Krugman concorda com os austríacos – mas por motivos completamente opostos

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Economist Paul Krugman addresses the World Business Forum at Radio City Music Hall in New York, U.S., on Wednesday, Oct. 7, 2009. The World Business Forum brings together figures from business, political and academic spheres to discuss pressing global issues. Photographer: Craig Ruttle/Bloomberg

Embora keynesianos e austríacos não concordem em quase nada, há uma coisa em comum com a qual ambos concordam: a economia americana está se afundando no brejo da depressão.  A partir daí, entretanto, a concordância chega ao fim, e as duas escolas de pensamento apresentam duas explicações completamente distintas quanto ao porquê de isso estar acontecendo.

Os keynesianos, sempre capitaneados por Paul Krugman e seu megafone no The New York Times, já começaram a alegar que o pacote de estímulos e toda a gastança empreendida por Barack Obama foram, na realidade, excessivamente módicos, e que a atual ênfase que vem sendo dada ao debate sobre corte de gastos em todos os níveis de governo é uma estratégia exatamente oposta da que deveria ser tomada.  Os austríacos, não surpreendentemente, acreditam que tal choradeira keynesina não apenas é uma tolice, como na verdade é uma tolice extremamente perigosa.

Em uma recente coluna, Krugman apresenta sua mais nova tese, e ela é útil porque expõe de maneira verdadeira a mente keynesiana em ação; e uma mente keynesiana jamais permite nenhuma outra explicação para o que está acontecendo nos EUA.  Para um keynesiano, o problema é — e sempre será — uma “demanda agregada” insuficiente, e a única solução é que os governos gastem como se fossem marinheiros bêbados que acabaram de ganhar na loteria.

Escreve ele,

A grande bolha imobiliária da última década, que foi um fenômeno tanto norte-americano quanto europeu, foi acompanhada de um aumento enorme da dívida relativa a hipotecas.  Quando a bolha estourou, a construção de imóveis despencou, e os gastos dos consumidores também caíram, já que as famílias, sobrecarregadas por dívidas, reduziram o seu consumo.

Mesmo assim, tudo poderia ter corrido bem se outros atores econômicos importantes tivessem aumentado os seus gastos, preenchendo a lacuna provocada pela queda no setor de construção e pela redução dos gastos do consumidor.  Mas ninguém fez tal coisa.  É especialmente importante observar que as corporações repletas de dinheiro não veem motivos para investir esse capital devido à fraca demanda dos consumidores.

E os governos também não fizeram muita coisa para ajudar.  Alguns governos — aqueles dos países mais fracos da Europa, bem como governos estaduais e municipais nos Estados Unidos — foram na verdade obrigados a cortar os gastos devido à queda das arrecadações.  E as medidas modestas tomadas por governos mais fortes — incluindo, sim, o plano de estímulo econômico de Obama — foram, na melhor das hipóteses, suficientes apenas para compensar essa austeridade forçada.

Portanto, o que temos agora são economias deprimidas. E o que os legisladores estão propondo fazer quanto a isso? Simplesmente nada.

Se há algum raciocínio encadeado que descreva corretamente a mentalidade keynesiana, tal raciocínio profundo seria este: gastar, gastar, gastar.  Trata-se de uma tese obviamente simples, que certamente possui grande apelo junto a políticos, e até mesmo junto ao público geral, e que domina o pensamento econômico acadêmico desde a Segunda Guerra Mundial.  Como afirmou Krugman, as famílias não podem gastar aquilo que não têm, e as empresas, por não verem perspectivas quanto à demanda futura, não irão investir (leia-se: não irão gastar com investimentos em capital — algo que sempre é definido pelos keynesianos como sendo valioso unicamente porque representa gastos, e não por causa de qualquer aspecto relacionado à maior produtividade trazida por investimentos em capital).

E assim estamos presos naquilo que Krugman e os keynesianos chamam de “armadilha da liquidez” (situação em que a expansão monetária não diminui o valor dos juros, pois estes já estão em seu mínimo.  A única solução seria aumentar os gastos), conceito esse que Krugman acredita ter o poder de encerrar toda a discussão.

A ideia keynesiana é que a lei dos custos de oportunidade é suspensa durante uma armadilha da liquidez, pois as taxas de juros estão muito baixas, os recursos estão “ociosos”, e o governo pode se endividar a juro praticamente zero e gastar à vontade, pois não estará consumindo nenhum recurso, dado que os recursos estão “ociosos”.  Como disse Krugman em seu livro The Return of Depression Economics, os gastos do governo nesta situação podem criar um “almoço grátis”. (Sim, ele realmente utilizou esse termo.)

