8. Estradas e a Questão da Imigração

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Hoje, há um debate rolando dentro dos círculos libertários sobre a questão da imigração.[1] O governo deve restringir a imigração, ou as pessoas devem ser autorizadas a atravessar as fronteiras internacionais com impunidade, sem quaisquer licenças ou permissões concedidas pelo estado? Consideramos essa questão no presente capítulo, uma vez que as rodovias privadas potencialmente desempenhariam um papel integral em sua determinação.

Uma vez que esse debate sobre imigração é inteiramente intra-libertário,[2] todos os lados concordariam em estipular que, pelo menos idealmente, o governo não desempenharia nenhum papel na donidade e gestão das estradas. Nós, então, assumimos que este seja o caso, arguendo.

O que é esse debate sobre imigração? O lado anti-imigração defende que a imigração livre equivale a transgressão, ou integração forçada.[3] Uma vez que toda propriedade, não apenas estradas, seria de propriedade da sociedade livre por indivíduos privados, qualquer imigração deve, necessariamente, cruzar esses limites de direitos de propriedade privada. Como tal, sem o consentimento voluntário do proprietário, a livre imigração equivale a uma transgressão, ou integração forçada, nada que se espere que qualquer defensor da livre iniciativa defenderia. Isto deve ser nitidamente distinguido da livre circulação de mercadorias, do dinheiro e do capital através das fronteiras nacionais. Nestes últimos casos, existe um acordo mútuo entre o comprador e o vendedor, o consumidor e o produtor, o credor e o mutuário, o poupador e o investidor.[4] Bens, dinheiro e capital só atravessam fronteiras em circunstâncias de acordo mútuo. Em contraste, a imigração não é um exemplo de tal voluntariedade de duas partes. Em vez disso, o imigrante, por assim dizer, se joga no país estrangeiro, sem pedir permissão a qualquer outro proprietário de propriedade privada de segunda parte.

Qual é a posição do lado da livre imigração deste debate? Primeiro, começa por admitir a verdade absoluta do que acaba de ser dito. Se toda a propriedade é de propriedade privada, não há qualquer escopo para a imigração desse tipo. No entanto, e este “no entanto” é o cerne do argumento, nem toda a propriedade é de propriedade privada no momento.

Surpresa! O governo maligno possui grande parte das propriedades, principalmente no Alasca e a oeste do Mississippi, mas em todos os estados do país, sem exceção.[5]

Sendo este o caso, nenhuma permissão de qualquer proprietário existente é necessária. A apropriação original é um arranjo unidirecional, e não bidirecional como o comércio exterior ou investimentos. Se os americanos agirem como ovelhas e se recusarem a se apropriar dessas áreas sem dono, desafiando seu governo, eles não podem ter nenhuma objeção adequada se os estrangeiros mostrarem um pouco mais de iniciativa e coragem. Tampouco é sustentável a objeção do lado anti-imigração de que os americanos “na verdade” possuem essas extensões de terra instáveis ou, pior, de que o governo as possui. Pois certamente é uma premissa incontroversa (pelo menos dentro da comunidade liberal) que a única fonte justa de direitos de propriedade privada é a apropriação original, e, portanto, qualquer um que interfira com um apropriador pacificamente fazendo seus negócios é culpado do início da violência. Uma vez que não há razão para distinguir entre os aspirantes a apropriadores originais estrangeiros e domésticos, desaparecem quaisquer argumentos no sentido de impedir o primeiro (ou também o último, certamente) por motivos de invasão.

Como esse argumento se encaixa na instituição das estradas privadas? Simples. Suponha que os apropriadores estrangeiros voam de helicóptero até terras sem dono (isto é, reinvidicadas pelo governo) pousam em, digamos, Wyoming central, e começam a se estabelecer lá. Eles podem entrar nas estradas privadas e ter acesso à superfície de todo o país, no caso, a toda a América do Norte? Ou eles estarão confinados a viagens de helicóptero (ou avião) quando quiserem se aventurar para fora de seu território recém-apropriado?

