Praxeologia e a Análise Legal: Ação vs. Comportamento
Para libertários, o propósito de um sistema legal é o de estabelecer e aplicar regras para facilitar e apoiar interações pacíficas, livres de conflitos entre indivíduos. Em suma, a lei deve proibir a agressão. Em virtude de a agressão ser um tipo particular de ação humana – ação que intencionalmente viola ou ameaça violar a integridade física de outra pessoa ou de sua propriedade sem o consentimento dessa pessoa –, ela pode ser adequadamente proibida apenas se a lei for baseada em um entendimento claro da natureza da ação humana em geral.
Praxeologia, a teoria geral da ação humana, estuda as características universais da ação humana e delimita as implicações lógicas do fato inegável que humanos agem. (Mises 1966, pp. 15–16, 480; e 1978; Hoppe 1995). Praxeologia é um aspecto central da economia austríaca, a parte melhor elaborada até aqui da ciência da praxeologia. (Mises 1966, p. 3). Entretanto, outras disciplinas podem se beneficiar dos insights da praxeologia. Hans-Hermann Hoppe já estendeu a praxeologia para o campo da ética política (Hoppe 1989b, cap. 7). A já mencionada disciplina da teoria legal, que também consiste nas implicações éticas da ação humana, também pode se beneficiar dos insights da praxeologia.
No contexto da análise legal, uma doutrina praxeológica importante é a distinção entre a ação e o mero comportamento. A diferença entre ação e comportamento se resume à intenção. Ação é intervenção individual intencionada no mundo físico, através de certos meios selecionados, com o propósito de atingir um estado de coisas que é preferível às condições que iriam prevalecer na ausência daquela ação. Mero comportamento, em contraste, consiste em movimentos físicos de uma pessoa que não são feitos intencionalmente e, portanto, não manifestam qualquer plano, propósito ou design. Mero comportamento não pode ser agressão; agressão precisa ser deliberada, precisa ser uma ação.
Para melhor entender a distinção entre ação e comportamento, nós devemos focar no papel da causalidade na explicação de cada um desses. Ação humana envolve a causalidade de dois modos. De um lado, ação humana requer que relações causais invariáveis no tempo governem o mundo físico; de outro modo, não se poderia dizer que um determinado meio atingiu um resultado desejado. “Como nenhuma ação poderia ser concebida e tentada sem ideias definidas sobre a relação de causa e efeito, a teleologia pressupõe causalidade” (Mises 1978, p.8).
Por outro lado, a ação humana requer que essas relações causais invariáveis no tempo sejam entendidas e exploradas por um indivíduo cujas ações não são elas mesmas sujeitas a relações causais invariáveis no tempo; de outro modo, não haveria nada para distinguir a ação humana das forças naturais cegas. Em tal mundo, leis seriam desnecessárias, porque ninguém poderia ser considerado responsável por suas ações – seres humanos não seriam agentes, mas conduítes passivos de processos mecânicos.[1]
Em alguma extensão, claro, todos os seres humanos são justamente isso. Nem tudo o que fazemos é intencional; nós também exibimos meros comportamentos (i.e., não propositais). Nossos corações batem, nossos olhos piscam e caímos no sono – tudo isso sem qualquer intenção de nossa parte. Mas, nesses casos, nós podemos entender o comportamento em termos de causas físicas invariantes no tempo. Não há a necessidade de aplicar o conceito de um agente escolhendo deliberadamente e empregando meios com o propósito de atingir um fim desejado. Nós podemos entender o comportamento humano exatamente da mesma forma que podemos entender qualquer processo natural não humano (i.e., não teleológico). Mas, diferentemente da maioria dos processos naturais, os seres humanos são capazes de mais do que meros comportamentos. Eles são também capazes de ações, de comportamentos propositados.
Como teóricos da lei, então, nós não podemos aceitar uma paisagem completamente mecanicista do mundo. A teorização sobre a lei está preocupada com as implicações éticas da ação. Ela pergunta se um agente deve ou não ser responsabilizado pelas consequências de suas ações. E indicar que alguém é responsável pelas consequências de suas ações significa implicitamente invocar os dois tipos de conceitos de causalidade expressados acima. Para que de algum modo haja consequências em primeiro lugar, o mundo físico precisa ser governado por relações causais invariáveis no tempo. E para tomar um agente como responsável por essas consequências, nós precisamos determinar que elas podem ser rastreadas até o seu próprio uso deliberado de meios para alcançar um resultado desejado: sua “ação” não pode ser ela mesma apenas uma resposta meramente mecânica a estímulos físicos; ele é o autor, ou a “causa”, dos resultados alcançados. Em outras palavras, como a economia austríaca, a teoria legal precisa pressupor tanto causalidade invariável no tempo (um agente não poderia empregar meios para atingir seu objetivo caso fosse de outra forma) quanto causalidade dependente de agência na qual o próprio agente é a causa dos resultados que ele intentou alcançar com o uso de certos meios (o agente não estaria agindo de outro modo).
A lei, então, ao proibir agressões, está preocupada em proibir ações agressivas – violações não consensuais de vínculos de propriedade que são o produto da ação deliberada. Analisar a ação utilizando-se do ponto de vista dessa estrutura praxeológica é essencial.
AGRESSÃO E O CONCEITO IMPLÍCITO DE CAUSALIDADE
Bater em alguém sem permissão é um exemplo do tipo de agressão que libertários se opõem. Se é ilegal bater em alguém, no entanto, isso significa que é ilegal fazer com que outra pessoa sofra do mesmo, isso significa dizer que é ilegal usar objetos físicos, incluindo o próprio punho, de um modo que irá causar contato físico não desejado com outra pessoa. Portanto, se A intencionalmente (e sem permissão) bater em B, ele pode ser responsabilizado pela ação – a agressão pode ser imputada a ele e ele pode ser legalmente punido por ela – porque a decisão de A de bater em sua vítima não estava condicionada por leis físicas estritas. Foi um ato de volição. A – não uma força impessoal da natureza, e não outra pessoa – foi a causa da agressão contra B. A agressão realizada por A é uma ação.
A questão geral para os libertários é, então, se um agente particular, por meio de sua ação, intencionalmente causou o resultado proibido – um cruzamento sem permissão de uma fronteira. Implicitamente, a proibição libertária sobre a iniciação da força é uma proibição sobre causar deliberadamente uma intrusão indesejada.
No caso que a ação de A – não o mero comportamento – seja a causa da agressão contra B, podemos simplesmente dizer que “A matou B”. Porém, se destrincharmos essa afirmação, nós usualmente descobriremos que A não matou B de forma direta; algum meio intermediário foi empregado para alcançar tal fim. A ação não é apenas intencional; é o uso intencional de meios para atingir um fim desejado. Por exemplo, A deliberadamente carregou sua arma, deliberadamente apontou a arma para B e então deliberadamente apertou o gatilho, fazendo com que a bala fosse descarregada no coração de B. Por que dizemos que A matou B? Por que não dizemos que a bala matou B, enquanto A meramente apertou o gatilho? Por que conectar a ação de A de apertar o gatilho com o dano resultante a B? Em alguns contextos, é claro, a ação de A seria irrelevante. Para o médico legista conduzindo uma autópsia por exemplo, a bala é a causa da morte de B, e aquele que atirou e porque atirou está além de sua consideração. Mas isso não muda o fato que no contexto legal nós rastreamos a cadeia de causação até a ação intencional de A de apertar o gatilho. Existe, por fim, uma conexão causal entre a ação imediata e os meios empregados por um lado e as consequências prejudiciais por outro.[2]
Em termos praxeológicos, nós podemos dizer que o objetivo de A, ou seu fim, era o de matar B; ele selecionou meios – a arma – calculados e designados, de acordo com as conhecidas leis de causa e efeito do mundo físico, para alcançar tal objetivo. A ação de A pretendia causar a morte de B e a ação empregou meios que, de fato, resultaram na morte de B. Como um resumo, dizemos que A matou B, mas implicitamente está sendo levado nessa consideração que A empregou uma ação intencional empregando meios e explorando leis causais para alcançar um resultado desejado.[3]
Nessa altura, nós podemos querer revisitar a questão da intenção. Por que deveríamos nos preocupar com a intenção de A? Se nós determinarmos objetivamente que as ações de A causaram a morte de B, o que importaria se A tinha a intenção de o fazer – ou se A tinha intenção de fazer qualquer coisa?
A intenção importa porque sem intenção não há ação e sem ação não há um agente para quem se imputaria a responsabilidade legal. Se A não tinha a intenção de fazer qualquer coisa, então não podemos determinar se as ações de A causaram a morte de B – porque A não tomou qualquer ação. A intenção é um ingrediente necessário para a ação humana; se não há intenção, então não há ação, apenas comportamento: movimentos físicos involuntários guiados por relações causais determinísticas.
O papel da lei numa sociedade livre é proteger os direitos de não-agressores e, onde esses direitos forem violados, compensar as vítimas e punir os agressores. Mas agressão precisa ser intencional – de outra forma, não há razão para atribuir a agressão a um determinado agente humano ao invés de a uma força natural impessoal. Para a pessoa A ser a causa da morte de B, B precisa ter morrido como um resultado de uma série de eventos iniciados pela ação deliberada de A. Se, por outro lado, B morrer como resultado de uma série completamente desconectada com qualquer ação volitiva, então não há alguém a ser punido. Ninguém causou a morte de B. Punir os comportamentos não intencionais de A seria a mesma coisa de punir um raio pela destruição de propriedade privada ou punir uma enchente por uma invasão. A pode matar B, enquanto um raio (ou uma enchente, ou uma onça, ou um reflexo humano involuntário) não pode.
PUNINDO A AGRESSÃO
Tem ainda outra razão intimamente relacionada do porquê de a intenção importar para a atribuição de culpabilidade criminal. Um criminoso culpado – ou seja, um agressor – pode ser legalmente punido. Ou, para pôr a questão de outra forma, um agressor não pode objetar de forma significativa quando sua agressão é respondida com força física como resposta. Afinal, suas ações agressivas demonstraram conclusivamente que ele não acha o uso de força física não-consensual algo objetável. Para usar termos da common law, nós podemos dizer que em virtude de sua própria violência contra outros, um agressor é “estopped” de objetar ao uso (proporcional) de violência contra ele mesmo.[4] Mas, punir alguém é engajar em um ato intencional. Como um ato intencional, punição é apenas justificada em resposta a um ato intencional de violência. Nem um movimento não intencional nem um ato intencional não-agressivo podem justificar o uso da força. Nós podemos punir A se ele intencionalmente ataca B, mas não se B é atingido por um raio; e nós podemos punir A se ele intencionalmente atira em B com uma arma, mas não se ele fotografa B com sua câmera. Se nós punirmos A por uma ação não agressiva, então nós nos tornaremos agressores — porque a ação não agressiva não pode “estoppar” A de criar uma objeção coerente ao uso da força contra ele. Além do mais nós podemos dizer que quando um agressor intencionalmente e sem permissão tenta prejudicar a integridade física de outra pessoa ou propriedade, ele dá a sua vítima o direito de punir ele, porque ele não pode mais retirar seu consenso de que força física seja usada contra ele em resposta.
COMPLICANDO O CENÁRIO: CAUSALIDADE, COOPERAÇÃO E MEIOS HUMANOS
Comparado a muitos casos do mundo real de assassinato, o exemplo anterior em que A deliberadamente atira em B é simples e direto. Afinal, A escolheu como meio para agredir B uma arma — um objeto inanimado imerso em uma rede de relações causais, mas incapaz de iniciar uma sequência causal por conta própria. Como o bem conhecido slogan diz, armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas. Então existe pouca dificuldade em determinar a responsabilidade moral e legal de A no assassinato, porque apenas A engajou em uma ação. Apenas A fez uma escolha para a qual culpa moral e legal possa se vincular. Os meios que A empregou – a arma e sua munição – eram objetos físicos completamente conectados a leis causais.
