Com o aumento da histeria governamental e midiática sobre uma possível pandemia de influenza suína – ou, popularmente, “gripe suína” (antes, a histeria era por causa da gripe aviária e da SARS) – algumas correntes levantaram uma discussão interessante: na ausência de autoridades estatais, como o livre mercado cuidaria dessas situações?
Antes, é preciso entender que todo e qualquer governo sempre se beneficia com essas “crises exógenas”, pois é o momento propício e perfeito para que os burocratas possam exigir que obedeçamos a todo e qualquer decreto emergencial que eles porventura editem. Em qualquer governo, sempre há vários parasitas entranhados na mais alta burocracia implorando para que algum tipo de lei marcial seja declarada. O governo do México, por exemplo, já adotou essa prática, e vários outros governos estão salivando por essa oportunidade.
Poucos se lembram, mas em 1976 houve exatamente a mesma “epidemia” dessa mesma gripe suína. Na ocasião, o governo americano criou um programa de vacinação que custou enormes somas de dinheiro e, pior, deixou enfermos centenas de americanos que tomaram a vacina, sendo que aqueles que não se submeteram ao processo passaram imunes pela “epidemia”.
Mas apesar deste e de vários outros exemplos da péssima gerência governamental tanto na saúde quanto em casos de crises epidêmicas, a maioria das pessoas ainda diria: “Sim, sei que o governo não é perfeito, mas doenças contagiosas definitivamente são uma daquelas áreas em que precisamos do governo. O livre mercado funciona para TVs e laptops, mas não para conter epidemias.”
Assim como ocorre com os argumentos em prol de outros programas governamentais, este aqui também sofre de dois simples problemas: falta de informação e falta de imaginação. Se o governo abdicasse de sua função de controlar doenças contagiosas, o público estaria bem mais seguro.
Primeiro e mais óbvio: o governo restringe a liberdade de associação. Mais especificamente, a liberdade que os proprietários de estabelecimentos têm de proibir que determinados indivíduos adentrem seus recintos. No atual ambiente jurídico, empresas aéreas, de ônibus, parques de diversão, hotéis, etc., não podem criar e seguir sua própria lista de pessoas que podem ou não adentrar suas propriedades. Por exemplo, essas empresas não podem hoje criar sua própria lista de pessoas com doenças contagiosas. Porque se essas pessoas não são consideradas um risco pelo governo, então elas estão livres para processar qualquer empresa ou dono de estabelecimento que não as permita adentrar seu recinto. Assim, se um determinado indivíduo está com suspeita de tuberculose, porém o governo não o considera um risco, então uma empresa aérea não pode impedir que ele utilize seus serviços sem o risco de ser processada.
Porém, suponhamos agora que o governo de fato permitisse que os proprietários tivessem o direito de decidir quem pode e quem não pode utilizar sua propriedade (que radical!). Quais instituições voluntárias surgiriam para ajudar uma sociedade livre a enfrentar o problema das doenças contagiosas?
Há dois princípios concorrentes que precisamos considerar. Por um lado, é um mau negócio um estabelecimento excluir potenciais consumidores por motivos de saúde, especialmente se depois for revelado que a exclusão foi baseada em informações errôneas. Por outro lado, seria realmente um péssimo negócio para esse estabelecimento ou empresa se vários clientes contraíssem de outros clientes alguma doença contagiosa em decorrência de uma omissa supervisão.
Dado que esses empreendedores não estão em posição de fazer esses julgamentos – e nem têm a obrigação de possuir os conhecimentos para tal – eles iriam de bom grado pagar para que peritos e técnicos da saúde os orientassem a como melhor gerir suas operações de modo a minimizar os riscos para seus empregados e clientes. Com o tempo, por meio destas consultorias e, principalmente, por meio do mecanismo de lucros e prejuízos, uma fatia eficiente dos recursos seria direcionada para a prevenção de doenças. Afinal, qualquer contágio poderia ser atribuído ao estabelecimento. Nesse cenário, por exemplo, restaurantes self-service teriam “vigias do espirro”, todos os empregados em funções críticas teriam necessariamente de usar luvas e todos os banheiros teriam de ter portas-sabão.
