1. Mais escolhas, mais liberdade, menos poder de monopólio

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Devido ao seu tamanho físico, os grandes estados são capazes de exercer mais poder que os geograficamente menores – portanto, exercer um maior controle sobre os residentes. Isto se deve, em parte, ao fato de os estados maiores se beneficiarem de barreiras mais rigorosas à emigração do que os menores. Os grandes estados podem, portanto, evitar melhor uma das barreiras mais significativas à expansão do poder estatal: a capacidade dos residentes de se mudarem.

O significado disso, na prática, fica mais claro se considerarmos o caso extremo e hipotético de um mundo com um único estado. Nesse caso, a pessoa não tem outras opções. O número de escolhas reais é igual a zero, já que nosso hipotético megaestado possui o monopólio do mundo inteiro. Ou seja, um único estado global é o estado mais poderoso possível, e um estado plenamente formado no sentido mais estrito. Ele possui um monopólio completo e total da força sobre a sua população, uma vez que os seus cidadãos não podem escapar, mesmo que emigrem. Não há para onde possam emigrar.

Por outro lado, um mundo composto por centenas, milhares, ou mesmo dezenas de milhares de estados (ou regimes de vários tipos) ofereceria muitas opções aos residentes que desejassem mudar sua situação de vida.

Quanto menores os estados se tornam, mais práticas se tornam as opções de realocação para os residentes. Isso é devido ao fato da proximidade com os recursos e as pessoas com as quais se deseja estar importar como uma restrição física real. Se alguém pode escapar da jurisdição de um grande estado apenas emigrando mil quilômetros, esta será uma situação consideravelmente diferente quando comparada a um pequeno estado, de onde a saída requer apenas cinquenta quilômetros. Nas palavras de Kirkpatrick Sale, esses estados menores estão mais próximos da “escala humana”.[1]

As realidades de tempo, distância e viagem significam que a emigração para locais distantes limitará a capacidade de compartilhar tempo e recursos com a família, amigos e entes queridos deixados para trás. A emigração para um local em poucas horas de carro, por outro lado, requer muito menos mudanças de estilo de vida.

Do mesmo modo, se a emigração exigir a adaptação a uma cultura e língua radicalmente diferentes, isso limitará ainda mais a praticidade da emigração para aqueles que não são fluentemente multilíngues. Assim, os estados têm se beneficiado consideravelmente do fato de muitos deterem monopólios em áreas linguísticas (que os estados reforçam por meio de estratégias como a educação pública e a designação de línguas “oficiais”). Por exemplo, se alguém fala apenas sueco, tem um grande incentivo para ficar na Suécia, e se só fala grego, o custo pessoal de sair da Grécia pode ser realmente muito alto. Mesmo no caso do inglês, visto como sendo falado internacionalmente, é significativo que a maioria dos falantes nativos de inglês viva sob um único estado: os Estados Unidos. As implicações disso para os potenciais emigrantes são evidentes.

Mas, uma vez que os estados podem estender seus monopólios por vastas extensões de terra, áreas linguísticas e culturais, a emigração se torna ainda mais difícil. Nesses casos, os estados são mais facilmente capazes de aumentar sua tributação e poder regulatório sobre uma população sem o perigo de perder quantias significativas de receita tributária devido à migração.

No caso de um estado pequeno, no entanto, muitas dessas barreiras culturais, linguísticas e baseadas na distância são reduzidas. Se os Estados Unidos fossem realmente compostos por cinquenta (ou mais) jurisdições políticas verdadeiramente independentes, os residentes poderiam emigrar de região em região com menos problemas em termos de adaptação às línguas e cultura locais. No caso de uma mudança da Virgínia para a Carolina do Norte, por exemplo, ainda seria prático, em muitos casos, que os emigrantes regressassem regularmente para visitar amigos e familiares com relativa facilidade.

Isso se tornaria ainda mais verdadeiro se essas jurisdições reduzissem ainda mais de tamanho – ao tamanho de uma área metropolitana, ou mesmo de um município.

Na verdade, muitas vezes vemos isso em ação mesmo em jurisdições políticas parcialmente descentralizadas. Nos EUA, por exemplo, americanos e empresas costumam se deslocar pelos limites da cidade e do condado para evitar certas regulamentações, reduzir seus impostos ou aproveitar melhores comodidades.