Embora a maioria dos economistas convencionais não esteja disposta a confrontar os keynesianos quanto à ideia da “armadilha da liquidez”, Murray Rothbard jamais recuou.  Em seu livro America’s Great Depression, ele ataca toda a noção de “armadilha da liquidez”, escrevendo,

A arma suprema do arsenal keynesiano de explicações para depressões é a “armadilha da liquidez”.  Não se trata exatamente de uma crítica à teoria dos ciclos econômicos descrita por Mises, mas é a última linha keynesiana de defesa para as suas “curas” inflacionárias para a depressão.  Os keynesianos alegam que a “preferência pela liquidez” (demanda para portar moeda) pode se tornar tão persistentemente alta, que a taxa de juros não poderá cair o suficiente para estimular os investimentos necessários para retirar a economia da depressão.  Logo, só resta ao governo intervir maciçamente, se endividar e gastar — em qualquer área da economia.

Rothbard aponta um sério problema com esta análise, observando que Keynes jamais compreendeu corretamente a teoria dos juros, alegando que a taxa de juros é formada pela “preferência pela liquidez e não pela preferência temporal“, raciocínio este que leva a mais conclusões incorretas sobre o estado da economia.  Outros austríacos também criticaram fortemente esta teoria, entre eles William Hutt e Henry Hazlitt.

Tanto Hutt quanto Hazlitt atacaram toda a ideia de “recursos ociosos”, que está por trás da argumentação de que os custos de oportunidade podem ser suspensos durante uma depressão.  O argumento dos recursos ociosos baseia-se na noção de que os fatores de produção estão momentaneamente sem uso simplesmente porque os gastos estão em um nível muito baixo.  Sendo assim, um forte aumento no endividamento do governo (a custo quase zero — pois os juros estão nulos —, o que significa que não há custo de oportunidade) permitirá gastos maciços, os quais irão se difundir por todos estes ativos ociosos, fazendo com que eles voltem a ser utilizados.

Como já observado, a teoria keynesiana é irresistivelmente simples.  Se há recursos não utilizados, então basta o governo “estimular” a economia por meio de mais gastos; os recursos voltarão a ser utilizados e, de alguma forma, a economia magicamente voltará a uma trajetória sustentável.  O que os keynesianos não entendem é que o motivo de haver tantos recursos que repentinamente se tornaram ociosos é porque houve algum erro anterior de cálculo durante o período da expansão econômica insustentável.  Os empreendedores, enganados pelos juros artificialmente baixos — os quais foram reduzidos pelo Banco Central por meio da expansão monetária, e não da poupança voluntária dos cidadãos — incorretamente imaginaram que havia uma demanda maior do que a que de fato existia, e isso os levou a fazer investimentos errôneos — no caso, a expansão de sua capacidade instalada.  Uma vez interrompida a expansão monetária, todo esse cenário artificial é revelado, e o período da correção (depressão) torna-se inevitável, para não dizer necessário.

Logo, o problema dos recursos ociosos não é apenas a falta de “demanda” ou de “gastos”.  Tampouco é economicamente sensato dizer que o governo deve preencher a “baixa demanda”.  O problema foi que, na esteira da farra do crédito fácil, houve uma má alocação de recursos em vários setores da economia, o que causou um desequilíbrio estrutural, um descompasso entre a estrutura do capital e a demanda do consumidor.

A depressão é o período no qual a economia passa a corrigir esse desequilíbrio.  E a única maneira de fazer corretamente esse procedimento é permitindo que os recursos sejam realocados de modo que correspondam às reais demandas do consumidor.  Para tal, a única medida correta é deixar o mercado, guiado pelo sistema de preços, realocar esses fatores da maneira mais racional possível.  Gastos do governo irão apenas retardar esse processo, intensificando a recessão.

Por outro lado, os keynesianos afirmam que, caso não haja novos gastos, então a deflação de preços será o resultado inevitável, fazendo com que ainda mais recursos se tornem ociosos até que, no final, toda a economia estará em um perverso equilíbrio: uma enorme quantidade de pessoas estará desempregada e sem perspectiva de melhorias econômicas.

Krugman é inflexível quanto a este ponto, e está tão convencido de que só ele está certo, que qualquer pessoa que porventura se atreva a discordar estará agindo assim apenas porque é um insensível que quer ver as outras pessoas sofrendo; ou porque tal pessoa está tão fanatizada pela teoria austríaca dos ciclos econômicos que se tornou incapaz de acrescentar qualquer ponto valioso ao debate público.  (Com efeito, Krugman acredita quenão há mais debate nenhum, tão certo ele está de que sua posição é a única correta, de que ela já foi provada empiricamente e de que não pode jamais ser refutada — mesmo que ela venha sendo teimosa e continuamente refutada pela realidade).