Há, também, uma segunda forma pela qual a questão das estradas privadas colide com a da imigração. Volte ao cenário hoppeano de donidade privada completa. Suponha que houvesse um cidadão dos EUA que comprasse, ou de outra forma legitimamente viesse a possuir uma vasta extensão de terra no meio do Alasca, ou de Nevada — de milhares de milhas quadradas. Ele então convidou, suponhamos, um bilhão de chineses, ou africanos, ou sul-americanos, ou outros estrangeiros a vir, viver e trabalhar em sua terra. Uma vez que esta é uma situação mutuamente acordada, não pode haver nenhuma questão de invasão. Mas a questão ainda permanece: essas hordas de pessoas estariam confinadas a esses sertões, ou, além das viagens aéreas (com anfitriões dispostos na outra extremidade dessas viagens), elas teriam acesso a todo[6] o território circundante através da rede de estradas, como no caso de outras pessoas?

Assim, chegamos à mesma questão por ambas as fontes. Um, se os estrangeiros se apropriarem originalmente outros lugares por conta própria, e dois, se um dono de propriedade americano convidar numerosos estrangeiros para seu território. Será que essas pessoas serão capazes de se espalhar por todo o país, como é a prática de todos os outros, ou ficarão confinadas, pela instituição da donidade privada de estradas, às suas bases ocupadas?

Mas talvez estejamos indo rápido demais em assumir alegremente que “todos os outros”, todas as outras pessoas que já vivem no país doméstico, terão plena liberdade de movimento. Se não tiverem, é mais fácil de ver o caminho a seguir, onde os recém-chegados também não desfrutarão desses privilégios.

Afinal, embora a discriminação racial (ou sexual, étnica, de orientação, etc., etc.) seja praticamente contrária à lei da terra, ela de modo algum viola o libertarianismo, que é a filosofia agora em discussão.[7] Então, todos os grupos raciais, sexuais e étnicos, etc., serão permitidos na rede privada de estradas, ruas e rodovias, ou não? Pedimos, sob a suposição pelo menos inicial sobre isso, que os novos estrangeiros serão tratados aproximadamente da mesma maneira que os grupos minoritários domésticos.

O problema com esta questão é que é excessivamente difícil antecipar o funcionamento do sistema de livre iniciativa em relação à indústria rodoviária ou, na verdade, a qualquer outro nesse assunto. Essa tarefa é essencialmente empreendedora, e não econômica. Se um item tão banal como o lápis fosse subitamente movido do setor público para o privado, as perguntas análogas viriam rápidas e furiosas, sem respostas objetivas óbvias à vista: quão longos, largos, grossos e pesados seriam esses instrumentos de escrita? Seriam anexadas borrachas e, em caso afirmativo, como? E se não, quem as forneceria? Haveria lojas especializadas que vendam lápis, ou eles seriam comercializados ao lado de outros materiais de escritório? Quanto custariam? Que lucros seriam obtidos com eles? Quem anexaria a madeira, o grafite e a borracha uns aos outros, e como diabos eles seriam reunidos em um só lugar, dado que vêm de diferentes extremidades da terra?[8] Não teríamos respostas definitivas para nenhuma dessas perguntas, exceto a de que deveríamos “esperar e ver” o que o funcionamento do mercado forma. No entanto, se as canetas sempre estivessem estado no setor privado, poderíamos muito bem tentar extrapolar a história futura do lápis a partir desse exemplo, e é precisamente essa a abordagem que tomaremos na nossa tentativa de prever a reação provável de uma indústria rodoviária completamente privatizada às questões sobre a discriminação nas ruas e nas estradas que estamos a abordar. Ou seja, vamos nos concentrar em uma experiência relacionada e ver se ela pode lançar alguma luz, por mais opaca que seja, sobre uma possível operação futura da estrada.

Uma resposta que pode ser discernida é que a discriminação, se ocorrer, provavelmente ocorreria com base em comportamentos incivilizados ou rebeldes, não com base na mera cor da pele (a menos que os dois fossem altamente correlacionados, e o último poderia ser usado como uma representante variável barata ou como indicador do primeiro). Mesmo a polícia estatista, que às vezes é acusada de “ter um perfil racial”, raramente ou nunca aborda uma avó negra. Em vez disso, eles tendem a se concentrar nesse subconjunto dessa população proporcionalmente mais representada nas estatísticas criminais: homens de cerca de quinze a vinte e cinco anos, de qualquer raça (com exceção daqueles nesta parcela de idade/gênero que são facilmente identificáveis como estando muito distantes dos registros policiais da nação, por exemplo, adolescentes do sexo masculino que são chassídicos, ou são amish, ou que usam colares clericais). Acontece, no entanto, que, por razões que não nos dizem respeito no momento,[9] diferentes grupos raciais e étnicos são diferencialmente representados em termos de tal comportamento indesejado: negros no crime comum, árabes e muçulmanos no terrorismo.