Quando a cidade de Chicago, em 2006, impôs uma série de altos obstáculos regulatórios contra o WalMart, a gigante do varejo optou por simplesmente se afastar um quarteirão do limite da cidade, privando, assim, a cidade de receitas fiscais, mas permitindo o acesso do WalMart à população consumidora de Chicago.[2] Se as subunidades de uma confederação são apropriadamente pequenas, a “emigração” pode ser uma questão de se deslocar alguns quilômetros mais adiante, tornando o custo prático da emigração muito baixo.

Vida em um microestado

Agora, imagine um mundo composto por pequenos estados do tamanho de pequenas cidades. Quanto menor, melhor. Em nosso mundo hipotético, vamos imaginar que a cidade de Arcádia, Califórnia, se tornou uma república independente. A cidade tem dezessete quilômetros quadrados e cinquenta e seis mil pessoas. Faz fronteira com, pelo menos, outras cinco. Em outras palavras, se a cidade fosse uma entidade independente – vamos chamá-la de República de Arcádia (RA) – qualquer morador precisaria apenas se deslocar alguns quilômetros para mudar o governo sob o qual vive.

Se a RA impusesse um grande aumento de impostos ou uma série de novas regulamentações onerosas, muitos moradores optariam por se mudar. Essa situação continuaria a impor custos aos novos emigrantes. Eles talvez precisassem vender suas casas ou empresas, o que é caro em termos de tempo e dinheiro. Ao se mudarem, eles deixarão seu local de residência preferido – o que demonstraram por suas ações anteriores ser Arcádia. Agora, no entanto, eles devem viver em um lugar que seja sua segunda ou terceira escolha, sendo o resto igual.

Em nosso exemplo da Arcádia, os residentes teriam várias opções de outras jurisdições com clima, idioma e cultura quase idênticos. Além disso, as jurisdições vizinhas provavelmente ficariam mais do que felizes em aceitar as mesmas pessoas que o grande aumento de impostos da RA provavelmente levará a emigrarem: os residentes mais produtivos e empreendedores.

Monopólio x “mercado” para os estados

Neste cenário, a República de Arcádia ainda é formalmente um estado em sentido estrito. Mas mesmo que a RA tenha um monopólio estatal dentro de seu território, esse monopólio é limitado apenas àquele pequeno pedaço de território que está dentro da jurisdição da RA. Em outras palavras, esse “monopólio” é realmente muito fraco, e somos lembrados de que os pequenos estados são menos estatais que os grandes.

É claro que a presença de muitas opções não significa que todos sempre serão capazes de encontrar uma situação ideal que atenda todas as suas necessidades culturais, religiosas e econômicas. Mesmo no mundo dos bens de consumo produzidos em massa, onde a concorrência é muitas vezes acirrada, um alto grau de escolha não consegue fornecer exatamente o que cada consumidor imagina ser o produto ideal.

As escolhas são sempre limitadas na vida real, seja pela geografia física, pelo tempo ou pela vontade dos outros de fazer negócios voluntariamente. Não se tem a capacidade de escolher uma hamburgueria “perfeita” exatamente pelo preço que se deseja, mesmo em um mercado vibrante e empreendedor. Muitas vezes é impossível encontrar exatamente o automóvel que se deseja com a combinação de características e com a aparência que combina perfeitamente com as preferências de cada consumidor. A menos que alguém seja rico o suficiente para construir um automóvel personalizado do zero, só se pode escolher entre uma série de opções disponíveis. Em muitos casos, o melhor que podemos fazer é simplesmente aumentar o número de opções. O mesmo vale para escolher um regime para viver.

No entanto, a presença de um alto grau de competição e escolha entre regimes separados oferece inúmeras oportunidades para melhorar a situação de alguém, mudando-se para uma jurisdição política culturalmente semelhante, mas juridicamente distinta.

Queremos mais fronteiras e mais estados

Uma objeção levantada contra um sistema de numerosos estados independentes é o fato de que alguma forma de controle de fronteiras provavelmente persistirá, e que várias fronteiras impõem limitações adicionais aos direitos humanos – especificamente o direito de viajar livremente. Ou, para usar um termo preferido pelos economistas, dizem-nos que as fronteiras são más porque impõem “custos de transação” às populações que desejam realizar negócios através delas.

