“Parodiando aquele célebre intelectual residente no Palácio do Planalto”, disparou o professor Ubiratan Iorio, “nunca antes na história desse país houve um evento tão libertário quanto este”.
O professor se referia ao primeiro seminário de economia austríaca, realizado pelo IMB em Porto Alegre nos dias 11 e 12, evento esse que contou com vários patrocinadores, entre eles o Standard Bank e oInstituto Ling. Porém, quando consideramos que logo após o seminário deu-se início ao Fórum da Liberdade, que durou do dia 12 ao dia 13, temos aí três dias libertários completamente inauditos na história do Brasil.
A seguir, um resumo dos eventos.
I Seminário de Economia Austríaca
Tudo começou no domingo, dia 11, com a palestra de Joe Salerno sobre quem foram Mises e Rothbard. Além de relatar o histórico de ambos, bem como as principais ideias da Escola Austríaca, Salerno abordou as dificuldades enfrentadas por Mises e Rothbard no ambiente acadêmico americano, todo ele voltado para as teorias keynesianas pró-governo.
Um ambiente que esposava ideias vazias e errôneas como “déficits são bons para a economia”, “inflação monetária é um grande estímulo econômico”, “gastos governamentais são ótimos para se tirar a economia de uma recessão” – ideias essas que são justamente aquilo que todo governante que ouvir – não estava preparado para ouvir verdades como “déficits são ruins para a economia, pois consomem a poupança necessária para financiar investimentos genuínos”, “inflação monetária, além de criar ciclos econômicos, é um mecanismo insidioso de redistribuição de renda, dos pobres para os ricos” e “gastos governamentais servem apenas para confiscar recursos do setor privado, prolongando as recessões”. Consequentemente, ambos os economistas, justamente por não estarem atrás do aplauso fácil, foram marginalizados por toda a sua vida acadêmica.
A insistência de ambos em defender a verdade acima de tudo, mesmo tendo contra si todo o establishment político e todo o aparato acadêmico, é uma grande lição não só de coragem, mas também de vida para todos nós, com o perdão do clichê.
Rodrigo Constantino e Antony Mueller foram os palestrantes seguintes. Constantino citou dados da economia brasileira, mostrando que a dívida interna bruta atingiu níveis alarmantes, os quais, entretanto, são pouco divulgados, uma vez que o governo recorreu ao fraudulento artifício de utilizar o BNDES para mascarar esse aumento. (O Tesouro se endivida, empresta esse dinheiro ao BNDES, que por sua vez o repassa – a juros camaradas – às grandes empresas com boas conexões com o governo. No final do processo, esse trambique é classificada como “investimento”, e a dívida líquida não se altera. A coisa é tão bonita e profissional, que o BNDES aplicou R$ 100 milhões no frigorífico Independência, três meses antes desta empresa familiar quebrar. Você, contribuinte, pagou por tudo).
Dentre outros dados, Constantino também mostrou a recente expansão da oferta monetária e o preocupante progresso da concessão de crédito facilitado para a compra de imóveis, algo que deixou os americanos – já familiarizados com esse processo, que foi o causador da bolha imobiliária americana – boquiabertos.
Já o professor Antony apresentou a perspectiva austríaca da atual crise mundial, discorrendo em detalhes sobre o funcionamento da estrutura do capital de uma economia – um insight desenvolvido unicamente pela Escola Austríaca, dentre todas as escolas de pensamento econômico existentes.
Mark Thornton palestrou em seguida, oferecendo um relato completo sobre toda a mecânica dos ciclos econômicos, fenômeno esse que, junto com a estrutura do capital de uma economia, apenas a Escola Austríaca explica com acuidade. Os mais iniciados consideraram essa a melhor palestra de todo o seminário.
Na sessão de perguntas, surgiu aquela inevitável: “Ora, já que os austríacos são tão bons em prever e explicar ciclos econômicos, por que não estão ricos?” Uma resposta que poderia ser dada a essa pergunta é que os principais austríacos do mercado financeiro de fato estão ricos. Jim Rogers, lenda viva, é o exemplo mais notável. Peter Schiff e Marc Faber são outros que ganharam dinheiro dessa forma. Porém, uma resposta bem mais completa a essa pergunta pode ser encontrada neste artigo: “Já que você é tão esperto, por que não está rico?”
