10. Se a Califórnia se separar, o que acontece com os moradores que se opuseram à secessão?

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Nos últimos anos, os grupos de esquerda têm sido frequentemente a força motriz por trás dos movimentos de secessão. Foi o caso da Escócia, da Catalunha e da Califórnia.

Em todos os casos, os movimentos de secessão foram iniciados em parte para promover objetivos de esquerda, como a criação de um estado de bem-estar social maior ou para escapar de limitações impostas por grupos de interesse político e instituições consideradas de extrema-direita.

Dentro do contexto americano, os apelos mais ruidosos para a secessão durante os anos Trump vinham da Califórnia, onde os esquerdistas estavam ansiosos para afirmar sua independência do governo de Washington. De modo geral, esses secessionistas da Califórnia queriam serviços de saúde universal, um estado de bem-estar social ainda maior, confisco de armas de fogo privadas e uma burocracia de “proteção” ambiental cada vez maior. Ou seja, queriam um estado de bem-estar social ao estilo europeu.

Califórnia como estudo de caso

Este caso suscitou entre os americanos – e especialmente aos americanos de mentalidade libertária – uma pergunta que continua a surgir nos últimos anos sobre questões de secessão: alguém deve apoiar um movimento de secessão que busca objetivos ideológicos contrários às suas próprias posições? Especificamente, no caso dos ativistas liberais de livre mercado, a questão é se se deve ou não apoiar movimentos de secessão que buscam um governo mais intervencionista.

A resposta deve, antes de mais, ser comparada com a realidade de forçar a união política numa região separatista. Ou seja, o custo de permitir que uma região se separe deve ser comparado ao custo de mantê-la – ou seja, invasão militar, ocupação, prisões em massa, vigilância do governo, lei marcial e daí para pior.

Não surpreendentemente, somos forçados a concluir que a resposta é a mesma se estamos falando de secessão na Escócia, na Califórnia ou na Catalunha: usar a força do estado para se opor aos movimentos separatistas é geralmente imoral e pouco prática. Afinal, se uma região – digamos, a Califórnia – vota majoritariamente para se separar, evitar a secessão, em última análise, se resume ao uso da força física para garantir a “unidade”. Isso, é claro, é contrário à própria ideia de autodeterminação.

E os interesses minoritários?

No entanto, aqueles que se opõem à secessão nesses casos apontam para os grupos minoritários que continuam a residir nos territórios separatistas.

O argumento é mais ou menos assim: “Agora que você deixou a Califórnia se separar, o que dizer daqueles pobres conservadores, proprietários de armas e empresários que agora serão impactados negativamente por um governo recém-empoderado da Califórnia? Antes, a Califórnia era pelo menos um pouco contida por sua adesão aos Estados Unidos. Agora, o governo da Califórnia está ainda mais livre para infligir miséria aos infelizes contribuintes e às pessoas produtivas que estão presas lá.”

A essa crítica, há, pelo menos, duas respostas.

Primeira: A independência da Califórnia significa mais liberdade para o resto do país

Aqueles que desejam se concentrar apenas no que acontece com aqueles que estão na Califórnia têm uma visão paroquial e muito limitada. Sim, é verdade que empresários, cristãos religiosos e proprietários de armas na Califórnia (para citar apenas três grupos) provavelmente seriam impactados negativamente pela independência da Califórnia. O regime no poder na Califórnia há muito mostra uma hostilidade aberta a esses grupos minoritários.

O outro lado da moeda, no entanto, é que a secessão da Califórnia levaria a uma expansão significativa da liberdade para o “resto” dos Estados Unidos. Livre da influência da Califórnia na política americana, o restante dos Estados Unidos provavelmente se moveria significativamente na direção de mais liberdade nos mercados. As regulamentações federais seriam provavelmente reduzidas, e os candidatos presidenciais não precisariam mais atender a grupos de interesse com influência considerável na Califórnia.

A delegação de 53 membros da Califórnia no Congresso desapareceria, e os padrões de votação no Congresso provavelmente mudariam em uma direção mais receptiva com o laissez-faire.

Em outras palavras: a nação estaria livre de um grande peso morto. Pode-se até dizer que a situação é análoga à remoção de um apêndice infectado. Não seria a primeira vez que algo assim aconteceria. Em 1861, quando os Estados do Sul começaram a se separar da União, o nova-iorquino George Templeton Strong acolheu a perspectiva de ser libertado da influência política dos escravocratas no sul. Ele concluiu que “os membros autoamputados estavam doentes sem possibilidade de cura imediata, e seu vírus não infectará mais nosso sistema”.[1]

Mas, ao contrário de Strong, que poderia ter sido induzido pela consciência a pensar nos escravos deixados para trás nos territórios separados, não enfrentamos nenhum problema semelhante. Obviamente, comparar a Califórnia moderna a um estado escravocrata de antigamente é absurdo e, ao contrário dos escravos, os californianos são livres para se mudar. Também não é obrigação moral dos texanos, ou floridianos, ou colorados proteger os californianos dos excessos de seu próprio governo.

