14. A Sociologia do Desenvolvimento da Economia Austríaca

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Joseph T. Salerno

[Joseph T. Salerno ([email protected]) é o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute, professor de economia (presidente do programa de pós-graduação) na Lubin School of Business da Pace University e editor do Quarterly Journal of Austrian Economics. Este artigo é uma versão editada de um discurso apresentado na Primeira Conferência Anual de Acadêmicos Austríacos do Ludwig von Mises Institute, Auburn University, Alabama, de 26 a 27 de janeiro de 1996, em um painel intitulado “O Futuro da Escola Austríaca”.]

 

Introdução

Embora este artigo tenha sido apresentado como uma palestra em 1996, optei por publicá-lo neste volume quase na forma do manuscrito original.[1] Embora nunca tenha sido publicado ou postado on-line, o artigo alcançou uma circulação limitada na forma manuscrita por meio de máquinas de copiar e fax durante os primórdios da Internet. Apesar de sua exposição relativamente restrita, no entanto, gerou uma discussão notavelmente acalorada nos círculos econômicos austríacos – grande parte dela baseada em uma versão imprecisa do artigo baseada em boatos – que durou vários anos.[2] Portanto, a primeira razão para publicar o artigo agora, sem grandes revisões, é deixar claras as alegações reais e os argumentos de apoio nele contidos. Um segundo motivo para a publicação tardia do manuscrito é aceitar e, assim, botar um fim às inúmeras importunações de publicar às quais fui submetido ao longo dos anos por colegas e amigos que estavam amplamente cientes da prolongada controvérsia que girava em torno do artigo, mas que não estavam na plateia em sua apresentação original nem tiveram a oportunidade de lê-lo posteriormente. A terceira, e talvez a mais importante, das minhas razões para atender ao pedido dos editores de publicar o artigo é que, apesar do fato de que a situação na economia austríaca tenha mudado muito para melhor desde que o artigo foi originalmente escrito, e apesar de minha insatisfação com suas imperfeições de estilo e tom, acho que suas afirmações substantivas se sustentaram muito bem, e valem a pena repetir. Em particular, acredito que o artigo identifica atitudes contraproducentes peculiares aos proponentes de um movimento intelectual heterodoxo. Tais atitudes são sempre passíveis de recorrência e devem ser cuidadosamente evitadas porque podem impedir o progresso do movimento, se não ameaçar sua própria sobrevivência.

Definindo a economia austríaca

Antes de nos aventurarmos a especular sobre o futuro da Escola Austríaca, devemos primeiro definir o paradigma intelectual distinto que caracteriza um membro desta escola.

Especificar uma atitude ou postura metodológica vaga, por exemplo “subjetivismo” ou “individualismo metodológico”, não é suficiente. Esses rótulos podem ser aplicados a uma ampla gama de economistas modernos – do falecido George Shackle a Milton Friedman, o teórico de preços – bem como aos seguidores contemporâneos de Carl Menger e Ludwig von Mises. Para captar a essência da abordagem distintamente austríaca da economia, portanto, devemos fazer muito mais. A saber, devemos definir o método preciso e realista utilizado pelos reconhecidos mestres da economia austríaca para descobrir e explicar o que Menger chamou de leis “exatas” da economia.[3]

Para mim, esse método é a praxeologia, que recebeu seu nome e primeira explicação abrangente de Mises. Mises não concebeu a praxeologia como uma matéria meta-econômica não relacionada às preocupações cotidianas do economista teórico; ele próprio a usou como ferramenta de pesquisa para revolucionar as teorias da moeda, dos ciclos econômicos e do socialismo. Mesmo antes de Mises, no entanto, esse método foi empregado pelos grandes fundadores da escola austríaca, Menger e Böhm-Bawerk, para descobrir novas verdades econômicas. O que Mises chama de “teoria moderna de valor e preços”,[4] apresentada sistematicamente pela primeira vez por Böhm-Bawerk, é uma criação tangível da praxeologia. Voltando no tempo ainda mais, esse método também foi esboçado e usado por alguns dos economistas mais criativos dos séculos XVIII e XIX, a saber Cantillon, Say, Senior e Cairnes.