Como veremos nos próximos capítulos, essa preocupação é descabida porque, na prática, os pequenos estados tendem a ser mais abertos à circulação de mercadorias, capitais e pessoas. Os estados pequenos são menos propensos do que os grandes a fecharem-se das regiões limítrofes. No entanto, é provável que alguns controles fronteiriços persistam mesmo nesse cenário. É provável que isso imponha pelo menos um pequeno custo àqueles que frequentemente desejam atravessar as fronteiras para visitar a família ou acessar oportunidades de emprego.

Mas uma infinidade de fronteiras traz consigo uma vantagem muitas vezes ignorada em termos de proteção dos direitos humanos e das liberdades básicas: as fronteiras também funcionam como um limite aos poderes de um estado. Dito de outra forma, assim como as fronteiras impõem custos de transação à população em geral, elas também tendem a impor custos de transação aos próprios estados, limitando as capacidades dos estados de exercer seus próprios poderes fora de suas próprias fronteiras.

Por exemplo, a fronteira da Alemanha Oriental com a Alemanha Ocidental representava os limites do estado policial da Alemanha Oriental, além do qual o poder da Stasi de sequestrar, torturar e prender pessoas pacíficas era muito mais limitado do que dentro de sua jurisdição nativa. A fronteira da Alemanha Ocidental agiu para conter o estado da Alemanha Oriental.

Da mesma forma, as fronteiras da Arábia Saudita funcionam como um limite à capacidade do regime saudita de impor sua marca peculiar de teocracia brutal.

Mesmo dentro de um único estado-nação, as fronteiras podem ilustrar os benefícios da descentralização, como no caso da fronteira Colorado-Nebraska. De um lado da fronteira (ou seja, Nebraska), a polícia estadual frequentemente detém e prende cidadãos por posse de maconha. Os que resistirem irão se deparar com a violência coercitiva do estado. Do outro lado da fronteira, a Constituição do estado proíbe a polícia de processar usuários de maconha. A fronteira do Colorado efetivamente coloca um limite na guerra de Nebraska contra as drogas.

Certamente, há maneiras de os regimes estenderem seu poder até mesmo além de suas fronteiras. Isso pode ser feito por meio de aproximação aos regimes dos países vizinhos (ou intimidando-os), ou por meio dos órgãos de organizações internacionais quase estatais. Ou, como no caso dos Estados Unidos e da União Europeia, impondo políticas mais amplas a uma série de estados supostamente soberanos.

No entanto, graças à natureza competitiva dos estados, muitos estados muitas vezes terão dificuldade em projetar seu poder em estados vizinhos e, portanto, as fronteiras representam um impedimento muito real para seu poder. Sim, as fronteiras podem oferecer obstáculos ao livre comércio e à livre migração, mas também trazem consigo vantagens para limitar os danos causados por regimes mal administrados ou despóticos. Isso pode abrir as portas para uma maior liberdade e até salvar vidas, à medida que certos estados empobrecem ou travam guerra contra seus próprios cidadãos. A existência de uma fronteira – especialmente para aqueles que vivem perto dela – pode oferecer maior acesso a recursos além do alcance do regime sob o qual se vive.

O caso da Venezuela

Esse princípio foi ilustrado nos últimos anos pelo regime venezuelano. Por quase vinte anos, o regime inspirado no marxismo vem expropriando e fechando empresas privadas, enquanto processa empresários por “crimes” de exploração dos trabalhadores. Consequentemente, as linhas de abastecimento secaram e o país entrou em uma crise econômica, na qual muitos bens e serviços se tornaram excepcionalmente escassos. Em 2016, para evitar uma grave crise humanitária, o regime abriu sua fronteira com a Colômbia para permitir aos venezuelanos a oportunidade de comprar alimentos e outros suprimentos no lado colombiano da fronteira.[3]

Ao contrário do regime venezuelano, o regime colombiano não limitou severamente a capacidade e as liberdades do setor privado. A Colômbia não havia reduzido a população do país à pobreza desesperadora em meio ao colapso das instituições econômicas e sociais.

Assim, na época, era bastante fácil comprar alimentos e mantimentos no lado colombiano da fronteira, enquanto as prateleiras das lojas ficavam vazias no lado venezuelano.

