo livremente sem a interferência de ninguém, é de fato quem melhor sabe alocar capital. Ao não intervir, a própria economia, no seu processo espontâneo e indômito de auto-organização, se encarregará por se só de encontrar não as soluções perfeitas, senão as soluções mais adequadas em cada momento para a sociedade.

Em qualquer caso, para entender melhor esse raciocínio devemos continuar a caminhada durante os próximos capítulos. No final desse percurso, entenderemos por que e como a moeda fiat, a moeda que usamos hoje em dia, se transformou numa ferramenta de controle social e de transferência de riqueza desde os que ignoram para os que sabem. Uma ferramenta que não foi engendrada naturalmente pelo mercado, se não criada astuta e artificialmente por nossos dirigentes, se aproveitando da inocência do povo.

HIPERINFLAÇÃO

Hiperinflação

Se a inflação afeta ao poder aquisitivo das classes médias e baixas, a situação se agrava quando a mesma se torna hiperinflação. Os eventos de hiperinflação causam, de fato, muito descontentamento na população e levam eventualmente a grandes mudanças políticas, sociais e/ou econômicas. A hiperinflação emerge a partir de intervenções mal calibradas por parte de bancos centrais para sair de cenários de deflação, os quais causam mudanças inesperadas nos hábitos dos cidadãos, as quais, por sua vez, provocam maiores intervenções do banco central, ou do próprio governo, agindo desesperadamente. A hiperinflação, portanto, surge como uma sequência de eventos em cadeia, durante a qual as mudanças, ao invés de amortecerem, se amplificam; algo típico em sistemas intervindos.

Para entender a evolução de um processo hiperinflacionário devemos partir então de um contexto de deflação. Um ambiente deflacionário emerge quando o povo avista um futuro econômico incerto. Essas preocupações as levam a dar mais valor ao dinheiro do que aos produtos e serviços ofertados no mercado e, em consequência, param de consumir. Essa parada no consumo afeta às empresas, as quais param também de contratar ou acabam demitindo empregados. O eventual aumento do desemprego leva a uma perda de renda das famílias, o qual retroalimenta positivamente o ciclo, aumentando a sensação inicial de incerteza econômica.

Nesses casos, o próprio governo, através de seu banco central, atua para mudar essa sensação e sair assim da deflação. Para isso, o banco central expande a base monetária, tornando o dinheiro mais abundante, desvalorizando-o, e o crédito mais barato. Com isso, o governo força às pessoas mudarem suas percepções. De fato, tal desvalorização do dinheiro implica uma desvalorização das poupanças dos cidadãos, que agora percebem como seu dinheiro não tem tanto valor frente aos produtos e serviços.

A desvalorização do dinheiro e o barateamento do crédito começa mesmo a mudar a percepção de algumas poucas famílias. Entretanto, talvez essas medidas não sejam suficientes para sair de um cenário deflacionário. Efetivamente, se estas primeiras famílias forem ainda poucas, o impacto na demanda por produtos e serviços ainda pode ser baixo, o qual não faria mudar a tendência de queda dos preços.

Nesse caso, o banco central intensifica suas medidas. A base monetária é expandida novamente e com mais intensidade, o qual leva a uma maior desvalorização do dinheiro e a um maior barateamento do crédito. Esse maior aumento da base monetária provoca uma maior desvalorização das poupanças dos cidadãos, que agora percebem como seu dinheiro perde continua e rapidamente valor frente aos produtos e serviços no mercado.

Essa situação é o ponto crítico. Nesse cenário de poupanças desvalorizando e crédito ultra-laxo o governo força uma mudança nas atitudes de seus cidadãos. De fato, com essa jogada ele espera que uma massa crítica de famílias mude definitivamente sua percepção, dando mais valor aos produtos e serviços do que ao dinheiro, e comecem a consumir. Esse potencial consumo inicial, o cenário de crédito barato e uma valorização dos produtos e serviços como consequência da desvalorização do dinheiro é a faísca, através da qual o governo espera que os empresários se animem a tomar empréstimos e investir. Esse investimento inicial criaria empregos, os quais gerariam renda, a qual incentivaria o consumo, o que retroalimentaria positivamente o processo, saindo do ciclo vicioso para o virtuoso.