A essência da economia austríaca pode ser definida, então, como a estrutura de teoremas econômicos que é alcançada por meio do processo de dedução praxeológica, isto é, por meio da dedução lógica a partir do Axioma da Ação baseado na realidade. Além de fornecer um método único e praticável para o desenvolvimento da ciência econômica, essa definição é útil precisamente porque exclui Shackle e Friedman, bem como muitos outros economistas, do passado e do presente, de serem considerados praticantes da economia austríaca. É infantil procurar definir um paradigma intelectual, ou mesmo designá-lo por um termo específico, ao mesmo tempo que lamenta uma definição particular porque exclui ou é “intolerante” com aqueles cujas opiniões são essencialmente inconsistentes com o paradigma então definido. Não se deve esquecer que uma definição, por definição, pretende ser rigidamente essencialista e, portanto, exclusivista.

Tendo dado uma definição da economia austríaca, passo agora para a discussão de dois problemas que tornam seu futuro nebuloso. Ambos os problemas, argumentarei, revelam uma relutância peculiar por parte de alguns de seus praticantes em definir precisamente o que se entende por economia austríaca. Talvez essa relutância se deva ao medo de que definir uma ciência ou o método específico de praticá-la signifique excluir peremptoriamente a possibilidade de qualquer progresso futuro na disciplina. Os enormes avanços que ocorreram dentro do paradigma praxeológico desde que Say e Senior começaram a articular conscientemente seu método, eu acho, mostram que esse medo não tem fundamento. Na verdade, eu argumentaria que não é acidental que Mises, o primeiro economista a utilizar deliberadamente a praxeologia como um método de pesquisa abrangente, foi o economista que fez os maiores avanços substantivos no paradigma teórico austríaco. No entanto, devido a uma severa limitação de tempo, não irei prosseguir com este ponto aqui.

Austro-punkismo

O primeiro problema que obscurece o futuro da escola austríaca eu chamo de “austro-punkismo”. Meu uso desse neologismo aqui não tem a intenção de evocar o sentido mais antigo e indefinido do termo “punk” como qualquer pessoa, “especialmente um jovem, considerado inexperiente, insignificante, etc.”[5] Em vez disso, eu o uso no sentido mais específico e agora amplamente aceito para indicar o cultivo de uma atitude ímpia em relação às realizações do passado e, portanto, em relação a todas as autoridades. Essa atitude é a força motriz do fenômeno do “punk” rock, que de suas estreitas raízes musicais no final dos anos 1970 tornou-se um amplo movimento cultural na atualidade. A ampla aceitação social do fenômeno punk é exemplificada pelo fato de que sua música, agora chamada pelo nome insípido, mas significativo, de “rock alternativo”, permeia as ondas de rádio até mesmo das principais estações de rádio comerciais. (Devo confessar que estou amargurado porque a última estação de rock “clássico” restante na cidade de Nova York recentemente e abruptamente se converteu para o formato de rock “alternativo”.)

Vejam bem, não estou tentando sugerir aqui que as raízes do austro-punkismo estão na cultura popular. Vou lidar com as causas que estão por trás disso em breve. Meu propósito imediato na alusão ao punk rock é justificar meu uso do rótulo “austro-punkismo” como um termo não pejorativo e significativamente descritivo, contribuindo com precisão e clareza para nossa discussão sobre as perspectivas da economia austríaca.