E sobre ações envolvendo outros humanos? Como Mises notou:
Um meio é aquilo que serve para alcançar algum fim, objetivo ou alvo. Meios não estão no universo dado; neste universo apenas existem coisas. Uma coisa se torna um meio quando a razão humana planeja empregá-la para o atingimento de algum fim e quando a ação humana realmente a emprega para esse propósito. O homem pensante vê a servicibilidade das coisas, i.e., a habilidade delas de prover para seus fins, e o homem agente faz delas meios. […] É o significado humano e a ação que transforma elas em meios. (Mises 1966, pp. 92)
Nesses comentários acima, Mises está primariamente preocupado com o uso de recursos escassos não-humanos como sendo as coisas empregadas enquanto meios. Mas não há razão pela qual outros humanos não podem ser os meios de alguém. O que mais significaria “empregar” um trabalhador ou cooperar com outros para produzir riqueza? De fato, como Mises aponta no Socialismo:
Nos meios de produção os homens servem como meios, não como fins. Pois a teoria social liberal prova que cada homem vê todos os outros, antes de qualquer coisa, como meios para realização dos seus propósitos, enquanto ele mesmo é para todos os outros um meio para a realização dos propósitos deles; que por fim, por essa ação recíproca, na qual todos são simultaneamente meios e fins, o alvo mais alto da vida social é alcançado — a conquista de uma existência melhor para todos. (Mises 1981, p. 390; ênfase adicionada)
Ao analisar a ação pelas lentes da estrutura praxeológica de meios e fins para determinar se algo equivale a uma agressão, nós perguntamos se o autor empregou meios para alcançar o fim de invadir as fronteiras da propriedade de outra pessoa ou de seu corpo – em outras palavras, nós perguntamos se ele causou a invasão de fronteiras. Os meios empregados podem ser meios inanimados ou não-humanos governados apenas por leis causais (como uma arma), ou podem incluir outros humanos que empregaram meios para alcançar o fim ilícito desejado. A última categoria inclui tanto humanos inocentes que alguém emprega para causar uma invasão de fronteira quando humanos culpáveis que alguém conspirou com (cooperou) para alcançar o fim ilícito.
Considere o seguinte caso em que um agressor empregou um humano inocente como um dos seus meios. Um terrorista constrói uma carta explosiva e envia para sua pretensa vítima por correio. O carteiro não tem ideia de que a correspondência que ele está entregando contém um dispositivo letal. Quando o destinatário morrer em uma explosão depois que ele abrir o pacote, quem deve ser responsabilizado? A resposta óbvia: o terrorista. Por que não o carteiro? Afinal, o carteiro estava causalmente conectado com o assassinato. Mas porque ele não sabia que estava carregando uma bomba, ele não tinha a intenção de agredir a vítima. Ao invés disso, ele estava conectado ao assassinato apenas como sendo seu meio. Quando a bomba explodiu, foi a ação do terrorista, e não do carteiro, que foi completada. O carteiro simplesmente entregou a carta. O terrorista, em contraste, intencionalmente usou meios – os materiais da bomba, mas também a ação “inconsciente” do carteiro – para causar a morte da vítima.
De fato, até as ações da própria vítima tem um papel aqui, nesse cenário – afinal, ele abre o pacote, “causando” que explodisse. Nós não hesitaríamos em dizer que o terrorista matou a vítima, mesmo com um lapso de tempo entre as ações iniciais do terrorista e o seu resultado pretendido, e mesmo que as próprias ações volitivas da vítima tenham sido parte da cadeia de eventos. Mas por que não culpar a vítima ? Afinal, ele foi aquele que ativou a bomba ao abrir o pacote.
A lei reconhece há muito que uma pessoa acusada de um crime ou delito não é responsável se o dano foi realmente causado por um “ato interventor” que quebra a cadeia da conexão causal entre as ações dos acusados e o dano que ocorreu. A ideia é que o ato interventor foi a verdadeira causa do dano causado. Usando ostensivamente o mesmo raciocínio, alguns libertários iriam manter que, no caso acima, a pessoa intermediária, uma vez que ela tem livre arbítrio, realiza atos interventores que quebram a cadeia de conexão causal entre o terrorista e as ações cometidas pela pessoa intermediária.
Esse raciocínio implica que os humanos não podem ser meios para as ações dos outros. Mas essa premissa é insustentável. Se uma intervenção irá quebrar a cadeia de causalidade e absolver ações anteriores de culpa, então nessa teoria o terrorista seria solto porque suas ações de construir uma bomba estão separadas da explosão resultante por pelo menos duas ações de vontade interventora. Afinal, o terrorista não colocou o pacote explosivo na mão da vítima – o carteiro fez isso. Mas espere – o carteiro também não cometeu assassinato, porque a vítima foi quem escolheu abrir o pacote. Então sua morte só poderia ser atribuída a sua própria ação intencional. Significa que ele não é uma vítima de um assassinato de forma alguma; ele cometeu suicídio! Mas claramente essa conclusão absurda coloca em questão a noção de que o uso de um humano para alcançar um fim de outro absolve a responsabilidade do outro pelos resultados. Claramente, o terrorista é responsável pela morte da vítima nesse caso. Isso é dizer que ele causou a morte da vítima.
Mesmo a lei reconhece que uma força interventora apenas quebra uma cadeia de conexões causais quando ela é imprevisível. Como provê a reformulação das leis, “A intervenção de uma força que é uma consequência normal de uma situação criada pela […] conduta [do agente] não é uma causa substitutiva do dano que tal conduta tenha sido um fator substancial para que ocorresse.” (Restatement (Second) of Torts 1965, § 443, 1965). Claramente, quando o terrorista nesses casos usa um carteiro para entregar a carta-bomba, não é imprevisível que a vítima a irá receber; e não é imprevisível que a vítima irá abrir a carta.
