É verdade que Keynes era um liberal?

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British economist John Maynard Keynes (1883 - 1946) in his study in Gordon Square, Bloomsbury, London, 16th March 1940. Original publication: Picture Post - 361 - Mr Keynes Has A Plan - pub. 1940 (Photo by Tim Gidal/Picture Post/Hulton Archive/Getty Images)

Keynes e o neomercantilismo
Sempre houve quem classificasse John Maynard Keynes como um dos mais importantes liberais da história moderna, talvez o mais recente entre os “grandes” na tradição de John Locke, Adam Smith e Thomas Jefferson.[1]

Dentre estas pessoas, quase todas são da opinião que, assim como esses homens, Keynes acreditava sinceramente — aliás, exemplarmente — na livre sociedade. Se ele se distinguia dos liberais “clássicos” em um ou dois pontos mais evidentes e importantes, era só por ter tentado atualizar o essencial das ideias liberais para adequá-las às condições econômicas de uma nova era.

Não há dúvida de que, ao longo da vida, Keynes defendeu valores culturais mais generosos, aos quais se costuma dar o nome de “liberais”, como a tolerância e a racionalidade, além de, é claro, sempre ter se definido como liberal (era também apoiador do Partido Liberal Britânico). Mas nada disso tem peso significativo na classificação de seu pensamento político.[2]

Em um primeiro momento, identificá-lo como modelo de liberal já é um paradoxo, quando se sabe que ele adotou a doutrina mercantilista. À época em que A teoria geral do emprego, do juro e da moeda foi publicada, em 1936, W. H. Hutt estava prestes a mandar para o prelo seu Economists and the public (1936). Nos anos seguintes, ele submeteria o sistema de Keynes a uma análise minuciosa e desmoralizadora (Hutt 1963, 1979), mas até aquele momento só havia conseguido inserir às pressas algumas observações preliminares. Para ele, o mais estarrecedor era aquele economista de renome “querer que nós acreditemos que os mercantilistas estavam certos e as críticas feitas e eles pelos clássicos, erradas” (posição exposta no capítulo 23 da Teoria Geral) (Hutt 1936, p. 245).

Hutt escrevia sob a ótica da ciência econômica. Aqui, estamos falando da totalidade do liberalismo como filosofia social. Se o que caracteriza historicamente a doutrina liberal é seu repúdio ao paternalismo do estado assistencialista, ainda mais característica é sua rejeição ao componente mercantilista do absolutismo do século XVIII. Então, como pode um escritor que tentou reabilitar o mercantilismo ser incluído entre os grandes do liberalismo?[3]

Em defesa de Keynes, Maurice Cranston argumenta que ninguém negaria incluir John Locke entre os liberais, apesar de ele ter aderido ao mercantilismo (1978, p. 111). Bem, dizer que Locke defendeu o mercantilismo é questionável; Karen Vaughn (1980) já nos deu razões para acreditar no contrário. Mas, ainda que houvesse defendido, o fato não validaria o argumento de Cranston. Locke é considerado com justiça um dos grandes do liberalismo não por causa de suas ideias sobre teoria e política econômica, fossem quais fossem, mas por causa da importância caracteristicamente libertária que reconhecia aos direitos naturais e do que acreditava ser a consequência desse reconhecimento.[4]

O sistema keynesiano

Conforme o próprio Keynes e seus partidários, a necessidade de sua guinada para o neomercantilismo deveu-se à descoberta de falhas fundamentais na teoria econômica clássica. A alegação é que ela não conseguiu explicar nem as causas da persistência do alto índice de desemprego na Grã-Bretanha, na década de 1920, nem as da Grande Depressão. Keynes, ao contrário, explicou as duas coisas na Teoria geral — façanha que obteve ao desmascarar os graves defeitos de uma economia de mercado não dirigida, o que causou uma “revolução” no pensamento econômico.

