Déficits, incertezas e keynesianismo – como um orçamento equilibrado gera crescimento econômico

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AD106_WEB_LOW_RESO professor Rober Higgs, do Mises Institute, cunhou a expressão ‘incerteza de regime’ para se referir ao fato de que o extremo ativismo político pode funcionar contra a prosperidade econômica, pois cria uma difusa e generalizada incerteza quanto à própria natureza da ordem econômica vigente, especialmente em relação a como o governo irá tratar os direitos de propriedade no futuro.  Esse tipo de incerteza desestimula especialmente os investidores, deixando-os temerosos de colocar dinheiro em projetos de longo prazo.

Higgs explica em seu livro Depression, War, and Cold War: Studies in Political Economy por que as políticas do New Deal adotadas pelo presidente Roosevelt geraram incerteza de regime e por que a Grande Depressão durou tanto tempo, que acabou se transformando na Grande Duração.

O Secretário do Tesouro Henry Morgenthau sabia que Roosevelt estava gerando incerteza entre os empreendedores, e com isso estava desestimulando o investimento privado e a economia.  O Secretário repetidamente tentou persuadir Roosevelt a mudar sua abordagem.  Com efeito, durante uma reunião de gabinete em 1937, Morgenthau foi forçado a falar sobre isso de forma brusca com o presidente, e o fez de maneira bem explícita: “O que os empreendedores querem saber, senhor presidente, é se vamos continuar indo em direção ao socialismo ou se vamos permanecer em bases capitalistas”.

O Secretário do Tesouro, no entanto, não foi páreo para o presidente.  Roosevelt não recuou e a economia americana permaneceu morta até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando finalmente o governo entrou em dieta e cortou gastos em incríveis 67%.

Alguns observadores já comentaram que de fato se criou atualmente nos EUA uma incerteza de regime em decorrência de várias medidas intervencionistas frenéticas, como toda a série de pacotes governamentais de socorro, de resgate, de empréstimos de emergência, de aquisições e de estímulos, bem como a reforma do sistema de saúde, o precipício fiscal e várias outras medidas extraordinárias condensadas em um período de poucos anos.  Com a reeleição de Obama, tudo indica que haverá uma continuação desse tipo de ativismo político frenético.

Em meio a tudo isso, entra em cena o incansável Paul Krugman e sua interminável parolagem sobre “gastos e déficits governamentais serem bons para a economia”.  Eis um exemplo:

Tanto os manuais de macroeconomia quanto a experiência prática nos ensinam que cortar gastos quando você ainda está sofrendo com uma alta taxa de desemprego é realmente uma péssima ideia — não apenas tal medida aprofunda a recessão, como ela pouco faz para melhorar a perspectiva orçamentária, dado que boa parte daquilo que o governo poupa ao gastar menos, ele irá perder à medida que a economia deprimida gera menos receitas de impostos.

Embora o professor Krugman e a maioria de seus colegas fiscalistas creiam que isso seja algo autoevidente, a verdade é que não é.  De fato, esse dogma da redução do déficit ser ruim para uma economia em recessão não consegue sequer sobreviver a uma verificação empírica.  A formulação do professor Krugman não menciona justamente a questão da confiança.  E essa é uma omissão importante.  O próprio Keynes já havia percebido isso: “O ‘estado da confiança’, como foi rotulada essa situação, é uma questão à qual os homens práticos prestam a mais estrita e ansiosa atenção”.

Ao ignorar o fator confiança, que é justamente o que determina a incerteza de regime, a teoria econômica pode levar a conclusões precipitadas e incorretas, e a políticas totalmente equivocadas.  Apenas considere a ingênua teoria fiscal keynesiana — o tipo apresentado (como bem notado pelo professor Krugman) nos manuais de macroeconomia e adotado pela grande maioria das autoridades econômicas.  De acordo com a teoria keynesiana, uma política fiscal expansionista (um aumento nos gastos do governo ou uma redução de impostos) estimula a economia, pelo menos durante um ou dois anos após a adoção desse estímulo fiscal.  Por outro lado, para esfriar uma economia sobreaquecida, os keynesianos aconselham uma contração fiscal.

Para os keynesianos, a mágica de sua teoria fiscal está no chamado “multiplicador fiscal”, que é a ideia de que $1 gasto pelo governo se transforma em, digamos, $1,40 ao circular por toda a economia, gerando, como que por mágica, aumento de renda, de riqueza, de produção e de consumo.  O aumento dos gastos do governo levaria a um aumento da renda, que levaria a um aumento do consumo, que levaria a mais renda, que levaria a mais consumo etc., gerando um enriquecimento nacional.  É o verdadeiro moto-perpétuo da criação de riqueza, gerado unicamente pelos gastos do governo.