Nós alegamos que o caso de uma violação de fronteira intencional ser levada adiante através de humanos agentes em oposição a ser levada exclusivamente por meio de meios inanimados não nos traz problemas praxeológicos especiais. Tenha o terrorista entregue a bomba para sua vítima diretamente ou através de um terceiro inocente, a análise legal permanece a mesma. Nós analisamos para ver quem empregou meios intencionalmente para causar uma intrusão contra outra pessoa. Nesse caso, o (inocente) carteiro foi o meio do terrorista de matar sua vítima. E é simplesmente confuso declarar, como alguns fazem, que o terrorista nesse caso não é a causa do assassinato porque a cadeia de causalidade foi “quebrada” por atos “interventores” de outro humano (o carteiro) com livre arbítrio. Os atos do carteiro não absolvem o terrorista, pelo contrário, eles o incriminam, uma vez que ele usou o carteiro e suas ações para causar dano para a vítima.
Nos casos mencionados acima, apenas partes inocentes – o carteiro, ou a própria vítima – foram empregadas como meios para o malfeitor cometer uma agressão. Embora nesse caso a análise encontre o terrorista como o único responsável pelo assassinato, não será sempre o caso que o ato da agressão “pertença” a uma única pessoa. Por exemplo, considere um roubo a banco em que no qual existem inúmeros participantes. Um deles dirige o carro de fuga; outro controla a multidão; um terceiro direciona a ação por meio do walkie-talkie; e um quarto realmente rouba o dinheiro. Aquele que toma a força o dinheiro que não o pertence é claramente culpado de roubo. Mas, muitos libertários concordariam que seus companheiros não são menos culpados. Muitos libertários reconheceriam isso como uma conspiração criminal “simultânea” que rende a todos os participantes independente e mútua responsabilidade. E essa também é nossa conclusão. Mas como podemos justificar essa conclusão, na medida em que apenas uma única pessoa de fato tomou posse do dinheiro roubado?
A chave é a causalidade. Cada um desses agentes tinha o objetivo de que a propriedade do banco e dos consumidores do banco fosse retirada e cada um deles empregou meios – incluindo uns aos outros – para obter essa finalidade. Em outras palavras, cada um dos ladrões de banco foi parte de uma conspiração que foi a causa do roubo. Cada um deles teve a intenção de atingir, e empregou meios para tal, um fim ilícito.[5]
Considere o seguinte exemplo. Um insatisfeito, A, compra um tanque de controle remoto. Com seu controle remoto ele pode dirigir o tanque e disparar seu canhão. Ele direciona o tanque para explodir as paredes da casa do vizinho, destruindo a casa e matando seu vizinho. Ninguém poderia negar que A é a causa da morte e que é culpado de assassinato e invasão. Entretanto, depois do ataque, uma escotilha abre no tanque e um anão pula para fora. Acontece que, você pode ver, o anão podia ver em uma tela quais botões eram pressionados no controle remoto e que ele estava operando o tanque de acordo. Nós alegamos que A é igualmente responsável nos dois casos. Do seu ponto de vista, o tanque era uma “caixa preta” que ele usou para obter seu fim, independente de se havia alguma vontade humana em algum lugar da cadeia de causalidade. (Claro, o anão do mal também é legalmente responsável.)
Os exemplos acima devem ser suficientes para mostrar que o simples fato de que a ação de uma pessoa é medida através de outras pessoas não significa que ele não deveria ser responsabilizado por elas. O motorista no carro de fuga é responsável pelo roubo porque ele intencionalmente engajou em uma conspiração criminal “simultânea” para cometer esse roubo. E como nós vimos, a conspiração não precisa ser sequer simultânea. No exemplo do terrorista, a bomba não detonou até bem depois que o terrorista a entregou para o carteiro. Ainda assim, ele usou o carteiro como um “parceiro” não intencional numa conspiração temporal para matar a pretendida vítima. Em situações como essa, outros agentes humanos, incluindo a vítima, podem ser meios para um fim. Isso deve ser enfatizado, claro, como uma regra geral: é uma análise caso-a-caso. Se uma determinada pessoa é considerada como estando “dentro” ou “fora” da conspiração – um agente intencional ou um inocente desavisado – dependerá das circunstâncias que estão ao redor de um caso particular.
Geralmente, de qualquer forma, a posição libertária é que o que não é permissível – e apropriadamente punível – é a ação que é agressão. Isso significa ação caracterizada pela seguinte estrutura: o agente intencionalmente empregou alguns meios (que podem ser meros objetos, mas também incluem outros agentes, com ou sem o seu conhecimento) calculados para causar uma invasão das fronteiras físicas de uma pessoa não agressora e ou de sua propriedade.
“MEROS” ATOS DE FALA E AGRESSÃO
Muitos libertários não se opõem a noção de que um agente é a “causa” de um resultado se ele empregar meios não humanos para atingir esse resultado. Entretanto, é usualmente assumido que se outra pessoa é empregada como meio, de alguma forma a “cadeia” de causação é “quebrada”. Por exemplo A de alguma forma persuade C a plantar uma bomba debaixo do carro de B, o que mata B. Libertários com frequência concluem que enquanto C é responsável pelo assassinato de B, A não é, porque as ações de C foram tomadas com livre arbítrio assim quebrando a cadeia de causalidade. Eles argumentam que o que C fez foi assassinato, mas na medida em que A apenas cometeu um ato de fala, então ele em si não agrediu a propriedade de ninguém ou sua autopropriedade.
Essa parece ser a visão de Walter Block . Block (2004, pp. 13–16) segue Rothbard em manter categoricamente que incitar outros a cometer um crime (como num tumulto) simplesmente não é um crime. Ao invés disso, “incitar um tumulto” […] é um exercício puro de um homem de falar sem estar implicado a ele um crime (Rothbard 1998, p. 81, e pp. 113–15). Block aponta que os desordeiros têm “livre arbítrio” (Block 2004, p. 16) — diferente de um objeto inanimado como uma bala — e que então o incitador não é responsável pela multidão.