Entretanto, nesse ponto crítico, algumas poucas famílias, principalmente os chamados inside traders, aqueles com informação privilegiada, tipicamente pertencentes às classes altas, podem se antecipar a esse movimento de desvalorização com o intuito de proteger seu patrimônio. Estas famílias então trocarão seu dinheiro, antes que se desvalorize, por outra moeda estrangeira ou por qualquer item escasso que atue como reserva de valor. As reservas de valor não são itens habitualmente usados para negociar produtos ou serviços, pois seu uso é justo para o contrário: reservar e preservar o patrimônio. Com esse estratégico movimento de “saída” do mercado de consumo, essas famílias, ao vender o dinheiro das suas poupanças, terão contribuído a produzir um aumento da oferta do dinheiro na economia além de uma diminuição da demanda pela moeda, pois eles a recusaram.

Se essa atitude for levada a cabo por poucas famílias, tal aumento da oferta e diminuição da demanda por moeda apenas terá impacto na sua desvalorização. Entretanto, se esse comportamento se estender a uma massa crítica, isso acabará afetando fortemente ao poder de compra da moeda, reforçando sua desvalorização, desvalorização já iniciada pelo banco central.

Este eventual cenário é fatal, pois representa um ponto de inflexão (tipping point). De fato, se mais famílias continuam recusando a moeda ou o crédito, sua demanda cairá drasticamente e sua oferta não parará de crescer (retroalimentação positiva), o que leva a uma maior desvalorização da moeda. Essa maior desvalorização provocará uma forte valorização potencial dos produtos e serviços, a qual só é efetivada quando os agentes do mercado financeiro interagem no mercado do consumo. Em quanto isso, os preços ainda podem continuar em queda, pois o povo perdeu a fé na moeda e, sendo assim, acabam se preocupando mais em proteger seu patrimônio do que em consumir.

Chegado esse momento, o governo através de seu banco central perdeu o controle, ficando quase sem opções. Um banco central tem o controle macroeconômico da oferta e da demanda por moeda, porém, ele não tem o controle microeconômico do consumo. Ou seja, um banco central pode induzir mudanças nos hábitos dos consumidores, mas em última instância estes são entes individuais, cujas mentes não podem ser controladas.

Por isso, o banco central pode ser levado a efetuar um movimento radical, com o intuito de forçar a demanda por moeda. Nesse caso, ele aumenta mais ainda a oferta da moeda, desvalorizando mais o dinheiro, mas dessa vez fazendo chegar diretamente esse dinheiro às famílias (o chamado, ironicamente, helicopter money). Esta jogada certamente alegra aos cidadãos, os quais se empolgam ao sentir a abundância de dinheiro.

Tal sensação de abundância pode mudar a percepção de muitas famílias, que darão bem mais valor aos produtos e serviços do que ao dinheiro. Em consequência, se efetiva a interação entre o mercado do dinheiro e o mercado de produtos e serviços, levando a uma liberação desse estado latente de hiper-valorização potencial dos produtos e serviços. O consumo então se ativa. Entretanto, a abundância de dinheiro é tanta e tão contínua que os empresários também dão bem mais valor aos produtos e serviços que eles oferecem do que ao dinheiro negociado em troca. Desta maneira, por iniciativa própria, os empresários só realizam essa troca se for por mais dinheiro. Em consequência, os preços começam a subir. Essa atitude natural que provoca uma subida inicial dos preços se espalha pela economia e acaba repercutindo nos próprios insumos. Em consequência, os custos de produção começam a aumentar e, como resultado, o empresário, agora sem iniciativa própria, não tem outra opção que repassar esse aumento para os clientes. Os preços então disparam.

