A maior parte do que se passa hoje sob o rótulo de ciências sociais é uma apologética mal disfarçada para as políticas dos governos. O que o filósofo George Santayana (1863-1952) disse uma vez sobre um professor de filosofia da Universidade de Berlim, na época Universidade Real Prussiana, que para este homem parecia “que a vida profissional de um professor consistia em se arrastar ao longo de um tortuoso caminho governamental carregando uma carga legal”, é hoje em toda parte verdade para a maioria dos designados a ensinar economia. Na visão desses doutores, todos os males que afligem a humanidade são causados pela ganância de exploradores, especuladores e monopolistas gananciosos, que são supremos na condução dos negócios na economia de mercado. A principal tarefa de um bom governo é conter esses canalhas suprimindo sua “liberdade econômica” e submetendo todos os assuntos às decisões da autoridade central. O controle total do governo sobre as atividades de todos – seja isto chamado de planejamento, socialismo, comunismo ou qualquer outro nome – é enaltecido como a panaceia.
Para tornar essas ideias plausíveis, era preciso proscrever como ortodoxo, clássico, neoclássico e reacionário tudo o que a economia havia apresentado antes do surgimento do New Deal, do Fair Deal e da New Frontier. Qualquer familiaridade com a economia pré-keynesiana é considerada bastante inadequada e imprópria para um economista atualizado. Poderia facilmente despertar em sua mente alguns pensamentos críticos. Poderia incentivá-lo a refletir, em vez de endossar obedientemente os slogans vazios de governos e poderosos grupos de pressão. Não há mais, de fato, na literatura e ensinamentos daqueles que hoje se autodenominam “economistas”, nenhuma compreensão do funcionamento do sistema econômico como tal. Seus livros e artigos não descrevem, analisam ou explicam os fenômenos econômicos. Eles não prestam atenção à interdependência e mutualidade das atividades de vários indivíduos e grupos. Na opinião deles, existem diferentes esferas econômicas que devem ser tratadas em geral como domínios isolados. Eles dissolvem a economia em vários campos especiais, como economia do trabalho, agricultura, seguros, comércio exterior, comércio interno e assim por diante. Esses livros e artigos tratam do nível dos salários, por exemplo, como se fosse possível tratar esse assunto independentemente dos problemas dos preços das mercadorias, juros, lucros e prejuízos e todas as outras questões da economia. Eles reúnem, sem terem qualquer noção do propósito de estarem fazendo isso, uma vasta gama de dados estatísticos e outros dados históricos sobre o passado recente, que eles escolhem chamar de “presente”. Eles fracassam completamente em compreender a interconexão e a determinação mútua das ações dos vários indivíduos cujo comportamento resulta no surgimento da economia de mercado.
A literatura econômica das últimas décadas fornece uma história lamentável de deterioração e degradação progressivas. Mesmo uma comparação das publicações recentes de muitos autores mais antigos com seus escritos anteriores mostra um declínio crescente. As poucas, pouquíssimas, boas contribuições que surgiram em nossa época foram tachadas de antiquadas e reacionárias pelos economistas do governo, boicotadas pelas universidades, revistas acadêmicas e jornais, e ignoradas pelo público.
Esperemos que o destino do livro de Murray N. Rothbard Homem, Economia e Estado seja diferente. O Dr. Rothbard já é conhecido como autor de várias monografias excelentes. Agora, como resultado de muitos anos de meditação sagaz e perspicaz, ele se junta às fileiras de eminentes economistas publicando uma obra volumosa, um tratado sistemático de economia.
A principal virtude deste livro é que ele é uma análise abrangente e metódica de todas as atividades comumente chamadas de econômicas. Ele considera essas atividades como ação humana, ou seja, como um esforço consciente por fins escolhidos, recorrendo a meios apropriados. Essa cognição expõe os esforços fatídicos do tratamento matemático dos problemas econômicos.
O economista matemático tenta ignorar a diferença entre os fenômenos físicos, por um lado, cuja emergência e consumação o homem é incapaz de constatar a operação de quaisquer causas finais – e que só podem ser estudadas cientificamente porque prevalece uma regularidade perceptível em suas concatenação e sucessão – e fenômenos praxeológicos, por outro lado, que carecem de tal regularidade, mas são concebíveis para a mente humana como o resultado de um objetivo intencional para fins definidos escolhidos.
Equações matemáticas, diz Rothbard, são apropriadas e úteis onde há relações quantitativas constantes entre variáveis desprovidas de motivações; elas são inadequadas no campo do comportamento consciente. Em algumas linhas brilhantes ele derruba o principal artifício dos economistas matemáticos, a saber, a ideia falaciosa de substituir os conceitos de determinação mútua e equilíbrio pelo conceito supostamente ultrapassado de causa e efeito. E mostra que os conceitos de equilíbrio e economia uniformemente circular não se referem à realidade; embora imprescindíveis para qualquer investigação econômica, são meros instrumentos mentais auxiliares para nos ajudar na análise da ação real.
As equações da física descrevem um processo ao longo do tempo, enquanto as da economia não descrevem um processo, mas apenas o ponto de equilíbrio final, uma situação hipotética que está fora do tempo e nunca será alcançada na realidade. Além disso, elas não podem dizer nada sobre o caminho pelo qual a economia se move na direção da posição final de equilíbrio. Como não há relações constantes entre nenhum dos elementos que a ciência da ação estuda, não há medição possível, e todos os dados numéricos disponíveis têm caráter meramente histórico; eles pertencem à história econômica e não à economia como tal. O slogan positivista, “ciência é medição”, de forma alguma se refere às ciências da ação humana; as alegações de “econometria” são vãs.
Em cada capítulo de seu tratado, o Dr. Rothbard, adotando o melhor dos ensinamentos de seus predecessores, e acrescentando a eles insights extremamente importantes, não apenas desenvolve a teoria correta, como também se mostra ansioso para refutar todas as objeções já levantadas contra essas doutrinas. Ele expõe as falácias e contradições da interpretação popular dos assuntos econômicos. Assim, por exemplo, ao lidar com o problema do desemprego ele aponta: em toda a discussão moderna e keynesiana desse assunto o elo que falta é justamente o salário. Não faz sentido falar de desemprego ou emprego sem referência a uma taxa salarial. Qualquer oferta de serviço de trabalho que seja trazida ao mercado pode ser vendida, mas somente se os salários forem fixados em qualquer taxa que possa compensar o mercado. Se um homem deseja ser empregado, ele será, desde que o salário seja ajustado de acordo com o que Rothbard chama de seu produto de valor marginal descontado, isto é, o nível atual do valor que os consumidores – no momento da venda final do produto — atribuirá a sua contribuição para sua produção. Sempre que o candidato a emprego insistir em um salário mais alto, ele permanecerá desempregado. Se as pessoas se recusam a ser empregadas, exceto em lugares, ocupações ou salários que gostariam, é provável que escolham o desemprego por períodos substanciais. A plena importância deste estado de coisas torna-se evidente se atentarmos para o fato de que, nas condições atuais, aqueles que oferecem seus serviços no mercado de trabalho representam a imensa maioria dos consumidores cuja compra ou abstenção de comprar, em última análise, determina o nível das taxas salariais.
Menos bem-sucedidas do que suas investigações nos campos da praxeologia geral e da economia são as ocasionais observações do autor sobre a filosofia do direito e alguns problemas do código penal. Mas o desacordo com suas opiniões sobre esses assuntos não pode me impedir de qualificar o trabalho de Rothbard como uma contribuição histórica para a ciência geral da ação humana, a praxeologia, e sua parte praticamente mais importante e, até agora, mais bem elaborada, a economia. Doravante, todos os estudos essenciais nestes ramos do conhecimento terão que levar plenamente em conta as teorias e críticas expostas pelo Dr. Rothbard.