Rothbard and Block estão assumindo que o desordeiro não pode ser meio do incitador, porque o desordeiro possui livre arbítrio. Ter um outro humano na cadeia de causação quebra a cadeia. Mas como foi explicado acima, não há razão para que outros humanos não possam servir de meios para a ação de alguém. Como Frank van Dun (2003, p. 78) corretamente apontou:
Hitler, Churchill, Roosevelt, Stalin, e sua laia não foram praticamente inocentes usuários da livre expressão num tempo em que muitos de seus compatriotas estavam queimando cidades, vilas e pessoas. O general que, na busca de bodes expiatórios para sua derrota, manda um punhado de soldados para o pelotão de fuzilamento não está exculpado pelo fato de que foram outros soldados quem de fato dispararam os tiros que mataram seus colegas condenados.
Mas Block admite duas exceções para essa regra de que alguém não é responsável pela ação de outros: primeiro, que se alguém forçar outro a cometer um crime pelo uso de ameaças ele é responsável pelo crime cometido (Block 2004, p. 15); segundo, que se alguém pagar a outro para cometer um crime (e.g. assassinato de aluguel) ele é culpado do crime (p. 17). E presumivelmente Block concordaria que o terrorista da carta-bomba é culpado mesmo que ele tenha usado um carteiro inocente e que até mesmo a própria vítima, ao abrir o pacote, tenha exercido um papel em garantir a explosão. Com tantas exceções para a regra de que uma pessoa não é responsável pela ação de outra, a regra em si é questionável.
Mais ainda, essas exceções, especialmente as que se referem a ameaças e pagamento, são ad hocs e não são baseadas em nenhuma teoria geral.[6] Faz mais sentido escrutinar as ações em termos de um framework praxeológico de meios e fins. Esse framework explica todas as “exceções” notadas acima. Em cada caso, o malfeitor tinha um fim proibido em mente (algum tipo de invasão de propriedade), e empregou meios para alcançar esse fim. O fato de que os meios nesses exemplos eram outras pessoas não previnem a ação de ser classificada como uma agressão.
E que tal a defesa de que falas não podem configurar agressão já que elas não realmente invadem as fronteiras da propriedade de outros? É verdade que um ato de fala per se não é um ato de agressão: ele não causa intencionalmente que a pessoa ou a propriedade dela seja fisicamente e não consensualmente infringida.[7] Mas alguns atos de fala podem ser classificados como atos agressivos no contexto em que eles ocorrem porque eles constituem uso de meios do falante calculados para infligir dano intencional. Um exemplo claro é a ameaça do uso da força. A ameaça de esfaquear alguém não realmente fere a pele da vítima, é um “mero” ato de fala, mas ainda é tratada como agressão.
Em outros casos, o ato de falar – comunicar – e outras pessoas com quem o falante se comunica servem como seus meios para alcançar determinado fim. O comandante do pelotão de fuzilamento que grita “Fogo!” é tão responsável pela execução quanto os próprios atiradores são. E isso não acontece porque a palavra dita fisicamente causou a morte da vítima. Sua voz não impulsionou as balas pelo ar – e elas não tinham que impulsionar. Ao invés disso, o comandante do pelotão de fuzilamento é responsável pela execução pelo que o comando “Fogo” significa nesse contexto que foi dito; significa que o comandante tem a intenção de que sua vítima morra e ele está escolhendo empregar meios – seu pelotão de fuzilamento – calculados para alcançar seu objetivo. O comandante do pelotão de fuzilamento não está “meramente” falando; ele está conspirando com os atiradores com o propósito de matar sua vítima. Da mesma forma que o presidente que ordena que uma bomba seja lançada está causando o bombardeio; ele está empregando o piloto e outros subalternos como seus meios. Por ser parte de uma certa organização e ter certos relacionamentos com outras pessoas, por uma questão prática, ele está em uma posição em que pode usar outras pessoas para alcançar seus fins.[8]
Considere o cenário carro-bomba. Quando A persuadiu C a plantar a bomba, suas palavras não fizeram fisicamente o carro de B explodir. E elas também não causaram fisicamente que C plantasse a bomba – C voluntariamente escolheu assim. O fato de que a ação de C foi voluntária, entretanto, não significa que a ação de A – persuadir alguém a plantar uma bomba no carro – não seja ela mesma considerada agressão. Ao contrário, A é um agressor porque suas ações demonstraram a intenção de matar B e o uso de meios calculados apenas para fazer isso. Do que importa se os seus meios escolhidos incluírem outra pessoa e sua vontade interventora?
Para retornar para o exemplo da incitação – para determinar se o incitador é responsável, nós perguntamos se o incitador usou a multidão como seu meio para realizar os atos violentos cometidos pela multidão desordeira. Para a ação do incitador ser considerada agressão, ele deve ter tido intenção de alcançar o resultado proibido; e ele teria que ter escolhido os meios que resultariam no tumulto. Nós não mantemos que o incitador é necessariamente responsável; a questão se torna sobre o contexto e seus fatos específicos. O que nós alegamos é que o incitador não está necessariamente fora da incitação apenas porque os desordeiros tinham livre arbítrio. A questão a ser respondida é: era a multidão um meio do incitador? O incitador foi a causa do tumulto da multidão ou dos seus estragos?
A mesma questão é perguntada em uma variedade de situações: o general matou pessoas, usando suas tropas como meios para seu fim? O administrador usou seu empregado como meio para atender um fim? A esposa matou o marido usando seu amante (ou um assassino contratado) como meio para atingir esse objetivo? Se alguém vota a favor do socialismo (ou fala a favor dele) eles são a causa dos atos de agressão cometidos pelos agentes do estado? Se a testemunha mente no seu testemunho, resultando na pessoa errada ser presa, ela causou danos ao acusado, através de juízes, carcereiros e do sistema jurídico? Em outras palavras, foi a primeira parte causa do resultado que foi cometido de fato por um intermediário?