Nesse momento, a homeostase dos preços que, através de um efeito de retroalimentação negativa amortece as mudanças severas dos mesmos, está virada de ponta cabeça. A disparada dos preços cria uma dependência completa das famílias por dinheiro. O governo então toma medidas desesperadas, que só agravam os problemas. Primeiro, através de seu banco central atende tal necessidade aumentando continuamente a oferta de moeda, fazendo chegar esse dinheiro diretamente às famílias. Esta medida, porém, só provoca um maior aumento dos preços. Segundo, manda tabelar ou fiscalizar as subidas dos preços, punindo empresários, o qual acaba desincentivando a produção, provocando maiores subidas dos preços. Terceiro, coloca controles ao câmbio, o qual produz uma desbandada de empresas, produzindo mais escassez de oferta e, portanto, mais alta dos preços. Quarto, aumenta os impostos às rendas mais altas e as grandes empresas, o qual provoca maior desbandada. As consequências, então, deste cenário de completo descontrole e desespero desembocam em hiperinflação.

Um cenário de hiperinflação se resume, portanto, a:

  1. Uma ação mal calibrada do banco central, o qual aumenta a oferta monetária em resposta a um cenário de deflação.
  2. Uma reação das famílias, as quais diminuem a demanda por moeda em resposta a esse aumento da sua oferta. Tal diminuição da demanda provoca mais aumento na oferta de moeda. Essa perda de confiança na moeda cria uma retroalimentação positiva no sentido da desvalorização do dinheiro, a qual produzirá posteriormente uma valorização dos produtos e serviços.
  3. Várias reações desesperadas do governo para conter essa valorização dos produtos e serviços, as quais só retroalimentam positivamente tal desequilíbrio dos preços, pois as medidas tomadas provocam maior alta dos preços e vice-versa.

Como vemos o problema da hiperinflação está na perda de confiança dos cidadãos na moeda e nos intentos desesperados do governo em restabelecê-la. Quando não há intervenções econômicas, o mercado procura espontaneamente um meio de troca natural, como foi o ouro, o qual estabelece confiança entre as partes e, a partir daí, emerge espontaneamente um mecanismo de homeostase dos preços, o qual os estabiliza através de retroalimentações negativas. Entretanto, quando a economia é intervinda, através da impressão descabida da moeda, tal confiança acaba sendo deturpada e os mecanismos naturais de auto-regulação se inibem. Em consequência, emergem retroalimentações positivas que descontrolam os preços.

Numa economia intervinda a hiperinflação é inevitável

Efetivamente, o governo através do seu banco central pode aumentar a massa monetária para desvalorizar o dinheiro e o crédito, forçando as famílias a consumir e as empresas a investir. Entretanto, eles não possuem o controle individual da oferta e da demanda por moeda e, sendo assim, não conseguem tão facilmente forçar ciclos virtuosos.

Os governos são cientes desse problema e, por isso, cada vez implementam mais medidas para controlar tanto a oferta quanto a demanda por moeda a um nível individual. De fato, para inibir os processos individuais que levariam a aumentos descontrolados da oferta da moeda no mercado é habitual que os governos tomem medidas como:

  1. Forçar e reforçar o uso da moeda de curso legal.
  2. Limitar ou proibir a compra de itens que atuem como reservas de valor.
  3. Inibir a troca da moeda nacional por moedas estrangeiras através de controles ao câmbio.
  4. Criar delitos por “fuga de capitais” ou aumentar suas penas.

Medidas como estas também forçam em parte ao uso individual da moeda, e portanto, afetam à demanda. Entretanto, esse controle global não é suficiente para forçar demanda. Governos precisam de mecanismos mais eficientes que atuem a um nível individual e para isso criam dependentes da moeda. Por esse motivo, cada vez mais são implantadas medidas como:

  1. Oferecer auxílios aos cidadãos.
  2. Instaurar uma renda universal.
  3. Aumentar continuamente o corpo de funcionários públicos.
  4. Criar impostos de todo tipo, pois isso força aos cidadãos a usar a moeda para ter que pagá-los.
  5. Incentivar o endividamento, pois através da dívida surge um compromisso de ter que usar a moeda para ressarci-la.

