Rio de Janeiro, royalties do petróleo e ciclos econômicos

0
Tempo estimado de leitura: 6 minutos

PRODUTIVIDADE-DOS-ROYALTIES-DE-PETROLEO-PODE-REGULARIZAR-RIO-PREVIDENCIAUm leitor atento me manda por e-mail uma pergunta muito interessante, e percebi que respondê-la detalhada e publicamente seria de muito mais valia (sem referências ao alemão).

Referindo-se à minha postagem no blog em que eu disse que seria bom para a economia fluminense caso o estado do Rio de Janeiro perdesse o dinheiro oriundo dos royalties do pré-sal (numa coincidência mórbida, as recentes tragédias causada pelas chuvas comprovam o ponto: o que interessa é capital e infraestrutura, e não papel-pintado), ele faz a seguinte pergunta, a qual tomei a liberdade de reformular:

“Considerando-se que esse dinheiro dos royalties vem “de fora” – isto é, a Petrobras extrai os barris em alto-mar, vende-os para todo o país e, do valor total dessa receita, entrega 10% para o governo do Rio, totalizando R$ 7,5 bilhões -, não teria esse dinheiro o mesmo efeito, sobre a economia fluminense, de uma injeção monetária feita pelo Banco Central?  Ou seja, não seria como se houvesse um banco central imprimindo dinheiro e jogando-o na economia fluminense?  Sendo assim, a economia fluminense não deveria estar sujeita à formação de bolhas e a constantes ciclos econômicos?”

É de fato uma pergunta bastante interessante e, principalmente, extremamente importante, pois sempre é fonte de muita confusão.

A resposta direta é: embora tal “injeção” possa levar à formação de bolhas, ela não irá provocar os ciclos econômicos.

A explicação está no fato de que esse fenômeno – grosso modo, equivalente a um helicóptero sair jogando dinheiro sobre uma dada localidade – possui um mecanismo de expansão diferente do de uma expansão monetária feita pelo Banco Central.

Os ciclos econômicos ocorrem porque o dinheiro recém-criado entra direto no mercado de crédito – isto é, o banco central o injeta diretamente no sistema bancário, aumentando as reservas dos bancos e, consequentemente, diminuindo os juros no mercado interbancário.  Assim, esse dinheiro novo, ao entrar primeiro no mercado de crédito, faz com que os juros caiam, o que consequentemente provoca uma expansão na estrutura de produção.

Essa expansão é justamente a fase do boom econômico.  A injeção de dinheiro faz com que haja uma distorção na estrutura de preços relativos da economia: o mercado de bens de capital, por causa dos juros mais baixos, torna-se mais atraente do que o mercado de bens de consumo.  Logo, todo o investimento será direcionado para aquele setor.

Essa alteração na estrutura econômica durará até o momento em que os juros começarem a subir novamente.  Nesse momento, essa estrutura de produção expandida será obrigada a se contrair, que é quando começa a recessão.

Ou seja: se o dinheiro novo entra na economia por meio do mercado de crédito, haverá uma distorção na taxa de juros, o que gerará os ciclos econômicos.

Porém, o que ocorre no Rio de Janeiro com os royalties do petróleo é diferente.  O dinheiro despejado na economia do estado não chega primeiro no mercado de crédito: ele vai direto para o governo do estado, que então passa a gastá-lo de acordo com sua conveniência.

Ludwig von Mises chamou esse fenômeno de “inflação simples”.  Se o dinheiro novo entra na economia por meio de gastos estatais, o efeito será o da inflação de preços apenas.  Ele não vai gerar novos investimentos, como ocorre no exemplo da inflação via mercado de crédito.

Este é um fenômeno ao qual se dá pouca atenção, e apenas a Escola Austríaca o aborda.  O efeito de um aumento na oferta monetária vai depender de onde o dinheiro recém-criado entrará na economia: se entrar por meio do mercado de crédito (banco central comprando títulos diretamente dos bancos), haverá uma distorção nos juros e uma consequente expansão nos investimentos – algo que, no final, inevitavelmente levará a uma alta de preços e a uma consequente contração econômica.  Porém, se o dinheiro entrar na economia via gastos estatais, haverá apenas inflação de preços, sem novos investimentos.

Um exemplo histórico ocorreu na Espanha, quando o ouro pilhado das Américas foi todo descarregado no país.  Esse ouro caiu direto nos cofres do governo, que o utilizou para financiar um aumento nos gastos do estado.  Tudo o que houve na Espanha foi inflação de preços (enorme).  Outro exemplo foi o da mania das tulipas, na Holanda do século XVII.  Houve um enorme influxo de metais para aquele país, provocando um aumento na demanda por ativos, como as tulipas da época.

