Contra a Propriedade Intelectual

0
Tempo estimado de leitura: 9 minutos

Capítulo II – SUMÁRIO DAS LEIS DE PI

1

Tipos de PI

A propriedade intelectual é um conceito amplo que cobre diversos tipos de direitos legalmente reconhecidos sobre algum tipo de criatividade intelectual, ou que estão de alguma forma relacionados a ideias[1]. Direitos de PI são direitos sobre coisas intangíveis[2] – sobre ideias, conforme expressas (direitos autorais), ou conforme materializadas numa aplicação prática (patentes). Tom Palmer coloca da seguinte forma: “Propriedade intelectual consiste em direitos sobre objetos ideais, os quais são distintos do substrato material no qual estão representados”.[3] Nos sistemas legais atuais, a PI tipicamente inclui ao menos direitos autorais, marcas registradas, patentes e segredos comerciais.[4]

2

Direitos Autorais

Direitos autorais são um direito concedido a autores de “trabalhos originais”, tais como livros, artigos, filmes e programas de computador. Direitos autorais conferem o direito exclusivo de reproduzir o trabalho, preparar trabalhos derivados, ou apresentar a obra publicamente.[5] Direitos autorais protegem apenas a forma ou expressão das ideias, não as próprias ideias que estão por trás.[6]

Apesar de um direito autoral dever ser registrado para se obter vantagens legais, ele não precisa ser registrado para existir. Na verdade, um direito autoral passa a existir automaticamente no momento em que o trabalho é “fixado” num “meio tangível de expressão”, e dura por toda a vida do autor mais setenta anos, ou por um total de noventa e cinco anos nos casos em que o empregador possui o direito autoral.[7]

3

Patente

Uma patente é um direito de propriedade sobre invenções, isto é, sobre artefatos ou processos que desempenhem uma função “útil”.[8] Uma ratoeira nova ou melhorada é um exemplo de um artefato que pode ser patenteado. Uma patente garante efetivamente ao inventor um monopólio limitado sobre a manufatura, uso ou venda da invenção. Contudo, uma patente na verdade apenas garante ao patenteado um direito de exclusão (ou seja, prevenir outros de praticar a invenção patenteada); ela não garante efetivamente ao patenteado o direito de usar a invenção patenteada.[9]

Nem toda inovação ou descoberta é patenteável. A suprema corte dos EUA, por exemplo, identificou três categorias de conteúdo que não são patenteáveis, “leis da natureza, fenômenos naturais e ideias abstratas”.[10] Reduzir ideias abstratas a algum tipo de “aplicação prática”, isto é, “a um resultado útil, concreto e tangível”[11], é, no entanto, patenteável. As patentes americanas, desde 8 de Junho de 1995, são válidas a partir da data de sua concessão até vinte anos após a data original do arquivamento do requerimento da patente (o prazo antigo era de setenta anos após a data de concessão).[12]

4

Segredo Comercial

Um segredo comercial consiste em qualquer fórmula confidencial, artefato ou informação que garante ao seu detentor uma vantagem competitiva conquanto permaneça secreta.[13]

Um exemplo seria a fórmula para a Coca-Cola®. Segredos comerciais podem incluir informação que não é moderna o bastante para estar sujeita à proteção de patentes, ou original o bastante para estar protegida por direitos autorais (por exemplo, uma base de dados sísmicos ou listas de fregueses). Leis de segredos comerciais são usadas para prevenir “apropriações indébitas” do segredo comercial, ou para premiar danos por tais apropriações.[14] Segredos comerciais são protegidos por leis estaduais, apesar de leis federais recentes terem sido aprovadas para prevenir seu roubo.[15] Proteção de segredos comerciais é obtida ao declarar que os detalhes de um assunto são secretos. O segredo comercial pode teoricamente durar indefinidamente, apesar de que revelação, engenharia reversa ou invenção independente possam o destruir. Segredos comerciais podem proteger informação e processos secretos, por exemplo, compilações de dados e mapas não protegidos por direitos autorais, e podem também ser usados para proteger código-fonte de software não revelado e não passível de proteção por patente. Uma desvantagem de depender da proteção de segredos comerciais é que um competidor que independentemente inventa o conteúdo de um segredo comercial de um terceiro pode obter uma patente sobre o artefato ou processo e efetivamente prevenir o inventor original (o possuidor do segredo) de usar a invenção.

5

Marca Registrada

Uma marca registrada é uma palavra, frase, símbolo, ou design usado para identificar a fonte dos bens e serviços vendidos, e para distinguí-los dos bens e serviços de outros. Por exemplo, a marca Coca-Cola® e o design que aparece em suas garrafas de refrigerante as identificam como produtos daquela companhia, as distinguindo de competidores como a Pepsi®. Leis de marca registrada primariamente previnem competidores de “infringir” a marca registrada, ou seja, usar marcas “similarmente confundíveis” para identificar seus próprios bens e serviços. Diferentemente de patentes e direitos autorais, direitos de marca registrada podem durar indefinidamente se o possuidor continua a usar a marca. O término do registro federal de uma marca registrada acontece após 10 anos, com uma renovação por mais dez anos estando disponível.

Outros direitos relacionados à proteção de marca registrada incluem direitos contra a diluição de marca registrada.[16] Certas formas de cybersquatting[17], e várias formas de alegação de “competição desleal”.[18] PI também inclui inovações legais recentes, como a proteção de mask work disponível para design de circuitos semicondutores integrados (IC)[19], a proteção sui generis, similar aos direitos autorais, para design de cascos de barco[20] e o direito proposto sui generis sobre bases de dados, ou coleções de informações.[21]

Nos EUA, a lei federal diz respeito quase exclusivamente a direitos autorais e patentes, uma vez que a Constituição garante ao Congresso o poder de “promover o progresso da ciência e das artes úteis”.[22] Apesar da fonte federal de patentes de direitos autorais, vários aspectos relacionados, tais como a posse de patentes, são baseados em lei estadual, a qual, no entanto, tende a ser razoavelmente uniforme entre os estados.[23] Marcas registradas federais, ao contrário, não sendo explicitamente autorizadas na Constituição estão baseadas na cláusula de comércio interestadual e assim apenas cobrem marcas para bens e serviços no comércio interestadual.[24] Marcas registradas estaduais ainda existem uma vez que elas não foram completamente substituídas pela lei federal, porém marcas federais tendem a ser mais importantes comercialmente e mais poderosas. Segredos comerciais são geralmente protegidos por lei estadual, e não federal.[25]

Muitos leigos, incluindo libertários, possuem uma pobre compreensão de conceitos de PI e direito, e frequentemente confundem direitos autorais, marcas registradas e patentes. É ampla e incorretamente acreditado que no sistema americano o inventor que arquiva primeiro no escritório de patentes possui prioridade sobre aquele que o faz depois. Contudo, o sistema americano na atualidade é um que privilegia o primeiro a inventar, diferentemente de muitos outros países, que dão prioridade ao primeiro a arquivar.[26]

6

Direitos Sobre PI e sua Relação com Propriedade Tangível

Como notado acima, direitos sobre PI, ao menos quanto a patentes e direitos autorais, podem ser considerados direitos sobre objetos ideais. É importante esclarecer que a propriedade sobre uma ideia, ou objeto ideal, efetivamente confere aos possuidores da PI um direito de propriedade sobre toda materialização daquele trabalho ou invenção. Considere um livro protegido por direitos autorais. O possuidor A do direito tem um direito sobre o objeto ideal implícito, do qual o livro é apenas um exemplo. O sistema de direitos autorais confere a A o direito sobre o próprio padrão de palavras no livro; logo, por implicação, A possui um direito sobre toda representação ou materialização do livro – isto é, um direito sobre toda versão física do livro, ou, ao menos, a todo livro sob a jurisdição do sistema legal que reconhece o direito autoral.