Entretanto, por mais que governos, através de seu banco central, se esforcem em controlar tanto a oferta quanto a demanda por moeda, tanto ao nível macro quanto ao nível microeconômico, dominando assim os fatores contextuais ou fatores exógenos, sempre existirá, porém, um componente endógeno, atrelado às decisões individuais, o qual se torna inatingível e incontrolável.

Infelizmente, tanto desespero por controle provoca uma cada vez maior intervenção econômica que não é saudável. De fato, medidas como as descritas provocam no mínimo:

  1. Uma fuga dos investidores para o exterior (devido principalmente aos controles na oferta por moeda).
  2. Uma carga tributária excessiva do setor privado, a qual desincentiva o empreendedorismo interior (devido principalmente aos controles na demanda por moeda).

Como consequência haverá uma drástica queda na arrecadação, o que leva ao governo a ter que se endividar; um endividamento inútil, pois um governo não aloca o capital de maneira eficiente. Sendo assim, a confiança na moeda é progressivamente perdida, levando ao mesmo cenário de hiperinflação descrita na seção anterior. Portanto, numa economia continuamente intervinda, pode demorar anos, décadas ou séculos, mas a hiperinflação é inevitável.

A importância de entender sobre Economia

Que as pessoas não aprendem demasiado das lições sobre história é a mais importante de todas as lições que a história deve nos ensinar.” Aldous Huxley

A história nos mostra vários eventos de hiperinflação, todos provocados pelo mesmo motivo anteriormente descrito como é a impressão massiva e descontrolada de moeda e a subsequente falta de confiança na mesma:

  • Na França antes e depois da revolução francesa.
  • Na república de Weimar na Alemanha de depois da Primeira Guerra Mundial.
  • Na Iugoslávia dos anos 90.
  • Na Hungria de depois da Segunda Guerra Mundial.
  • Na Argentina dos anos 80.
  • No Brasil também dos 80.
  • Na Venezuela dos últimos anos.
  • No Zimbábue também durante os últimos anos, sendo este um dos maiores registros da história, no qual os preços subiram um 231000000% em pouco tempo. Os preços, de fato, duplicavam a cada dia.

Nesses casos, para que a moeda nacional não seja ridicularizada e os cidadãos não percam a fé nela, é habitual que os governos criem uma nova moeda a partir da anterior, disfarçando assim os efeitos da hiperinflação.

É triste comprovar como conceitos tão importantes como estes são tão ignorados ou tão mal entendidos hoje em dia. Antes que qualquer outra matéria, a Economia, e principalmente, o significado do dinheiro, deveria ser a primeira disciplina a ser ministrada na rede de ensino. Contudo, ela é deixada num segundo plano porque não é do interesse de nossos arquitetos econômicos que a população entenda o funcionamento do sistema monetário.

MEDINDO INFLAÇÃO

Como medir o poder aquisitivo do dinheiro?

Ame seu país, mas nunca confie no seu governo.” Robert A. Heinlein

Já sabemos que governos estabelecem uma meta anual de inflação para forçar um ciclo virtuoso. Mas para isso alguma ferramenta tem que ser usada para medir qual é o valor dos preços ou, equivalentemente, qual é o poder de compra do dinheiro. No caso do Brasil, existem vários medidores de inflação, mas o medidor empregado pelo governo para regular a taxa de juros básica é o chamado Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O IPCA consiste em medir o preço de uma cesta ponderada de produtos que são habitualmente consumidos no dia em dia por famílias de renda mensal de 1 até 40 salários mínimos.

Contudo, os medidores de inflação são ferramentas tendenciosas e fáceis de manipular, até porque todo governo que “diz” controlar a inflação é prestigiado por isso. Além disso, em alguns países os salários dos trabalhadores, principalmente funcionários públicos, estão indexados à inflação para evitar perdas de poder aquisitivo. Então, logicamente, é de grande interesse dos governos, pelos motivos que explicamos na seção anterior, ter inflação alta, porém reportar números oficiais baixos.

Os índices de inflação se baseiam em medir mensalmente o preço de uma cesta, cujos produtos, e o peso relativo de cada um nessa cesta, vai mudando. De outro ponto de vista, é como se usássemos uma trena para medir distâncias cuja escala mudasse de um mês para outro. Até teria certo sentido essa mudança, pois é verdade que a demanda dos consumidores vai mudando no tempo, mas com qual critério? Quem estabelece que ou que não entra nessa cesta e com qual proporção? Efetivamente, os métodos para medir inflação carecem de qualquer rigor.

Um exemplo desta falta de critério acontece quando um produto particular sobe de preço. Nesses casos, os consumidores procuram produtos substitutos (por exemplo, carne de ave em troca da carne bovina) e a cesta de produtos usada para medir os preços é alterada, removendo esse produto particular que encareceu ou baixando seu peso nessa cesta. Entretanto, o fato desse produto particular se tornar mais caro já é um sinal local de inflação. Sinal, porém, que é removida da estatística com a desculpa de que esse produto não é mais consumido. Outra opção alternativa é o governo usar suas próprias agências públicas de regulação para proibir e punir tais subidas específicas, o qual também camufla pressões inflacionárias.

Curiosamente, nem sequer as medidas de índices de preços são comparáveis entre países, pois cada um tem seus próprios critérios. Por exemplo, nos EUA alguns produtos da cesta possuem um parâmetro de qualidade associado, o qual introduz ainda mais subjetividade na medida. Que significa um produto melhorar de qualidade? Como é medido o aumento do prazer que um produto fornece? Essa falta de rigor leva ocasionalmente a resultados contraditórios: produtos que encarecem, mas que, devido a “um aumento da qualidade fornecida por esse produto”, ele é reportado como mais barato que seu preço real de mercado. O viés que esta metodologia introduz para reportar uma inflação baixa é iniludível, pois todos os produtos sem exceção aumentam de qualidade dentro da conjuntura atual de contínuo progresso tecnológico.

De maneira geral, os índices de preços são ferramentas de medida subjetivas, não universais e também relativas. De fato, elas são localmente limitadas, pois os índices de preços medem como tais preços oscilam em relação à moeda nacional, mas não medem como, por sua vez, essa moeda nacional se valoriza ou se desvaloriza respeito a outra moeda estrangeira, a qual também se desvaloriza.

Por todos estes motivos, as ferramentas básicas que os governos usam para medir os preços são adequadas para eles, mas não para a população. Cabem então as seguintes perguntas: como podemos medir absolutamente o preço dos produtos? Ou, alternativamente, como podemos medir absolutamente o preço do dinheiro para depois, com base nele, medir o preço dos produtos?

A resposta está no ouro, pois o ouro é ativo sobre o qual o sistema monetário contemporâneo foi construído. É importante entender esse processo e para isso temos que nos adentrar na história do dinheiro.

 

Artigo anteriorEPÍLOGO
Próximo artigoA grande fraude da vacina
Borja Ruiz Reverter
é físico com mestrado e doutorado em física pela Universidad de Granada (Espanha). Sua formação é na área de micrometeorologia e turbulência de fluidos, de onde passou a se interessar por áreas correlatas como complexidade, auto-organização e fenômenos cooperativos, incluídas as interações econômicas. Nas horas vagas foi trader, empresário, devorador de livros, e atualmente é professor permanente na Universidade Federal da Paraíba - Campus II, onde de maneira intercalada ministra disciplinas de Física Geral, Biofísica, Mecânica, Eletromagnetismo e Física Experimental. Borja é um apaixonado pelas criptomoedas, pois elas lhe fizeram entender o que significa o dinheiro e como este é usado como uma ferramenta de manipulação de massas, e seu objetivo profissional é divulgar ciência de um ponto de vista holístico.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui