O keynesianismo é uma constante

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keynes (2)Por ironia e infortúnio, um dos mais duradouros legados dos oito anos da administração Reagan foi a ressurreição do keynesianismo. Desde o final da década de 1930 até meados da década de 1970, o keynesianismo esteve em alta tanto na profissão de economista quanto nos corredores do poder em Washington. A promessa era que, enquanto os economistas keynesianos estivessem no comando, as bênçãos da macroeconomia moderna iriam garantidamente nos levar a uma permanente prosperidade – e, melhor ainda – sem inflação. Mas então, eis que surgiu algo no meio desse caminho que levava ao Éden: a poderosa recessão inflacionária de 1973-1974.

A doutrina keynesiana, apesar do seu jargão algébrico e geométrico, é impressionantemente simples em seu âmago: recessões são causadas por uma escassez de gastos na economia; e a inflação, por um excesso de gastos. Dentre as duas principais categorias de gasto, o consumo é passivo e determinado – quase que roboticamente – pela renda; portanto, a esperança para que haja a quantidade adequada de gastos depende do investimento. Mas os investidores privados, conquanto ativos e decididamente não robóticos, são irregulares e voláteis, inconfiavelmente dependentes de flutuações – característica essa alcunhada por Keynes de “animal spiritis”. [Instinto animal].

Mas, para a nossa felicidade geral, existe um outro grupo na economia que, além de ser exatamente tão ativo e decisivo quanto os investidores, é também – desde que guiado por economistas keynesianos – científico e racional, capaz de agir pelo interesse de todos: o paizão governo. Quando os investidores e os consumidores gastam pouco, o governo deve intervir e aumentar o gasto social por meio de déficits, tirando assim a economia da recessão. E quando o animal spiritis privado ficar muito selvagem, o governo deve interferir e reduzir o gasto privado por meio daquilo que os keynesianos reveladoramente chamam de “absorção do excessivo poder de compra” (o nosso, convém frisar).

Aliás, em termos teóricos, os keynesianos poderiam muito bem defender que é o governo quem deve cortar seus gastos durante um boom inflacionário, e não as pessoas. Mas a idéia de reduzir o orçamento do governo (e eu me refiro a cortes mesmo, e não a reduções no crescimento do gasto) sempre foi anátema para eles.

Originalmente, os keynesianos juravam que eles também eram tão a favor de um “orçamento equilibrado” quanto os antiquados reacionários que se opunham a eles. Mas a única e insignificante diferença, diziam eles, é que, ao contrário dos antiquados reacionários, eles não se prendiam a um período da contabilidade que durava apenas um ano; sim, eles também iriam equilibrar o orçamento, mas isso aconteceria ao longo de um período de tempo maior, geralmente o tempo de um ciclo econômico. Assim, se a um período de quatro anos de recessão se seguir um período de quatro anos de crescimento, os déficits federais durante a recessão seriam compensados pelos superávits acumulados durante o crescimento; ao longo dos oito anos do ciclo, tudo estaria equilibrado.

Evidentemente, o “orçamento ciclicamente equilibrado” foi o primeiro conceito keynesiano a ir para o buraco da memória orwelliano, pois ficou claro que não iria jamais haver qualquer superávit – apenas déficits menores ou maiores. Daí, então, surgiu uma sutil, porém importante correção no modelo keynesiano: déficits maioresdurante as recessões, e déficits menores durante as expansões.

Mas o verdadeiro carrasco do keynesianismo foi a recessão inflacionária de dois dígitos ocorrida em 1973-74, logo seguida pelas ainda mais intensas recessões inflacionárias de 1979-80 e 1981-82. Pois se o governo deve pisar no acelerador dos gastos durante as recessões e no freio durante as expansões, o que diabos ele deve fazer se houver uma aguda recessão (com desemprego e falências) e uma vigorosa inflação ao mesmo tempo? O que o keynesianismo tem a dizer sobre essa situação? O governo deve pisar simultaneamente no acelerador e no freio? A inegável ocorrência de recessões inflacionárias viola os pressupostos fundamentais da teoria keynesiana, acabando assim com seu crucial programa político. Desde 1973-74, o keynesianismo está intelectualmente acabado; tornou-se uma teoria obtusa.