Assim, se A escreve um romance, ele possui um direito autoral sobre esse “trabalho”. Se ele vende uma cópia física do romance para B, na forma de livro, então B possui apenas aquela cópia física do romance; B não possui o “romance” em si, e não está habilitado a fazer uma cópia do romance, mesmo usando seu próprio papel e tinta. Assim, mesmo se B possuir a propriedade material do papel e da impressora, ele não pode usar sua própria propriedade para criar outra cópia do livro de A. Apenas A tem o direito de copiar o livro (daí o termo em inglês “copyright”). Da mesma forma, a propriedade de uma patente por parte de A lhe confere o direito de prevenir um terceiro de usar ou praticar a invenção patenteada, mesmo se esse terceiro usar apenas sua própria propriedade. Dessa forma, a propriedade de direitos ideais por parte de A lhe dá algum grau de controle – posse – sobre a propriedade tangível de inúmeros outros. Patentes e direitos autorais invariavelmente transferem posse parcial de propriedade tangível de seu dono natural para inovadores, inventores e artistas.
[1] Em alguns países europeus, o termo “propriedade industrial” é usado no lugar de “propriedade intelectual”. (Verão 1990): 818. Como um comentador notou, “propriedade intelectual pode ser definida como adotar direitos sobre ideias originais conforme contidas em produtos tangíveis de esforço cognitivo”. Dale A. Nance, “Foreword: Owning Ideas,” em “Symposium: Intellectual Property,” Harvard Journal of Law & Public Policy 13, no. 3 (Verão 1990): 757.

[2] De La Vergne Refrigerating Mach. Co. v Featherstone, 147 U.S. 209, 222, 13 S.Ct. 283, 285 (1893).

[3] Tom G. Palmer, “Are Patents and Copyrights Morally Justified? The Philosophy of Property Rights and Ideal Objects,” em “Symposium: Intellectual Property,” Harvard Journal of Law & Public Policy 13, no. 3.

[4] Uma introdução útil à PI pode ser encontrada em Arthur R. Miller e Michael H. Davis, Intellectual Property: Patents, Trademarks, and Copyrights in a Nutshell, 2nd ed. (St. Paul, Minn.: West Publishing, 1990); ver também “Patent, Trademark, and Trade Secret,” http://profs.lp.findlaw.com/patents/index.html. Para uma boa introdução às leis de patente, ver Ronald B. Hildreth, Patent Law: A Practitioner’s Guide, 3rd ed. (New York: Practising Law Institute, 1998). Tratados mais aprofundados contendo informações adicionais sobre leis de PI incluem Donald S. Chisum, Chisum on Patents (New York: Matthew Bender, 2000); Melville B. Nimmer and David Nimmer, Nimmer on Copyright (New York: Matthew Bender, 2000); Paul Goldstein, Copyright: Principles, Law, and Practice (Boston: Little, Brown, 1989); J. Thomas McCarthy, McCarthy on Trademarks and Unfair Competition, 4th ed. (St. Paul, Minn.: West Group, 1996); and Roger M. Milgrim, Milgrim on Trade Secrets (New York: Matthew Bender, 2000). Informação útil, brochuras e panfletos estão disponíveis através do United States Copyright Office, http://lcweb.loc.gov/copyright, e do Patent and Trademark Office of the Department of Commerce, http://www.uspto.gov . Outros sites úteis estão listados no apêndice e na bibliografia.

[5] 17 USC §§ 101, 106 et pass.

[6] A moderna lei de direitos autorais suplantou e largamente tomou o lugar dos “direitos autorais do direito comum” que aparecia automaticamente a partir do momento da criação de um trabalho, e que conferia apenas um direito de primeira publicação. Goldstein, Copyright, §§ 15.4 et seq.

[7] 17 USC § 302. Devido à legislação recente, esses términos são vinte anos maiores do que sob a lei anterior. Ver HR 2589, the Sonny Bono Copyright Term Extension Act/Fairness in Music Licensing Act of 1998.

[8] 35 USC § 1 et seq.; 37 CFR Part 1.

[9] Suponha que A invente e patenteie uma ratoeira melhor, que possui um jato de Nitinol (memória metálica) para uma melhor capacidade de captura. Agora suponha que B invente e patenteie uma ratoeira com um jato de Nitinol coberto com uma cobertura não grudenta, para melhorar a capacidade de retirar o rato mantendo a ação de captura com o Nitinol. B precisa ter uma ratoeira com um jato de Nitinol para usar sua invenção, mas isso iria infringir a patente de A. Similarmente, A não pode adicionar a cobertura não grudenta em sua invenção sem infringir a patente de melhora de B. Em tais situações ambos os patenteados podem chegar a um acordo, de forma que A possa praticar a melhora de B para a ratoeira e B possa usar sua própria invenção.

