Introdução à segunda edição
Nos anos que se passaram desde a publicação da primeira edição, o ciclo econômico ressurgiu na consciência dos economistas. Durante a década de 1960, novamente nos prometeram, como na Nova Era da década de 1920, que o ciclo econômico seria abolido pelas políticas governamentais keynesianas e por outras políticas sofisticadas. A recessão forte e evidente que começou por volta de novembro de 1969, e da qual, no momento em que escrevo, ainda não nos recuperamos, foi uma lembrança dura, ainda que salutar, de que o ciclo ainda está muito vivo.Um traço da recessão atual que foi particularmente desagradável e surpreendente é o fato de que os preços dos bens de consumo continuaram a subir de maneira acentuada durante a recessão. No ciclo clássico, os preços caem durante as recessões ou depressões, e esse declínio de preços é a única vantagem bem-vinda que o consumidor pode colher nesse períodos de pessimismo generalizado. Na recessão atual, porém, até essa vantagem desapareceu, e assim o consumidor sofre uma combinação das piores características da recessão e da inflação.
Nem a escola keynesiana oficial, nem as escolas “monetaristas” contemporâneas previram o fenômeno da “recessão inflacionária”, nem conseguem explicá-lo satisfatoriamente. Contudo, a teoria “austríaca” contida neste livro não só explica essa ocorrência, como demonstra que essa é a tendência geral e universal das recessões. A essência da recessão, como demonstra a teoria austríaca, é um reajuste que a economia faz para liquidar as distorções impostas pelo boom — particularmente a expansão demasiada das ordens “superiores” dos bens de capital e do sub-investimento em indústrias de bens de consumo. Uma das maneiras como o mercado redireciona os recursos dos bens de capital para a esfera dos bens de consumo é a relativa queda de preços na primeira categoria acompanhada de sua relativa subida na segunda. As falências e as relativas contrações de preços e de salários nas ordens superiores do capital, infladas e mal-investidas, redirecionarão recursos de terra, de trabalho e de capital para os bens de consumo, e com isso reestabelecerão a eficiência nas respostas às demandas do consumidor que é a condição normal de uma economia de mercado desimpedida.
Em suma, os preços dos bens de consumo sempre tendem a subir em relação aos preços dos bens de produção durante as recessões. A razão de esse fenômeno não ter sido notado antes é que, nas recessões anteriores, os preços caíram de modo geral. Se, por exemplo, os preços dos bens de consumo caem 10% e, digamos, os preços de cimento caem 20%, ninguém se preocupa com uma “inflação” durante a recessão; mas, na verdade, também nesse caso os preços dos bens de consumo subiram relativamente aos preços de bens de produção. Os preços em geral caíram durante as recessões porque a deflação monetária e bancária costumava ser um traço invariável das contrações econômicas. Mas, nas décadas mais recentes, a deflação monetária foi severamente impedida pela expansão governamental do crédito e das reservas bancárias, e o fenômeno de um declínio efetivo da oferta monetária tornou-se, na melhor das hipóteses, uma memória distante. O resultado da abolição governamental da deflação, porém, é que os preços em geral não caem mais, mesmo nas recessões. Por conseguinte, o ajuste entre bens de consumo e bens de capital que deve acontecer durante as recessões agora tem de ocorrer sem o misericordioso véu da deflação. Por isso, os preços dos bens de consumo ainda sobem relativamente, mas agora, sem a deflação geral, eles também precisam subir de maneira absoluta e visível. A política governamental de interferir para impedir a deflação monetária, portanto, privou o público de uma grande vantagem das recessões: uma queda no custo de vida. A intervenção governamental contra a deflação nos trouxe o indesejável fenômeno da recessão inflacionária.
Junto com a renovada ênfase nos ciclos econômicos, o fim da década de 1960 testemunhou a emergência da escola “monetarista” de Chicago, liderada por Milton Friedman, importante competidora da ênfase keynesiana em políticas fiscais compensatórias. Se a abordagem de Chicago traz um bem-vindo retorno à ênfase pré-keynesiana no papel crucial da moeda nos ciclos econômicos, ela essencialmente não passa de uma recrudescência da teoria “puramente monetária” defendida por Irving Fisher e Sir Ralph Hawtrey durante as décadas de 1910 e de 1920. À maneira dos economistas clássicos ingleses do século XIX, os monetaristas separam rigidamente o “nível de preços” do movimento dos preços individuais; as forças monetárias supostamente determinam o primeiro enquanto a oferta e a demanda por bens específicos determinam o segundo. Por isso, para os monetaristas, as forças monetárias não têm impacto significativo ou sistemático no comportamento dos preços relativos ou na distorção da estrutura de produção. Assim, enquanto os monetaristas veem que um aumento da oferta de dinheiro e de crédito tenderá a elevar o nível geral de preços, eles ignoram o fato de que desse modo é necessária uma recessão para eliminar as distorções e os investimentos insustentáveis do boom anterior. Por conseguinte, os monetaristas não possuem uma teoria causal do ciclo econômico; cada fase do ciclo torna-se um evento sem relação com a fase seguinte.
Além disso, como no caso de Fisher e Hawtrey, os monetaristas de hoje têm como ideal ético e econômico a manutenção de um nível de preços estável e constante. A essência do ciclo estaria na subida e na queda — nos movimentos — do nível de preços. Como esse nível é determinado pelas forças monetárias, os monetaristas sustentam que, se as políticas governamentais mantiverem constante o nível de preços, o ciclo econômico desaparecerá. Friedman, por exemplo, em seu A Monetary History of the United States, 1867—1960 [Uma história monetária dos Estados Unidos, 1867—1960] (1963), emula seus mentores e elogia Benjamin Strong por ter mantido estável o nível de preços no atacado durante a década de 1920. Para os monetaristas, a inflação do dinheiro e do crédito bancário engendrada por Strong não teve efeitos negativos, não levou a um ciclo de expansão e recessão ; pelo contrário, a Grande Depressão foi causada pela política monetária austera que se seguiu à morte de Strong. Assim, enquanto os monetaristas da escola Fisher-Chicago e os austríacos concentram-se ambos no papel vital da moeda na Grande Depressão e em outros ciclos econômicos, as ênfases causais e as conclusões para efeito de políticas são diametralmente opostas. Para os austríacos, a inflação monetária da década de 1920 preparou o cenário inevitável para a depressão, uma depressão que foi ainda mais agravada pelos esforços do Federal Reserve para inflacionar ainda mais durante a década de 1930 (e mantida por investimentos insustentáveis). A escola de Chicago, por outro lado, não enxergando quaisquer fatores causais a gerar a recessão a partir do boom anterior, louva a política da década de 1920 por manter estável o nível de preços e creem que a depressão poderia ter sido rapidamente curada se o Federal Reserve tivesse inflado muito mais intensivamente durante a depressão.
A tendência de longo prazo da economia de livre mercado, desimpedida pela expansão monetária, é um nível de preços em queda sutil, caindo à medida que a produtividade e a vazão de bens e de serviços crescem continuamente. A política austríaca de evitar em todo momento a inflação monetária permitiria que essa tendência do livre mercado assumisse a liderança e assim removesse as perturbações do ciclo econômico. O objetivo de Chicago de um nível de preços constante, que só pode ser obtido por meio de uma contínua expansão da moeda e do crédito, iria, como na década de 1920, involuntariamente gerar o ciclo de boom e recessão que se mostrou tão destrutivo nos dois séculos anteriores.
Murray N. Rothbard
New York, NY
Julho de 1971