Embora vá haver alguns casos que serão fáceis, nós não estamos sugerindo que meramente formular essa questão dessa forma faça a resposta correta ser fácil de achar em cada situação. Essas questões devem levar em consideração fatos relevantes e o contexto, e dependem do senso de justiça do juiz ou do júri. Olhar para as ações de um ponto de vista praxeológico, no entanto, nos ajuda a olhar para o lugar certo e perguntar as perguntas certas. Sem dúvida, nos casos em que o agente intermediário é ameaçado, ou pago, pela primeira parte, é mais fácil de ver que a primeira parte é a causa da ameaça ou da ação remunerada.[9] Mas é simplesmente arbitrário restringir causalidade a casos em que o agente intermediário for ameaçado ou pago.
CAUSA DE FATO, CAUSA IMEDIATA E A AÇÃO
Um breve contraste entre teorias legais convencionais e que vigoraram por aqui, antes de focarmos nossa atenção na teoria de Reinach, é bem-vindo aqui. Em geral, na common law, para ser responsabilizado, um agente precisa ser tanto a causa de fato de um resultado proibido, quanto a causa (referente a culpabilidade em sistemas legais continentais) imediata (ou legal).[10] Alguém é a causa de fato de um resultado se “não fossem assim” as ações da pessoa, o resultado não teria ocorrido.[11] Existem vários testes para a causa imediata, mas a ideia é basicamente que os resultados devem ser intencionados, ou de alguma forma previsíveis para o agente e não devem ser muito remotos (nesse caso “imediato” significa próximo ou aproximado) da ação da pessoa. É algumas vezes dito que o resultado deve seguir como uma consequência natural, direta e imediata da ação, sem “causas interventoras” quebrando a conexão entre a ação e o resultado. Por exemplo, a mãe do assassino é causa de fato do assassinato que ela cometeu, porque sem as suas ações (parir o bebê) o assassinato não teria sido cometido. Ainda assim, ela não é causa imediata do assassinato e, portanto, não é responsável por ele.
Em nosso caso, quando alguém pergunta se alguém é a causa de certa agressão, nós estamos perguntando se o agente escolheu e empregou meios para alcançar o resultado proibido. Para ser “causa” nesse sentido, ele deve obviamente ser causa de fato – isso é afirmado pela noção de que os meios empregados estejam “implicando” ou resultando no fim do agente. Intencionalidade é também um fator porque a ação precisa ser intencional para ser uma ação (os meios serem escolhidos e empregados intencionalmente; isso é o agente ter intentado alcançar um determinado fim).[12]
REINACH E A CAUSALIDADE
Reinach (2000) provê um framework para a análise da causalidade legal que, embora empregue uma terminologia diferente, é largamente compatível com a visão influenciada pela praxeologia austríaca apresentada acima.[13] Reinach estabelece:
Cada ação que é uma condição para um resultado é, com respeito ao crime intencional, a causa do seu resultado no sentido da lei penal. … E deve ser dito: se a ação de uma pessoa sã é a condição para um resultado ilegal e se há ao mesmo tempo uma intenção para que esse resultado ocorra, então o agente será costumeiramente punido. […] Causar um resultado significa realizar, através de uma ação, uma condição para o resultado; causar ele intencionalmente significa realizar, por meio de uma ação, uma condição para trazer o resultado à tona. Intenção é então o esforço para alcançar um resultado por meio de uma ação, ou por meio de uma ação. Esse resultado em si pode ser, claro, os meios de outro resultado. A morte de um humano pode ser buscada com a finalidade de obter a herança que o assassino viria a ser herdeiro. Mas o resultado é “esperado”, mesmo quando não é o objetivo final, quando é esperado em virtude de ser o meio para um objetivo final. . . Existem tipos diferentes de “expectativas”: uma pessoa pode ter esperanças, desejo ou medo de um evento. Todas essas são “buscas” por um evento, mas não no sentido que estamos usando. São expectativas “em relação ao destino do fato ao qual a expectativa foi aplicada”; para nós pelo contrário é uma questão de expectativa de um resultado com a consciência de contribuir de alguma forma para a sua ocorrência. Uma expectativa dessa forma é chamada de um ato de vontade. Consequentemente, causar alguma coisa intencionalmente significa cumprir uma condição para um resultado por meio de uma ação, desejando essa condição – claro em combinação com outras condições – para trazer um resultado. . . . Intenção é vontade de resultado. (Reinach 2000, p. 14)
Essa análise é surpreendentemente compatível com o entendimento austríaco da ação. O uso de Reinach de “causa” e “condição” é equivalente a “causa de fato” discutida acima. Reinach sustenta que se uma ação intenciona um resultado a ocorrer (i.e, deseja um dado fim ou objetivo), e “causa” que esse resultado ocorra por meio de uma ação (i.e, emprega meios para atender um fim), então o agente deve ser punido por esse crime.
Usando a análise causal de Reinach, uma pessoa poderia, como na análise apresentada acima, não necessariamente absolver a responsabilidade de alguém apenas porque outro humano foi usado para ajudar a “causa” de um fim ilícito. O artigo de Reinach é cheio de exemplos interesses e esclarecedores e aplicações do framework de causalidade. Em um exemplo empolgante A manda B para uma floresta na expectativa que ele seja atingido por um raio (Reinach 2000, p. 14, also pp. 6, 16–17). Reinach contrasta esse caso com um em que A tem a capacidade de calcular precisamente onde e quando uma arvore seria acertada por um raio e com intenção maliciosa manda B para o lugar onde o raio irá atingir. Nos dois casos, Reinach argumenta, A é a “causa” (nossa causa de fato) da morte de B, já que a morte de B não teria ocorrido sem que A tivesse o enviado a floresta. Ainda assim, Reinach conclui que A somente pode ser punido no segundo caso e não no primeiro. A diferença está contida na intenção de A. No primeiro caso, A espera que B morra, mas trata-se apenas da sua vontade de crer que será assim: ele não tem controle sobre o raio e não tem conhecimento de nenhuma probabilidade objetiva de que o raio acertaria onde acertou.