Outro economista que explicou bem o mecanismo desse fenômeno, só que com mais detalhes, foi Friedrich Hayek, em seu livro Prices and Production.  Quando o dinheiro recém-criado entra direto na economia por meio de gastos estatais, há um aumento na demanda por bens de consumo.  Esse aumento repentino da demanda fez com os lucros no setor de bens de consumo aumentem em relação aos lucros do setor de bens de capital, fazendo com que o investimento seja direcionado para aquele setor (bens de consumo).  Consequentemente, a produção e o investimento no setor de bens de capital declinam, junto com o emprego – entretanto, sem que, diferentemente da inflação via mercado de crédito, tenha havido uma expansão anterior deste setor.

Repetindo: se o dinheiro recém-criado cai na economia e vai direto para o setor de bens de consumo, a estrutura de produção se contrai, mas sem que tenha havido uma expansão anterior.  (O que explica também por que todas as políticas de estímulo à demanda provocam o efeito oposto do esperado).

No Rio

Embora os royalties do petróleo definitivamente se enquadrem na classificação de “inflação simples”, não é necessariamente verdade que a economia fluminense irá sofrer uma inflação de preços maior que a do resto do Brasil, nem mesmo que sua indústria de bens de capital irá contrair em relação ao setor de bens de consumo.

Afinal, esse dinheiro despejado na economia fluminense pode ser perfeitamente “exportado” para outros estados, em troca de produtos produzidos por esses outros estados.  Esse cenário, aliás, é o mais provável.

É exatamente por isso que os primeiros a receber esse dinheiro indubitavelmente ganham: seu poder de compra aumenta e eles passam a poder adquirir bens antes dos outros consumidores (de todos os outros brasileiros, no caso).  Isso faz com que haja menos bens no mercado, cuja consequência mais óbvia é o aumento de preços e uma consequente queda no padrão de vida.

Portanto, caso o estado do Rio perca os royalties (algo que eu duvido muito que vá acontecer), os grandes perdedores seriam aqueles que recebem esse dinheiro em primeira mão e que ficam mais ricos em detrimento do resto da população – relegada a uma “concorrência desleal” com os recebedores privilegiados desse dinheiro.

O Brasil é ainda um melhor exemplo

Entretanto, o melhor exemplo do fenômeno da “inflação simples” é mesmo o Brasil, principalmente o da década de 1980 e 90.

Poucos sabem, mas foi apenas em 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que o Banco Central ficou proibido de comprar diretamente do Tesouro os títulos da dívida do governo.  Está escrito lá, nos artigos 35 e 39:

Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente.

[…]

Art. 39. Nas suas relações com ente da Federação, o Banco Central do Brasil está sujeito às vedações constantes do art. 35 e mais às seguintes:

I – compra de título da dívida, na data de sua colocação no mercado, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo;

§ 2o O Banco Central do Brasil só poderá comprar diretamente títulos emitidos pela União para refinanciar a dívida mobiliária federal que estiver vencendo na sua carteira.

O que isso quer dizer?

Até o ano 2000, o Tesouro emitia um título da dívida que podia ser comprado diretamente pelo BACEN.  Tal medida fazia com que o dinheiro criado pelo BACEN fosse diretamente para o Tesouro, e dali para toda a economia, sem passar pelo mercado de crédito.  Inflação simples.

É por isso que os mais iniciados na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos têm uma certa dificuldade em estudar os ciclos econômicos no Brasil: aqui predominou o fenômeno da inflação simples, e não o da inflação via mercado de crédito.  É por isso que na década de 1980 e 90 houve hiperinflação, mas não houve ciclos econômicos, com expansão industrial seguida de contração.  A depressão era constante.

Mesmo de 1995 a 2000, após a criação do Real, não se observou um ciclo de forte expansão industrial seguida de uma contração.  Com efeito, o primeiro ciclo econômico genuinamente austríaco no Brasil só aconteceu agora, como detalhado aqui.

Conclusão

Os royalties fluminenses não provocam ciclos econômicos na economia local, tendo apenas o potencial de causar inflação no setor de bens de consumo, muito embora tal fenômeno não se distinga do que ocorre no resto do Brasil devido ao fato de o estado poder exportar para outros estados essa inflação.

Já no Brasil, até o ano 2000, foi exatamente esse fenômeno da inflação simples que predominou na economia – o que explica a relativa escassez de ciclos econômicos austríacos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui