Os empregos e as importações

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N. do T.: O artigo a seguir foi adaptado para a realidade brasileira.

 

O governo brasileiro, preocupado com um possível efeito negativo das importações sobre o nível de empregos na indústria nacional, preparou um pacote de estímulos, isenções e subsídios à industria nacional — o Plano Brasil Maior.

Por trás de toda essa pirotecnia está o velho e, aparentemente, inacabável temor da desindustrialização e do consequente desemprego gerado pelo livre comércio e pelas importações chinesas.

Quando não estão culpando os juros altos, políticos e analistas econômicos sempre gostam de explicar o aumento do desemprego na indústria com argumentos protecionistas, os quais estão dentre os mais velhos e mais controversos argumentos econômicos.  O desemprego, exaltam-se eles, é o preço que pagamos por participarmos de uma economia globalizada na qual chineses e vietnamitas desempregados ou subempregados estão dispostos a trabalhar em troca de um salário famélico, o que faz com que o preço final de seus produtos seja imbatível.

Sendo assim, o livre comércio, prosseguem eles, passa a ser algo extremamente injusto para a nossa indústria nacional, a qual não tem condições de concorrer com os produtos asiáticos — seja porque nossas leis trabalhistas são onerosas, seja por causa da alta carga tributária, seja por causa do câmbio valorizado, o que barateia as importações.  Consequentemente, milhões de brasileiros que trabalham no setor industrial são condenados à indignidade e à privação do desemprego.  A única solução, quando não a manipulação direta do câmbio, é dificultar ao máximo as importações, impondo tarifas protecionistas e aumentando os subsídios para a indústria nacional.

Curiosamente, se o comércio exterior fosse responsável por demissões, o fenomenal aumento das importações observado nas últimas décadas deveria não só ter desempregado todos os brasileiros que trabalham na indústria, como também deveria ter aniquilado a própria indústria nacional.  De acordo com dados do Banco Central, as importações brasileiras na década de 1950 totalizaram US$ 12,8 bilhões.  Na década de 1960, aumentaram US$ 13,8 bilhões.  Na década de 1970, aumentaram em sete vezes, para US$ 97,2 bilhões.  Na década de 1980, com a política da substituição de importações, o ritmo do crescimento reduziu bastante, aumentando em um fator de apenas 1,7, indo para US$ 168,9 bilhões.  Na década de 1990, o aumento foi de 2,3 vezes, chegando a US$ 390,6 bilhões.  E, finamente, de 2000 a 2010, as importações já passaram de US$ 1,04 trilhão.  Se as importações destroem empregos, então esse aumento de 8.025% desde a década de 1950 deveria ter aniquilado com todos os empregos da indústria nacional.

É difícil imaginar como seriam nossas atuais condições de trabalho e nossa atual qualidade de vida caso o governo brasileiro tivesse fechado suas fronteiras, como defendem os protecionistas radicais e os seguidores daCEPAL.  A interrupção do comércio estrangeiro e a consequente retaliação internacional às nossas importações, em conjunto com o esmagador fardo tributário e regulatório que nossos sucessivos governos impuseram à economia, certamente teriam jogado o país em uma profunda depressão.  Com as fronteiras fechadas, não haveria investimentos estrangeiros.  E sem investimentos estrangeiros, não haveria capital com o qual criar novas indústrias no Brasil, principalmente as automobilísticas, e não teríamos como importar todos os bens de capital que hoje são utilizados para aumentar a produtividade da mão-de-obra e, consequentemente, seus salários.  Mais ainda: sem investimentos estrangeiros, não teria sido possível criar o Plano Real, pois não haveria as necessárias reservas internacionais para implementá-lo.

O Brasil estaria paralisado, empobrecido e completamente isolado do processo de globalização.

Empregos

O emprego sempre foi e sempre será um fenômeno relacionado à produtividade e ao custo da mão-de-obra.  Em uma economia de mercado, tanto em épocas de crescimento quanto em momentos de recessão, a demanda por uma mão-de-obra que faça contribuições positivas sempre será ilimitada.  Aquela mão-de-obra que custa mais do que pode produzir — seja ela não-qualificada ou seja ela detentora de três diplomas — não possui nenhuma demanda.  Do ponto de vista dos potenciais empregadores, ela é absolutamente “improdutiva”.  Isso é válido para atores de cinema e para administradores, para analistas de sistemas, programadores de softwares, engenheiros de automação e cientistas aeronáuticos.  Se Ph.D.s em matemática não estão conseguindo encontrar empregos, é porque seus potenciais empregadores acreditam que eles são bastante “improdutivos” considerando-se o custo total de sua mão-de-obra em relação à sua produtividade.

Boa parte da mão-de-obra que possui diploma universitário está desempregada porque está fora de sintonia com o mercado de trabalho.  São pessoas que foram educadas de acordo com currículos formulados por burocratas do Ministério da Educação e fartamente financiadas por impostos.  Não estão acostumadas a cobranças e à realidade do mercado.  Sob esse arranjo, vários diplomados estão extremamente mal equipados para ocupar empregos úteis.  Daí o apagão da mão-de-obra qualificada e o crescente aumento de pessoas diplomadas trabalhando em empregos fora da área em que formaram; empregos estes (teoricamente) abaixo de sua qualificação.

