A enigmática independência da Suíça talvez seja melhor demonstrada no fato de que seu sistema de saúde consegue satisfazer tanto os defensores do livre mercado quanto os socialistas estatistas do país. É uma gigantesca rede de segurança social tecida pela responsabilidade individual e pela riqueza formada por eles mesmos. O seguro de saúde é quase inteiramente baseado no consumidor, embora existam regulamentações cantonais rígidas e algumas leis federais que o regem. A cobertura não é criada, fornecida ou gerenciada pelo governo federal ou por governos cantonais, mas é vendida e administrada por seguradoras do setor privado a indivíduos. Não é fornecida pelos empregadores, exceto no caso de grandes multinacionais e apenas parcialmente. Não há serviços de saúde gratuitos fornecidos pelo Estado. Subsídios são concedidos em casos extremos (pobreza, enfermos) com condições estritas, e o beneficiário deve ter que pagar esses subsídios eventualmente.
Antes voluntária, a cobertura do seguro é agora, desde 1996, obrigatória. O setor público de saúde, como hospitais ou a administração da assistência pública, são pagos por impostos.
Um modelo de seguro privado voltado para o consumidor
Para começar, cada um compra seguro básico e complementar para si, sendo o primeiro obrigatório. Compra-se de uma escolha de pouco mais de oitenta seguradoras privadas que oferecem planos concorrentes cantão por cantão, por meio dos quais os indivíduos são livres para selecionar a seguradora que desejam e podem escolher qualquer médico que desejarem – ninguém irá entender se você perguntar a um médico se ele está “ligado” a um determinado plano. Além disso, com o seguro básico, as taxas de serviços são regulamentadas pelo estado e as seguradoras não podem legalmente lucrar com esses pacotes de benefícios básicos.
Indivíduos (não famílias inteiras, mas cada membro da família) pagam um prêmio que varia entre os cantões e em breve terá uma média de cerca de US$ 450 por mês; sem nenhum luxo, isso custará em média cerca de US$ 2500 por mês, com crianças menores de 18 anos pagando menos. As franquias anuais também abrangem essas taxas. O máximo que alguém pode pagar pelo seguro na Suíça é 8% da renda; qualquer quantidade que exceda esse valor pode ser deduzida dos impostos.
O pacote básico é generoso para os padrões da maioria dos países. O seguro cobre os custos de tratamento médico e de hospitalização, mas o segurado tem de pagar parte do custo do tratamento. Isso é feito por meio de uma franquia anual que também varia de cantão para cantão. Além disso, é necessário um pagamento de cerca de US$ 15 por dia para internações hospitalares. Existem muitos custos diretos, mas o atendimento é excelente. Médicos e hospitais são os melhores do continente. Também não há filas de espera.
As seguradoras privadas ganham dinheiro vendendo apólices de seguro suplementares (quartos de hospital privados, terapias alternativas, aqueles maravilhosos retiros nos alpes, clínicas de reabilitação de drogados, tratamentos odontológicos), que são ajustados ao risco. Estes são altamente valorizados pelos consumidores suíços – cerca de 70% dos segurados possuem os planos complementares.
O papel dos benefícios sociais exigidos pelo estado
Do lado estatal, cada um dos vinte e seis cantões do país tem sua própria constituição e é responsável por licenciar provedores, coordenar serviços hospitalares e subsidiar instituições e prêmios individuais. O governo federal desempenha o papel de regular o financiamento do sistema – ou seja, exigir que o seguro seja obrigatório; garantir a qualidade (e segurança) de produtos farmacêuticos e equipamentos médicos; supervisionar iniciativas de saúde pública e promover pesquisa e treinamento. O governo federal também regulamenta um “Seguro Social Geral” (detalhado abaixo) que fornece assistência médica para aqueles que não podem pagar por si mesmos. Esse envolvimento do Estado no setor de saúde é financiado por meio de receitas fiscais.
Para ficar claro, as coisas estão ficando mais caras – as taxas estão subindo nos cantões, desde de 2018. Críticos do sistema – os próprios suíços que são rápidos em apontar Cingapura e Taiwan como os melhores e mais baratos serviços em geral. Ainda assim, os impostos são bastante baixos e o sistema funciona. Cerca de 99,5% da população está segurada e, em um referendo de 2014 para o seguro nacional de pagador único, a proposta foi rapidamente rejeitada.
Como a Suíça controla os custos
A chave para o funcionamento do sistema de saúde suíço, no entanto, são os fatores culturais e sociais que estão na base de sua fundação, em vez de o sistema ser imposto “de cima para baixo” por caprichos ou tendências políticas. A autossuficiência é ativamente incentivada. O abuso do sistema e a dependência do bem-estar social dos imigrantes/requerentes de asilo são quase inexistentes. A corrupção (hospitais, seguradoras, “grandes farmacêuticas”) parece ser relativamente menor. Tudo isso é fundamental para a eficiência do sistema. Indo ponto a ponto:
Primeiro, a Suíça não é uma sociedade de bem-estar social. Os “pobres” na Suíça não são pobres urbanos. Não é um país de bolsa-família ou de pessoas que vivem nas ruas ou debaixo de pontes. Tem uma das taxas de pobreza infantil mais baixas do mundo. Cerca de 3% dos cidadãos (7% considerando os requerentes de imigração/asilo) vivem abaixo do nível oficial de pobreza daquele país, o dobro do nível da década de 1990; dos cidadãos suíços, estes tendem a ser mães solteiras ou pais desempregados. Com base na lei cantão por cantão, esses indivíduos recebem, como adultos solteiros, cerca de US$ 900 por mês e cerca de US$ 2200 no máximo para uma família em subsídios de bem-estar social. No entanto, esse valor é para o que é chamado de “dignidade de vida” e cobre apenas alimentação, transporte, “higiene” e comunicações. Não é para cobrir aluguel ou seguro de saúde básico.