Um multiplicador fiscal positivo é viga mestra da teoria fiscal keynesiana porque é por meio do multiplicador que as mudanças no orçamento do governo são transmitidas para a economia.  Com um multiplicador positivo, passa a existir uma relação positiva entre mudanças no déficit fiscal e crescimento econômico: déficits maiores estimulam o crescimento econômico ao passo que déficits menores arrefecem a economia.

A teoria pára por aí.  E quanto ao mundo real?  Suponha que um país esteja vivenciando um déficit orçamentário extremamente alto.  Como consequência, indivíduos e empresas começam a se preocupar com a possibilidade cada vez mais real de que haverá um contínuo afrouxamento das condições fiscais no futuro, o que pode resultar em aumento da inflação de preços (dado que uma fatia dos déficits é financiada por expansão monetária), elevação dos prêmios de risco e taxas de juros bem mais altas.  Ato contínuo, elas adotam uma postura mais cautelosa.  Empresas investem menos e consumidores consomem menos.  Em tal situação, o multiplicador fiscal pode perfeitamente ser negativo.  Nesse caso, uma expansão fiscal reduziria a atividade econômica ao passo que uma contração fiscal aumentaria a atividade econômica.  Tais resultados seriam exatamente o oposto daqueles previstos pela ingênua teoria fiscal keynesiana.

A possibilidade de um multiplicador fiscal negativo vai depender do papel central exercido pela confiança e pelas expectativas em relação à política econômica futura.  Se, por exemplo, o governo de um país com um enorme déficit orçamentário e um alto nível de endividamento adotar de forma séria e crível o compromisso de reduzir significativamente o déficit, isso poder gerar um grande choque de confiança, reduzir a incerteza de regime e consequentemente estimular a economia, uma vez que as expectativas inflacionárias, os prêmios de risco e as taxas de juros de longo prazo irão declinar.

Há vários exemplos em que multiplicadores fiscais negativos foram observados.  O aperto fiscal dinamarquês de 1983—86, a estabilização irlandesa de 1987-89 e a sueca de 1995—99 são notáveis.  Os déficits fiscais que antecederam as restrições fiscais dinamarquesa, irlandesa e sueca eram claramente insustentáveis, de modo que os prêmios de risco e as taxas de juros estavam extremamente altos.  O choque de confiança que se seguiu ao aperto fiscal, em conjunto com os multiplicadores negativos, permitiu que essas economias decolassem.

O exemplo da Irlanda é particularmente interessante porque se tratava do país mais pobre da Europa Ocidental à época.  Em 1986, a Irlanda apresentava um déficit orçamentário de 10,7% do PIB.  Em 1989, ele já havia caído para -1,8% do PIB, sendo que o crescimento econômico, que havia sido de -0,4% em 1986, foi de 4,7% em 1987, 5,2% em 1988 e 5,8% em 1989.

No entanto, ninguém supera a Nova Zelândia como exemplo de que a consolidação fiscal, e não o estímulo fiscal, é o verdadeiro estímulo à economia.  Tudo começou em novembro de 1990, quando Ruth Richardson tornou-se a ministra das finanças de um país ainda subdesenvolvido e de orçamento deficitário.  Ela apresentou o orçamento de 1991 deixando claro, como reafirmaria mais tarde em seu livro de memórias Making A Difference (Capítulo 11 — The Mother of All Budgets), que o propósito do aperto fiscal da Nova Zelândia era restaurar a confiança e com isso estimular o crescimento econômico.  Ou seja, acabar com a incerteza de regime.

E essa fórmula foi de estrondoso sucesso, como mostram os gráficos abaixo.

Orçamento do governo neozelandês (déficit e superávit em relação ao PIB)

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Crescimento anual da economia

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[Quem estiver interessado em mais detalhes a respeito da transformação de economia da Nova Zelândia, que inclusive cometeu a heresia de abolir todos os seus subsídios agrícolas, pode ler o relato de Roger Kerr, diretor-executivo da New Zealand Business Roundtable.]

Embora a autoridade do professor Krugman seja influente, seus argumentos e evidências são escassos.  O mundo hoje está novamente titubeando sob o peso da incerteza de regime.  Já é hora de alguém apresentar aos governantes a “pergunta Morgenthau”.  Sugiro Ruth Richardson.

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Steve Hanke é professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA. O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.

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