O austro-punkismo, como eu emprego o termo, então, identifica um movimento dentro da economia austríaca que não reconhece nenhum mestre da disciplina e que, portanto, questiona todas as doutrinas recebidas. Ele vê a economia austríaca como uma disciplina em um estado de fluxo constante e radical, desprovida de quaisquer princípios fundamentais e constantes, mas repleta de uma miríade de questões continuamente debatidas. Na verdade, os principais defensores do austro-punkismo proclamam com orgulho que um economista austríaco é aquele para quem deveria existir eternamente mais perguntas do que respostas. Arriscar uma definição mais significativa da economia austríaca do que esta representa, para os austro-punks, uma tentativa de encerrar intolerantemente a conversa perpétua e aberta que eles defendem como a marca registrada da investigação científica.[6]

Sem mestres reconhecidos, qualquer autoproclamado austríaco (seja equipado com treinamento formal em economia ou não) é considerado apto a tentar reconstruir radicalmente a disciplina. Em outras palavras, a economia austríaca pode e deve ser revolucionada diariamente, por todos e por qualquer um. Isso significa que as obras de Mises, Hayek e Rothbard não são tratadas como textos com autoridade, para serem absorvidos e servirem como base do árduo trabalho de adicionar sistematicamente à estrutura herdada da teoria econômica. Em vez disso, esses textos fornecem ao austro-punkismo um vocabulário comum para continuar sua incessante e interminável discussão metaeconômica sobre a extrema necessidade de uma reconstrução radical da teoria econômica. Mas os planos de reconstrução resultantes dessa ânsia metaeconômica nunca chegam a ser mais do que retoques casuais e totalmente implausíveis sobre os textos dos mestres. Isso explica a centralidade da hermenêutica para o austro-punkismo; ela fornece uma justificativa para tratar o significado dos textos como infinitamente elástico e capaz de suportar quase qualquer interpretação, por mais bizarra que seja. Sem recorrer ao exercício de desconstruir os textos dos mestres, o discurso metaeconômico do austro-punk estagnaria, pois não ofereceu alternativa prática à praxeologia como método de elaboração sistemática da teoria econômica.

O tratamento dado pelos austro-punks a Mises e Rothbard contrasta agudamente com o tratamento piedoso dado por esses gênios criativos a seus próprios mestres. Mises confessa que se considerou competente para criticar a teoria do valor e do preço que ele aprendeu com Menger e Böhm-Bawerk somente depois que ele próprio atingiu um entendimento maduro dessas questões.[7] Isso ocorreu apenas aos 52 anos, depois de já ter publicado seus principais tratados sobre moeda e socialismo e ter alcançado destaque como um dos maiores economistas do continente. E, apesar de suas diferenças substantivas e de longa data na economia política, a primeira vez que Murray Rothbard se aventurou a criticar Mises diretamente em público foi no artigo clássico que ele apresentou em South Royalton em 1974 sobre “Praxeologia, juízos de valor e políticas públicas”.[8] Murray já tinha 48 anos e, no entanto, após o término de sua palestra, lembro-me dele confidenciar a alguns de nós que ainda estava “um pouco abalado” com a experiência de discordar publicamente de seu mentor pela primeira vez. (Esta é, obviamente, precisamente a atitude que se deve ter ao tentar avançar além do reconhecido mestre de uma disciplina, mesmo em uma área de menor relevância.)

O próprio austro-punkismo, de fato, levanta mais questões do que respostas. Mais significativamente, por que austro-punkismo? Por que a escola neo-austríaca – de todas as escolas de economia do passado e do presente – parece ser a única escola a ser afligida com o flagelo do punkismo? Por que não o punkismo ricardiano ou o punkismo de Chicago? Afinal, as obras de Milton Friedman, George Stigler e Gary Becker nunca são ridicularizadas casualmente ou submetidas a reinterpretações grosseiramente distorcidas por aqueles que professam ser economistas de Chicago. Isso não significa negar, é claro, que quase todas as escolas geram críticos internos radicais. Mas geralmente tais dissidentes, mais cedo ou mais tarde, promovem um cisma entre os que pensam da mesma forma na disciplina. Basta pensar em Paul Davidson e os pós-keynesianos, Robert Mundell e a vertente da oferta, Robert Lucas e a escola de expectativas racionais, Gregory Mankiw e os demais novos keynesianos, para reconhecer a difusão desse fenômeno na economia contemporânea.

