Mises e a Escola Austríaca – uma visão pessoal

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Introdução

[O]nde predominam as ideias intervencionistas, só aqueles que se identificam com os interesses de um grupo de pressão podem fazer uma carreira política. (…) O verdadeiro estadista procura invariavelmente estabelecer políticas de longo prazo; aos grupos de pressão só interessam os resultados de curto prazo.[1]

Resolvi concorrer ao Congresso devido ao desastre dos controles de salários e de preços impostos pelo governo Nixon em 1971. Quando o mercado acionário reagiu euforicamente à imposição desses controles e ao fim da convertibilidade entre o ouro e dólar, e a Câmara de Comércio americana e muitos outros grandes grupos empresariais apoiaram com entusiasmo, resolvi que alguém na política tinha de condenar os controles e oferecer a alternativa que podia explicar o passado e dar esperança no futuro: a defesa do livre mercado pelos economistas austríacos. Naquela época, eu estava convencido, assim como Ludwig von Mises, de que ninguém poderia ter sucesso na política sem servir aos interesses particulares de algum grupo de pressão politicamente poderoso.

Embora tenha acabado me elegendo, em termos de uma carreira política convencional com verdadeiro impacto em Washington, ele tinha toda a razão. Não granjeei influência legislativa junto à liderança do Congresso ou ao governo executivo. Verbas para obras rotineiras de saneamento básico em meu distrito eleitoral são deliberadamente cortadas de projetos de lei porque eu não chancelo o sistema nem voto a favor de qualquer repasse de recursos.

Minha influência, tal como se apresenta, vem apenas educando as pessoas a respeito da justiça do livre mercado. A maioria dos eleitores em meu distrito a aprova, assim como aqueles que estão familiarizados com a economia de livre mercado. E eleitores de outros distritos, estimulados por minha defesa aberta da liberdade e da moeda sólida, influenciam os seus representantes na direção de um livre mercado. Minha influência vem por meio da educação, e não das técnicas tradicionais de um político. Mas os políticos mais tradicionais no Congresso dificilmente vão resolver nossos problemas. Os americanos precisam de uma melhor compreensão da Economia Austríaca. Só então os políticos se tornarão mais estadistas.

Tomei conhecimento da Economia Austríaca quando estava estudando medicina na Duke University e me deparei com um exemplar de O Caminho da Servidão, de Hayek.[2] Após devorar o livro, estava decidido a ler tudo o que eu pudesse encontrar sobre o que eu acreditava ser uma nova escola de pensamento econômico — principalmente a obra de Mises. Embora as obras fossem esplêndidas, e me esclarecessem muitas questões, foi uma revelação ainda maior descobrir intelectuais que podiam confirmar o que eu “já sabia” — que o livre mercado é superior a uma economia centralmente planejada. Não sabia como um livre mercado realizava sua obra, de modo que o estudo da economia me mostrou a sua operação e a maneira de erguer sua defesa. Mas, como muitas pessoas, não precisei ser convencido dos méritos da liberdade individual — para mim, isso veio naturalmente.

Porque, até onde vai minha memória, sempre quis estar livre de qualquer forma de coerção do governo. Todos os meus instintos naturais a respeito à liberdade foram inevitavelmente confrontados pelo sistema escolar convencional, pela mídia e pelo governo. Esses sistemas tentaram lançar dúvidas sobre a minha convicção de que apenas um mercado sem amarras está em consonância com a liberdade individual. Embora tranquilizado pelo fato de que gigantes intelectuais como Mises aprovassem um sistema laissez-faire, ficava frustrado por saber o que era o certo enquanto assistia a um desastre em gestação em nossa economia. Quanto mais eu vinha a entender como o mercado funcionava, mais eu via a necessidade de implementar essas ideias por meio da ação política.

Ações políticas voltadas para a mudança podem, é claro, assumir formas variadas. Em 1776, nos Estados Unidos, foi em forma de uma guerra pela independência da opressão britânica. Em 1917, na Rússia, a violência foi usada para fortalecer a opressão.

Felizmente, é possível realizar o tipo certo de mudança por meio da educação, da persuasão e do processo democrático. Nossos direitos de liberdade de expressão, de reunião, de crença, de petição e de privacidade permanecem essencialmente intactos. Antes que percamos nossos direitos, temos de trabalhar para mudar as políticas de 70 anos de intervencionismo estatal. Quanto mais esperarmos, mais difícil será.

Devido ao meu interesse na liberdade individual e no livre mercado, aproximei-me muito, ao longo dos anos, de amigos e alunos de Mises, aqueles que conheciam a grandeza de Mises por uma longa amizade pessoal com ele. Meu contato com Mises, no entanto, sempre se deu por intermédio de seus escritos, exceto por uma ocasião. Em 1971, em um dia movimentado em meu consultório médico, almocei sem pressa para dirigir 100 quilômetros até a Universidade de Houston para assistir a uma das últimas palestras formais proferidas por Mises — esta, sobre o socialismo. Embora já tivesse 90 anos, ele impressionava muito, e sua apresentação me instigou a estudar mais a Economia Austríaca.

Minha amizade e encontros subsequentes com Leonard Read e sua Foundation for Economic Educationtambém me instigaram a trabalhar mais duro por uma sociedade livre da intrusão do governo em nossas vidas pessoal e econômica. Meu conhecimento foi estimulado e apoiado pelo trabalho extraordinário do Mises Institute, com suas várias publicações e conferências, e seu inspirador trabalho entre estudantes optando por carreiras acadêmicas.

Minha amizade com dois importantes alunos de Mises, Hans Sennholz e Murray Rothbard, foi particularmente proveitosa para obter explicações em primeira mão sobre o funcionamento do mercado. Ela me ajudou a sofisticar minhas respostas à contínua enxurrada de leis estatistas que dominam o Congresso americano. Sua ajuda pessoal foi inestimável para mim, em meus esforços educacionais e políticos.

Essas amizades são valiosas, mas a segurança dada por pensadores robustos estarem do meu lado foi inspiradora. Ela me deu a confiança de que precisava para defender intelectualmente minhas posições políticas e econômicas na campanha eleitoral e na tribuna do Congresso.


[1] Ludwig von Mises, Ação Humana (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2011), p. 984.

[2] Friedrich A. Hayek, O Caminho da Servidão (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2010).

 

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Ron Paul
é médico e ex-congressista republicano do Texas. Foi candidato à presidente dos Estados Unidos em 1988 pelo partido libertário e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2008 e 2012 pelo partido republicano. É autor de diversos livros sobre a Escola Austríaca de economia e a filosofia política libertária como Mises e a Escola Austríaca: uma visão pessoal, Definindo a liberdade, O Fim do Fed – por que acabar com o Banco Central (2009), The Case for Gold (1982), The Revolution: A Manifesto (2008), Pillars of Prosperity (2008) e A Foreign Policy of Freedom (2007). O doutor Paul foi um dos fundadores do Ludwig von Mises Institute, em 1982, e no ano de 2013 fundou o Ron Paul Institute for Peace and Prosperity e o The Ron Paul Channel.

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