O próximo palestrante foi Patri Friedman, filho de David Friedman e neto de Milton Friedman. Patri, que não é austríaco, começou sua exposição mostrando que a democracia é um sistema que, justamente por permitir privilégios aos mais poderosos – isto é, para aqueles que têm conexões com regime e que podem votar -, não permitirá num prazo humanamente suportável que os defensores da liberdade cheguem ao poder. Sendo assim, ele apresentou seu projeto de seasteading, a construção de plataformas marítimas nas quais as pessoas viveriam longe de qualquer intromissão governamental.
Embora bastante esquisita a princípio, sua proposta nem de longe tem a intenção de mudar o mundo ou de recriar a humanidade (intenção típica dos vilões dos filmes de James Bond): sua ideia é apenas criar pequenos focos de resistência, possibilitando ao indivíduo viver uma vida livre, sem ter de entregar à força os frutos de seu trabalho para aquela “gangue de ladrões em larga escala” (Murray Rothbard) chamada governo.
O palestrante seguinte foi o heroico Cleber Nunes, um pai de dois filhos (Davi e Jonatas, hoje com 16 e 17 anos) que desafiou o estado e resolveu educar seus filhos por conta própria, retirando-os do sistema de ensino estatal – mesmo as escolas particulares são obrigadas a seguir os currículos do Ministério da Educação – e educando-os em casa, método conhecido como Homeschooling.
Em decorrência dessa afronta ao estado – que repentinamente viu-se sem o monopólio da doutrinação -, os burocratas passaram a aterrorizar a família de Cleber de todas as maneiras, chegando inclusive a invadir sua casa, aos berros, ameaçando-o de prisão. A ordem era que ele reconhecesse que seus filhos na verdade pertencem a estado, e que qualquer tentativa de negar a essa horda de parasitas a propriedade sobre os filhos alheios configura crime hediondo.
Atualmente, Cleber está sendo condenado pelo “crime” de abandono intelectual – embora “abandono intelectual”, a nosso ver, seja exatamente obrigar seus filhos a irem à escola para ouvir o que o estado tem a lhes dizer. Os magistrados (funcionários do estado, obviamente) lhe aplicaram uma multa de 6 mil reais, a qual, caso não seja paga, levará Cleber direto para a cadeia. Isso é o que chamam de “estado democrático e de direito”.
O momento mais emocionante da palestra foi quando Cleber, voz firme e incisiva, declarou: “Não vou pagar um centavo!”. Helio Beltrão, presidente do IMB e fã confesso de Cleber, cumprimentou-o emocionado após o discurso.
O fato de que um homem possa ir para a cadeia simplesmente porque percebeu que o sistema estatal de ensino é uma tragédia, e, consequentemente, decidiu que é a família, e não o estado, quem sabe o que é melhor para a educação de seus dois filhos, mostra bem o descalabro em que vivemos. E o pior é vivermos em uma sociedade que aceita passivamente este tipo de totalitarismo, sem esboçar qualquer reação em contrário.
O palestrante seguinte foi David Friedman, o anarcocapitalista não austríaco filho de Milton Friedman. David, em uma abordagem que em praticamente nada se difere daquela defendida por Murray Rothbard ou por Robert Murphy em sua Teoria do Caos, falou sobre a superioridade, em termos de eficiência, de um sistema privado de leis.
A mídia (leia a entrevista que ele concedeu ao Zero Hora) obviamente o chamou de extremista. Para nós do IMB, entretanto, extremismo é exatamente esse estatismo em que vivemos, no qual um homem pode ir para a cadeia simplesmente por querer educar seus filhos em casa. Como bem colocou o empresário e vice-presidente do IMB, Cristiano Chiocca, as pessoas tomam como “normal” o estado monopolizar a moeda, regular a forma de vender banana e pão, e decidir quantas horas você pode trabalhar. E quem falar contra esse arranjo é imediatamente classificado como extremista.
No dia seguinte, os ciclos de palestras foram reiniciados com exposições de Fábio Barbieri e Ubiratan Iorio.
Ambos, acadêmicos brasileiros e austríacos, ofereceram as palestras mais completas em termos teóricos – os temas foram cálculo econômico no socialismo e processo de mercado. As bases da palestra de Ubiratan podem ser encontradas aqui.