Mas além dessas óbvias salvaguardas, outras mais sofisticadas poderiam surgir. Por exemplo, firmas especializadas em consultoria poderiam montar equipes de especialistas médicos para monitorar o mundo, identificando para as companhias aéreas indivíduos que apresentassem alguma suspeita de doenças contagiosas. Para que esses indivíduos marcados pudessem comprar suas passagens e embarcar nos aviões, eles primeiro teriam de ser checados pelos clínicos gerais (ou pelos seus próprios médicos, caso estes tenham sua competência reconhecida pelas companhias aéreas). Desnecessário dizer que as empresas aéreas não teriam qualquer interesse em impedir as pessoas de viajar, pois isso significaria prejuízos; da mesma forma, elas não poderiam permitir que passageiros com doenças contagiosas contaminassem outros passageiros, pois isto lhe geraria processos. É sobre esse equilíbrio que elas – assim como restaurantes, cinemas, parques e hotéis – teriam de trabalhar.
A grande diferença entre mecanismos voluntários e o monopólio dado ao governo sobre o gerenciamento de questões de saúde pública é que no primeiro arranjo haveria todos os incentivos para se fazer um bom trabalho. Se uma companhia aérea rejeitasse determinados clientes porque a Consultoria Médica A disse que eles tinham tuberculose ou gripe suína quando na verdade eles eram sadios, tal vacilo seria péssimo para os negócios. Os concorrentes da Consultoria Médica A (aqueles que tivessem um melhor histórico) iriam propagandear esse fato em seus panfletos e a companhia aérea iria trocar de equipe médica caso imaginasse que a rival poderia fazer um trabalho melhor.
Em contraste, o que irá acontecer às agências de vigilância sanitária caso haja alguma pandemia? Seu orçamento será cortado? Cabeças rolarão? É claro que não. Ocorrerá o exato oposto: quando as agências do governo fazem um serviço ineficiente, isso é transformado em prova de que ela está carente de recursos e necessitada de mais dinheiro do contribuinte.
E QUANTO ÀS QUARENTENAS?
A possibilidade de quarentenas é apenas uma aplicação específica das ideias acima. Em uma sociedade livre, onde todos os pedaços de terra são propriedade privada de indivíduos, não seria possível uma pessoa ter cassado seu “direito de andar por aí”, simplesmente porque, antes de tudo, não haveria algo como o “direito de andar por aí”. Mais propriamente, o que poderia acontecer é que, se algum indivíduo fosse considerado um perigo para a saúde pública, todas as agências de saúde que quisessem zelar por sua reputação iriam colocá-lo no topo de suas listas de perigos iminentes e iriam mandar e-mail, faxes e afins para alertar empresas e proprietários, aconselhando-os a ter cuidado com essa pessoa. Ou poderíamos pensar também em seguradoras, que, para evitar prejuízos, alertariam seus clientes sobre eventuais ameaças. Esses donos de propriedade provavelmente iriam ter acordos predeterminados sobre como agir em casos como esse, de modo que a resposta pudesse ser coordenada.
Empresas privadas não são estúpidas; elas não precisam que o governo dê-lhes ordens para manter os leprosos afastados. E se, por exemplo, alguma igreja quiser abrir suas portas para tal pessoa, isso está perfeitamente dentro do seu direito de propriedade. (Por questão de cortesia, esperaríamos que tal política fosse anunciada para outros, de modo que estes pudessem escolher não visitar essa instalação). Naturalmente, o repositório final para esse determinado tipo de pessoa seriam instalações cujos proprietários creem que podem seguramente conter a doença, evitando sua dispersão. E o nome comum que as pessoas dariam para essas instalações seria “hospital”. Em uma sociedade livre, estar sob “quarentena” significaria simplesmente que a maioria dos proprietários (de estradas, calçadas, shoppings, hotéis, fábricas, etc.) iria recusar o acesso de pessoas com doenças contagiosas, de modo que estas teriam poucas opções além das instalações que oferecem tratamento.
Em todo caso, a imagem de fugitivos egocêntricos carregando uma doença altamente contagiosa é um pouco irrealista. No mínimo, essas pessoas estariam colocando em risco as vidas de pessoas de suas próprias famílias e/ou de pessoas que amam. Aqueles que possuem uma doença contagiosa são pessoas também, e elas não querem que outras fiquem doentes. Ademais, se elas querem ser tratadas, elas, de um jeito ou de outro, terão de ir a um hospital.
CONCLUSÃO
O livre mercado pode lidar com doenças contagiosas mais eficientemente do que o governo, da mesma forma que se sai melhor que o governo quando a questão é a oferta de computadores, carros e produtos agrícolas. A ideia de que devemos dar ao governo o direito de trancafiar uma pessoa só porque ele a classifica como um risco à saúde pública é algo por si só bastante nauseante.