Ainda assim, os cismáticos diferem dos punks em três aspectos importantes. Em primeiro lugar, aqueles que promovem cismas são geralmente indivíduos que absorveram completamente, e podem até ter contribuído substancialmente, para a ortodoxia da qual agora procuram escapar. Em segundo lugar, eles estão ansiosos para proclamar sua apostasia ao mundo, adotando um novo nome. E, terceiro, pelo menos alguns que compõem o movimento cismático estão dispostos e são capazes de embarcar na árdua tarefa de reconstruir substantivamente o edifício da teoria econômica ortodoxa à qual se opõem. Os austro-punks, em contraste, tendem a não possuir uma compreensão profunda da ortodoxia que criticam. Além disso, seu interesse não reside principalmente na pesquisa teórica ou aplicada em economia propriamente dita, mas em promulgar meta-normas para teorização econômica e comentar superficialmente os textos dos mestres. Mais do que tudo, em vez de aproveitar a primeira oportunidade de se libertar da ortodoxia opressora que desprezam, os austro-punks se apegam à sua posição proclamada na economia austríaca, como Leônidas e seus espartanos nas Termópilas.

Então, eu pergunto novamente, por que o fenômeno peculiar do austro-punkismo? Tenho refletido sobre essa questão por alguns anos e acho que tenho algumas respostas.

As causas do austro-punkismo são triplas. Resumidamente, elas são a falta de treinamento formal de graduação em economia austríaca, a influência do libertarianismo de esquerda no estilo dos anos 1970, e a obra (não a pessoa) de Ludwig Lachmann. Direi algumas palavras sobre cada uma dessas causas.

  1. Falta de uma Escola de Pós-Graduação

A falta de treinamento formal de pós-graduação em economia austríaca representa a deficiência objetiva ou institucional que tem atormentado a economia austríaca desde o início de seu renascimento moderno. Apesar de vários programas louváveis ​​em economia austríaca associados a universidades nos EUA, ainda não está disponível para o jovem acadêmico interessado um programa de pós-graduação convencional no qual ele possa obter um treinamento abrangente e rigoroso em teoria econômica austríaca. Mas o treinamento teórico rigoroso é essencial não apenas para o desenvolvimento do aspirante a economista austríaco, mas também para o florescimento saudável da disciplina geral.

A pós-graduação é o meio de fomentar o respeito pelos mestres da ciência, impondo uma interpretação disciplinada de seus textos. O presidente do comitê de minha dissertação, um keynesiano IS/LM[9] impenitente, uma vez me disse que a primeira vez que leu Money, Interest and Prices,[10] de Patinkin, William Fellner guiou sua leitura segurando-o pelo nariz; na segunda vez, Fellner o conduziu pela orelha; e na terceira leitura, humilhado e esfolado, ele começou a entendê-lo. Desnecessário dizer que meu orientador não deixou de respeitar Patinkin, nem me impingiu qualquer releitura bizarra de seu trabalho. Um empenho semelhante com o Ação Humana ou Homem, Economia e Estado[11] faria maravilhas com nossos metaeconomistas.

Na verdade, é precisamente a insuficiência de seu fundamento em teoria econômica austríaca técnica que explica sua absorção na metaeconomia. Quando pressionados a analisar um problema do mundo real, os austro-punks geralmente recorrem à teoria de preços de Chicago, teoria da Escolha Pública, teoria dos jogos, ou economia dos custos de transação, dependendo da época e instituição de seu treinamento de pós-graduação. Aqueles que não foram incansavelmente treinados nos aspectos técnicos da teoria dos preços, conforme ensinado por Böhm-Bawerk, Wicksteed e Mises, ou compelidos a dominar as complexidades da produção austríaca e da teoria do capital em seus anos de formação intelectual, dificilmente estarão inclinados a realizar pesquisas significativas em economia austríaca teórica ou aplicada.