[10] Diamond v Diehr, 450 US 175, 185 (1981); ver também 35 USC § 101.

[11] In re Alappat, 33 F3d 1526, 1544, 31 USPQ2d 1545, 1557 (Fed Cir 1994) (in banc). Ver também State Street Bank & Trust Co. v Signature Financial Group, 149 F3d 1368 (Fed Cir 1998).

[12] 35 USC § 154(a)(2).

[13] Ver, por exemplo, R. Mark Halligan, esq., “Restatement of the Third Law – Unfair Competition: A Brief Summary,” §§ 39-45, http://execpc.com/~mhallign/unfair.html; ver também o Uniform Trade Secrets Act (UTSA), http://nsi.org/Library/Espionage/usta.htm.

[14] Ver o Uniform Trade Secrets Act (UTSA).

[15] Economic Espionage Act of 1996, 18 USC §§ 1831-39.

[16] 15 USC §§ 1125(c), 1127

[17] [N.T.] “Cybersquatting” consiste em registrar domínios de endereços eletrônicos para revendê-los depois. Por exemplo, um jovem perspicaz, apostando na legalização da maconha em seu país, registra domínios como “marlboromarley.com”, e “marlboro-marley.com”. Caso isso aconteça, e certa marca de cigarros decida vender maconha e criar um endereço eletrônico similar, ela teria que comprar o registro de nosso empreendedor, chamado pejorativamente de “cybersquatter”.

[18] 15 USC § 1125(d); Anticybersquatting Consumer Protection Act, PL 106-113 (1999); HR 3194, S1948.

[19] Ver 17 USC § 901 et seq.

[20] Ver 17 USC § 1301 et seq.

[21] Ver, por exemplo, HR 354 (introduzido 1/19/1999), Collections of Information Antipiracy Act. Ver também Jane C. Ginsburg, “Copyright, Common Law, and Sui Generis Protection of Databases in the United States and Abroad,” University of Cincinnati Law Review 66 (1997): 151.

[22] U.S. Cons., Art I, § 8; Kewanee Oil Co. v. Bicron Corp., 415 US 470, 479, 94 S.Ct. 1879, 1885 (1974).

[23] Ver Paul C. van Slyke and Mark M. Friedman, “Employer’s Rights to Inventions and Patents of Its Officers, Directors, and Employees,” AIPLA Quarterly Journal 18 (1990): 127; e Chisum on Patents, § 22.03; 17 USC §§ 101, 201.

[24] U.S. Constitution, art. 1, sec. 8, clause 3; Wickard v Filburn, 317 US 111, 63 S. Ct. 82 (1942).

[25] Porém, ver o Economic Espionage Act de 1996, 18 USC §§ 1831-39.

[26] Ayn Rand erroneamente assume que o primeiro a arquivar tem prioridade (e assim ela fica em apuros para defender tal sistema). Ver Ayn Rand “Patents and Copyrights”, em Capitalism: The Unknown Ideal (Nova Iorque: New American Library, 1967), p.133. Ela também confusamente ataca o estrito escrutínio antitruste dado a detentores de patentes. Contudo, uma vez que patentes são monopólios concedidos pelo governo, não é injusto usar uma lei anti-monopólio para limitar a habilidade de um detentor de patente em estender seu monopólio além das fronteiras pretendidas pelo estatuto de patente. O problema com leis antitruste está em sua aplicação a transações normais, pacíficas, não em limitar monopólios reais – isto é, concedidos pelo governo. Um argumento similar poderia ser feito sobre Bill Gates, cuja fortuna tem sido largamente construída sob o monopólio concedido pelo governo inerente nos direitos autorais. Além disso, como Bill Gates não é libertário, e sem dúvida não se opõe à legitimidade das leis antitruste, dificilmente se poderiam entrelaçar as mãos com pena do fato de ele ter que sofrer as consequências de suas próprias ações.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui