Existem várias teorias conflitantes que tentam explicar como e porque o estado surgiu.
As mais conhecidas — e que são diametralmente opostas — são a teoria do contrato social e a teoria do bandido estacionário.
De acordo com a teoria do contrato social — proposta pelo filósofo europeu Jean-Jacques Rousseau —, a relação do indivíduo com outras pessoas tem por objetivo estabelecer determinados parâmetros comuns, para uma manutenção civilizada da vida em sociedade. Dentre esses parâmetros, a ordem política desempenha um papel fundamental. O indivíduo não é, nem pode estar dissociado da política. Ele está intrinsecamente vinculado a determinadas instituições, possuindo, perante estas, determinadas obrigações, mesmo que não tenha previamente concordado com elas de forma voluntária e consciente. Não é sem razão ou motivo que Rousseau é considerado um dos maiores expoentes da teoria contratualista.
Essa teoria foi assimilada e adaptada pelos estatistas modernos, que acrescentaram a ela inúmeros fetiches positivistas — elaborados posteriormente —, para afirmar que o indivíduo deve obediência ao estado e às autoridades estabelecidas, pois está implícito que ele assinou um “contrato social”, onde ele confirma suas obrigações e deveres para com a comunidade, a nação e a ordem política estabelecida.
Até hoje, os estatistas, dos mais enrustidos aos mais fanáticos, adoram usar o contrato social — aquele que você nunca assinou —, para justificar obediência ao estado, ao coletivo e às autoridades previamente estabelecidas. Não obstante, o contrato social está sociológica, ética e historicamente equivocado, em todos os sentidos.
No entanto, uma outra proposta — completamente diferente — sobre o surgimento do estado foi elaborada pelo sociólogo alemão Franz Oppenheimer, em seu magnum opus, Der Staat (O Estado). No seu livro, Oppenheimer fornece argumentos convincentes sobre a teoria do bandido estacionário. Ou seja, ele explica detalhadamente que o estado se originou das tribos nômades de salteadores da antiguidade, que sobreviviam saqueando, pilhando e dizimando povos pacíficos.
Depois de um tempo, essas tribos de saqueadores imorais e beligerantes perceberam que era muito mais vantajoso deixar as pessoas vivas e produzindo. Os salteadores poderiam simplesmente passar de tempos em tempos nas aldeias e nos vilarejos dominados para pegar uma parte do espólio. Em troca, eles não machucariam nem matariam essas pessoas, e poderiam até mesmo protegê-las de tribos de saqueadores rivais, que muitas vezes eram ainda mais selvagens e truculentos.
Portanto, era muito mais vantajoso entregar aos mercenários uma parte do que fora produzido, do que se recusar a fazê-lo, e então ser brutalmente assassinado, ter toda a sua propriedade roubada, o vilarejo incendiado e suas filhas torturadas e estupradas. Como não tinham escolha — pois eram ameaçados de morte —, os integrantes dessas comunidades então viravam súditos das tribos de saqueadores, e periodicamente davam aos seus senhores uma parte considerável de tudo o que haviam produzido. Assim nasceu o imposto.
Franz Oppenheimer inclusive deixa bastante explícita a noção da contribuição compulsória como ato análogo à coerção, sendo indissociável desta. O nascimento do estado, portanto, tem sua origem na intimidação de poderosos grupos armados e violentos sobre pessoas pacíficas. Para Franz Oppenheimer, o estado tinha um único objetivo: facilitar a exploração econômica dos grupos conquistados pelo grupo vitorioso.
Invariavelmente, os séculos passaram e o estado mudou consideravelmente, desde que fora estabelecido na antiguidade (embora seu propósito original não tenha mudado). Com o passar do tempo, o estado foi sendo ocupado e dominado por oligarquias poderosas, que transformaram o estado em uma eficiente e poderosa ferramenta de escravização e dominação da sociedade. A dinâmica de poder, no entanto, foi mudando radicalmente, e determinados elementos da burocracia estatal foram formalmente adaptados para dar uma aparência mais civilizada ao estado e ao aparato coercitivo de submissão.
Isso foi feito de forma tão eficiente, que, apesar de sua aparência civilizada — saturada de legalismo e positivismo cientificista —, o estado moderno acabou adquirindo uma dinâmica excepcionalmente atroz, monolítica e autocrática, sendo impreterivelmente muito mais tirânico, feroz e implacável do que qualquer um de seus análogos da antiguidade.
O que é e quem controla o estado moderno
Ao contrário de seus análogos da antiguidade, o estado moderno é basicamente um produto das grandes corporações, que souberam adaptar perfeitamente o estado para atender às suas necessidades. São elas que mantém, influenciam e tomam decisões que — além do impacto diário em nossas vidas — acabam estabelecendo comportamentos e restritivas tendências de mercado, que deixam toda a população refém de suas tirânicas e autoritárias políticas econômicas.
É para isso que o estado republicano positivista pós-moderno existe. O estado existe para atender os objetivos e as vontades dos seus legítimos donos, as grandes corporações. Todo o resto — educação, saúde e segurança — é apenas fachada para fazer o estado parecer aquilo que ele não é: uma instituição gerenciada pelo bem comum, do povo, pelo povo e para o povo.
Nesse ponto, podemos fazer uma análise interessante, por nos depararmos — na questão da suposta oposição entre estado e grandes corporações — com uma das inúmeras contradições da esquerda política, que merece ser analisada.
A esquerda — como é de conhecimento comum — afirma se opor ativamente às grandes corporações. E alega que o estado é uma entidade necessária para que as grandes corporações tenham oposição e restrições ao seu poder.
Tal constatação, no entanto, além de absurda, atenta contra a lógica e a realidade objetiva. Afinal, o estado moderno não está, de maneira alguma, em oposição às grandes corporações. Muito pelo contrário. Na verdade, o estado e as grandes corporações atuam em uma constante e inseparável simbiose; são elementos indissociáveis, dois lados da mesma moeda, que se complementam sempre que necessário. Um precisa do outro. Sem um, o outro não existiria.
Na prática, as grandes corporações são uma extensão do estado no mercado. Grandes corporações não são empresas privadas — termo que deveríamos aplicar exclusivamente a pequenas e médias empresas —, mas onipotentes conglomerados de capital aberto, com centenas ou milhares de acionistas, sendo boa parte destes agentes, indivíduos ou instituições diretamente ligadas ao governo.
Não obstante, as grandes corporações precisam do estado muito mais do que o estado precisa das grandes corporações. Na prática, o estado não passa de um intermediário, um empregado, um executor. As grandes corporações são o verdadeiro líder, o autocrata que impõe normas e regras verticais, de cima para baixo. As grandes corporações ordenam e o estado executa. Essa é a dinâmica de poder existente entre eles.
Na verdade, podemos ir ainda mais longe nessa constatação. As grandes corporações precisam tanto do estado que, se o estado não existisse, elas iriam criá-lo.
Mas por que razão?
Bem, por uma razão muito simples. A General Motors, a Volkswagen, a Ambev, a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e a JBS não podem ir até a sua casa, ditar regras arbitrárias para você e a sua família, e obrigá-los a seguir essas regras. Eles precisarão de um “cão de guarda” forte e poderoso para executar essa tarefa.
Esse cão de guarda é o estado.
Grandes corporações sempre buscarão aumentar seu poder corporativo e seu império econômico de forma ilimitada e resoluta. Elas jamais aceitam restrições às suas expansivas e desmesuradas ambições de poder. Para isso, elas buscarão ativamente sufocar concorrentes menores e fazer o grande público enxergá-las como o único fornecedor de um determinado produto. É aí que o estado entra, com suas regras, regulações e protecionismo, oferecidos às organizações que estiverem dispostas a pagar por esses serviços.
O estado, na prática, não passa de um grande balcão de negócios. As grandes corporações sabem disso e usam isso a seu favor.
Na verdade, o estado é o playground das grandes corporações. O parquinho de diversões onde os grandes conglomerados são livres para fazer exatamente tudo aquilo que é conveniente para a sua expansão de poder.
Ao contrário do que o populacho servil e ignorante pensa, políticos não são heróis altruístas, muito menos patriotas aguerridos, corajosos e determinados que lutam por um ideal e se empenham arduamente em construir um país melhor. Eles apenas se vendem dessa maneira para o público alienado e imbecil.
Na prática, políticos são apenas empregados, lacaios, serviçais dos grandes corporativistas e lobistas das grandes corporações. Dezenas ou até mesmo centenas de políticos são comprados diariamente com malas de dinheiro, para implementar políticas e regulações que favoreçam os seus donos.