Mas as escolas de pós-graduação são essenciais para uma disciplina florescente, não apenas pela forma como ensinam, mas também por quem excluem. Não há outro meio disponível para eliminar aqueles que, por habilidade ou temperamento, são inadequados para realizar pesquisas em economia e que, portanto, estão aptos a se tornarem insatisfeitos estéreis e punks. Essa importante função de exclusão é geralmente realizada por um treinamento rigoroso nos fundamentos da disciplina. Por exemplo, começando com o que Paul Samuelson chama de “terror” empregado por Viner em seu curso teórico na década de 1930, o Departamento de Economia da Universidade de Chicago não careceu de um mecanismo de filtragem de candidatos inadequados para graus avançados. Assim, raramente se encontram indivíduos que se proclamam “economistas de Chicago” que buscam derrubar a teoria dos preços de Chicago, ou então “economistas do MIT” que repetidamente expressam dúvidas sobre a eficácia da modelagem matemática. Seria ótimo se pudéssemos dizer o mesmo sobre supostos “economistas austríacos” que consideram Rothbard meramente um teórico libertário, e ridicularizam a praxeologia como uma metodologia simplista e intolerante.

Este uso singularmente promíscuo do rótulo “economista austríaco” clama pela implementação de um processo de exclusão institucionalizado na economia austríaca. Claro, esta não é uma convocação para ungir uma pessoa ou instituição em particular como árbitro final sobre quem se qualifica ou não como “economista austríaco”. Isso seria uma inferência ridícula e bastante ingênua de meu argumento. Em vez disso, a existência de um programa de pós-graduação em economia austríaca proporcionaria o teste objetivo crítico – um “teste de mercado”, se preferir – para facilitar o processo natural de autoexclusão doutrinária, como é o caso atualmente, por exemplo, com economistas de Chicago. Os indivíduos reprovados no programa de pós-graduação em economia de Chicago, ou cujos interesses ou aptidões os desviam para um programa de pós-graduação em filosofia raramente, ou nunca, se referem a si mesmos como “economistas de Chicago”. Por que as coisas deveriam ser diferentes com os economistas austríacos?

  1. Libertarianismo de esquerda no estilo dos anos 1970

Muitos dos interessados ​​em estudar a economia austríaca são naturalmente motivados pela ideologia. Eles estão intensamente interessados ​​em aprender como defender racionalmente uma sociedade livre. Essa motivação, por si só, não deve apresentar dificuldades para nossa ciência. Mas muitos dos indivíduos com inclinações ideológicas que encontraram seu caminho até a economia austríaca desde o início de seu renascimento nos anos 1960 têm sido defensores do libertarianismo de esquerda no estilo dos anos 1970. Esta variante do libertarianismo promove uma visão de mundo punk, uma vez que seus adeptos tendem a promover o individualismo atomístico, que negligencia a distinção entre poder do Estado e burocracia, por um lado, e as estruturas e instituições necessariamente hierárquicas e autoritárias de cultura, religião, aprendizado e negócios, por outro. Eles não percebem que a sociedade e todas as suas instituições são ampla e inescapavelmente elitistas e autoritárias.[12] Eles se irritam com a operação da lei de ferro da oligarquia, que garante que uma elite sempre tenderá a se aglutinar e predominar em qualquer empreendimento humano.

Consequentemente, como Mises apontou, “Nunca estiveram vivos simultaneamente mais do que uma vintena de homens cujo trabalho contribuísse alguma coisa para a ciência econômica”.[13] No entanto, o austro-punk não se deixa intimidar por essa observação; de seu poleiro na metaeconomia, ele se comporta como se literalmente qualquer um tivesse competência para prescrever um método de procedimento para a reconstrução total da economia austríaca. O austro-punk também não é incomodado pelo fato de que os grandes metodologistas de nossa ciência eram, cada um, parte da vintena viva na época que deram contribuições genuínas à teoria econômica. Além disso, foi geralmente apenas mais tarde em suas carreiras, após prolongada meditação e prática da teoria econômica, que homens como Say, Senior, Cairnes, Menger, Hayek e Mises encararam questões metodológicas.