Em praticamente todos os setores da economia, os empregadores fornecem cursos de treinamento para aumentar o conhecimento e a produtividade de seus contratados, pois estes saíram das universidades sem saber nada.  Porém, tais empregadores não ofertarão tais programas de treinamento caso os custos destes sejam proibitivos em relação ao que o trainee pode produzir, de modo que os resultados finais do treinamento sejam insuficientes para cobrir as despesas do processo.

Os empreendedores de sucesso estão continuamente se ajustando às alterações na demanda, na oferta, na tecnologia, nos custos de transporte, nos custos da mão-de-obra e do capital, nas regulamentações e nos obstáculos governamentais, nos impostos, na burocracia, na concorrência doméstica e internacional.  Cada indivíduo inserido na ordem de mercado está sob pressão para se ajustar a essas mudanças e, com isso, se manter produtivo.  É claro que ele também é livre para ignorar as pressões; a datilógrafa pode perfeitamente continuar querendo apenas teclar sua máquina de escrever.  O que ela não pode é insistir que ela seja subsidiada por outros trabalhadores e empregadores.  O mesmo é válido para um engenheiro aeronáutico graduado com honras no ITA e que sabe construir grandes aviões militares.  Em épocas de guerra e de preparações para a guerra, seus serviços estarão sob forte demanda.  Em épocas de paz, ele terá de aprender atividades mais pacíficas.  Ele não possui o direito natural de viver à custa do trabalho alheio.

A concorrência internacional é tão benéfica quanto a concorrência doméstica.  De um lado, ela obriga os vendedores a superarem seus concorrentes, forçando-os a oferecerem bens e serviços melhores e mais baratos; de outro, ela obriga os consumidores a também superarem seus concorrentes (os outros consumidores), forçando-os a terem a disponibilidade de pagar preços maiores.

Tarifas protecionistas e outras restrições ao comércio exterior geram o efeito totalmente oposto: elas criam reservas de mercado, permitindo que produtores protegidos ofereçam produtos inferiores a preços mais altos.  Elas distorcem a cadeia produtiva, pois seus incentivos tortos, criados por burocratas, fazem com que a produção muitas vezes tenha de sair de lugares em que as condições naturais para a produção são mais favoráveis e vá para lugares em que as condições são menos favoráveis.  Elas afetam a distribuição da mão-de-obra, a qual abandona aquelas indústrias exportadoras que operam sob forte ambiente concorrencial, e que pagam salários mais altos, e vai para as indústrias protegidas, que geralmente pagam salários mais baixos.  Em suma, as restrições ao livre comércio afetam a produção e, consequentemente, reduzem o padrão de vida.

A competitividade de uma empresa tanto no mercado doméstico quanto no mercado internacional é determinada pelos seus custos totais, dentre os quais os custos da mão-de-obra (com seus encargos sociais e trabalhistas) são apenas um dos componentes.  Em indústrias intensivas em capital, como a farmacêutica, a química, a aeronáutica, a siderurgia e a indústria de maquinários, o custo do capital tende a determinar a competitividade.  Essas indústrias não concorrem com os produtos chineses, e seus maiores obstáculos são as regulamentações governamentais sobre as importações de bens de capital, bem como a carga tributária sobre tais bens.  Já nas indústrias intensivas em mão-de-obra, o custo total da mão-de-obra é decisivo, e aqui a concorrência chinesa é forte.  Porém, novamente, o maior empecilho a estas indústrias está nos obstáculos criados pelo governo, como a carga tributária e os encargos trabalhistas, nos quais o Brasil é nº 1 do mundo, muito acima da média dos países europeus.

Ademais, se um empreendedor comprar uma máquina para aumentar a produtividade dos seus empregados, ele terá de arcar com ICMS, PIS e COFINS, o que faz com que o investimento fique onerado em até 36%, somente por causa desses impostos.  Quanto mais longa a cadeia produtiva, mais acumulados ficam os impostos.

A questão das importações

Se as importações chinesas estão “tomando mercado” dos produtos brasileiros é porque os consumidores brasileiros estão voluntariamente mostrando que preferem aqueles produtos (talvez por serem mais baratos) aos produtos brasileiros.  E é isso que políticos, analistas econômicos e empresários mercantilistas não querem aceitar.  O que eles querem, na verdade, é um decreto governamental que proíba os consumidores brasileiros de exercerem livremente suas preferências no mercado.  No extremo, querem que os brasileiros sejam obrigados a comprar apenas os bens produzidos nacionalmente.

Até onde se sabe, não há agentes terroristas a soldo do governo de Pequim agindo livremente no Brasil, apontando uma arma para os brasileiros e obrigando-os a comprar seus produtos.  Se os consumidores brasileiros voluntariamente optam por consumir produtos chineses, é porque algum atrativo estes devem ter.  Se não tivessem, não seriam consumidos.  Afinal, por via de regra, um indivíduo só pratica uma transação voluntária quando ele acha que a troca lhe trará benefícios.