Mas, muito frequentemente, o cadáver se recusa a deitar, principalmente um que é composto por uma elite que teria de abrir mão de seus poderosos cargos no meio acadêmico e no governo. Uma regra crucial da política ou da sociologia é: ninguém jamais deve renunciar aos seus postos. E assim, os keynesianos se agarraram aos seus poderosos cargos o mais firme possível, dali jamais saindo, embora estejam hoje um pouquinho menos afeitos a promessas grandiosas.

Um pouco moderados, eles hoje apenas prometem fazer o melhor que puderem para manter o sistema funcionando. Essencialmente, portanto, desprovido de seu fundamento intelectual, o keynesianismo tornou-se pura e simplesmente a economia do poder, comprometida apenas em manter o establishment funcionando, em fazer ajustes marginais e em mimar ternamente a máquina governamental até a próxima eleição na esperança de que, ao ficar mexendo nos controles, alternando rapidamente entre o acelerador e o freio, alguma coisa vai funcionar – pelo menos o suficiente para preservar suas confortáveis posições por mais alguns anos.

Entretanto, no meio de toda a confusão intelectual, algumas poucas tendências dominantes, legado de seus dias gloriosos, ainda permanecem entre os keynesianos: (1) uma predileção por déficits contínuos, (2) uma devoção ao papel-moeda de curso forçado e a uma inflação, no mínimo, moderada, (3) fidelidade a um aumento constante dos gastos do governo, e (4) uma afeição eterna pelo aumento de impostos como meio de diminuir timidamente os déficits e, sobretudo, como meio de infligir um saudável castigo na população gananciosa, egoísta e imediatista.

Nos EUA, a administração Reagan conseguiu institucionalizar essas benesses no cotidiano do país, e de modo aparentemente permanente. Desde então, os déficits estão cada vez maiores e aparentam ser eternos; pior, formou-se um padrão de competição: os economistas de qualquer que seja o governo do momento estão sempre se esforçando para superar o keynesianismo dos seus antecessores, sendo que o maior desafio é arrumar desculpas cada vez mais engenhosas para os déficits exorbitantes. A única disputa permitida é aquela que ocorre dentro do campo keynesiano, com os supostamente “conservadores” economistas supply-siders(economia do lado da oferta) unindo-se entusiasmadamente aos keynesianos na paixão pela inflação e pelo crédito fácil, e diferindo-se deles apenas ao pedir alguns cortes de impostos e ao se posicionar contra o seu aumento.

O triunfo dos keynesianos dentro da administração Reagan – o que solidificou o retorno dessa doutrina à proeminência política – se deveu ao rápido falecimento dos monetaristas, os principais concorrentes dos keynesianos no meio acadêmico. Após uma série de previsões desastrosamente ruins, os monetaristas – que repetiam continuamente que “ciência é predição” – tiveram de bater em retirada, confusos e desesperadamente tentando descobrir o que deu errado, além de também terem de decidir qual dos Ms – M1, M2, M3 ou M4 – deveria servir como o representante da verdadeira oferta monetária. O colapso do monetarismo tornou-se evidente quando seu simpatizante, o então Secretário do Tesouro Donald Regan, foi substituído pelo keynesiano James Baker. Com os keynesianos dominando o segundo mandato de Reagan, a transição para um time completamente keynesiano no governo Bush – sendo que Bush sempre teve fortes inclinações keynesianas – foi tão suave que foi praticamente invisível.

É compreensível que o mesmo governo [Reagan] que tenha tratado assuntos importantes por meio de breves discursos e imagens de TV tenha sido também o responsável pela restauração da dominância de um credo econômico intelectualmente falido, o mesmo credo responsável pela política econômica de cada governo desde o segundo mandato de Franklin D. Roosevelt.

Também não é por acaso que o mesmo governo que foi capaz de combinar a retórica de “tirar o governo dos nossos ombros” com a realidade de um governo enormemente expandido, foi aquele que também trouxe de volta o fracassado e estatizante keynesianismo, e tudo sob a retórica da prosperidade e da livre iniciativa.

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