Mas todas essas crises específicas que causaram a reação de Keynes foram o produto de políticas governamentais equivocadas. A persistência da alta taxa de desemprego na Grã-Bretanha remonta, em parte, à decisão de Winston Churchill, que era ministro da fazenda, de retornar ao padrão-ouro utilizando a irrealista paridade vigente antes da guerra e, em parte, aos altos e dispendiosos (em comparação aos salários) valores pagos pelo seguro-desemprego após 1920. A Grande Depressão foi causada principalmente pela gestão monetária do governo — em particular, do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos. As duas crises podem ser explicadas pela análise econômica “ortodoxa”, não há necessidade de nenhuma “revolução” teórica (Rothbard 1963; Johnson 1975, pp. 109–12; Benjamin e Kochin 1979; Buchanan, Wagner e Burton 1991).[5]

Como observou Hutt, Keynes, em A Teoria Geral, deu as costas a toda autoridade reconhecida, desde Hume e Smith a Menger, Jevons e Marshall, passando por Wicksell e Wicksteed. À parte o grau de adesão de cada um desses pensadores ao laissez-faire, estes pensadores ao menos reconheciam que, em uma economia de mercado, havia forças autocorretivas que faziam com que as eventuais depressões econômicas fossem temporárias. Keynes, ao descartar a “ortodoxia” de seus antecessores (e contemporâneos), alinhou-se com o que ele mesmo apelidou de “corajoso exército de hereges”: Silvio Gesell, J. A. Hobson e outros social-reformistas e críticos socialistas do capitalismo, descartados como lunáticos pelos economistas mais em voga (Friedman 1997, p. 7).

Em um famoso ensaio de 1934, Keynes já se colocava ao lado desses “hereges”, escritores “que rejeitam a ideia de que o sistema econômico vigente consiga se autorregular de forma relevante… O sistema não é autorregulável e, a menos quando deliberadamente orientado, não é capaz de converter nossa penúria real em fartura potencial” (1973a, pp. 487, 489, 491). A Teoria Geral foi escrita com a intenção de providenciar uma estrutura analítica que justificasse essa posição.

Conforme Keynes, mudanças nos preços, salários e taxas de juros não cumprem a função que a teoria econômica clássica lhes atribui — tendendo a gerar um equilíbrio com pleno emprego. O nível dos salários não exerce efeito significativo no volume de empregos; a taxa de juros não contribui para equilibrar as poupanças e investimentos; a demanda agregada é, em geral, insuficiente para produzir o pleno emprego; e assim por diante. As falsas conjecturas, incoerências conceituais e non sequiturs que deturpam essas afirmações exageradas foram desmascarados em várias ocasiões (por exemplo, Hazlitt 1959, [1960] 1995; Rothbard 1962, p. 2, passim; Reisman 1998, pp. 862–94).[6] Cabe a James Buchanan resumir a questão: “Não há evidência nenhuma que sugira que as economias de mercado sejam intrinsecamente instáveis” (Buchanan, Wagner e Burton 1991, p. 109).

Seja como for, nem todo sistema que preserve elementos comuns a uma ordem baseada na propriedade privada pode ser considerado, com justiça, um sistema liberal. Como é do conhecimento de todos, na história moderna houve um sistema que incluía a propriedade privada e permitia que os mercados operassem de modo restrito e limitado. Contudo, os responsáveis por seu controle insistiam no papel predominante do estado, sem o qual — assim acreditavam — a vida econômica descambaria em anarquia. O surgimento do liberalismo econômico foi uma reação contra esse sistema, chamado mercantilismo.

Também de extrema importância para o ponto em discussão é o modo como os equívocos de Keynes abalaram a confiança em um arranjo de livre mercado, abrindo caminho para o aumento descomunal do poder do estado.