É seguro dizer então, tanto quanto é seguro dizer qualquer coisa sobre como uma hipotética indústria de rodovias operaria no futuro, que esses grupos seriam mais propensos a serem escolhidos para um escrutínio mais pesado antes de serem autorizados a entrar em rodovias privadas, e talvez em alguns casos até a entrada proibida. Sim, certos benefícios não seriam concedidos aos proprietários que recusassem clientes; a discriminação custa dinheiro para as empresas que se envolvem em tais práticas.[10] No entanto, a presunção aqui é que essas perdas seriam mais do que compensadas pela maioria dos clientes pagantes que apreciam a segurança adicional concedida a eles.

Voltemos agora à questão com a qual começamos. Perguntamos se um grande número de imigrantes estrangeiros provavelmente teria o controle do local sob um regime de donidade privada de estradas. Perscrutando através das nuvens escuras que necessariamente envolvem tais questões essencialmente empreendedoras, meu melhor palpite pessoal é que isso dependeria quase totalmente de seu comportamento. Se eles trabalham duro e são diligentes, bons motoristas seguros, não dados a comportamentos criminosos, então a resposta provável é sim; se não, então, não.

Outra dimensão entra em jogo no que diz respeito ao acesso rodoviário. Já existem condomínios fechados que colocam todos os candidatos à entrada sob um verdadeiro pente fino antes de permitir a admissão. Para entrar nessas ruas privadas e de baixa capacidade de tráfego, geralmente é preciso convencer um guarda armado de sua bona fides. Isso geralmente é reforçado por uma chamada telefônica no local para a pessoa que está sendo visitada. Há pouquíssima aceitação, em tais locais, a pessoas de fora que desejam se envolver caminhadas felizes, visualização de casas, olhar vitrines, turistagem, etc.

Em contraste, hoje em dia, o nível de examinação para as principais artérias de tráfego é muito menor. Isso pode implicar que o apropriador ou convidado imigrante estrangeiro pode encontrar mais receptividade vinda das rodovias do que dos atalhos do país. Mas qualquer conclusão desse tipo é repleta de perigos, já que as condições ceteris paribus não se aplicam de forma alguma no momento. Especificamente, o maior escrutínio nos condomínios fechados é todo privado, enquanto o tratamento mais descontraído, para não dizer indiferente (anonimato efetivo para motoristas que não se distinguem negativamente), é quase inteiramente uma prática da polícia pública. Outra implicação, possível, então, de um sistema rodoviário totalmente privado poderia muito bem ser um maior cuidado em relação ao que os clientes estão fazendo em todas as estradas, independentemente da sua capacidade de suporte de tráfego. Isso teria maiores implicações negativas para a liberdade de movimento dos recém-chegados e subcategorias da população nativa que são criminalmente orientadas. O mais provável, talvez, é que os proprietários de estradas privadas invistam em mais coleta de informações sobre proprietários de veículos que buscam acesso a bairros residenciais nos casos daqueles que se deslocam em rodovias a setenta milhas por hora.

O que nunca deve ser perdido de vista em qualquer análise deste tipo é a elevada probabilidade de que haja práticas diferentes no que diz respeito a tais preocupações de segurança em diferentes estradas. Isso geralmente ocorre em relação a praticamente todos os bens e serviços produzidos. Empreendedores de hambúrgueres, carros, parques de diversões, etc., agora são livres para implementar quaisquer políticas e procedimentos que lhes pareçam suscetíveis a uma maximização dos lucros.

Atualmente, estamos todos muito acostumados com as regras rodoviárias que emanam de Washington, D.C. Em nossa prática atual de tamanho único, simplesmente não há espaço para tentar uma coisa em uma rua ou avenida, e outra coisa em outras. Assim, devemos tomar qualquer política esboçada acima com grande ceticismo. É claro que, se houver uma razão pela qual algumas políticas são mais lucrativas do que outras (por exemplo, mais baratas, mais alinhadas com os gostos dos consumidores, etc.), o mercado tenderá a essa direção, penalizando as empresas que não concordarem. É apenas este último fenômeno que nos permite espiar especulativamente através da névoa tão espessa que temos.