Em termos praxeológicos, a ação de A em primeiro lugar não pode ser definida como tendo “assassinado” B, porque ele não realmente intentou que B morresse e não empregou quaisquer meios que esperasse que cumprisse esse objetivo. A ação de A não foi calculada para causar dano a B; de fato, A não esperava e não tinha razão para acreditar que B iria morrer como resultado de ir para a floresta. Como Reinach afirma, “não há intenção se o resultado é apenas uma esperança do agente” (Reinach 2000, p. 14). Tanto a visão praxeológica quanto o framework de Reinach são consistentes nesse caso.
No segundo caso, A tinha mais do que uma esperança vazia: ele tem certo conhecimento de que enviar B para a floresta iria resultar em B sendo atingido por um raio. Aqui Reinach vê em A intenção necessária para que ele seja responsabilizado pela morte de B. Da mesma forma, a ação de A agora se torna mais do que simplesmente “enviar B para a floresta.” Com o conhecimento de que enviar B para a floresta irá causar sua morte, a ação de A eleva-se ao nível de “intencionalmente assassinar B”. Isso é porque se A sabe por certo de que enviar B para a floresta irá resultar em sua morte por um raio, então A tem a intenção requisitada para atender o objetivo da morte de B, e suas ações implicam meios (a saber, enviar B para a floresta) para atingir esse objetivo.
Esse exemplo pode ser uma ferramenta útil para separar agressores criminosos dos seus simpatizantes não criminosos. Mais cedo nós apontamos que a regra que autoriza uma pessoa ser responsabilizada pela ação agressiva de outra pessoa é uma regra geral que precisa ser aplicada cautelosamente e em uma base de caso-a-caso. O exemplo do raio pode ajudar a clarear nossas intuições sobre quais ações são agressivas e quais não são. É agressão quando uma pessoa intencionalmente usa outra como meio para uma violação indesejada de propriedade; não é agressão quando uma pessoa apenas espera que uma violação de propriedade ocorra, mas não intencionalmente usa meios para atingir esse fim. O governo de Israel, por exemplo, recentemente assassinou o fundador do Hamas Sheik Ahmed Yassin. Colocando de fora a questão se Yassin é uma vítima inocente ou um merecido alvo, nós podemos com certeza afirmar que existem muitas pessoas — especialmente nos Estados unidos e em Israel — que queriam que Yassin fosse morto. Mas apenas um número bem pequeno de pessoas tinha a intenção de matar Yassin por eles mesmos ou de auxiliar os seus assassinos a fazê-lo. A lição de Reinach com o exemplo do raio é de que pessoas que apenas tinham a esperança de que Yassin morresse ou que se regozijaram com sua morte não são responsáveis por seu assassinato. Eles deram aos seus assassinos suporte e simpatia, mas eles não agiram intencionalmente com o propósito de o matar. O time de assassinos e o próprio governo de Israel que os patrocinou, são responsáveis pela sua morte, mas não os cidadãos cujas opiniões políticas mostraram que eles aprovaram o assassinato.
O resultado é compatível com o framework advogado aqui. Os insights sutis, analises e exemplos providos pelo artigo centenário de Reinach são claramente ainda úteis para construir uma teoria praxeológica sólida de causalidade legal nos dias de hoje.
Artigo original aqui
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REFERÊNCIAS
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Notas
[1] Sobre a impossibilidade de explicar a ação humana em termos de relações causais invariantes no tempo, veja Hoppe (1989a, p. 197; 1989b, pp. 112-13) e Hülsmann (2003, pp 61-64).
[2] Como o Juiz Oliver Wendell notou,
Um ato é sempre uma contração muscular voluntária, e nada mais. A cadeia de sequencias físicas que ela coloca em movimento ou direciona para o dano do reclamante não é parte dela e, muito geralmente, um longo comboio de tais sequências intervêm. [. . .] Quando um homem inicia um assalto e dispara um tiro com uma pistola, seu único ato é contrair os músculos de seu braço e dos seus dedos de uma determinada forma, mas é o deleite de escritores do óbvio apontar para a vasta série de mudanças físicas que tiveram de ocorrer antes que o dano fosse feito. (Holmes 1881, p. 91)
Para uma discussão adicional da causalidade na lei, veja Epstein (1980, cap. 3, “An Analysis of Causation”), Honoré (2001), e o clássico Hart and Honoré (1985).
[3] O aspecto causal de um ato proibido de agressão é, por vezes, explicitado e, por vezes, simplesmente implícito. Por exemplo, é sempre explícito em alguns: e.g., Lei Penal de Nova York sec. 105.05: “Conspiração de quinto grau” que diz: Uma pessoa é culpada de uma conspiração em quinto grau quando a conduta da pessoa constitui a intenção de:
- Um crime (felony) seja performado, e ele concorde que uma ou mais pessoas engajem ou que cause a performance de tal conduta; ou
- Um crime (crime) seja executado, e ele, sendo maior de 18 anos, concordar com uma ou mais pessoas com menos de 16 anos engajarem nele ou causar a performance de tal conduta [ênfase adicionada].
No caso de delitos, a ordem é: não haja de forma impensada de tal forma a causar dano para outros. Em crimes como estupro, assalto e roubo, o aspecto causal pode apenas ser implícito. Mas roubo ocorre, por exemplo, quando o agente causa uma movimentação voluntária (asportation) dos bens roubados. O estupro inclui o crime de causar que o pênis de uma pessoa seja involuntariamente inserido na vítima, e assim segue.
[4] Para uma teoria libertária de punibilidade baseada no insight de que o agressor pode ser punido em virtude de e na medida em que seus próprio uso da violência retira dele uma objeção coerente contra o uso da violência, veja Kinsella (1996).