Em outras palavras, a fronteira colombiana funcionou tanto como um limite para o regime venezuelano, quanto como uma tábua de salvação para os residentes da Venezuela, a proximidade com a fronteira, neste caso, foi um aumento da liberdade e não uma limitação. Aqueles que viviam perto da fronteira estavam entre os residentes mais afortunados do país, porque a fronteira colombiana se tornou uma fonte de bens e serviços essenciais, seja por meio do comércio legal, seja por meio de operações de contrabando e migração ilegal.

Fronteiras como proteção contra superestados supranacionais

Outra vantagem das fronteiras – e das distintas zonas territoriais que elas criam – é que elas impõem custos adicionais às organizações estatais supranacionais que buscam consolidar o poder e transformar estados menores em meros componentes de grandes estados centralizados.

Isso pode ser visto mais facilmente no caso da União Europeia, onde o governo da UE em Bruxelas buscou padronizar, harmonizar e centralizar o poder dentro do bloco. No entanto, os estados-membros continuaram a oferecer resistência a esse impulso centralizador em muitos casos.

Como descrito por Luigi Bassani e Carlo Lottieri:

     O que já está a acontecer na Europa é muito significativo. Se as tendências atuais continuarem, os diferentes povos europeus… estão prestes a estar sujeitos à autoridade de um superestado continental. Este novo governo tentará “harmonizar” as políticas fiscais – com certeza não para baixar impostos – e qualquer outro tipo de controle de recursos individuais. No final, talvez, Bruxelas comandará todas as decisões políticas e conseguirá construir um novo estado “imperial”, em paralelo com os Estados Unidos.[4]

Por enquanto, no entanto, os superestados propostos, como a UE, “ainda são incapazes de disciplinar os estados”, o que significa que o poder do “superestado continental” é muito mais fraco, porque o poder internacional nascente é considerado como uma força “externa” distinta das pessoas e instituições dentro das fronteiras dos estados-membros resistentes. O fato de cada estado-membro continuar a controlar, mais ou menos, as suas próprias fronteiras – e, portanto, a manter uma identidade e jurisdição separadas – limita o poder do nascente estado da UE.

Bassani e Lottieri concluem que há aqui uma “certa ironia”. Os estados menores – que certamente são estados e, portanto, vêm com todos os problemas que se espera dos estados – são, no entanto, obstáculos para a criação de estados maiores, ainda mais abusivos.[5]

 

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Notas

[1] Kirkpatrick Sale, Human Scale Revisited: A New Look at the Classic Case for a Decentralized Future (White River Junction, Vt.: Chelsea Green Publishing, 2017), p. 145. No capítulo 13, Sale discute o tamanho adequado da”cidade ótima”. Para Sale, a maioria das jurisdições políticas são muito grandes, e Sale sugere que um tamanho mais razoável está entre 50.000 e 100.000.

[2] “Dezoito meses depois que a Câmara Municipal de Chicago torpedeou um WalMart do lado sul, 24.500 moradores de Chicago se candidataram a 325 empregos em um WalMart inaugurado na sexta-feira no subúrbio sul de Evergreen Park, um quarteirão fora dos limites da cidade”. Citado em Craig DeLuz, “25.000 candidatam-se a 325 empregos no Walmart….Projeto destruído pela Câmara Municipal de Chicago”, Craig DeLuz Craig DeLuz, 26 de janeiro de 2006, http://craigdeluz.com/25000-apply-for-325-walmart-jobs-project-killed-by-chicago-city-council/.

[3] Sibylla Brodzinsky, “Venezuelanos invadem cidade fronteiriça da Colômbia em busca de alimentos e bens básicos”, The Guardian, 5 de julho de 2016, p. https://www.theguardian.com/world/2016/jul/05/venezuelans-storm-colombia-border-food.

[4] Luigi Marco Bassani e Carlo Lottieri, “The Problem of Security: Historicity of the State and ‘European Realism'”, em The Myth of National Defense: Essays on the Theory and History of Security Production, ed.

[5] Bassani e Lottieri escrevem: “Há uma certa ironia no fato de que os que buscam liberdade de todo o mundo devem confiar na relutância dos estados em cumprir os sonhos políticos de longo alcance dos unificacionistas do euro e do mundo. A resistência contemporânea do estado a esse inimigo histórico de sua própria lógica – a mesma que no passado pavimentou o caminho para a ascensão da modernidade política e agora está cavando sua sepultura – parece ser a única esperança realista para as liberdades individuais.” Ibidem, p. 62.

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