Em praticamente todos os países do mundo há um constante apelo para se tributar mais a renda dos mais ricos e utilizar essa receita adicional para fazer a “justiça social”, promovendo uma ampla “distribuição de renda”.
O problema de se tributar os ricos, bem como todas as consequências econômicas negativas deste fato, já foram muito bem explicitadas neste artigo, de modo que o objetivo aqui será outro. O objetivo será explicar por que qualquer tipo de imposto, mesmo aquele voltado exclusivamente para as rendas mais altas, sempre acabará inevitavelmente sendo repassado aos mais pobres, de um jeito ou de outro.
Em todo o debate ideológico acerca do capitalismo, há duas visões opostas que curiosamente partem do mesmo princípio: tanto os detratores do capitalismo quanto seus defensores dizem se tratar de um sistema puramente individualista, em que cada um age por conta própria, pensando exclusivamente no seu bem. Seus detratores condenam essa exortação à independência; já os defensores glorificam-na. Porém, nenhum dessas posições parece apreciar a verdadeira natureza do capitalismo, e o problema é que ambas essas concepções erradas estão hoje bastante difundidas.
Há de fato um aspecto em que as pessoas realmente tentam ser as mais independentes possíveis: elas querem evitar pagar impostos. Todas as discussões a respeito de carga tributária e a respeito de quem — isto é, qual classe social — deve arcar com a maior parte do fardo tributário demonstram um total desconhecimento sobre como o mercado funciona. A esquerda sempre defendeu que os ricos sejam mais tributados, para que eles deem sua “contribuição justa” à sociedade. Já a direita costuma reagir dizendo que os mais ricos — tanto os indivíduos quanto as empresas — já respondem pela maior parte da receita tributária do governo, que a camada mais rica da população paga o mesmo volume de impostos que todo o restante da população combinada, e que boa parte da população não paga nada de imposto de renda. A esquerda então reage dizendo que a desigualdade permanece constante ou, em alguns casos, segue aumentando. Os ricos estão ficando mais ricos, e isso supostamente é ruim, pois precisamos de maior igualdade para atingir a justiça social. E por aí vai.
Não irei aqui entrar na (i)moralidade de se defender a espoliação da propriedade alheia; o enfoque será puramente econômico. O problema em todo esse debate popular sobre impostos é que ele não leva em conta que os esforços para se evitar o pagamento de impostos vão muito além dessa pendenga sobre quais seriam as alíquotas de impostos “justas” e sobre quem deve pagar mais. Os esforços para se evitar o pagamento de impostos se estendem para todo o mercado.
Se, por exemplo, a alíquota do imposto de renda que incide sobre as rendas mais altas fosse elevada em 20%, os trabalhadores de renda mais alta reagiriam a isso negociando um aumento salarial. (Dado que a esquerda quer muita gente pagando mais imposto, então creio ser correto dizer que ela defende maior imposto justamente sobre pessoas mais produtivas; caso contrário, seria na prática impossível elevar impostos permanentemente. Logo, por se tratar de pessoas produtivas, não é incorreto dizer que elas têm poder de barganha junto a seus empregadores). Se essas pessoas conseguirem um aumento salarial de, por exemplo, 10%, isso significa que praticamente metade do aumento de 20% da carga tributária foi repassada aos seus empregadores.
Essa maior alíquota do imposto de renda reduziu os salários líquidos; o consequente aumento nos salários elevou os salários brutos. Neste ponto, a exata divisão do fardo tributário entre empregados e empregadores vai depender do relativo poder de barganha entre eles no mercado de trabalho. O que interessa é que os empregados de maior renda irão repassar uma parte, se não a maior parte, de qualquer aumento em seu imposto de renda para seus empregadores.
Consequentemente, estes empregadores irão contratar menos empregados — ou tentarão contratar oferecendo salários bem menores, algo difícil —, e irão tentar repassar esse aumento havido nos custos trabalhistas para os consumidores, na forma de preços maiores. Esse aumento, no entanto, vai depender do relativo poder de barganha entre o vendedor e seus clientes, bem como do nível de concorrência no mercado. Os empresários irão repassar estes maiores custos aos consumidores até o ponto em que possam elevar preços sem sofrer uma relativamente grande perda no volume de vendas. Desta forma, os consumidores que ainda continuarem comprando a estes preços maiores estarão pagando parte do aumento na carga tributária que supostamente deveria afetar apenas os “ricos”.