Sim, o estado pagará cerca de 100% dos custos de saúde no caso de um indivíduo não ter nenhuma rede de apoio ou nenhuma possibilidade de emprego – mas apenas em casos extremos e apenas até o ponto em que o indivíduo consiga trabalhar (mais sobre isso abaixo). Os cantões, não o governo federal, decidem a distribuição de tais subsídios.
Esses subsídios, por sua vez, saem do fundo de seguro social geral suíço, mencionado acima, uma espécie de sistema de seguro “bismarckiano” projetado para cobrir riscos como invalidez e acidente e, em algumas circunstâncias, para fornecer benefícios por meio de serviços de saúde. Cobre, nomeadamente, as despesas de reabilitação em caso de invalidez e as despesas de saúde em caso de acidentes profissionais e não profissionais dos trabalhadores assalariados.
Em segundo lugar, a responsabilidade individual e a responsabilidade familiar são prioridades “nacionais”: a assistência do Estado deve ser reembolsada assim que o indivíduo ou a família se recuperar. Além disso, um Código de Obrigações Civis exige que as famílias cuidem dos membros que não podem cuidar de si mesmos (pais, filhos, avós e netos) e as autoridades podem solicitar aos membros da família que cubram a totalidade ou parte dos pagamentos da previdência social e dos cuidados de saúde. Mais uma vez, a responsabilidade é crítica aqui: lembre-se de que a Suíça se tornou o primeiro país do mundo a votar em nível nacional sobre a questão da renda básica universal e derrubou a ideia com 77% dos eleitores votando contra em um referendo de fevereiro de 2016.
Em terceiro lugar, a Suíça desencoraja a dependência. O governo federal cuida dos requerentes de asilo em todos os setores (abrigo, serviços básicos de saúde), mas apenas temporariamente e geralmente por até três meses. A lei de migração suíça permite apenas a imigração de mão de obra altamente qualificada.
A autoridade permanece rígida: os refugiados que chegam a um centro de acolhimento suíço têm que entregar ao Estado quaisquer bens no valor de mais de US$ 1.000, de acordo com os números mais recentes, e até um máximo de cerca de US$ 15.000 – para ajudar a cobrir seus custos, isentando itens muito pessoais (alianças de casamento). Se os refugiados saírem voluntariamente dentro de sete meses, eles podem receber o dinheiro de volta. Se encontrarem trabalho durante o período de seu status de proteção temporária, pois têm permissão para fazê-lo, e ganharem o direito de permanecer e trabalhar na Suíça, esses indivíduos terão que abrir mão de 10% de seu salário por até dez anos até que paguem US$ 15.000 em custos.
Em quarto lugar, a Suíça é principalmente uma sociedade autônoma de banqueiros ricos, engenheiros ricos e agricultores ricos com altos padrões educacionais dentro de uma sociedade amplamente homogênea. O país ficou em primeiro lugar no Índice de Competitividade Global de 2017. Além disso, os salários são geralmente altos na Suíça e quase não existem indivíduos de baixa renda prestando serviços devido aos custos significativos até mesmo da mão de obra menos qualificada. Com certeza, na Suíça, seria muito difícil fazer com que as pessoas comprassem seu próprio seguro de saúde se a produtividade do trabalhador fosse consideravelmente menor.
Quinto, a fraude na saúde na Suíça é relativamente baixa. Em geral, a Suíça não é um país onde a corrupção público-privada é abundante, apesar de todo o alvoroço sobre o sigilo de contas bancárias. Em julho de 2016, o suborno do setor privado foi codificado no Código Penal suíço e a Suíça é um dos países menos corruptos do mundo, ocupando o quinto lugar no Ranking da Transparência Internacional para 2016. O “lobby” farmacêutico no país defende os altos preços dos medicamentos com base em longos ciclos de pesquisa e como líder da riqueza exportadora contínua do país. A controvérsia está nos preços altos.
Ao todo, o sistema funciona com um grande grau de eficiência, talvez melhor resumido pelo médico suíço Thomas Zeltner, MD, ex-secretário de saúde suíço entre janeiro de 1991 e dezembro de 2009. Como Zeltner afirmou em uma entrevista a um jornal de saúde americano alguns anos atrás: “Nós [suíços] não deixaremos as pessoas sofrerem e morrerem quando precisarem de cuidados de saúde. Os suíços acreditam que, em troca, os indivíduos devem à sociedade, tendo que tomar providências com antecedência para seus cuidados de saúde quando adoecem gravemente. Nesse ponto, eles podem não ter dinheiro suficiente para pagar por isso. Portanto, consideramos o decreto do seguro de saúde uma forma de conduta cívica socialmente responsável. Na Suíça, “liberdade individual” não significa que você deva ser livre para viver irresponsavelmente e se aproveitar dos outros.”
Artigo original aqui