[5] Alguém poderia também objetar que cada malfeitor é responsável pela sua “parte” do crime. Esses críticos assumem erroneamente que existe alguma porcentagem de 100% de responsabilidade por um crime, que não pode ser compartilhada mutualmente entre múltiplas partes. Mas assim como um criminoso pode prejudicar múltiplas vítimas e não ser capaz de ser punido por, ou restituir para, cada vítima; múltiplos criminosos podem ser completamente e mutualmente responsáveis pelo dano feito a uma vítima. Não tem nenhuma razão para acreditar que existem finitos “pedaços de prejuízo criminoso” a serem distribuídos para múltiplos criminosos que prejudicaram alguém. Suponha que dois criminosos cooperem para roubar $10,000 em propriedade e gastem o dinheiro. Quando eles forem pegos, o primeiro está sem dinheiro e o segundo tem ativos. O segundo deveria ser forçado a pagar $10,000, não apenas metade sob a desculpa de que é seu parceiro que deve os outros $5,000 para a vítima. Porque deveria a vítima, ao contrário do cúmplice do parceiro de crime falido, ser deixado sem o dinheiro?
[6] Nós não podemos entender o porquê pagar a alguém para matar a vítima faz do pagador responsável (Block 2004, p. 17), enquanto não há categoricamente nenhuma responsabilidade em induzir ou persuadir alguém a cometer um assassinato. Afinal, um contrato é simplesmente alienação de propriedade, é simplesmente uma transferência de títulos de propriedade (Kinsella 2003). Mas pagar alguém é simplesmente o meio de alguém a induzir outrem a fazer algo para obter o dinheiro que ele subjetivamente valoriza. Alguém poderia ser induzido ou persuadido ao dar a outros coisas que ele valoriza, como gratidão. Mais ainda, é errado assumir que sempre se trata de uma ameaça quando o chefe ordena um subalterno. O presidente que ordena que bombas sejam jogadas em verdade não carrega uma única arma, então ele literalmente não está ameaçando ninguém.
[7] Para uma discussão de como essa doutrina funciona no contexto dos contratos voluntários de escravidão, veja Kinsella (1998-99, p,91).
[8] A esse respeito veja também van Dun’s (2003, pp. 64, 79) e sua discussão sobre “causalidade social”.
[9] Em casos em que as ações da própria vítima, ou daqueles intermediários inocentes como o carteiro (como no caso da carta bomba) são parte da cadeia de causação, o instigador é o único responsabilizável. Em casos em que alguém colabora com malfeitores para cometer um ato de agressão, como um assalto a banco, os co-conspiradores tem responsabilidade solidária (joint and several liability).
[10] Francis Bacon cunhou o termo causa imediata. Model Penal Code (1985), sec. 2.03, que codificou a tese dominante para a causalidade na lei, diz:
Seção 2.03. Relação Causal entre a Conduta e o Resultado ; Divergência entre Resultado Desenhado ou Contemplado e o Resultado Atual ou entre Resultado Provável e Resultado Real.
(1) Conduta é a causa de um resultado quando:
(a) é um antecedente, mas para o qual o resultado em questão não teria ocorrido; e
(b) A relação entre a conduta e o resultado satisfaz os requisitos de uma causa adicional imposta pelo código ou pela lei definindo o crime.
(2) Quando propositalmente ou conscientemente causar um resultado particular for um elemento do crime, o elemento não se estabelece se o resultado real não for o propósito ou a contemplação do agente a não ser que:
(a) O resultado real difira daquele desenhado ou contemplado, de acordo com o caso concreto, apenas no que diz respeito a que uma pessoa diferente ou propriedade diferente foi atacada ou afetada e que essa injúria ou dano desenhado ou contemplado teria sido mais sério ou mais extenso do que o que foi causado; ou
(b) que o resultado real envolva o mesmo tipo de injúria e dano que foi desenhado ou contemplado e que não seja tão remoto ou acidental na sua ocorrência para que não tenha uma influência justa na responsabilidade do agente ou na gravidade do crime.
(3) Quando imprudentemente ou negligentemente causar um resultado particular for um elemento do crime, esse elemento não se estabelece se o resultado real não é parte do risco que o agente estava ciente ou, que em caso de negligência, o agente deveria estar ciente a não ser que:
(a) o resultado real difira do resultado provável apenas no que diz respeito a uma pessoa diferente ou propriedade diferente tenha sido injuriada ou afetada e que a provável injúria ou dano teria sido mais séria ou mais extensiva do que a que foi causada; ou
(b) o resultado real envolve o mesmo tipo de injúria ou dano que o resultado provável e não é tão remoto ou acidental em sua ocorrência para não tenha tido uma influência justa na responsabilidade do agente ou na gravidade do crime.
(4) Quando causar um resultado particular é o elemento material de um crime cuja absoluta responsabilização seja imposta pela lei, o elemento não se estabelece a não ser que o resultado real seja uma consequência provável da conduta do agente.
[11] NOTA DO TRADUTOR: No direito brasileiro temos da mesma forma a teoria da equivalência dos antecedentes causais, segundo a qual causa é todo fato oriundo de comportamento humano sem o qual o resultado não teria ocorrido (nem como, nem quando ocorreu). Também vigente na discussão através da sua terminologia em latim: conditio sine qua non.
[12] Note que essa análise ajuda a explicar o porquê danos ou punições são maiores para os crimes intencionais do que naquelas contravenções por negligência que resultam no mesmo dano. Por exemplo, punição é uma ação: é intencional e tem como alvo a punição do corpo do agressor ou do contraventor. Ao punir um criminoso, a punição é justificada porque o criminoso ele mesmo intencionalmente violou as fronteiras da vítima; a punição é então simétrica. (Kinsella 1996). Entretanto, ao punir um mero contraventor, a punição é inteiramente intencional, mas a ação negligente que está sendo punida é apenas “parcialmente” intencional. Então punir um contraventor pode ser desproporcional, só poderia ser simétrico se a punição também fosse parcialmente intencional. Mas a punição não pode ser parcialmente intencional, então o dano infligido (ou resultante) tem que ser reduzido para fazer a punição ser mais proporcional.
[13] Veja Hoppe (2004) para uma excelente discussão sobre as visões de Reinach sobre causalidade.for