Assim, mesmo que tenhamos testemunhado uma explosão nos gastos do governo americano durante os últimos anos, e que isso só tenha feito deprimir ainda mais a economia e elevar a dívida para mais de 14 trilhões de dólares, de acordo com Krugman a realidade é que o governo Obama este tempo todo adotou um plano de “austeridade”.  Como assim?  Segundo Krugman, o governo americano adotou um plano de austeridade simplesmente porque, se o governo realmente tivesse aumentado os gastos maciçamente, a economia já teria saído da depressão.  É assim que funciona seu raciocínio.  Em outras palavras: dado que só existe uma única maneira de se retirar a economia americana do brejo — isto é, gastando-se os tubos —, e dado que a economia americana ainda não saiu do brejo, então é óbvio que o governo americano não gastou o suficiente.

E quanto à tese da “incerteza gerada pelo regime“?  Krugman também rejeita tal teoria, zombeteiramente chamando-a de “fada da confiança“.  As empresas, ele argumenta, estão entesourando dinheiro porque estão sentindo que não há uma demanda do consumidor.  Porém, se o governo gastar, gastar e gastar, então aí sim as empresas voltam a investir — e ponto.

(Em relação a toda aquela retórica que vem sendo regurgitada pela Casa Branca contra as empresas e o mercado, todo o aumento nas regulamentações e toda a demonização das indústrias petrolíferas e de carvão — indústrias essas que são essenciais caso se queira que a economia americana volte a crescer —, tudo isso, de acordo com Krugman, ou nunca existiu ou é apenas espuma, e certamente não tem nenhuma relevância para a piora da situação econômica.  E por que não teria?  Ora, porque Krugman diz que não.  E ponto.)

A solução definitiva, de acordo com Krugman e os keynesianos, é induzir a economia americana a outro boom econômico, criar alguma outra bolha de ativos que possa fazer sua “mágica” durante pelo menos algum tempo — até que ela também estoure.  (Perversamente, em uma postagem endossada por Krugman, o economista keynesiano Karl Smith diz ter a esperança de que haja outra bolha imobiliária.  O Fed certamente está trabalhando arduamente para que isso ocorra.)

Sempre que leio Krugman e os keynesianos, fico espantado com sua análise de que ativos, economicamente falando, são na realidade homogêneos.  Não importa para onde os novos gastos sejam direcionados; o que importa é que haja gastos.  É só gastar, e todo o resto magicamente será devidamente afetado.  É só gastar, e todos os ativos serão estimulados, todos os fatores de produção ociosos voltarão a ser utilizados e toda a mão-de-obra desempregada voltará a ter trabalho.

Ademais, o ponto de vista krugmaniano/keynesiano baseia-se em uma interpretação extremamente mecanicista da ação humana.  De acordo com os keynesianos, as pessoas dentro de um arranjo de mercado não compram bens porque acham que terão suas necessidades individuais satisfeitas por esses bens.  Não, elas gastam, como se o gasto por si só fosse o objetivo supremo de uma economia.

Trata-se de uma visão que separa a produção do consumo, fazendo com que uma seja inexplicavelmente independente da outra.  A ação humana verdadeira e proposital não é encontrada em nenhum lugar desta análise.  Os indivíduos não agem.  Não há nenhuma conexão significativa entre desejos dos consumidores e a valoração dos fatores de produção, tampouco se analisa a maneira como os fatores de produção são empregados nas várias linhas de produção.  Tudo pode ser resumidamente descrito pela equação Y = C + I + G, sem nenhuma necessidade de se pensar mais profundamente.  Apenas esta tautologia já basta.

Como dito no início, tanto austríacos quanto keynesianos acreditam que a economia americana está se encaminhando para uma recessão ainda mais profunda, com a possibilidade de uma grande depressão.  Entretanto, Krugman e os Keynesianos acreditam que a única salvação são gastos maciços e profundas intervenções governamentais na economia.  Já os austríacos acreditam que são justamente estes gastos maciços e estas volumosas intervenções governamentais que estão piorando as coisas.  E enquanto Krugman e Companhia jamais irão admitir o contrário, o fato é que apenas o paradigma austríaco explica corretamente o que está acontecendo.  E o faz com total acurácia.

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Veja também: Paul Krugman e a terceira depressão — uma mente confusa

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