Tarifas sobre produtos chineses afetam os mais pobres de maneira muito mais cruel e direta do que os ricos.  Encarecer artificialmente produtos importados apenas para agradar empresários com boas conexões políticas é um ato no mínimo criminoso.  Proibir que os mais pobres tenham acesso a produtos baratos com a desculpa de se estar protegendo a indústria nacional é, com muita boa vontade, um argumento ridículo e imoral.

Afirma-se também que o câmbio está excessivamente apreciado, e que isso está artificialmente estimulando a importação.  Outro argumento sem sentido.  As empresas que reclamam estar sofrendo “competição desleal” por causa do dólar barato poderiam muito bem se aproveitar desse dólar barato e importar bens de capital que ajudariam a aumentar sua produtividade e, consequentemente, a diminuir seus preços.  Com preços mais baixos, a qualidade dos bens que produzem poderia até ser mantida, pois isso já seria suficiente para concorrer de igual pra igual com os chineses.

Alguns poderiam contra-argumentar dizendo que preços menores fariam com que os lucros caíssem, o que obrigaria as empresas a reduzir investimentos, cortar a produção e demitir.  Mas eles esquecem que a lucratividade não é determinada pelo número absoluto de reais obtidos; lucratividade é uma questão de margens.  Se os preços caem, mas os custos de produção também caem na mesma medida, então a margem de lucro permanece constante.  Porém, como uma diminuição de preços resulta em um maior volume de vendas, essa margem de lucro constante irá gerar maior lucratividade por causa do maior volume de vendas.  Muito mais bens são vendidos a $100 do que a $150, por exemplo.  Assim, a receita que foi perdida por unidade vendida é mais do que compensada pelo maior volume de vendas.

Mas ao invés de utilizar seu dinheiro para modernizar suas empresas e ganhar lucratividade, os empresários mercantilistas preferem gastá-lo fazendo lobby em Brasília, já que a pressão política traz resultados mais rápidos, mais baratos e, melhor de tudo, evita os árduos esforços exigidos pelo mercado.

Por fim, um argumento aparentemente válido é o de culpar os altos custos trabalhistas impostos pelo governo, o que retira dinamismo e capacidade de investimento em comparação às indústrias chinesas.  Isso é verdade, como mostramos acima.  Mas por que então não atacar justamente esse ponto?  Não é justo e tampouco há qualquer argumento econômico para penalizar aqueles que nada têm a ver com a situação, obrigando-os a comprar produtos mais caros.  Ao passo que o livre comércio gera riqueza — pois podemos adquirir produtos mais baratos daqueles que os fabricam com mais eficiência —, sua proibição significa a necessidade de utilizar mais recursos para produzir menos riqueza.  No final, todos perdem com esse desperdício (exceto os protegidos, como ocorreu com vários setores da economia brasileira durante a década de 1980).

Além de ridículo, o argumento protecionista é também imoral porque nenhum político, burocrata ou empresário tem o direito de definir o que um indivíduo pode comprar, de quem ele pode comprar e a que preço ele pode comprar.  Se damos ao estado o direito de escolher essas variáveis, então já não mais estamos no controle de nossas vidas.  Nosso arbítrio não mais é livre e não mais nos pertence.

Conclusão

O protecionismo subsidia o ineficiente e tende a agravar a ineficiência, não importa se a indústria protegida é infante ou madura.  Tarifas de importação fazem também com que as administrações incompetentes não sejam punidas pelo mercado, que os custos de produção não sejam controlados (o que provoca o desperdício de recursos escassos) e que haja inúmeras concessões aos sindicatos.  O resultado, no longo prazo, será uma indústria perpetuamente não competitiva — como foi a indústria automotiva brasileira até os anos 1990.  Apenas a livre concorrência pode fazer com que uma empresa ou indústria se mantenha permanentemente competitiva — ou quebre.

Àqueles que creem que adotar tarifas protecionistas é necessário para proteger e melhorar a eficiência das indústrias — por mais paradoxal que seja acreditar que a melhor maneira de levar eficiência a um setor é protegendo-o da concorrência —, ficam as seguintes perguntas: Tarifa de quanto?  Por que tal valor?  Por que não um valor maior ou menor?  Por quanto tempo deve durar tal tarifa?  Por que não um tempo maior ou menor?  Qual setor deve ser protegido?  Por que tal setor e não outro?  E, finalmente, por que o segredo para a eficiência é a blindagem da concorrência?

Àqueles que defendem subsídios diretos via BNDES, as perguntas acima também se aplicam.  Como é possível alguém achar que despejar subsídios em empresas fará com que elas se tornem mais produtivas?

A única medida que estimula a produtividade e a inventividade chama-se concorrência.  Qualquer política que proteja um determinado setor da concorrência de outros irá apenas perpetuar a ineficiência deste.

Livre comércio é, por definição, um comércio justo.  Aqueles que o negam para os outros não merecem tê-lo para si próprios.

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