O Essencial von Mises

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Capítulo V. Mises no período entreguerras

 

Com The Theory of Money and Credit o jovem Ludwig von Mises passou às linhas de frente dos economistas europeus. Em 1913, ano seguinte ao da publicação do livro, ele se tornou professor de economia na Universidade de Viena e, ao longo da década de 1920 e no início da de 1930, seu seminário em Viena converteu-se num farol para jovens e talentosos economistas de toda a Europa. Em 1928, publicou a versão ampliada de sua teoria do ciclo econômico, na obra Geldwertstabilisierung und Konjunkturpolttik[4]. Em 1926, fundou o prestigioso Instituto Austríaco para a Pesquisa dos Ciclos Econômicos.

No entanto, a despeito da fama grangeada pelo livro e por seu seminário na Universidade de Viena, as notáveis realizações de Mises, principalmente em The Theory of Money and Credit, nunca foram realmente reconhecidas ou aceitas pelos economistas. Essa rejeição foi simbolizada no fato de que, em Viena, Mises foi sempre um Privatdozent, ou seja, ocupava na Universidade um posto conceituado, mas não remunerado. Obtinha seus ganhos como consultor econômico da Câmara de Comércio Austríaca, posição que conservou de 1909 até 1934, quando deixou a Áustria. As razões do descaso geral por suas contribuições eram agravadas por problemas de tradução, e, mais profundamente, pelo rumo que adotaram os economistas após a Primeira Guerra Mundial. No mundo acadêmico insular da Inglaterra e no dos Estados Unidos, nenhum trabalho não traduzido para o inglês consegue causar qualquer impacto, e, lamentavelmente, The Theory of Money and Credit só foi publicado em inglês em 1934, tarde demais, como veremos, para conquistar a merecida posição. A Alemanha nunca tivera uma tradição de economia neoclássica. No que diz respeito à própria Áustria, a Escola Austríaca entrara num pronunciado declínio, simbolizado pelas mortes de Böhm-Bawerk, em 1914, e do já inativo Menger, pouco depois da guerra.

Os böhm-bawerkianos ortodoxos opuseram forte resistência aos avanços de Mises e à incorporação por ele efetuada da moeda e do ciclo econômico à análise “austríaca”. Mises viu-se, então, ante a necessidade de criar, em novos moldes, sua própria escola “neo-austríaca” de alunos e seguidores. A língua não foi seu único problema na Inglaterra e nos Estados Unidos. Sob a influência embotadora e dominadora do neo-ricardiano Alfred Marshall, a Inglaterra nunca fora receptiva ao pensamento “austríaco”.

Nos Estados Unidos, onde o pensamento “austríaco” tivera maior influência, os anos subsequentes à Primeira Guerra Mundial assistiram a um nefasto declínio do nível da teorização econômica. Os dois mais destacados economistas “austríacos” nos Estados Unidos, Herbert J. Davenport, da Universidade Cornell, e Frank A. Fetter, da Universidade de Princeton, tinham, ambos, deixado de contribuir para a teoria econômica à época da Primeira Guerra Mundial. Nesse vácuo teórico da década de 20, introduziram-se dois economistas mal fundamentados e decididamente não “austríacos”, ambos co-responsáveis pela formação da “Escola de Chicago”: Irving Fisher, da Universidade de Yale, que propunha uma teoria mecanicista da quantidade e enfatizava a conveniência da manipulação da moeda e do crédito pelo governo para se elevar e estabilizar o nível de preços; e Frank Knight, da Universidade de Chicago, com sua insistência na vantagem do irrealismo da “concorrência perfeita” e sua negação da importância do tempo na análise do capital ou da preferência temporal na determinação da taxa de juros.

Além disso, o mundo econômico, tanto quanto o mundo da ciência econômica, vinha-se tornando cada vez menos receptivo ao ponto de vista misesiano. Mises escreveu a importante obra The Theory of Money and Credit ao apagar das luzes do mundo de relativo laissez faire e do padrão-ouro, que prevalecera até a Primeira Guerra Mundial. Logo depois, a guerra introduziria os sistemas econômicos a que hoje estamos tão afeitos: um mundo de estatismo, planejamento governamental, intervenção, papel-moeda sem lastro emitido pelo governo, inflação e hiperinflação, colapso do meio circulante, tarifas e controle cambiais.

Ludwig von Mises respondeu ao obscurecimento do mundo econômico à sua volta com uma vida de grande coragem e integridade pessoal. Jamais se curvaria a tendências de mudança que percebia serem desastrosas e estarem fadadas ao fracasso. Nenhuma alteração, fosse de economia política, fosse da ciência econômica, seria capaz de fazê-lo desviar-se um milímetro sequer da busca e da apresentação da verdade tal como a via. Numa homenagem, o economista francês Jacques Rueff, notável defensor do padrão-ouro, fala de sua “intransigência” e escreve, com razão:

Com infatigável entusiasmo e com coragem e fé inquebrantáveis, ele (Mises) jamais cessou de denunciar as razões falaciosas e as inverdades apresentadas para justificar a grande parte de nossas novas instituições. Demonstrou – no sentido mais literal da palavra – que essas instituições, ao mesmo tempo em que proclamavam contribuir para o bem-estar humano, eram fontes imediatas de miséria e sofrimento, e, em última análise, causas de conflitos, guerras e escravização.

Nenhuma consideração conseguia afastá-lo, por pouco que fosse, da trilha direta e íngreme em que sua razão imparcial o guiava. Em meio ao irracionalismo de nosso tempo ele permaneceu uma pessoa de pura razão.

Os que o ouviram ficaram muitas vezes perplexos ao se verem conduzidos, pelo poder convincente de seu raciocínio, a lugares a que, por um temor muito humano, jamais tinham ousado ir. [5]

 

[4] Traduzido para o inglês sob o título “Monetary Stabilization an Cyclical Policy”, em Mises, On the Manipulation of Money and Credit (Dobbs Ferry, N.Y.: Free Market Books), pp 57-171.

 

[5] Jacques Rueff, “The intransigence of Ludwig von Mises”, em M. Sennholz (ed.), On Freedom and Freen  Enterprise: Essays in Honor of Ludwig von Mises (Princeton: D.Van. Nostrand, 1956), pp. 15-16.

 

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