[Um grupo de empresários, estudantes, intelectuais, juristas e políticos lançou uma Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito. Segue uma Carta alternativa.]
Em julho de 1932, eleições democráticas tornaram pela primeira vez o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista, o maior partido no parlamento alemão, o Reichstag. Esta posição foi confirmada em outra eleição federal em novembro do mesmo ano. Em seguida, Paul von Hindenburg, o então presidente alemão democraticamente eleito, recebeu uma carta assinada por diversos líderes empresariais e pessoas influentes pedindo que ele indicasse Adolf Hitler como chanceler. Este, além do forte apoio democrático, contava também com a colaboração da grande imprensa, inclusive de jornais judeus, que acusavam de paranoia conspiracionista aqueles que temiam que Hitler impusesse um regime totalitário com práticas antissemitas. O gabinete nazista começa a suprimir liberdades civis e mesmo assim obtém uma vitória democrática nas eleições federais de março de 1933. Após a morte de Hindenburg, em agosto de 1934, foi realizado um referendo democrático para decidir se Hitler acumularia os papéis de chefe de governo (chanceler) e chefe de Estado (presidente), que também o tornaria comandante-em-chefe das Forças Armadas. Hitler obteve 90% de votos favoráveis e terreno livre para se tornar um ditador. Como disse o professor Olavo de Carvalho, todo poder emana do povo e contra ele será exercido.
Todo nosso edifício civilizatório está filosoficamente amparado na tradição de Sócrates e teologicamente fundamentado na moral de Jesus Cristo. Ambos foram assassinados injustamente, mas em observância dos clamores democráticos. A maioria pediu que eles fossem mortos, sempre agindo conforme os interesses de uma elite, sejam dos políticos corrompidos de Atenas ou dos hipócritas e legalistas fariseus. Se a verdade e o senso moral geram liberdade e coesão, os números democráticos que substituem estes fatores geram servidão e cizânia. A democracia é o exato oposto do livre mercado. Neste, as pessoas valem-se de sua propriedade privada para servir às necessidades alheias enquanto naquela a turba se apropria da propriedade alheia para servir-se. Neste processo, a virtude é substituída pelo vício e a cooperação é trocada pela guerra constante entre setores da sociedade. Todavia, não é uma guerra militar, onde apesar do morticínio, há algum espaço para heroísmo, sacrifício, coragem e honra. O conflito de todos contra todos promovido pela democracia é frio como a burocracia e consumista como um verme parasita. É o talho das virtudes. É uma dialética entre a covardia do homem-massa e a demagogia dos sofistas onde as piores facetas do individualismo crasso e do coletivismo intolerável são exacerbadas até que o homem deseje mais ardentemente o fracasso alheio que a própria libertação.
Foi Platão quem percebeu que democracia e tirania andam juntas. A diferença entre a substituição da razão moral pela superioridade numérica democrática ou daquela pela vontade absoluta de um soberano é que no primeiro caso o povo pensa que é livre. Tucídides conta de como o povo ateniense era manipulado e ludibriado por Péricles, o líder populista de Atenas que levou a cidade à ruína na Guerra do Peloponeso. Não obstante, ele foi reeleito. Sempre haverá uma elite dominante, mas numa democracia ela sempre será mentirosa para dar a impressão de que os cidadãos são iguais, e ao igualá-los pelo voto, os rebaixa a menos que a mediocridade e os nivela por baixo, pois é impossível criar virtude artificial.
As medidas necessárias à restauração civilizacional nunca são populares, pois se algo moral e verdadeiro é popular, significa que ainda não foi destruído e não precisa ser restaurado. Por vezes, contudo, é preciso ser defendido contra aqueles que aproveitaram a letargia democrática para aparelhar as instâncias formais e informais e que estão dispostos a atropelar até mesmo as regras da mesma democracia que lhes cumulou de poderes, para atingir patamares totalitários. Não sacrifiquemos verdade, moral, honra, justiça, beleza, bondade, tradição, prosperidade, segurança, e liberdade no altar daquilo que se considera democrático. Regimes políticos sempre foram meios e não fins em si mesmos como os adoradores da democracia pretendem que ela seja. Hans Hoppe a chama de deus que falhou. Mas o nome correto seria governo do diabo.
Machado de Assis rezava para que o sistema republicano nunca chegasse ao Brasil pois seria o dia em que nasceria a mais insolente das aristocracias. Joaquim Nabuco afirmou que quanto mais próximo da barbárie estivesse o país, mais desinteresse teria pela monarquia. Chegamos a um período em que discutir intelectualmente as falhas da democracia, como neste artigo que é do âmbito da filosofia política e não da militância ou da propaganda, se tornou uma atividade perigosa, comprovando assim a razão dos críticos deste regime. Vejamos, porém, nossos vizinhos. Hugo Chávez, falecido ditador venezuelano, foi eleito democraticamente e por todas as vias legitimadas pela democracia implementou um regime assassino que mata seu povo de fome e de tiro. Seu sucessor Nicolás Maduro perpetua a distopia de terror enquanto recebe elogios de Luiz Inácio Lula da Silva, que o qualifica como grande democrata. Neste ponto, Lula acerta.
A ditadura, o socialismo, o terrorismo, o horror revolucionário, a supressão dos direitos naturais, as perseguições injustas e os crimes de Estado não são a antítese da democracia mas costumam ser seus corolários. Alternativamente, a ordem, a propriedade privada, as liberdades individuais e as instituições fundamentais da civilização ocidental requerem proteção contra os caprichos das massas e da sede de poder de seus manipuladores.
Viva o direito natural e o livre mercado!
Muito bom.
Excelente artigo!