Murray Rothbard observa que Keynes postulava um mundo em que os consumidores seriam autômatos ignorantes e os investidores seriam sistematicamente irracionais, guiados por um cego “espírito animal”, concluindo que a totalidade do volume de investimentos deveria ser entregue aos cuidados de um deus ex machina, uma “classe externa ao mercado … o aparato estatal” (Rothbard 1992, pp. 189–91). A esse processo, Keynes dá o nome de “socialização dos investimentos”. Como declara em A Teoria Geral, “Tenho esperanças de ver o Estado, que está em posição de calcular a eficiência marginal dos bens de capital a longo prazo e tomando por base a vantagem social geral, assumir uma responsabilidade cada vez maior na organização direta dos investimentos” (1973b, p. 164). Ele defendeu a criação de um Conselho Nacional de Investimentos. Mesmo tardiamente, em 1943, ainda estimava que uma autoridade assim exerceria influência direta sobre “dois terços ou três quartos do total dos investimentos” (Seccareccia 1994, p. 377).[7]

Robert Skidelsky insiste que, nestes exemplos, Keynes não tinha em mente o estado no sentido de um governo central (1988, pp. 17–18), mas, sim, aqueles “órgãos semiautônomos no seio do Estado” dos quais falou em 1924, “órgãos cujos critérios, no âmbito de sua esfera de atuação, são unicamente os do bem público, segundo seu entendimento, e de cujas deliberações estão excluídos proveitos privados” (Keynes 1972, pp. 288–89). Contudo, Skidelsky parece ignorar os problemas dessa concepção pretensiosa.

Keynes nunca especificou como deveria ser a atuação desses órgãos, nem jamais apresentou razão nenhuma para se acreditar que estariam em posição de calcular a “eficiência marginal do capital” (seja como for, um conceito bastante confuso; ver Hazlitt 1959, pp. 156–70; Anderson [1949] 1995, pp. 200–205) e nunca esclareceu de que modo misterioso eles se manteriam inacessíveis a motivações que obedecessem a um proveito particular (inclusive pessoal e ideológico).[8] Além disso, dado que Keynes garantiu que esses “órgãos semiautônomos” estariam “sujeitos até a última instância à soberania da democracia, expressa por meio do Parlamento” (1972, pp. 288–89), como impedi-los de se tornarem, de fato, agências do estado central?

Se o cerne da doutrina liberal é que, havendo uma adesão institucional ao direito à vida, à liberdade e à propriedade, é de se esperar que, de modo geral, a sociedade civil seja capaz de gerir a si mesma; e se o exemplo emblemático do programa liberal é a capacidade de uma economia de mercado livre de intervenção estatal funcionar a contento, então a “Revolução Keynesiana” assinalou o abandono do liberalismo.

Em pouco tempo, o keynesianismo triunfou entre proeminentes economistas acadêmicos e do governo, tornando-se, após a Segunda Guerra Mundial, a doutrina oficial dos países avançados. Entre os administradores do Plano Marshall e seus aliados na Comissão Econômica para a Europa, da ONU, ele era obrigatório, assim como entre os administradores do Programa de Recuperação Europeu. A Itália, por exemplo, “era constantemente instada por essas duas agências a incorrer em uma reflação monetária” (de Cecco 1989, pp. 219–21).

Apesar da resistência da Alemanha Oriental, então sob a liderança de Ludwig Erhard e os conselhos de economistas como Wilhelm Röpke, os dois maiores partidos políticos britânicos defenderam o ideal keynesiano de estimular a demanda como meio de se obter o pleno emprego — à época, o principal objetivo. Nos Estados Unidos, o Employment Act de 1946 reconheceu o papel fundamental do governo federal em garantir uma política de emprego máximo, fazendo uso de operações fiscais. Os resultados dessa revolução foram desastrosos.

Antes de Keynes, o objetivo dos governos era manter o orçamento equilibrado — ao menos, nos países civilizados. O keynesianismo reverteu essa “constituição fiscal”. Ao atribuir aos governos a responsabilidade pelas políticas fiscais “contracíclicas”, e ao ignorar a tendência dos políticos imediatistas de acumular déficits, ele preparou o terreno para um aumento sem precedentes tanto na tributação, quanto na dívida pública, nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial (Buchanan 1987; Rowley 1987b; Buchanan, Wagner e Burton 1991).