O palestrante seguinte foi Thomas Woods, o qual um dos membros do IMB considera ser o melhor palestrante da galáxia. Woods falou sobre a (desconhecida) depressão americana de 1920-1921, a qual, após ter sido gerada por uma expansão do crédito ocorrida nos anos anteriores, não apenas foi solucionada de modo bastante rápido, como também o foi de uma maneira que desafia o “consenso” keynesiano: o governo cortou gastos, cortou impostos, equilibrou o orçamento (não incorreu em déficits) e reduziu seu endividamento – exatamente o oposto de tudo aquilo que a intelligentsia preconiza. (Leia detalhes sobre essa depressão aqui). O fato de tal depressão (na qual o desemprego pulou de 4 para 12%, e o PNB despencou 17%) ter durado apenas um ano – e sem intervenções governamentais para corrigi-la – é algo sobre o qual nenhum keynesiano gosta de falar.
O último palestrante do evento foi, obviamente, Lew Rockwell, o fundador do Mises Institute e o homem responsável por manter viva a divulgação das ideias misesianas e suas derivações. Não é exagero algum dizer que, não fosse ele, praticamente ninguém hoje conheceria a Escola Austríaca. Lew foi o homem que, sem qualquer ajuda financeira, largou praticamente tudo o que tinha em 1982 para fundar o Mises Institute. Seus ativos: uma conta bancária em seu nome e uma máquina de escrever. O fato de hoje a Escola Austríaca ser mundialmente conhecida – para todos aqueles que se interessam pela liberdade – se deve unicamente ao seu esforço.
Em sua palestra, Lew fez um comparativo entre Murray Rothbard e Alan Greenspan. Enquanto o primeiro dedicou toda a sua vida à busca da verdade intelectual, o ultimo abjurou todos os seus ideais apenas para agradar a classe política, uma maneira fácil de ascender na vida. Na sessão de perguntas, Lew não se furtou a responder perguntas polêmicas, como a falência das democracias modernas e a questão do Oriente Médio, com uma naturalidade e honestidade intelectual impressionantes.
Com cerca de duzentas pessoas na plateia, esse primeiro seminário de economia austríaca realizado pelo IMB foi um sucesso maior do que o esperado por nós, os organizadores. Muito elogiadas foram as posturas dos palestrantes, que circulavam com simpatia, desenvoltura e sem qualquer estrelismo no meio do público, formado em sua maioria por jovens estudantes cansados das mentirosas teorias keynesiano-marxistas que predominam nacionalmente em nossas universidades. Autógrafos e fotos eram concedidos a todo o momento, bem como conversas informais sobre todos os tipos de assunto.
Para o ano que vem, pretendemos voos mais altos. O sonho do presidente Beltrão é conseguir trazer ninguém menos que Ron Paul (muito bem cotado em recentes pesquisas eleitorais para futuro presidente dos EUA) para uma palestra apoteótica tanto no II Seminário quanto no Fórum da Liberdade, para uma plateia de mais de 5.000 espectadores.
Fórum da Liberdade
Tão logo foi encerrado o I Seminário de Economia Austríaca, deu-se início à XXIII edição do Fórum da Liberdade, cujo tema foi o livro As Seis Lições, de Ludwig von Mises.
A primeira palestra do evento – a palestra especial de abertura, proferida por Carlos Ghosn, presidente dos grupos Renault e Nissan – foi absolutamente horrenda.
Ghosn subiu ao púlpito e disse abertamente que os governos mundiais intervieram financeiramente na crise a pedido das montadoras, pois sem essa injeção monetária “a indústria deixaria de existir e milhões de empregos seriam perdidos”. Tal afirmação estimulou um comentário jocoso de Lew Rockwell, presente ao evento junto com Salerno, Woods e Thornton: “Quer dizer então que as pessoas deixariam de consumir carros pra sempre?”