Logo, vê-se que a direita está errada ao alegar que os mais pobres não pagam imposto de renda. Além de absolutamente toda a população pagar os impostos indiretos que estão embutidos nos preços dos bens e serviços, a classe média e os pobres também acabam pagando parte daquele aumento do imposto de renda que visava a atacar apenas os ricos. A esquerda, por sua vez, também está errada ao crer que todo o fardo de uma elevação de impostos pode ser confinada exclusivamente aos “ricos”. A classe média e os pobres sempre acabarão pagando por um aumento de impostos sobre os ricos através dos maiores preços dos bens e serviços. Qualquer aumento no imposto de renda da camada mais rica da população — seja o 1% mais rico ou os 5% mais ricos — irá acabar por elevar os impostos que toda a população paga indiretamente.
É possível contra-argumentar dizendo que o repasse para os preços desse aumento no imposto de renda seria muito pequeno. Talvez apenas uma pequena porcentagem da elevação do imposto de renda, o qual foi repassado aos empregadores, seria repassada aos consumidores na forma de preços maiores. No entanto, caso isso ocorra, o efeito de longo prazo será ainda pior. Se os empregadores tiverem de arcar com uma elevação marginal dos custos trabalhistas sem uma correspondente elevação marginal de sua receita, suas margens de lucro diminuirão. Redução nos lucros significa menos investimentos. E menos investimentos inibem um maior crescimento econômico. Um menor crescimento econômico significa menores aumentos nos salários e na renda de toda a população. Os efeitos dos impostos sobre o crescimento econômico, portanto, são bem mais indiretos do que se imagina.
Economias de mercado são sistemas complexos nos quais os interesses de todos os indivíduos estão entrelaçados. Qualquer esforço para alterar os resultados gerados pela livre concorrência no mercado irá gerar consequências inesperadas e indesejadas. O conceito de justiça social é, por si só, algo indefinido e arbitrário. No entanto, mesmo se todos nós de alguma forma concordássemos com uma ideia de redistribuição “socialmente justa”, simplesmente não haveria como estruturar a carga tributária (ou os gastos do governo) de maneira a alcançar este objetivo. A imposição de novos impostos altera preços e salários de maneiras impossíveis de serem previstas e difíceis de serem mensuradas mesmo após o fato já consumado.
Esquerda e direita parecem ter definitivamente abraçado o mito de que o estado é perfeitamente capaz de restringir os efeitos da tributação a apenas uma determinada classe de pessoas. Embora não seja possível mensurar qual é realmente a verdadeira carga tributária que incide sobre cada pessoa, é perfeitamente possível entender que a real carga tributária é significativamente distinta daquela que havia sido planejada. Pessoas de alta renda não pagam tanto quanto as alíquotas oficiais sugerem. O mercado difunde o fardo tributário de uma maneira bem mais equitativa do que as pessoas imaginam. Tentativas de “fazer os ricos pagarem sua fatia justa” irão apenas aumentar o fardo tributário mutuamente compartilhado por todos, por meio de uma maior tributação indireta e oculta. Por outro lado, os benefícios de reduções de impostos são também mais amplamente compartilhados do que as pessoas imaginam.
Há duas lições a serem tiradas disso tudo. A primeira é que nenhum de nós é realmente “independente” e está genuinamente “por conta própria”, pois a economia de mercado é um sistema social. A segunda é que políticos não são capazes de utilizar impostos para alcançar objetivos específicos como uma “renda justa”, pois a economia de mercado é extraordinariamente complexa e ajustável. E os políticos são qualquer coisa, menos oniscientes. Uma autoridade onisciente e onipotente até poderia impor alguma noção de justiça social; no entanto, a nossa realidade é que a justiça social é algo arbitrário e não exequível na prática. Estas duas lições possuem implicações profundas e extremamente importantes.
Felizmente, há uma solução fácil para o problema da carga tributária. Dado que os benefícios do corte de impostos são também difundidos entre todos, qualquer corte no orçamento do governo que possibilite redução de impostos já seria um enorme “avanço social”. Todos nós pagamos impostos desnecessariamente altos. Todos nós podemos pagar muito menos.