É com alguma frequência que se diz que Keynes “não era keynesiano”, no sentido de que não se pode responsabilizá-lo pelo uso que seus seguidores fizeram de suas teorias. Mas em qual outro caso um “grande nome” do liberalismo, um liberal “exemplar”, viu um círculo de acólitos de enorme influência atribuir a ele uma interpretação acentuadamente antiliberal? Michael Heilperin observa com sarcasmo: “Se [Keynes] era liberal, então era do tipo singular, daquele cujas recomendações práticas constantemente promoviam o coletivismo” (1960, p. 125).

Regras ou “arbitrariedade”?

Em contraste com as antigas ideologias absolutistas e, depois, com as coletivistas, a característica do liberalismo é sua insistência em que haja regras tanto na vida pública, quanto na econômica. O estado de direito como fundamento do Rechtsstaat é um exemplo patente, bem como a doutrina do laissez-faire, que até John Stuart Mill, mesmo que apenas na retórica, foi obrigado a apoiar como um princípio (facilmente revogável): “O laissez-faire, em resumo, deveria ser uma prática generalizada”. Adotar o máximo de flexibilidade e margem de ação no exercício do poder não é uma característica que agrade aos liberais. “Um governo de leis, não de homens” é uma conhecida máxima liberal.[9]

Murray Rothbard observou que a oposição de Keynes aos princípios era, de certo modo, uma questão de princípios (1992, 177).[10] Não é exagero dizer que sua aversão às leis, ou “dogmas” — como tinha por hábito chamá-las —, era parte de sua natureza. Essa atitude prevaleceu em seu pensamento ao longo de toda sua vida. Em 1923, ele declarou: “Quando estão para ser tomadas grandes decisões, o Estado é um órgão soberano cuja finalidade é promover o bem maior no todo. Portanto, ao adentrarmos o reino da atuação do Estado, tudo deve ser considerado e ponderado com base em seus méritos” (1971a, pp. 56–57).

Nos últimos anos de vida, Keynes julgava “bastante sensata” a proposta para que o estado “assumisse a vaga de empreendedor-chefe”, “interferindo na propriedade ou na gestão de determinados negócios … [somente] com base no mérito da causa, e não a mando de um dogma” (1980, p. 324). Em carta a F. A. Hayek, a propósito do livro O Caminho da Servidão, então recém-publicado, Keynes repreendeu o autor por não ter percebido que “decisões perigosas podem ser tomadas com segurança em uma comunidade cujos pensamentos e sentimentos sejam justos, ao passo que, se adotadas por quem tenha pensamentos ou sentimentos injustos, seriam uma porta aberta para o inferno” (1980, pp. 387–88).

Essa resistência a agir estritamente de acordo com princípios, alega Robert Skidelsky, é o cerne do “segundo renascimento do liberalismo” de Keynes (após o anterior “Novo Liberalismo” da escola de Hobhouse): Keynes tinha por meta “sobrepor uma filosofia de gestão … uma filosofia de intervenções ad hoc, com base em uma consideração desinteressada” (1988, p. 15). Alec Cairncross afirma: “Ele detestava a servidão a regras. Defendia que os governos exercessem uma arbitrariedade e que os economistas auxiliassem no exercício dessa arbitrariedade” (1978, pp. 47–48). Mas é justamente a natureza ad hoc dessa abordagem de Keynes, a convicção em uma estranha “consideração desinteressada”, e a predileção pela “arbitrariedade” governamental, desobrigada dos limites impostos pelos princípios, que vai diretamente de encontro à própria doutrina liberal.

Tradicionalmente, o autêntico liberalismo sempre nutriu uma profunda descrença nos agentes do estado, seja porque lhes falte competência ou imparcialidade, ou ambos. A infundada confiança que Keynes depositava nos especialistas em economia, cujos sábios conselhos deveriam ser postos em prática por políticos abnegados, é um insulto a essa suspeita totalmente justificada, bem como a toda evidência histórica e teórica que lhe dá sustentação. Em termos contemporâneos, contradiz os ensinamentos associados à escola da escolha pública.[11]

A utopia de Keynes

Muitas vezes, Keynes entregava-se a reflexões sobre a natureza da sociedade futura. Por causa do excesso de inconsistências em seus escritos[12], tornou-se possível a alguns de seus adeptos argumentar que ele, na realidade, queria apenas “vincular o pleno emprego ao liberalismo clássico”, que “seu modelo era essencialmente ‘capitalismo mais pleno emprego’, e que ele nutria certo otimismo quanto à viabilidade do gerenciamento da macroeconomia” (Corry 1978, pp. 25, 28).