A relação entre o estado e as grandes corporações no Brasil
No Brasil, existem inúmeros exemplos que mostram efetivamente como o estado serve de maneira fidedigna às grandes corporações, como um empregado fiel e obediente. Essa é a principal função e o derradeiro objetivo do estado. O que confirma a máxima de Adib Jatene — cirurgião que foi ministro da saúde nos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso —, que declarou em certa ocasião: “No Brasil, as empreiteiras definem a prioridade do estado”.
Um exemplo bastante notório foi o da JBS, que comprou e subornou diversos políticos, para se consolidar como um grande monopólio, que dominou o mercado de carnes no Brasil. Esse escândalo chegou a envolver o ex-presidente da república, Michel Temer, que foi um dos políticos comprados e subornados pela enorme trama orquestrada pelos irmãos Wesley e Joesley Batista, para que sua companhia — utilizando estrategicamente o poder de regulação do estado — se tornasse uma das empresas mais poderosas do país.
O principal artifício, no caso da JBS, foi utilizar a estrutura política do estado para criar uma agência reguladora. Essa agência tinha como principal objetivo conceder benefícios e privilégios a JBS, dando à companhia total precedência sobre o mercado de carnes no Brasil, ao mesmo tempo que impedia — através de um excruciante número de burocracias e regulações — o estabelecimento e a atuação de empresas concorrentes no mercado.
A JBS também financiou a campanha de políticos influentes, que — depois de eleitos — como retribuição ao auxílio financeiro de campanha, concediam à empresa gigantescos subsídios através do BNDES. Foi principalmente graças a esses subsídios que a companhia cresceu de forma considerável, especialmente nos anos em que foi alardeada como uma “campeã nacional”, durante os governos petistas.
Outro exemplo que ganhou enorme notoriedade há alguns anos foi o da Delta Construções. A empresa — através de uma intrincada cadeia de contatos públicos e privados que chegaram a envolver o infame lobista Carlinhos Cachoeira — passou a ganhar licitações para construções de obras públicas em todas as esferas de governo: municipal, estadual e federal. Consequentemente, a empresa se tornou um gigante bilionário do ramo da construção civil.
Durante a presidência de Fernando Cavendish — que durou aproximadamente dez anos —, a Delta Construções aumentou o seu patrimônio em mais de vinte vezes. Estima-se que mais de onze bilhões de reais tenham circulado pela companhia durante este período.
É verdade que esses dois casos — o da JBS e o da Delta Construções — foram ambos desbaratados pela polícia federal. No caso da Delta Construções, a polícia federal deflagrou a Operação Saqueador, para realizar investigações. Tanto Fernando Cavendish quanto Carlinhos Cachoeira, entre outros envolvidos, acabaram sendo presos. A Delta Construções foi acusada de surrupiar mais de trezentos e setenta milhões de reais dos cofres públicos.
Diante dos fatos, você pode até argumentar que o estado é bom. Afinal, a polícia federal cumpriu o seu papel, construiu um caso sólido contra todos os envolvidos e prendeu os culpados. Então, o estado funciona, e muito bem, não é mesmo?
No entanto, todo o teatrinho da justiça serviu apenas para mostrar como o estado realmente funciona. Na verdade, apenas uns poucos casos de corrupção — que sempre nascem de “parcerias” público-privadas — são efetivamente expostos, viram inquéritos judiciais e são solucionados. A grande maioria deles nunca vem à público, porque nunca são descobertos. Tanto no caso da JBS quanto no caso da Delta Construções, a trama só foi exposta e os envolvidos só foram surpreendidos e presos por um simples fato: os corporativistas não compraram e subornaram pessoas suficientes.
Se você quer dominar ou mesmo fazer negócios ilícitos com o estado, você precisa fazer a coisa certa. Compre todas as pessoas que ocupam posições de liderança na estrutura de poder. Compre o chefe supremo da polícia federal, o líder da casa civil, o diretor do tribunal de contas da união. No estado, todos ficam felizes, contentes e satisfeitos quando pegam a sua fatia do bolo.
No estado, os poderosos chefões de burocracias influentes ficam irados e revoltados quando não recebem sua parte do quinhão, sua parcela do espólio. Então eles se voltam contra todos aqueles que os excluíram da trama — e expõem casos como os citados acima —, para puxar o tapete dos chefões de burocracias rivais. Isso é realizado até mesmo com o objetivo de aumentar o seu poder e a sua influência sobre outros departamentos de estado.