  1. Ludwig Lachmann

Embora a ideologia libertária de esquerda explique boa parte da predisposição de muitos austro-punks a rejeitar o corpo de teoria herdado dos mestres anteriores da ciência como inconsistente com suas meta-normas pré-determinadas, é o trabalho de Ludwig Lachmann que fornece o conteúdo dessas normas. Sem embarcar em uma avaliação detalhada do trabalho de Lachmann, ou de sua posição na economia austríaca, basta dizer que os austro-punks se agarraram às suas conhecidas afirmações de que o “futuro é incognoscível” e que “expectativas, assim como preferências humanas, são autônomas.”[14] Essas proposições são então utilizadas pelo austro-punkismo como um porrete retórico para atacar qualquer elaboração sistemática de teoria econômica que empregue o constructo do equilíbrio de mercado, por mais subsidiário que seja seu uso. Assim, por exemplo, o enorme edifício da teoria econômica praxeológica, laboriosamente construído ao longo dos anos por economistas de Menger a Rothbard, é sumariamente rejeitado por ter “equilíbrio demais” e “não incorporar expectativas de forma significativa”.

É claro que o projeto austro-punk que busca formular um sistema de teoria econômica dispensando completamente qualquer referência à construção mental do equilíbrio de mercado ainda não avançou além do meta-plano. Nem nunca avançará, porque a ação humana sempre e em toda parte incorpora uma tendência inerente ao equilíbrio. Além disso, o austro-punkismo nunca terá sucesso em seu programa de expansão da teoria econômica para incorporar processos de aprendizagem e formação de expectativas. Como Mises demonstrou, o conteúdo do conhecimento e das expectativas de indivíduos específicos, que torna os teoremas praxeológicos do economista relevantes para a análise do mundo real, só pode ser derivado da disciplina histórica da timologia.[15]

A Síndrome de South Royalton

Um segundo problema que aflige a escola austríaca de economia e ameaça impedir seu desenvolvimento futuro é o que pode ser chamado de “Síndrome de South Royalton”. Também está ligada à falha em definir claramente um paradigma exclusivamente austríaco. South Royalton, Vermont foi o local da primeira conferência sobre economia austríaca realizada na América do Norte, em junho de 1974. Os principais oradores da conferência foram Murray Rothbard, Israel Kirzner e Ludwig Lachmann, e seus participantes incluíram um número surpreendentemente grande de alunos de pós-graduação que desde então seguiram carreiras acadêmicas, continuando a fazer pesquisas em economia austríaca. Junto com a entrega totalmente inesperada do Prêmio Nobel de Economia a Hayek no final do mesmo ano, foi realmente um momento decisivo no renascimento austríaco, cujo efeito galvanizador sobre os jovens acólitos é difícil de superestimar.[16]

Dadas essas circunstâncias, há uma tendência compreensível, embora infeliz, entre aqueles que participaram da conferência South Royalton de definir a economia austríaca como uma rede fechada de participantes de South Royalton e seus alunos imediatos. O foco dessa definição, portanto, não está em um corpo específico de verdades e no método de promovê-lo, mas em um grupo específico de pessoas, cujo trabalho é visto como a fonte exclusiva de novas contribuições para a disciplina. Aqueles que sofrem da síndrome de South Royalton, consequentemente, tendem a ignorar ou dispensar o trabalho de quem está fora da rede, e tratá-los como intrusos indesejados na economia austríaca. Este é especialmente o caso se a abordagem do recém-chegado é nova e diverge do que é familiar ou, pior ainda, desafia diretamente o trabalho de um insider reverenciado.

