PREFÁCIO DA EDIÇÃO BRASILEIRA
Contudo, a crítica não é destrutiva, mas cheia de ensinamentos e sugestões. O autor aponta corretamente os erros, embora não dê — nem pretenda fazê-lo — a receita infalível para solucionar o problema. Mesmo assim propõe tratamentos que teriam efeito imediato para impedir que ele se agrave e, também, para aliviá-lo.
O professor Leoni aponta a crescente importância da legislação em quase todos os sistemas jurídicos do mundo, afirmando que tanto, nos países anglo-saxões, o direito consuetudinário — common law — e os tribunais ordinários perderam espaço constantemente para a lei escrita e as autoridades administrativas, como, nos países da Europa Continental, o direito civil passa por um processo similar à inflação, devido à quantidade de leis que aos milhares surgem todos os anos. Não mais de sessenta anos depois do surgimento do Código Civil Alemão e pouco mais de um século depois do código de Napoleão, somente a ideia de que o direito possa não estar identificado com a legislação parece estranha, tanto para os estudiosos de direito como para leigos no assunto.
É opinião corrente que a lei é a fonte do direito, quando na verdade o direito, como produto social, é anterior à lei. Só é boa a lei que sanciona o direito criado pelas convenções dos indivíduos na ordem civil, mercantil, marítima etc. A instituição do casamento não foi criada por lei, mas pelo costume e religião. O direito comercial tem sua origem nas normas adotadas pelos comerciantes nas bolsas e nos mercados da Idade Média. O direito internacional, a prática das relações entre os estados soberanos, da mesma forma surgiu por fruto da própria sociedade. Assim nasce e evolui o direito. A lei que sanciona o direito popularmente elaborado pode ser boa; a que pretende criá-lo só o será por uma excepcionalidade.
O autor denuncia o conceito equivocado dos legisladores sobre seus poderes, pois consideram que em tudo podem se constituir uma maioria, ainda que temporária, e respaldados no caráter de representantes do povo. As maiorias legislativas não podem invocar a representação total dos povos porque, salvo certos assuntos, os eleitores não lhes dão mandato expresso a respeito de cada um dos pontos sobre os quais versam os infinitos projetos de lei que se apresentam a cada ano legislativo.
Isso parece conduzir ao reconhecimento do fracasso do sistema representativo. Todavia, o professor Leoni oferece uma solução recomendável, ao expressar que, a fim de devolver à palavra “representação” seu significado original e correto, teria de ser feita uma severa redução “do número de ‘representados’, ou do número de matérias nas quais são supostamente representados, ou de ambos”.
É difícil admitir que a redução dos representados seja compatível com a liberdade individual, aceitando-se que os representados tenham direito a expressar sua própria vontade, ao menos como eleitores.
Diversamente, reduzir os assuntos nos quais as pessoas sejam representadas produz o efetivo resultado de aumentar a quantidade de assuntos nos quais possam tomar decisões livremente sem serem “representadas” de forma alguma.
Esse último caminho proposto parece ser o único para se atingir a liberdade individual que ainda subsiste nos tempos atuais. Não se nega que as pessoas que estão acostumadas a aproveitar o processo de representação — seja como representantes ou representadas —, têm algo a perder em consequência da redução proposta. Sem dúvida, têm igualmente muito a ganhar em todos os casos em que estão destinadas a serem as “vítimas” de um processo legislativo sem restrição. Ao final, o resultado será tão favorável para a causa da Liberdade individual — de acordo com Hobbes — como o seria para todos os seres humanos, se chegássemos finalmente à supressão de toda a ingerência em relação à vida e aos pertences dos indivíduos, para sair, assim, do lamentável estado de luta de todos contra todos.
O professor Leoni espera melhores resultados da jurisprudência dos tribunais do que das incessantes criações e reformas legislativas. Há mais estabilidade para os direitos como resultado das reiteradas decisões dos juízes, em certo sentido, do que pelo contínuo funcionamento da máquina legislativa, frequentemente posta em ação por representantes que não conhecem direito, nem a técnica do trabalho de que estão encarregados. A isso se deve acrescentar que a instabilidade dos direitos individuais se agrava pelo avanço dos poderes executivos sobre as atribuições dos legislativos.
Vale ressaltar trecho em destaque no final do livro: “A formulação de leis é muito mais um processo teórico do que um ato de determinação e, enquanto um processo teórico, não pode ser resultado de decisões emitidas por grupos de poder, às custas de minorias dissidentes.”
Faz mais de trinta anos que o professor Leoni palestrou em Claremont, Califórnia, dando origem a este livro. O Instituto Liberal do Rio Grande do Sul e o Instituto de Estudos Empresariais, ao promoverem esta primeira edição em língua portuguesa de Liberdade e a lei, querem resgatar e oferecer ao público brasileiro este clássico sobre os direitos individuais e a falácia das maiorias representativas. A oportunidade do lançamento é patente, neste ano de revisão constitucional, quando muitos dos direitos, garantias e responsabilidades individuais estão em jogo.
Abril de 1993
Instituto Liberal do Rio Grande do Sul
Instituto de Estudos Empresariais