Se você é um oligarca ambicioso e poderoso ou um corporativista rico e influente, não é nem um pouco difícil dominar o estado. Afinal, estamos falando da instituição mais imoral e corrupta que existe sobre a face da Terra, onde todos podem ser comprados por um determinado preço. Tudo o que você precisa fazer é comprar os burocratas que ocupam as posições mais estratégicas, e todos os atos ilícitos cometidos pela corporação beneficiada permanecerão em segredo. Jamais serão descobertos ou virão à público.
As pouquíssimas pessoas íntegras, corretas e honestas que existem nos ambientes corporativos ou nos departamentos de estado — que decidem bater de frente com o sistema ou até mesmo denunciar os esquemas ilícitos — podem ser facilmente eliminadas. É só contratar matadores de aluguel. Dominar o estado é fácil para os poderosos oligarcas das grandes corporações. Tudo é uma questão de dinheiro. Compre os 99% que precisam ser comprados, e elimine sumariamente aquele 1% que tem integridade, não se vende por dinheiro algum e está disposto a enfrentar o sistema.
O mesmo vale para a imprensa. Suborne jornalistas. Aqueles poucos que não podem ser devidamente comprados porque tem ética, princípios, ou estão simplesmente determinados a realizar um furo de reportagem para promover suas carreiras podem ser facilmente eliminados.
Esse foi o grande erro de Wesley e Joesley Batista, da JBS, e de Fernando Cavendish e Carlinhos Cachoeira, no caso da Delta Construções. Eles foram relaxados. Não compraram nem subornaram pessoas suficientes, deixaram de fora determinados figurões que deveriam ter sido incluídos em seus esquemas. Deixaram pontas soltas, e quando elas foram atadas, já era tarde demais para subornar qualquer autoridade. Foram obrigados a arcar com as consequências de sua omissão e negligência. Agiram como amadores, e não como criminosos profissionais.
De qualquer maneira, crimes do colarinho branco no Brasil ficam praticamente impunes. Depois de pouquíssimo tempo na penitenciária, todos os envolvidos nos casos citados foram enviados para suas residências de luxo, sendo “punidos” com o uso de tornozeleiras eletrônicas, para cumprir suas sentenças em prisão domiciliar.
Definitivamente, é excepcionalmente formidável e privilegiada a vida de um oligarca corporativista no Brasil. Para os ricos e poderosos, o estado sempre concede benefícios e facilidades, de um jeito ou de outro.
A relação entre o estado e as grandes corporações nos Estados Unidos
A mesma coisa acontece nos Estados Unidos. Há várias semanas, vimos como as grandes empresas de tecnologia e mídias sociais americanas são excepcionalmente poderosas. Facebook, Twitter e Google se transformaram em um gigantesco e titânico oligopólio, sendo companhias totalmente determinadas a sufocar a liberdade de expressão e inibir ativamente a concorrência. Conforme foi crescendo, o Facebook se tornou politicamente poderoso e invariavelmente acabou se associando ao estado.
Posteriormente, o Facebook adquiriu outras plataformas, como o WhatsApp e o Instagram, o que definitivamente expandiu o seu poder no mercado e o controle sobre os seus anunciantes e usuários. Agora, as principais companhias do ramo estão unidas para se consolidar como um onipotente oligopólio virtual, com plenos poderes para exercer domínio absoluto no mundo digital. Elas sabem perfeitamente que podem contar com total apoio do estado para conquistar seus objetivos.
O poder de todos esses gigantes da tecnologia digital ficou evidente quando todas essas companhias baniram o ex-presidente americano Donald Trump de suas plataformas, e ainda conseguiram remover a rede social alternativa Parler, que cresceu bastante em 2020, e que estava hospedada nos servidores da Amazon, que — assim como a Apple e a Microsoft — também se tornou um conglomerado onipotente, e é persistente em suas tentativas de dominar o mercado e eliminar possíveis concorrentes.
O estado, evidentemente, está sempre disposto a ajudar todas essas corporações a atingirem os seus objetivos. Em março de 2019, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, escreveu um artigo de opinião, que foi publicado no The Washington Post, solicitando regulações estatais para as redes sociais. No artigo — intitulado The Internet needs new rules. Let’s start in these four areas —, Zuckerbeg afirmava que o estado precisa regular “conteúdo perigoso”, legislação capaz de “proteger eleições”, “privacidade e proteção de dados”, e por fim, ele afirma que são necessárias novas regulamentações para “garantir o princípio da portabilidade dos dados”.
