Joel Pinheiro e os devaneios liberais sobre justiça tributária

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Em sua recente coluna intitulada “Aumentar os impostos dos super-ricos é uma proposta liberal” publicada em 08/02/2021 no jornal Folha de São Paulo, o economista Joel Pinheiro da Fonseca decidiu justificar suas propostas de taxação dos mais ricos, motivado por uma divergência recente em que ele teria, nas suas palavras, despertado a ira de alguns libertários da internet.

Diante do título e do pano de fundo por detrás da matéria, ingenuamente imaginei que Pinheiro nos brindaria com alguma discussão sobre a literatura liberal que versa sobre o tema. Particularmente dei por certo que Pinheiro exploraria as famosas teses de Milton Friedman, pois afinal, tratava-se (segundo o título escolhido) de justificar seu modelo tributário através dos pilares do liberalismo.

Ledo engano. Pinheiro limitou-se a trazer uma citação de 2011 de Warren Buffett em que o mesmo critica a desproporcionalidade da tributação sobre os menos abastados, e a partir disso julgou-se legitimado a declarar que no Brasil a carga tributária é excessivamente pesada para os mais pobres, além de ser leve para os considerados mais ricos.

Todavia, se Joel chegou a tal conclusão baseando-se em números oficiais da tributação nacional, ou numa tese sociológica, ou uma série histórica comparativa… isso o articulista não informa, limitando-se enunciar suas conclusões sem nos brindar com o raciocínio que em tese suportaria a conclusão postulada.

Existe porém uma infindável lista de equívocos nas elucubrações de Pinheiro. No Brasil real as empresas arcam com uma carga tributária de 34% exclusivamente a título de IRPJ e CSLL, sem mencionar a incidência de obrigações decorrentes da colossal lista de 92 tributos em vigor nos estados, municípios, DF e na própria União. Essa lista inclui taxas, contribuição de melhoria, contribuições parafiscais ou especiais e os impostos propriamente ditos.

No Brasil real desconhecido por Joel Pinheiro, o ônus decorrente do sistema tributário tão pouco se esgota com a quitação pura e simples dos valores exigidos para alimentar o leviatã. A complexidade e insanidade tributária brasileira ainda exige que as empresas desperdicem 1501 horas de cálculos e auditorias para cumprir com todas as burocracias relativas aos recolhimentos de impostos, além de que o gasto com contadores, softwares e outros serviços especializados já consomem nessa etapa sessenta milhões do caixa das empresas todos os anos.

Em completa afronta ao mundo real e apostando na popularidade do senso comum, o texto persiste em ecoar as sugestões encontradas em 100% das redações do ENEM: taxar lucros e dividendos, criar novas alíquotas do imposto de renda para rendas mais altas e imposto sobre herança.

Pinheiro só se mostra criativo e busca inovar quando delineia seu ambicioso plano de criar o confisco em escala global, já que ao contrário de seus leitores, o famigerado escritor não ignora completamente o problema da fuga de capitais.

Desta forma, antecipando que alguns prefeririam viver como nômades globais a terem seu patrimônio surrupiado por burocratas da pior estirpe, Pinheiro acredita (nas suas próprias palavras) que Globalmente impostos sobre o patrimônio dos super-ricos —talvez implementados simultaneamente por várias nações, para reduzir a fuga de patrimônio— pode dar conta de captar aquilo que não foi tributado como renda.

Diante disso, se tivermos de reconhecer alguma virtude em Pinheiro, diremos que é a sinceridade em admitir por escrito que seu plano ambicioso passa por criar uma estrutura jurídica que estabeleça a tributação dos burgueses em escala global. Karl Marx não poderia ter dito melhor.

Outro dos lugares comuns promovidos pelo autor vem de sua afirmação de que ricaços não deixam de viver e declarar impostos em países que os taxam muito mais do que nós. Nada poderia ser mais enganoso.

Primeiramente, pelo simples fato de que muitas das empresas textualmente citadas em sua coluna, (Amazon, Tesla, Microsoft, Google) em muito se beneficiam do aumento do poder do estado através de inúmeros contratos envolvendo produtos e serviços multimilionários que o estado demanda destas mesmas empresas, as enriquecendo com dinheiro de impostos.

Adicionalmente, apesar do discurso politicamente correto tão alardeado pelas big techs, estas mesmas empresas lançam mão dos mais criativos subterfúgios para esquivar-se da sanha arrecadatória estatal, ao mesmo tempo em que sua simbiose com o leviatã lhes permite aprovar todo tipo de pesadas regulações que impedem a concorrência contra o cartel já estabelecido.

Verdade seja dita, mas Pinheiro mostra-se sagaz ao ecoar a tributação das big techs, pois que ninguém ousaria discordar que Musk e Bezos possuem uma quantidade pornográfica de dinheiro, ao passo que muitos não possuem garantia da próxima refeição.

Todavia, nem Joel Pinheiro nem qualquer outra pessoa mostra-se inclinado a oferecer garantias de que essa nova tributação incidiria exclusivamente sobre as big techs.

Hipérboles à parte, mas essa nova faculdade daria ao estado o poder de julgar se quem possui dois ou três cavalos é detentor de uma substancial riqueza burguesa que necessita ser estatizada em nome do bem comum. E é claro, se a declaração parece exagerada, sugiro considerar quão exagerado pareceria a Tiradentes a mera sugestão de que o estado no futuro estaria a confiscar cinco meses de trabalho de toda a população…

Adicionalmente, o texto não oferece uma única justificativa para que o leitor conclua necessariamente que o dinheiro que escoar do patrimônio dos mais abastados se converterá de alguma forma em utilidade para a coletividade ou os mais necessitados. Problemas como desperdícios e corrupção tão pouco parecem fazer parte do rol de preocupações de Pinheiro. O articulista simplesmente considera como um dado da natureza que impostos sempre vão existir, e rotula a hipótese contrária de utopia anarquista.

Em suma, nada de novo. Joel não dá nenhuma razão pela qual os libertários com os quais ele discutiu estavam equivocados; seu texto sequer tangencia a razão de ser proveitoso aumentar o confisco sobre a geração de riqueza no Brasil, um dos países mais hostis à livre iniciativa; ele escolhe argumentar que taxar as grandes fortunas é uma pauta liberal, falhando miseravelmente; e ainda sorrateiramente finge não saber que a discussão libertária sobre impostos se dá em termos éticos, provavelmente por reconhecer que nem em sonho ele poderia defender a eticidade dos impostos sem entrar em contradição performativa.

Assim, infelizmente não vejo a possibilidade de concluir este singelo parecer de outra forma, senão registrando o meu lamento por não encontrar sequer uma sugestão de grandeza intelectual na publicação de Joel Pinheiro, mesmo o autor contando com um mestrado em filosofia na universidade mais prestigiada do país.

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