Ghosn, entretanto, deu continuidade, impávido, ao seu show de horrores: “Durante as crises, os governos têmde intervir. Mas só durante as crises. Depois, eles devem se retirar.” Joe Salerno, nesse momento, soltou uma estrepitosa gargalhada, atraindo os olhares (e os sorrisos complacentes) de várias pessoas. Com efeito, durante toda a palestra de Ghosn os austríacos se remexiam inquietos em sua cadeira. Salerno, abanando seguidamente a cabeça em tons de reprovação, parecia à beira da epilepsia. Se estivesse próximo ao púlpito, sem dúvidas avançaria até o microfone e faria sua exposição teórica sobre a crise. Thornton perguntou qual a diferença do discurso de Ghosn para um discurso de um sindicalista qualquer. Woods disse que são exatamente empresários como Ghosn – que querem sempre recorrer ao governo para pedir ajuda, socializando seus prejuízos – que fazem com que as pessoas tenham uma ideia totalmente errada de capitalismo.
Juan Fernando Carpio, equatoriano presidente do Instituto para la Libertad, fez a distinção mais feliz de todas: uma coisa é você ser pró-empresa; outra, bastante diferente, é você ser pró-mercado. Ghosn é claramente pró-empresa (a dele) e radicalmente antimercado. Ele não deve, em hipótese alguma, ser tomado como um símbolo do capitalismo.
Terminada a hedionda exposição de Ghosn, foi a vez de Leonardo Fração, presidente do IEE, subir ao púlpito. Não perguntamos para ele, mas tudo indica que o rapaz andou lendo nossos artigos. Seu discurso, bastante inflamado – talvez em decorrência do que ouviu de Ghosn – foi brilhante e surpreendentemente destemido, sem qualquer concessão ao politicamente correto. Sem qualquer cerimônia, ele disparou: “o direito de propriedade está acima dos direitos humanos!”, o que, obviamente, gerou uma onda de chiliques socialistas pela internet, histeria essa advinda de pessoas que não possuem o mínimo conhecimento filosófico necessário para perceber que, para haver um direito humano, é necessário, antes de tudo, haver um direito de propriedade. Sem direito de propriedade não é possível haver absolutamente nenhum direito humano – afinal, você precisa, por definição, ter o direito de propriedade sobre seu próprio corpo para que então possa ter qualquer direito sobre qualquer outra coisa (Veja Murray Rothbard comentando o assunto: Os “direitos humanos” como direitos de propriedade)
Ao arrematar seu discurso, Fração manteve a sobriedade: “Senhoras e senhores, não existe sistema mais justo que o capitalismo!” E foi aplaudido efusivamente.
Logo em seguida, foi a vez do presidente do IMB, Helio Beltrão, receber o prêmio Libertas, conferido a empreendedores que se destacam no trabalho pela liberdade. Seu discurso, uma ode ao indivíduo e à liberdade, gerou exclamações efusivas dos austríacos do Mises Institute e pode ser lido aqui. (Detalhe: o discurso foi feito na frente de várias autoridades políticas, com destaque para o prefeito de Porto Alegre e para o vice-governador do estado).
Em seguida, houve um debate entre Pedro Moreira Salles, Eliodoro Matte e Armínio Fraga. O único destaque, se é que se pode falar assim, foi quando Fraga disse que não era liberal e que achava que qualquer ideia relativa a estado mínimo (quiçá estado nulo) era coisa de destrambelhado. Deve ser por isso que durante sua gestão à frente do Banco Central – de março de 1999 a dezembro de 2002 – o senhor Fraga expandiu a base monetária em nada menos que 86%, dando substancial contribuição para o IGP-M de incríveis 25% em 2002. A ojeriza de Fraga ao estado mínimo foi perfeitamente demonstrada no ritmo frenético das impressoras do BACEN sob sua gestão. (A título de comparação, durante o mesmo período da gestão Henrique Meirelles, a base monetária expandiu “apenas” 70% ). “Fraga is horrible”, comentou Lew Rockwell.
No dia seguinte, o Fórum foi reiniciado com um debate entre Rodrigo Constantino, Juan Fernando Carpio eJoão Quartim de Moraes, professor de Filosofia da UNICAMP. Quartim, um socialista que não sabia nem o que era liberalismo (é um daqueles que considera o PSDB o cúmulo do tal “neoliberalismo”), foi atropelado sem quaisquer cerimônias por Constantino e Carpio, um libertário que lamentou a situação do Equador, seu país de origem. Entretanto, deve-se congratular Quartim por sua coragem de ir a um seminário cuja plateia lhe é francamente desfavorável.