A intenção aqui é evidente, e mostra como os grandes conglomerados usam o estado para atingir objetivos bastante específicos, que sempre vão na direção de acumular cada vez mais poder político e econômico, a ponto de se tornarem as verdadeiras autoridades da sociedade humana, o real poder por trás do poder.
Quando o líder executivo de uma grande corporação solicita abertamente regulações do estado, é porque é bastante visível a simbiose que existe entre as duas partes. De maneira que fica totalmente evidente que não existe genuína oposição entre o estado e as grandes corporações. Tratam-se, na verdade, de diferentes componentes da mesma estrutura. Eles podem até brigar ocasionalmente — como dois irmãos brigam de vez em quando —, mas estão exatamente do mesmo lado, e sempre em oposição ao restante da sociedade. Para todos os efeitos, é evidente que o estado e as grandes corporações são como o braço esquerdo e o braço direito do mesmo corpo.
Infelizmente, a esquerda política não aprende com a realidade. Você não pode se opor às grandes corporações e ficar ao lado do estado. É uma contradição. O estado trabalha para as grandes corporações. É um serviçal, um dedicado empregado delas, que se empenha arduamente em implementar políticas que as favoreçam. Portanto, se você está do lado do estado, você está trabalhando ativamente para as grandes corporações, mesmo que se recuse a admitir isso. Você não pode combater uma parte do sistema e apoiar a outra. Caso faça isso, estará desperdiçando o seu tempo, lutando em vão em um combate que jamais irá vencer.
Evidentemente, ao ser confrontado com uma afirmação dessa natureza, o militante de esquerda irá alegar que repudia esse “tipo” de estado, e que luta pelo estabelecimento de um estado proletário, democrático e popular. A verdade, no entanto, é que a conformação ideológica de um estado é absolutamente irrelevante para as grandes corporações. Elas sempre poderão corromper o estado e seus agentes com muito dinheiro, para que estes atendam às suas necessidades corporativas (socialistas libertários, anarcocomunistas e libertários de esquerda compreenderam isso, mas eles são uma minoria dentro da esquerda).
É possível combater esse problema?
Para combater esse problema, seria necessário boicotar maciçamente as grandes corporações. Abandoná-las sumariamente, deixar de frequentá-las, de comprar os seus produtos e utilizar os seus serviços, de forma inflexível e radical.
A proposta mais ética seria, de fato, substituir todas elas em caráter permanente por pequenas e médias empresas. Se as tornássemos irrelevantes em nossas vidas, as grandes corporações invariavelmente perderiam poder.
No entanto, existem dificuldades práticas para isso. Grandes corporações conseguem oferecer produtos e serviços a preços excepcionalmente baixos, de maneira que sempre serão uma grande tentação para o consumidor final, que evidentemente terá sempre como prioridade gastar o menor valor possível na aquisição de um bem. Isso será ainda mais recorrente no atual período de recessão econômica, onde uma expressiva parcela da população possui renda bastante limitada. Portanto, a maioria das pessoas não pode se dar o luxo de gastar muito dinheiro, nem escolher onde vai comprar.
Além do mais, as grandes corporações sempre conseguirão maximizar seu poder através da política. Desde que começou a ditadura do coronavírus, as grandes corporações foram altamente beneficiadas pelas políticas de lockdown e quarentena. Essas políticas arruinaram centenas de milhares de pequenas e médias empresas, ao passo que beneficiaram sumariamente as grandes corporações.
Pequenas e médias empresas foram arbitrariamente fechadas. Grandes corporações, no entanto, tiveram autorização para permanecerem ativas. Assim, se tornaram fornecedores exclusivos da população, especialmente em itens de primeira necessidade, como alimentos e produtos de higiene.
Além do mais, como centenas de milhares de pequenas e médias empresas foram à falência, as quarentenas e lockdowns acabaram eliminando sumariamente a concorrência das grandes corporações, o que contribuiu para que elas se tornassem conglomerados ainda mais poderosos e onipotentes.
Consequentemente, como a população, em grande parte, não teve mais a quem recorrer, as grandes corporações, para muitas pessoas, tornaram-se a única opção de sobrevivência. Tanto na questão de compras quanto de empregos.
E assim, as grandes corporações vão se tornando cada vez maiores, se expandindo, absorvendo cada vez mais a sociedade humana e exercendo um nível de poder e controle cada vez mais absoluto sobre a população.