A publicação de um livro-texto sobre economia levanta novamente uma questão importante, a saber, para quem são escritos ensaios dessa importância: apenas para especialistas, estudantes de economia ou para todo o público?
Para responder a esta pergunta, devemos ter em mente que os cidadãos, na sua qualidade de eleitores, são chamados a determinar, em última análise, todas as questões de política econômica. O fato de as massas serem ignorantes em física e não saberem nada substancial sobre eletricidade não atrapalha os esforços dos especialistas que utilizam os ensinamentos da ciência para a satisfação das necessidades dos consumidores. De vários pontos de vista, pode-se deplorar a limitação intelectual e a indolência da multidão. Mas sua ignorância quanto às realizações das ciências naturais não põe em perigo nosso bem-estar espiritual e material.
A coisa é bem diferente no campo da economia. O fato de que a maioria de nossos contemporâneos, as massas de semi-bárbaros guiadas por autointitulados intelectuais, ignoram inteiramente tudo o que a economia apresentou, é o principal problema político de nossa época. Não adianta nos enganarmos. A opinião pública americana rejeita a economia de mercado, o sistema capitalista de livre iniciativa que proporcionou à nação o mais alto padrão de vida já alcançado. Controle total do governo de todas as atividades do indivíduo é virtualmente o objetivo de ambos os partidos nacionais. O indivíduo deve ser privado de sua responsabilidade e autonomia moral, política e econômica, e ser convertido em peão nos esquemas de uma autoridade suprema visando um propósito “nacional”. Sua “afluência” deve ser reduzida em benefício do que é chamado de “setor público”, isto é, a máquina operada pelo partido no poder. Hostes de autores, escritores e professores estão ocupados denunciando supostas deficiências do capitalismo e exaltando as virtudes do “planejamento”. Cheia de ardor quase religioso, a imensa maioria defende medidas que levam passo a passo aos métodos de administração praticados em Moscou e em Pequim.
Se queremos evitar a destruição da civilização ocidental e a recaída na miséria primitiva, devemos mudar a mentalidade de nossos concidadãos. Devemos fazê-los perceber o que eles devem à tão vilipendiada “liberdade econômica”, o sistema de livre iniciativa e capitalismo. Os intelectuais e aqueles que se dizem educados devem usar suas faculdades cognitivas superiores e poder de raciocínio para a refutação de ideias errôneas sobre problemas sociais, políticos e econômicos e para a disseminação de uma compreensão correta do funcionamento da economia de mercado. Eles devem começar familiarizando-se com todas as questões envolvidas para ensinar aqueles que estão cegos pela ignorância e pelas emoções. Eles devem aprender a fim de adquirir a habilidade de iluminar muitos desorientados.
É um erro fatal de nossos contemporâneos mais valorosos acreditar que a economia pode ser deixada na mão de especialistas da mesma forma que vários campos da tecnologia podem ser deixados com segurança na mão daqueles que escolheram fazer de qualquer um deles sua vocação. As questões da organização econômica da sociedade são assunto de cada cidadão. Dominá-los com o melhor de sua capacidade é o dever de todos.
Agora, um livro como Homem, Economia e Estado oferece a todo homem inteligente a oportunidade de obter informações confiáveis sobre as grandes controvérsias e conflitos de nossa época. Certamente não é uma leitura fácil e exige o máximo esforço de atenção. Mas não há atalhos para a sabedoria.
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Artigo original aqui
Muito bonito! As palavras de Mises mostram como Rothbard e sua magnum opus eram gigantes.
Publicação preciosa! É uma opinião fortíssima de Mises, mas não deixa de ser verdadeira, a publicação de Homem, Economia e Estado em português com certeza é um grande marco para todos os estudos em escola austríaca no Brasil