 

 

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Notas

[1] Walter Block, “Ethics, Efficiency, Coasean Property Rights and Psychic Income: A Reply to Demsetz”, Review of Austrian Economics 8, n.º 2 (1995): 61–125; Hans-Hermann Hoppe, Democracy—The God That Failed: The Economics and Politics of Monarchy, Democracy, and Natural Order (New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 2001), pp. 159–60, n. 10; Walter Block e Gene Callahan, “Is There a Right to Immigration? A Libertarian Perspective”, Human Rights Review 5, n.º 1 (outubro–dezembro de 2003); Julian Simon, The Economic Consequences of Immigration (Oxford: Basil Blackwell, 1989); James L. Hudson, “The Philosophy of Immigration”, Journal of Libertarian Studies 8, n.º 1 (inverno de 1986): 51–62; David Gordon, “The Invisible Hoppe”, Mises Review (inverno de 1997); Donald Boudreaux, “A Free Market Case Against Open Immigration?” The Freeman (outubro de 1996); Peter Brimelow, Alien Nation: Common Sense about America’s Immigration Disaster (Nova York: Random House, 1995); Patrick J. Buchanan, The Death of the West: How Dying Populations and Immigrant Invasions Imperil Our Country and Civilization (Nova York: St. Martin’s Press, 2002); William L. Anderson, “Immigration Quandary” (24 de junho de 2004), http://www.mises.org/fullarticle.asp?control=567&id=68. Veja também Journal of Libertarian Studies 13, n.º 2 (1997) para várias outras contribuições para este tópico.

[2] Isso, é claro, não é negar que os não-libertários também discutem e debatem o assunto; é apenas afirmar que, nestas páginas, nos limitaremos àquela que ocorre apenas entre os libertários.

[3] Veja sobre anti-imigração, Hoppe, Democracy—The God That Failed, e Gordon, “The Invisible Hoppe.”

[4] Mas veja William Barnett II e Walter Block, “Saving and Investing”, New Perspectives on Political Economy 3, n.º 2 (2007).

[5] Por exemplo, os governos estadual e federal possuem 95,8% do Alasca, 87,8% de Nevada, 75,2% de Utah e 60,4% de Oregon; por outro lado, a leste do Mississippi, as propriedades são mais modestas. Por exemplo, 1,5% de Rhode Island, 6,2% de Connecticut, 6,3% de Massachusetts, 7,4% de Delaware e 7,6% de Maryland. Para os EUA como um todo, o número é de 39,8%. Veja sobre isso: http://www.nwi.org/Maps/LandChart.html

[6] Talvez devêssemos dizer “a maioria” aqui, para incorporar o fato de que pode haver condomínios fechados e outras instituições que restringiram estritamente o acesso à sua propriedade. Mas ainda assim, a questão permanece: esses novos um bilhão de imigrantes seriam tratados da mesma forma que os habitantes existentes do país?

[7] Richard A. Epstein, Forbidden Grounds: The Case against Employment Discrimination Laws (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1992); Walter Williams, “On Discrimination, Prejudice, Racial Income Differentials, and Affirmative Action”, em Discrimination, Affirmative Action and Equal Opportunity, Walter Block e Michael Walker, eds. (Vancouver, B.C.: Fraser Institute, 1982); Thomas Sowell, “Weber and Bakke, and the Presuppositions of ‘Affirmative Action’”, em Discrimination, Affirmative Action and Equal Opportunity, Walter Block e Michael Walker, eds. (Vancouver, B.C.: Fraser Institute, 1982); Roy Whitehead e Walter Block, “Should the Government be Allowed to Engage in Racial, Sexual or Other Acts of Discrimination?”, Northern Illinois University Law Review 22, n.º 1 (outono de 2001): 53–84; Roy Whitehead, Walter Block, e Lu Hardin, “Gender Equity in Athletics: Should We Adopt a Non-Discriminatory Model?”, University of Toledo Law Review 30, n.º 2 (inverno de 1999): 223–49.

[8] Para um tratamento muito diferente, mas não totalmente desconexo, do lápis, veja Leonard Read, I, Pencil (Irvington-on-Hudson, N.Y.: Foundation for Economic Education, 1958).

[9] Para uma explicação deste fenômeno, veja Richard J. Herrnstein e Charles Murray, The Bell Curve: Intelligence and Class Structure in American Life (New York: Free Press, 1994); Michael Levin, Why Race Matters (Westport, Conn.: Praeger, 1997).

[10] Veja Gary Becker, The Economics of Discrimination (Chicago: University of Chicago Press, 1957).

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