Ao longo da carreira de Keynes, no entanto, há indícios evidentes de seu anseio por uma ordem social bem mais radical — em suas palavras, uma “Nova Jerusalém” (O’Donnell 1989, pp. 294, 378 n. 27). Ele confessou ter entretido mentalmente “possibilidades de mudanças sociais mais vastas que aquelas abrangidas pelas atuais filosofias”, mais vastas até mesmo que a idealizada por pensadores como Sidney Webb. “A república de minha imaginação localiza-se na extremidade esquerda do espaço celeste”, meditava (1972, p. 309). Inúmeras de suas afirmações, feitas em diferentes décadas, lançam luz sobre essa confissão um tanto obscura. Tomadas em conjunto, confirmam a alegação de Joseph Salerno (1992) de que Keynes era um milenarista — um pensador para quem a evolução social seguia uma direção predeterminada, rumo àquilo que ele entendia ser um final feliz: uma utopia (O’Donnell 1989, pp. 288–94).

Ele ansiava por um estado de “igualdade de satisfação entre todos” (seja qual for o sentido que se atribua a isso) (1980, p. 369), no qual o problema a ser enfrentado pelo cidadão comum seja “como ocupar o ócio, o qual a ciência e os juros acumulados lhe terão garantido, para viver sabiamente, agradavelmente e bem” (1972, p. 328). O progresso tecnológico, gerado pelos investimentos socializados, garantirá automaticamente bens de consumo adequados a todos. A essa altura, surgirão os assuntos mais importantes da vida: “A evolução natural deveria ser no sentido de chegarmos a um nível de consumo conveniente a todos e, depois de suficientemente alto, no sentido de aplicarmos nossas energias aos interesses não econômicos da vida. Assim, é preciso reconstruirmos lentamente nosso sistema social tendo em vista essa finalidade” (1982a, p. 393).

À parte a questão de quem decidirá quando esse nível de consumo será suficientemente alto, é de se perguntar: quais as técnicas que Keynes imaginava existir que possibilitariam tamanha reestruturação da sociedade? Como sempre ocorria quando meditava sobre o futuro, ele não fornecia detalhes.[13] O que fica evidente é que, na utopia futura, o estado será o líder incontestável.[14] Dando um fim à “anarquia econômica”, o novo “regime [será aquele] com o propósito deliberado de exercer o controle e a direção das forças econômicas, no interesse da justiça social e da estabilidade social” (1972, p. 305).[15]

O estado, conforme Keynes, tomaria decisões até quanto ao nível ótimo de população. Com relação à eugenia, às vezes ele parece indeciso: “é possível que chegue um tempo, um pouco mais adiante, em que a comunidade como um todo tenha de prestar atenção às qualidades inatas, assim como à mera quantidade dos futuros membros” (1972, p. 292; ver também Salerno 1992, pp. 13–14). Outras vezes, era definitivo: “A grande transição na história da humanidade” terá início “quando o homem civilizado empenhar-se em tomar as rédeas do controle consciente, livre do instinto cego da mera sobrevivência predominante” (1983, p. 859).[16] Desse modo, o estado — na forma do “homem civilizado” — também direcionará e supervisionará a reprodução da raça humana.

