Pelo próprio nome, a liberdade acadêmica pareceria bastante inócua. Certamente, os “acadêmicos”, como qualquer outra pessoa, devem ter liberdade – liberdade de expressão, liberdade de viajar, liberdade de entrar e sair de um emprego -, as liberdades usuais de que todo mundo goza. Mas não é isso que se quer dizer com o termo “liberdade acadêmica”. Ao contrário, ele tem um significado muito especial – a liberdade de dar a matéria da maneira que (o acadêmico) bem entender, apesar de quaisquer desejos em contrário que seu empregador possa nutrir. Portanto, a “liberdade acadêmica” proíbe o empregador de demitir o professor, contanto que este ensine a matéria, não importando o quão discutível seja sua prática docente.
Agora, essa é uma doutrina muito especial; espetacular mesmo. Consideremos o que aconteceria, se fosse aplicada a praticamente qualquer outra ocupação – obras sanitárias ou encanamentos. A “liberdade do encanador” consistiria do direito de instalar canos e equipamentos de encanamento da forma que achasse melhor. E daí que o cliente quisesse seu encanamento feito de forma diferente da do julgamento profissional do encanador? Sem a doutrina da “liberdade do encanador”, o encanador teria, é claro, a liberdade de recusar o serviço. Mas sob a doutrina da “liberdade do encanador”, ele não teria de rejeitá-lo; ele teria o direito de pegar o serviço e fazê-lo sua moda. Teria o direito de dizer que suas opiniões deveriam prevalecer, e o cliente não teria o direito de dispensá-lo.
A “liberdade do motorista de táxi” garantiria aos motoristas o direito de irem aonde quisessem, independentemente de para onde os clientes que os estivessem pagando quisessem ser levados. A “liberdade do garçom” daria ao garçom o direito de escolher o que você iria comer. Por que os encanadores, os garçons e os motoristas de táxi não poderiam ter uma “liberdade vocacional”? Por que esta deve ser reservada aos acadêmicos?
Basicamente, a diferença que se diz existir entre essas vocações e a acadêmica, é que a acadêmica exige livre investigação, direitos irrestritos de expressão e o direito de seguir ideias, aonde quer que elas levem. Essa alegação e essa distinção são feitas, naturalmente, pelos acadêmicos. Além de ser censuravelmente elitista, falta a esse argumento um ponto importante, que não diz respeito ao quê a atividade intelectual envolve: a impropriedade de a “liberdade vocacional” sustentar o “direito” do empregado a um emprego à base de requisitos puramente formalistas, independentemente das vontades e desejos dos clientes e dos empregadores.
Havendo aceitação do argumento elitista de que às profissões “intelectuais” deve ser atribuída uma liberdade inadequada a outras profissões, como ficariam outras que se qualificam como “intelectuais”? E a “liberdade médica” para os médicos, a “liberdade jurídica” para os advogados, a “liberdade artística” para os artistas etc.? A “liberdade médica” poderia dar aos médicos o direito de fazerem cirurgias quer os pacientes aprovassem ou não. Impediria os pacientes de dispensarem os médicos cujos procedimentos aqueles desaprovassem? A “liberdade do artista” daria aos artistas o direito de cobrarem pela arte que não se quis nem se apreciou? Considerando a forma como opera a “liberdade acadêmica”, todas essas perguntas têm de ser respondidas afirmativamente. Estremecemos com a possibilidade de essas liberdades serem concedidas a químicos, advogados ou políticos.
O que realmente se debate na questão da “liberdade acadêmica” é o direito dos indivíduos fazerem contratos livremente uns com os outros. A doutrina da liberdade acadêmica é uma negação da inviolabilidade de um contrato. As vantagens são contra o empregador e cristalizam a situação a favor do acadêmico. Isso lembra nem mais nem menos o sistema medieval de corporativismo, com suas restrições, protecionismo e o fomento de um sistema de castas.
Até aqui, implicitamente foi presumido que as escolas e universidades eram particulares, e o argumento foi o de que a liberdade acadêmica chega a ser uma violação dos direitos dos donos dessas propriedades.
Mas praticamente todas as instituições de ensino nos Estados Unidos são controladas pelo governo, ou seja, são propriedades roubadas. A liberdade acadêmica pode, por isso, ser defendida, em virtude de que ela é, talvez o único artifício através do qual o controle sobre o sistema educacional pode ser, pelo menos em parte, arrancado à classe dominante ou elite do poder que o controla*. Admitindo-se como verdadeira essa alegação, em razão de tal argumento, eis aí uma poderosa defesa da liberdade acadêmica.
Neste enfoque, não seria o inocente estudante-consumidor quem está sendo fraudado sob o pretexto de liberdade acadêmica; pois não é o inocente estudante-consumidor quem está, no momento, sendo forçado a continuar empregando um acadêmico cujos serviços ele não quer. Seria a não inocente classe governante quem está sendo forçada a isso. Se a teoria da classe dominante está correta, os acadêmicos com opiniões favoráveis à classe dominante nada têm a ganhar com a liberdade acadêmica. Eles serão mantidos no emprego de qualquer forma. O acadêmico com pontos de vista não submissos à classe dominante e somente ele, é que se beneficia. Ele ganha com a liberdade acadêmica, porque ela impede que os empregadores da classe dominante o demitam por razões ideológicas ou outras não ligadas a formalidades.
A liberdade acadêmica, como tal, pode ser considerada uma fraude e um roubo, porque nega aos indivíduos o direito a contratos livres e voluntários. Mas que um meio tão “ruim” também possa ser usado para bons fins, não é de causar qualquer surpresa.
*Veja The higher circles, de G. William Domhoff, Ramdom House, 1970, (NA.)