O painel seguinte foi bastante curioso. Um debate, supostamente sobre inflação, entre Thomas Woods,Stephen Kanitz e Ricardo López Murphy. Murphy, um bem humorado economista argentino formado na Universidade de Chicago, foi ministro da fazenda da Argentina em 2001 por exatos oito dias, sendo demitido pelo então presidente Fernando de la Rua por causa de suas propostas de austeridade fiscal. Tom Woods fez um gracejo: “Ele foi ministro da fazenda apenas oito dias a mais do que eu.” Sua palestra foi interessante, porém sem qualquer novidade.
Woods, com a segurança e o domínio de sempre, falou sobre como a inflação é uma política que, embora insidiosamente transfira renda dos mais pobres para os mais ricos e seja incapaz de trazer qualquer benefício econômico, continua sendo recomendada por economistas keynesianos e chicaguistas como uma panacéia capaz de fazer com que surjam milagrosamente os bens de capital necessários para o crescimento econômico.
Porém, o ápice do painel ocorreu na exposição do administrador Stephen Kanitz. Revelando-se um sujeito incrivelmente egocêntrico e com indefectíveis laivos de arrogância (do tipo que fica mexendo em seu i-Phone durante as palestras de seus debatedores), Kanitz teve uma participação, no mínimo, confusa.
Tão logo subiu ao púlpito, disse que a ideia de que é a mão invisível do mercado quem leva a comida à nossa mesa é pura balela. “Mão invisível uma ova, senhoras e senhores! Quem leva a comida às suas mesas são as mãos bastantes visíveis dos administradores”. Por que ele acha que os administradores não fazem parte do mercado, mas operam à margem dele, é algo que nos escapa. Pareceu-nos apenas birra de administrador que se acha injustiçado por não aparecer devidamente explicitado quando se fala de mercado.
Ademais, Kanitz, após expor erroneamente o significado da “mão invisível” de Adam Smith, passou a criticar os defensores do livre mercado tomando por base justamente esse conceito errôneo que ele próprio criou. Ou seja, ele estava atacando um conceito falso que ele próprio havia criado. Woods gentilmente o corrigiu na sessão de perguntas após as exposições.
Porém, isso foi apenas a introdução da palestra de Kanitz. Seu tópico principal se apoiava numa ideia insensata: segundo Kanitz, a bolha imobiliária ocorreu porque o governo americano havia criado um incentivo tributário, concedendo deduções no imposto de renda para pessoas que comprassem imóveis. Segundo ele, após passar duas semanas pesquisando na internet sobre o assunto, ele não havia encontrado uma única menção a essa isenção fiscal na grande mídia. Ninguém a apontava como causadora da bolha imobiliária. Ato contínuo, o próprio fez questão de apregoar que se tratava de uma teoria da qual apenas ele sabia. Nenhuma menção foi feita às políticas de expansão monetária do banco central americano. Nada se falou sobre os juros artificialmente baixos.
Tristemente, essa sua teoria durou apenas duas semanas. Tom Woods não precisou de mais do que duas frases curtas para mandá-la para o limbo: “Senhor Kanitz, esse incentivo fiscal existe há 40 anos. Por que ele não provocou crises anteriores?” Kanitz não respondeu. Quando assumiu o microfone, preferiu voltar a comentar Adam Smith e seu exemplo da fábrica de alfinetes.
O destaque seguinte foi um painel entre Eduardo Marty, Arthur Badin e David Friedman. O tema era intervencionismo. Este talvez tenha sido o melhor debate do fórum. Friedman fez picadinho do burocrata Artur Badin, presidente do CADE, que sustenta a paradoxal ideia de que apenas o estado pode preservar a concorrência e impedir que haja grandes concentrações que “geram ineficiências econômicas”.
Friedman demonstrou-lhe, tanto na teoria quanto na prática, que o estado faz justamente o oposto: é ele quem cria e permite a existência de carteis. E, consequentemente, leis antitrustes são desnecessárias, pois um livre mercado impossibilitaria a formação de carteis. Friedman citou a experiência norte-americana com a regulamentação das companhias ferroviárias. Foram as próprias empresas ferroviárias que pressionaram pela criação de uma agência reguladora para o setor, a qual tinha a função de regulamentar ferrovias para impedir a concorrência e eliminar taxas discriminatórias. Badin, um tanto inseguro, mudou de assunto e diz que seria impossível o mercado impedir que donos de postos de gasolina fizessem cartel. Friedman retrucou dizendo que nada impediria que fornecedores de outras cidades viessem suprir o mercado, ao passo que, no arranjo atual, são justamente as regulamentações governamentais que impossibilitam tal liberdade, inclusive as restrições estatais impostas ao mercado de energia alternativa.
Badin não retrucou.
Para arrematar, Friedman mostrou que o estado é o principal agente cartelizador da economia, pois é ele quem aprova tarifas que tornam produtos mais caros e é ele que impede a entrada de novos concorrentes – algo que aumenta a renda dos produtores para níveis acima daqueles que seriam obtidos no livre mercado. Tudo em detrimento do consumidor, justamente quem o CADE afirma proteger.
O debate foi uma verdadeira carnificina.
O ultimo destaque fica para a palestra de Fernando Henrique Cardoso, que, dentre outras coisas, disse que suas privatizações, principalmente a da telefonia, foram feitas de modo a defender a competição – uma franca mentira, como foi demonstrado nesse artigo. Vender um determinado setor para uma empresa e garantir-lhe exclusividade de operação, criando para tal uma agência reguladora, é exatamente o oposto de um livre mercado. Mais ainda: é impossível que tal arranjo fomente a conclusão.
Conclusão
No cômputo geral, o saldo final não apenas foi extremamente positivo, como também foi sobejamente animador. Foram realmente três dias inéditos. Nunca antes um evento sobre Mises atraiu tantas pessoas no Brasil. Mais de 4 mil. Mesmo o I Seminário de Economia Austríaca, que foi um evento mais “reservado”, atraiu a atenção de jovens do Brasil inteiro. Havia gente de todos os cantos do país, desde um estudante de economia que veio do Pará até um garoto que ainda está no ensino médio, mora em Leme, no interior de São Paulo, e já conhece bastante sobre a Escola Austríaca (veja seu blog).
Embora seja um clichê tenebroso, é impossível não utilizá-lo: é justamente essa moçada quem vai decidir os rumos futuros do país no qual viverão seus filhos e netos. Torçamos para que ela saiba tomar decisões sensatas.
Algumas fotos
O professor Antony Mueller explica a estrutura do capital |
Lew Rockwell responde tudo |
Rodrigo Constantino expôs números sobre a economia brasileira |
Mark Thornton explicou cristalinamente os ciclos econômicos |
Fábio Barbieri explica a impossibilidade do cálculo econômico no socialismo |
O professor Ubiratan Iorio explicou o processo de mercado |
Thomas Woods comenta a esquecida depressão de 1920-21 |
Um dos integrantes do IMB confessa para Woods que o considera “o cara” |
De fato, não há palestrante melhor que Tom Woods |
Cleber Nunes luta contra o estado para que ele próprio possa educar seus filhos |
David Friedman é quase um clone de Murray Rothbard |
Helio Beltrão e Lew Rockwell |
Plateia séria |
Plateia animada |
Coffee Break |
Maria Beltrão ofuscou as estrelas do seminário |
Economia só é prazerosa se for austríaca |
Esse integrante do IMB que o diga |
Lew Rockwell distribuiu vários autógrafos em seu livro Speaking of Liberty… |
…enquanto Tom Woods experimentava a camiseta com o brasão do IMB… |
…e Mark Thornton papeava com os estudantes |
Lew Rockwell conversa com dois tradutores |
Enquanto Tom Woods se estranha com a língua portuguesa, Patri Friedman segue projetando plataformas marítimas |
André Cardoso está apenas no 1º ano do ensino médio e já dá lições em keynesianos |
Thornton e Rockwell |
Salerno e Rockwell são inquiridos sobre Bryan Caplan |
Outro coffee break |
E mais outro |
Em vários idiomas |
Carlos Ghosn quer que o governo tome o seu dinheiro para dar para as empresas dele |
Mas, no que depender de Leonardo Fração, Ghosn não terá essa moleza |
Aguardamos todos novamente em 2011 |