Algumas cidades do interior paulista adotaram o toque de recolher para crianças e adolescentes e outros municípios já estão interessados na medida. Fiquei perplexa quando li a primeira notícia que tratava do assunto, mas logo percebi que há todo um quadro que sustenta essa medida. Em primeiro lugar, já faz tempo que desertamos as ruas das cidades porque perdemos a confiança de que sejam lugares onde se pode ter uma vida boa.
As ruas são consideradas locais inseguros que provocam medo; transformaram-se em depósitos de problemas originados por nossos estilos de vida. Todo o aparato de segurança que usamos – de condomínios fechados a travas de segurança nas portas dos carros – servem para nos colocar fora das ruas. Vivemos em pequenos “quartos de pânico”, não parece?
Em segundo lugar, também já faz tempo que nós, adultos, perdemos a mão de como nos postar diante dos adolescentes. Em parte porque eles têm aquilo que mais desejamos, perseguimos e fazemos de conta ter: a juventude. Por isso, passamos a tratá-los como iguais, como se ocupassem lugares simétricos aos nossos.
A questão da educação democrática é um capítulo à parte. Passamos a acreditar que os adolescentes devem ser respeitados em seus direitos sem saber ao certo o que são tais direitos e sem também ensiná-los sobre os deveres correlatos. Sim: cada direito – o de ser respeitado, por exemplo – exige um dever – o de respeitar. Mas isso serviu mesmo a mais uma deserção: de nossa autoridade.
Em nome dessa ideia de educação, sentimo-nos sem o direito de ocupar um lugar legítimo para conter, restringir, coibir ou suspender, mesmo que temporariamente, os quereres impulsivos e impositivos deles. Finalmente, vivemos um período em que, voluntariamente e em nome de causas aparentemente nobres, temos abdicado de nossa autonomia. Vivemos em tempos de terceirizar nossas vidas, lembra-se? E é isso que abre espaço para a entrada do estado. Basta enumerar, como exemplo, quantos decretos proibitivos que envolvem a vida social já foram editados.
Voltemos ao toque de recolher. Muitos pais são favoráveis à medida. Imagino que seja mais fácil, para eles, segurar o filho em casa pela força do estado do que pela própria autoridade. Mas é bom lembrar que essa medida restringe a liberdade de escolha dos pais de como educar seus filhos.
Em relação aos jovens, diretamente atingidos, a medida é preconceituosa. Afinal, qual a porcentagem de adolescentes nas ruas que comete delitos, envolve-se em confusão ou entra em contato com drogas, por exemplo? E a dos que não fazem nada disso? E a dos que fazem tudo isso dentro de casa? Mais uma vez, optamos por demonizar a juventude e retirá-la de cena.
Cada vez mais, permitimos – e queremos – a intervenção do estado em nossas vidas. Parece mesmo que buscamos nele um pai que as governe. Quem precisa de pai e de mãe são as crianças e os jovens. Que sejam eles a governar a vida dos filhos, e não o estado, a polícia etc.