Uma ciência viva, no entanto, requer o sangue novo daqueles que exibem a visão e o impulso para divergir de caminhos já trilhados, ​​e se aventurar além das fronteiras provisoriamente traçadas pelos atuais líderes da disciplina. Esses jovens visionários devem ser recebidos com entusiasmo na comunidade austríaca, e encorajados e apoiados em sua exploração de novas verdades. Essa sempre foi a visão de Murray Rothbard de como a economia austríaca deveria progredir. Ele estava sempre exortando os outros, especialmente os jovens, a “ir além” de seu próprio trabalho, aderindo ao paradigma praxeológico básico. Certa vez, ele me escreveu que “Eu acolho as mudanças e os avanços na teoria austríaca, desde que sejam verdadeiros, ou seja, que funcionem a partir do paradigma misesiano básico. Assim como eu acho que avancei além de Mises no desenvolvimento do paradigma misesiano, [outras] pessoas … avançaram o paradigma ainda mais, e que bom que o fizeram!”

Conclusão

É interessante notar que o austro-punkismo e a síndrome de South Royalton, embora pareçam denotar atitudes que são polos opostos, podem na verdade ser complementares. Afinal, dada sua aversão deliberada à definição de um paradigma intelectual comum, os laços que unem a rede de austro-punks tendem a ser pessoais, em vez de puramente científicos. E sua alardeada devoção à tolerância como o beau ideal do método científico não parece se manifestar no tratamento dispensado àqueles jovens acadêmicos que estão avançando avidamente nas fronteiras do paradigma praxeológico.

Meu propósito ao fazer estas observações não é acusar pessoas específicas de erro, por isso tentei cuidadosamente evitar quaisquer referências a pessoas específicas. Meu real propósito é aconselhar a prudência; todos nós, como seres humanos falíveis, em um movimento intelectual compartilhado, somos confrontados com tentações semelhantes de errar. Fui movido a falar abertamente porque os erros neste caso são capazes de destruir uma ciência recentemente renascida e ainda frágil, com uma grande e gloriosa tradição e muito a oferecer à raça humana.

 

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Notas

[1] Notas de rodapé foram adicionadas e o título foi alterado, mas exceto pela correção de erros gramaticais e a inserção de algumas palavras esclarecedoras aqui e ali, o texto permaneceu substancialmente inalterado.

[2] Ver, por exemplo, David L. Prychitko, “Thoughts on Austrian Economics, ‘Austro-Punkism,’ and Libertarianism,” em idem, Markets, Planning and Democracy: Essays after the Collapse of Communism (Lyme, NH: Edward Elgar Publishing, Inc, 2002), p. 186 e pass.

[3] Ver Carl Menger, Problems of Economics and Sociology, Louis Schneider, ed. (Urbana: University Illinois Press, 1963), pp. 61, 69; idem, Investigations into the Method of the Social Sciences with Special Reference to Economics, Francis J. Nock, trad. (Nova York: New York University Press, 1985 [1883]), caps. 4-5.

[4] Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics (Chicago: Contemporary Books Inc., 1966), p. 201.

[5] Dicionário Webster do Novo Século XX da Língua Inglesa, 2ª edição integral. (Nova York: Simon & Schuster, 1983), p. 1462.

[6] Ver Murray N. Rothbard, “The Hermeneutical Invasion of Philosophy and Economics,” Review of Austrian Economics 3, no. 1 (1989): 45–59; Hans-Herman Hoppe, “Em Defesa do Racionalismo Extremo: Reflexões sobre a Retórica da Economia de Donald McCloskey,” Review of Austrian Economics 3 no. 1 (1989), pp. 179–214; idem, “Comment on Don Lavoie,” Mont Pelerin Society, General Meeting (1994), disponível em www.HansHoppe.com.