Com todo esse gradual, mas contínuo domínio onipotente, é inevitável que os grandes conglomerados tomem conta de tudo, especialmente nos grandes centros urbanos. Diante do atual cenário, não há muito que possamos fazer para impor resistência ao domínio das grandes corporações, que — de todos os lados — tem auxílio e suporte direto do estado.
Certamente, um ataque frontal às grandes corporações, além de inútil, seria totalmente contraproducente. O correto seria boicotá-las sumariamente, e se possível comprar alimentos orgânicos, na tentativa de estabelecer cadeias diretas e indiretas de mercados alternativos e independentes, que unam clientes e produtores diretamente, sem intermediários. Essa seria a forma mais eficiente de nos libertarmos da tirania das grandes corporações, nos tornando totalmente independentes delas.
O mundo inteiro como refém de uma monumental e implacável corporatocracia
Se tem algo que podemos aprender, é que as grandes corporações são tão nocivas para o estabelecimento de uma sociedade livre quanto o estado — ou talvez elas sejam ainda piores, visto que elas são o exoesqueleto da tirânica estrutura de repressão estatal.
Afinal — como explicado acima —, se o estado não existisse, as grandes corporações iriam criá-lo, pois elas precisam de uma estrutura restritiva que limite severamente a liberdade de atuação dos indivíduos criativos e de empreendedores independentes, para eliminar a concorrência e permitir que elas se tornem monopólios titânicos capazes de dominar completamente o mercado, e assim tenham considerável poder econômico para tomar decisões políticas que as beneficiem em caráter definitivo e permanente.
Portanto, grandes corporações tem uma via de mão dupla que sustenta a expansão do seu poder. Conforme elas conquistam enorme poder econômico, mais influência política e capacidade de interferir no estado elas terão. Com mais influência política e mais capacidade de interferir no estado, mais elas terão poder para implementar leis, restrições, medidas e regulações que as protejam, as beneficiem e ampliem o seu poder econômico. É como um ciclo ininterrupto, onde a etapa posterior fortalece a etapa seguinte.
E assim o poder político e econômico das grandes corporações aumenta exponencialmente. De fato, o poder político de todos os conglomerados cresce em decorrência do aumento de seu poder econômico, e com o aumento do seu poder econômico, cresce a capacidade das grandes corporações de exercer influência sobre decisões no ambiente político. E esse ciclo se perpetua indefinidamente, de maneira que o poder das grandes corporações aumenta consideravelmente a cada dia, e o estado atua como o guardião absoluto de todo esse imensurável e ilimitado poder.
Ou seja, as grandes corporações e os titânicos conglomerados vão adquirindo poder no mercado e controle sobre a sociedade, e usam o estado tanto para manter o território conquistado, quanto para — através de regulações protecionistas — impedir o surgimento e inibir o crescimento de possíveis concorrentes. As grandes corporações trabalham, de fato, para se tornarem as únicas opções disponíveis para toda a sociedade humana.
Conclusão
No mundo atual, pouco importa se você vive em uma democracia, em uma monarquia ou em uma ditadura. Todas as modalidades formais de governo não passam de ilusões. O mundo inteiro vive debaixo de uma imbatível, titânica e onipotente corporatocracia, onde o poder supremo e absoluto é exercido pela indústria bancária.
Em praticamente qualquer lugar do mundo, o estado é simplesmente o cachorrinho servil e obediente dos donos do poder.
Cartel bancário é o pior cartel da história!
Muito bom artigo!
Baixou o Karl Marx no rapaz: são as corporações que dominam o estado leviatã…
O grande Murray fuckin Rothbard ficaria meio intrigado com esta concepção, já que para ele o estado é uma instituição fundamentalmente anti-capitalista, portanto, as corporações não poderiam usar o estado, mas seriam usadas por ele. Mas atualmente, isso descreve bem o poder daqueles indivíduos que conseguem aumentar seus benefícios através desta aliança diabólica.
Eu particularmente considero a teoria do bandido estacionário do Franz Oppenheimer como elegante, mas, apesar do mérito de ter sido o primeiro a levantar a hipótese – e Rothbard se sustenta nele, eu prefiro acreditar que a máfia estatal surgiu no interior mesmo das primeiras comunidades humanas, não foi externa a elas. Eu não consigo imaginar um bando de bandoleiros dominando uma vila e se declarando uma nobreza. Eu acredito que o estado é apenas o refinamento intelectual de uma aliança entre o chefe de uma tribo com com o seus aparato religioso: o pagé e o o curandeiro. Estes gozavam de uma autoridade natural, e em algum momento, dois psicopatas ocuparam a função ao mesmo tempo. Ou seja, não eram bandoleiros que tocavam o terror, mas um governo primitivo. Ainda que agissem como bandoleiros. O bandido já estava entre nós….
De toda a forma, eu considero que o bandido estacionário do Franz Oppenheimer é a imagem mais apropriada. E está correta, evidentemente.
A teoria do contrato social não pode ser considerada rival, pois não passa de um embuste do Rosseau. A produção precede o estado, portanto, seria impossível que pessoas pacíficas assinassem um contrato determinando que elas próprias poderiam ser roubadas pelos seus vizinhos. E não tem o tal do contrato, evidentemente. O que torna o estado apenas um continuum daqueles governos/bandoleiros primitivos. Ou seja, o estado está em expansão, pois jamais mudou a sua essência.
“Grandes corporações não são empresas privadas — termo que deveríamos aplicar exclusivamente a pequenas e médias empresas”
Excelente! Eu concordo plenamente com isso. A partir de um determinado tamanho uma empresa acaba no radar da máfia estatal, queira ou não. Elas acabam estatizadas, apesar do controle privado nominalmente. É a própria Alemanha nazista 2.0. Empresa de verdade é a padaria da esquina. Esses caras estão no livre comércio de verdade, concorrendo uns com os outros. O estado perturba com impostos e alvarás, mas isso não as torna padarias estatais, apenas padarias assaltadas.
Eu já escrevi aqui mesmo neste Instituto: boicotes contra as mega corporações não funcionam. Elas tem a vantagem do monopólio relativo, preços baixos e um mercado relativamente estabilizado. Eventualmente tem alguma crises de imagem, mas distribuem dinheiro e tudo acaba ficando por isso mesmo. E fundamentalmente, elas tem o apoio do estado, que é um grande comprador – com dinheiro roubado, já que este mafiosos não produzem sequer um parafuso.
Parabéns pelo artigo, muito bem escrito!
Você é bem ativo nos comentários, vi q vc é gaúcho (comentário do artigo do Hoppe sobre imigração), tbm sou e odeio os grupos liberais daqui com randianos, hayekanos e friedmanianos, seria bom um grupo só com libertários q seguissem a linha Mises-Rothbard-Hoppe, nem q fosse de estudos num Discord da vida e depois evoluísse para movimentos com encontros e conferências regulares aqui na região metropolitana. Sou de Esteio, cidade da Expointer.
Quanto ao seu comentário, acho q o Rothbard concordaria com essa visão de empresas “privadas” sendo uma facção do estado, ele era crítico de grandes corporações, sabia q elas se beneficiavam da simbiosr com os integrantes formais do estado (políticos), diferente de pessoas como a Ayn Rand (eu tbm ri alto com o hage do Hoppe contra a Rand na nota de rodapé do artigo dele rs). Acho até q o amigo do artigo foi bem em considerar corporações n como empresas privadas, mas sim extensões do estado. Tbm achei bem marxista essa crítica as corporações kk Aliás, esse é o único ponto q Marx acertou na suas teses, a aliança do Grande capital com o estado burguês, mas bem longe do refino austríaco de um Rothbard ou Hoppe.
Quanto aos bandoleiros dominando regiões e impondo sua autoridade, basta lembrar das civilizações babilônica, Acadia, Assíria, Persa, etc. O que Oppenhimer fez foi simplesmente ler a história e fazer uma descrição teórica consistente do estado. Todas essas civilizações estabeleceram impérios a partir do domínio e subjugação de tribos menores na região da Mesopotâmia (Isso acontecia igualmente na Ásia, América pre-colombiana, África e tbm Império Romano posteriormente). A questão da aliança do chefe militar com o líder religioso tbm é valida em tribos pequenas, é complementar a ideia de bandoleiros, porém apenas com bandoleiros foi possível uma expansão no tamanho de impérios.
Podemos fazer o Grupo sim..
Se fizerem o grupo me chama! Tenho um grupo com poucas pessoas aqui da minha região (próximo a SP) e são poucas pessoas, mas todos seguindo a linha Misesianos e que tem a acrescentar… Podemos trocar figurinhas
[email protected] chama lá….