Em todas essas questões, o estado será conduzido por intelectuais dotados de sabedoria e visão, dos quais o próprio Keynes era exemplo.[17] E como poderia ser diferente? Quando se deixa as pessoas livres para agir por conta própria, a grande maioria acaba desamparada, por assim dizer. Como declarou Keynes, “Nem tampouco é verdade que o egoísmo seja em geral esclarecido; o mais frequente é os indivíduos que agem sozinhos na promoção dos próprios fins demonstrarem tamanha ignorância ou inépcia a ponto de nem disso serem capazes” (1972, p. 288). E, uma vez que ele reconhecia que, em questões econômicas, “a solução acertada envolverá princípios intelectuais e científicos que sem dúvida estarão acima dos conhecimentos da vasta massa de eleitores, que são relativamente iletrados” (1972, p. 295), é o caso de se perguntar o quanto da “soberania da democracia” continuaria a existir em sua utopia.

Tendo em vista seus gostos pessoais, era natural que as artes desempenhassem um papel central em sua concepção. Ele lamentava a mesquinhez dos subsídios estatais para as artes, frugalidade essa defendida pelos “habitantes sub-humanos do Tesouro”. Essa política era incompatível com qualquer concepção mais elevada do “dever e propósito, honra e glória [sic] do Estado”. Os subsídios para as artes eram o meio pelo qual o estado cumpriria com seu dever de elevar “o homem comum”, fazê-lo sentir-se “mais distinto, mais afortunado, mais admirável, mais despreocupado” (citado em Moggridge 1974, pp. 34–35).

Durante a Segunda Guerra Mundial, Keynes exerceu o papel de principal porta-voz daquilo que depois se tornaria o Arts Council. “Morte a Hollywood” era sua máxima. Sentia-se imensamente gratificado por poder relatar que três mil operários ingleses das Midlands, região central da Inglaterra, haviam demonstrado “frenética empolgação” em reação a uma apresentação de balé (citado em Moggridge 1974, pp. 41, 48). No futuro, à parte os subsídios estatais, a apreciação artística seria inculcada nas escolas: assistir a peças e visitar galerias de arte “será um elemento vivo na formação de todos, e a frequência regular a teatros e concertos, parte da educação organizada” (1982b, p. 371).

A rematada banalidade dessa cruzada pelo elevamento estético, sob o patrocínio do estado — fundamental à realização da utopia de Keynes —, só é superada por sua melancolia.

No próximo artigo, a relação íntima de Keynes com os movimentos totalitários do século XX.
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Notas

[1] Ver a antologia editada por Bullock e Shock (1956). Inúmeros estudiosos, como E. K. Bramsted e K. J. Melhuish (1978), consideram Keynes um dos principais representantes no século XX (do que se presume que seja mais relevante) da sequência que tem início com o grupo dos Levellers ou com Locke. Maurice Cranston, biógrafo de Locke, atribui a Keynes, como a Locke, a classificação de liberal (1978, 101). Bernard Corry chega ao ponto de dizer que Keynes era, “basicamente, um liberal em economia, defendendo a adoção de medidas não liberais específicas exclusivamente em períodos de desemprego” (1978, 26). Douglas Den Uyl e Stuart Warner incluem Keynes em uma lista de liberais “consumados”, juntamente com Smith, Turgot, Constant e outros (1987, 263). John Gray insiste na necessidade de ajustar a posição de Keynes à definição da doutrina (1986, xi). É lógico que a definição de liberalismo de Gray omite toda e qualquer menção à defesa da propriedade privada. Contudo, Anthony Arblaster comenta que, mesmo Keynes sendo um “Liberal convicto”, “no fim, foi a democracia social que herdou o legado de suas ideias” (1984, 292).

[2] Na lógica rigorosa de seu esquema terminológico, a conclusão de Karl Brunner é que a “rejeição [de Keynes] à solução liberal” é facilmente identificada porque, “para ele, é inaceitável a severa restrição imposta ao governo. Em seu entender, a questão exigiria uma abordagem inteiramente nova” (1987, 28).

[3] Nas palavras de Charles Rowley, Keynes postulava “a convicção em uma economia de mercado fundamentalmente imperfeita e desprovida de forças autocorretivas, continuamente necessitada da intervenção do governo para não degenerar em caos…. Outra vez o neomercantilismo travava uma batalha contra a mão invisível, semelhante à ocorrida na Inglaterra de antes de Adam Smith” (1987b, 154).

[4] Apesar da declaração mencionada na nota 1, fica implícita a resignação de Cranston à questão do liberalismo fundamental de Keynes: “Keynes de fato integrava, juntamente com Francis Bacon, os philosophes do Iluminismo, os utilitaristas e os fabianos, aquele grupo de intelectuais convictos de que os intelectuais deveriam exercer o poder” (1978, 113). Vários escritores, adeptos em maior ou menor grau do liberalismo clássico, também acreditavam que não se poderia negar a Keynes a denominação de liberal; ver, por exemplo, Haberler 1946, 193.

[5] Sobre as consequências desastrosas do erro da taxa de câmbio, Harry Johnson afirma: “Tivesse o valor da libra em relação ao ouro sido fixado em números realistas na década de 1920 — uma receita de pleno acordo com a teoria econômica ortodoxa —, não haveria a necessidade do desemprego em massa, não havendo desse modo a necessidade de uma nova teoria econômica que o explicasse, nem tampouco haveria uma força responsável por desencadear boa parte da história política e econômica subsequente da Grã-Bretanha…. O país pagou a longo prazo um preço muito alto pela glória passageira da Revolução Keynesiana, tanto em termos da corrupção dos critérios adotados em trabalhos científicos de economia, quanto em termos do estímulo à indulgência da convicção, no processo político, de que a política econômica pode transcender as leis da economia com o socorro de economistas suficientemente competentes” (1975, 100, 122). No que diz respeito aos benefícios concedidos aos desempregados, Daniel Benjamin e Levis Kochin chamam a atenção para o fato de que Edwin Cannan foi um dos poucos contemporâneos a entender o quanto esses auxílios contribuíam para gerar o excesso de desemprego (1979, 468–72). Escritores keynesianos como Donald Winch ainda condenam Cannan gratuitamente, acusando-o de ser desumano, despido de compaixão (1989, 468 n. 40).

[6] Alguns dos principais erros tinham raiz na metodologia de Keynes — por exemplo, a conclusão de que, numa economia de mercado sem intervenção, seria impossível uma coordenação intertemporal. Para Roger Garrison (1985), o fato de Keynes operar em níveis cada vez mais altos de agregação escamoteava os mecanismos que possibilitavam que essa coordenação fosse, de fato, levada a efeito pelos processos de mercado, mesmo Hayek tendo demonstrado os verdadeiros processos de coordenação. O próprio Hayek acreditava que o mais fundamental dos equívocos de Keynes era de ordem metodológica: ao mesmo tempo em que ele buscava a “pseudoprecisão” de magnitudes aparentemente mensuráveis, negligenciava as verdadeiras interconexões do sistema econômico. Conforme Hayek, a abordagem de Keynes era baseada na hipótese de haver relações funcionais constantes entre demanda total, investimento, produção e assim por diante. Assim, sua tendência era “escamotear quase tudo que realmente importa”, resultando na “eliminação de muitos insights importantes a que já tínhamos chegado e que precisávamos recuperar com um esforço tremendo” (1995, 246–47).

[7] Mario Seccareccia (1993) contradiz o senso comum, que vê em Keynes um salvador potencial ou real do capitalismo.

[8] “Nenhum ensaio [de Keynes] jamais entra em detalhes, por pouco que seja, quanto ao conteúdo da proposta [de socializar os investimentos]. Não sabemos de que forma a socialização teria de ser implementada. As opções institucionais nunca são ponderadas … [e não há meios de] calcular as consequências dessa socialização” (Brunner 1987, 47).

[9] Outra questão — teoricamente mais importante, talvez — é saber se um dia seria possível as metas liberais serem compatíveis com a existência ininterrupta de uma instituição baseada no poder do monopólio e na autoridade de tributar — ou seja, o estado. Sobre essa questão, ver a obra pioneira de Hans Hermann Hoppe (2001, em especial 229–34).