Assim, quando pensamos na Califórnia pós-secessão sujeita aos caprichos de um governo de esquerda lá, devemos pensar também nos 285 milhões de americanos restantes que se beneficiariam da separação.

Note-se também que esta situação até tem vantagens para os contribuintes e empresários na Califórnia que desejam escapar do regime californiano.

Agora que os Estados Unidos melhoraram com a ausência da Califórnia, aqueles na Califórnia que buscam um ambiente legal mais favorável aos negócios podem mudar drasticamente suas vidas para melhor, mudando-se através da nova fronteira nacional para Arizona ou Nevada. Para esses migrantes, o ganho líquido alcançado ao deixar a Califórnia cresceu graças à secessão da Califórnia.

Segunda: mais estados são preferíveis a menos estados

A segunda resposta à objeção reside no fato de que a secessão já traz consigo uma solução para o problema. Ou seja, os problemas causados por uma secessão são resolvidos por mais secessão.

Um número maior de estados é preferível a um número menor. Um número maior de estados pequenos oferece opções mais práticas aos contribuintes e cidadãos na escolha de um lugar para viver sob governos que mais se aproximam de seus valores pessoais.

Assim, ao considerar os problemas de uma Califórnia independente, descobrimos que o principal problema enfrentado pelos contribuintes e residentes produtivos na Califórnia é que o estado é simplesmente muito grande e contém uma população muito diversificada dentro de seus limites.

Como observado por vários comentaristas ao longo dos anos – incluindo apoiadores da iniciativa Six Californias – a população da Califórnia é bastante diversificada política e culturalmente, embora tenha sido dominada por décadas por uma coalizão de eleitores de centro-esquerda baseada em torno da Bay Area. Em comparação com esses eleitores, os moradores do sul da Califórnia parecem moderadamente conservadores, mas não se saberia disso olhando para a política estadual, porque o norte da Califórnia costuma dominar usando seu maior peso eleitoral.

A solução para esse problema está em dividir a Califórnia em pedaços ainda menores. Podemos ver muitas dessas linhas políticas maduras para a descentralização nos padrões de votação revelados por votações estaduais, como as da Proposição 187 e da Proposição 8.[2] Podemos vê-las no mapa dos distritos legislativos. Também não se trata apenas de áreas metropolitanas contra áreas rurais. Muitas áreas suburbanas dentro das grandes metrópoles da Califórnia são bastante centro-direita por si sós, e certamente se beneficiariam de uma maior descentralização política.

Os principais centros urbanos devem ser seus próprios territórios autônomos, com áreas suburbanas e rurais mantidas separadas e autônomas à sua maneira.[3]

O resultado líquido de tudo isso seria oferecer uma infinidade de opções entre contribuintes, empresários, proprietários de armas e tradicionalistas morais sobre onde eles poderiam viver e desfrutar dos benefícios da autodeterminação dentro de suas próprias comunidades.

Mas antes que isso possa acontecer, devemos primeiro estabelecer e ampliar a legitimidade moral e legal da autodeterminação por meio da secessão e da descentralização. Apegar-se ao status quo das fronteiras regionais e nacionais existentes é reacionário ao extremo. Insistir que não se deve permitir que nenhuma comunidade tenha autonomia exceto se seus líderes concordem conosco em quase todos os aspectos é impraticável, irresponsável e fadado ao fracasso.

No entanto, quando confrontados com novas tentativas de descentralização e secessão, mesmo alguns dos que afirmam ser a favor da liberdade e da autodeterminação agarram-se a ideias de impor controle nacionalista sobre os outros. Eles inventam slogans fictícios carregados de emoção afirmando “somos uma nação” ou “secessão é traição”, ou outros slogans destinados a justificar o uso do poder do estado para impor a unidade política. Em última análise, trata-se de uma ideologia de monopólio e coerção, e despreza os próprios ideais de liberdade que os nacionalistas dizem apoiar.

 

 

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Notas

[1] George Templeton Strong, O Diário de George Templeton Strong (Nova York: Macmillan, 1952), p. 94.

[2] Pelo menos até 2008, a Califórnia não era tão uniforme ideologicamente quanto a narrativa popular sugeria. Por exemplo, a Proposição 8 foi uma medida que foi posta em votação na Califórnia de 2008 que proibiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo sancionado pelo governo no estado. Foi aprovada com 52% dos votos, com até mesmo a maioria dos eleitores no condado de Los Angeles votando para proibir o casamento gay sancionado pelo governo. Fenômeno semelhante ocorreu com a Proposição 187, em 1994. Essa medida posta em votação – que foi projetada para conter a imigração ilegal e, portanto, considerada uma legislação “conservadora” – foi aprovada com 58% dos votos e conquistou maiorias nos condados de Los Angeles, Orange e San Diego.

[3] Para um modelo de autodeterminação local dentro da estrutura estado-local existente nos EUA, ver Ryan McMaken, “Grant Statehood to America’s Core Cities”, Mises Wire, 29 de agosto de 2017, p. https://mises.org/blog/give-sanctuary-cities-what-they-want.

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