[7] Ludwig von Mises, Notes and Recollections (South Holland, Ill.: Libertarian Press, 1978), p 60. Sobre a obrigação moral implicada em se pronunciar sobre um assunto especializado, Rothbard afirmou: “Não é crime ser ignorante em economia, que é, afinal, uma disciplina especializada e que a maioria das pessoas considera uma ‘ciência sombria’. Mas é totalmente irresponsável ter uma opinião ruidosa e vociferante sobre assuntos econômicos enquanto permanece neste estado de ignorância.” Murray N. Rothbard, “Anarcho-Communism”, em Egalitarianism as a Revolt Against Nature and Other Essays, 2ª ed. (Auburn, Ala.: Mises Institute, 2002 [1974]), p. 202 (originalmente publicado como “Anarcho-Communism,” The Libertarian Forum II, no. 1 (1 de janeiro de 1970)).

[8] Murray N. Rothbard, “Praxeology, Value Judgments, and Public Policy”, em Edwin G. Dolan, ed., The Foundations of Modern Austrian Economics (Kansas City: Sheed and Ward, 1976), pp. 89-111, também publicado em Murray N. Rothbard, The Logic of Action One (Cheltenham, UK: Edward Elgar, 1997), pp. 78-99.

[9] IS/LM significa “Economia de investimento/preferência de liquidez no fornecimento de moeda”.

[10] Don Patinkin, Dinheiro, Juros e Preços 2ª ed. (Nova York: Harper & Row, Publishers Inc., 1965).

[11] Mises, Ação Humana; Muray N. Rothbard, Man, Economy, and State: A Treatise on Economic Principles, with Power and Market: Government and the Economy, Scholars edn. (Auburn, Ala.: Mises Institute, 2004) (Man, Economy and State publicado originalmente em 1962).

[12] A palavra “autoritário” não é usada aqui em seu sentido usual, como descrição de um sistema político ou de um traço psicológico individual; em vez disso, é usado, por falta de um termo melhor, para se referir a um processo social no qual a autoridade em alguma área ou assunto é voluntária e espontaneamente investida em indivíduos, famílias e organizações específicas. Sobre a natureza e constituição da autoridade neste sentido, ver Robert Nisbet, Twilight of Authority (Nova York: Oxford University Press, 1975). Para obter mais informações sobre o tópico de elites naturais e assuntos relacionados, consulte Hans-Hermann Hoppe, Democracy: The God that Failed: The Economics and Politics of Monarchy, Democracy, and Natural Order (New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 2001), p.71 e pass.

[13] Mises, Ação Humana, pág. 873.

[14] Sobre este tópico, consulte Hans-Hermann Hoppe, “On Certainty and Incertainty, Or: How Rational Can Our Expectations Be?”, Review of Austrian Economics 10, no. 1 (1997), pp. 49-78; também idem, Hoppe, “In Defense of Extreme Rationalism” e “Comment on Don Lavoie”.

[15] Ludwig von Mises, Theory and History: An Interpretation of Social and Economic Evolution (New Rochelle, N.Y.: Arlington House, 1969 [1957]). Ver também Joseph T. Salerno, “Ludwig von Mises on Inflation and Expectations,” Advances in Austrian Economics, Vol. 2B (1995): pp. 297-325.

[16] Ver Murray N. Rothbard, “The Present State of Austrian Economics,” artigo apresentado na Conferência de Estudiosos do Décimo Aniversário do Ludwig von Mises Institute, 9 de outubro de 1992; publicado no Journal des Economistes et des Etudes Humaines 6, no. 1 (março de 1995), pp. 43–89 e em The Logic of Action One: Method, Money, and the Austrian School (Glos, Reino Unido: Edward Elgar Publishing Ltd., 1997); também Karen I. Vaughn, “The Rebirth of Austrian Economics: 1974–99,” Journal of the Institute of Economic Affairs 20, Issue 1 (março de 2000); Peter Lewin, “Biografia de Ludwig Lachmann (1906-1990): Vida e Trabalho” <http://mises.org/about/3236> (acessado em 12 de janeiro de 2009).

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