[10] “A tendência de Keynes a mudar de ideia era notória, e não só entre os economistas. De fato, a mutabilidade era parte inseparável de sua figura pública” (Caldwell 1995, 41).

[11] Rowley descreve Keynes como alguém “o mais distante possível da abordagem adotada pela moderna escolha pública” e acusa-o de ignorar “a perigosa arbitrariedade que suas teorias conferiram a políticos interessados apenas em votos” (1987a, 119, 123). Donald Winch, que defende Keynes da acusação de estatismo, parece admitir que a lógica de seu pensamento aponta para uma direção estatista: “Quando a interpretação tecnocrática da capacidade do estado, associada ao próprio Keynes, mistura-se à política, será que a posição minimalista de Keynes se sustenta? Será que os keynesianos de esquerda (e opositores monetaristas, no que diz respeito ao assunto) têm razão em acreditar que a lógica do keynesianismo induz ao aumento da intervenção, de tal sorte que, para garantir o sucesso, mesmo aquilo que tem início como uma gestão macroeconômica precisa ser ampliado para uma intervenção microeconômica?” (1989, 124).

[12] Ver a avaliação peculiar que Thomas Balogh faz de Keynes: “Sua força e seu charme ilimitado — além de irresistível — residem em sua capacidade de se livrar de pontos de vista (e de pessoas) sem pestanejar” (1978, 67). Esse retrato não parece distante da caracterização de Rothbard, para quem Keynes era um “pirata” intelectual.

[13] Aqui, a abordagem de Keynes é própria de quem critica a economia de mercado. Como observa Roger Garrison: “Seu fracasso em explicar detalhadamente como funcionaria esse sistema ideal é coerente com o pensamento socialista de modo geral, sempre concentrado nas falhas observadas no sistema real em vez de no funcionamento supostamente superior do sistema concebido” (1993, 478).

[14] “No fundo, a receita de Keynes era que o estado agisse como guardião, supervisor e promotor da sociedade civilizada…. Era um supervisor atuante, com um programa eticamente orientado que tinha por meta uma transformação evolutiva gradual, que incluísse mudanças nas regras do jogo” (O’Donnell 1989, 299–300).

[15] Nesse mesmo ensaio célebre, “Am I a liberal?” , Keynes também afirmou, na confusão habitual de sua filosofia social, que ele só estava se empenhando por “novas providências para salvaguardar o capitalismo” (1972, 299).

[16] Em outra ocasião, Keynes reiterou a necessidade de se enfrentar o problema da superpopulação “com esquemas concebidos mentalmente, em vez das consequências involuntárias do instinto e das vantagens individuais…. Muitas gerações passaram desde quando os homens, na condição de indivíduos, começaram a adotar a motivação moral e racional como norteador de suas ações, em substituição ao instinto cego. Agora, têm de fazer a mesma coisa coletivamente” (1977, 453). Mais ou menos à mesma época, Leon Trotski expressou semelhante ponto de vista eugênico, sobre a “grande transição” para a utopia futura, embora imbuído de um espírito mais “prometeico”: “Mais uma vez a espécie humana, o estagnado Homo sapiens, ingressará em estado de transformação radical, e, em suas próprias mãos, será objeto dos mais intrincados métodos de seleção artificial e treinamento psicofísico …. Depois de ter deixado de se arrastar de quatro perante Deus, os reis e o capital, a raça humana não voltará a rebaixar-se às nebulosas leis da hereditariedade e a uma seleção sexual às escuras!” ([1924] 1960, 254–55).

[17] Ver o comentário de Corry: “Para o Círculo de Bloomsbury, políticos eram uma inquietante mistura de idiotas, oportunistas e patifes; e o que sobra para guiar o país? Uma espécie de establishment intelectual, intimamente ligado à Academia (ou melhor, àquela pequena parcela com raízes em Cambridge!) e apto a dar conselhos e exercer o controle de modo desapaixonado e abalizado…. Keynes estava imbuído de uma convicção à Bloomsbury no poder e dever da intelligentsia de dar conselhos sobre os eventos e de controlá-los” (1993, 37–38).

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