A tungada do aço e o mercantilismo de sempre

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Charqueadas; Rio Grande do Sul; Brazil 21/Setembro/2005
Inauguracao da expansao da Gerdau Acos Especiais Piratini./ Jorge Gerdau Johannpeter, CEO of Gerdau Group. Gerdau is the largest producer of long steel in the Americas.
Photo Marcos Issa/Argosfoto

Exatamente como o IMB alertou em seu boletim da semana passada, o governo cedeu aos interesses mercantilistas das siderúrgicas nacionais e impôs novas tarifas protecionistassobre a importação de sete tipos de aço.

Produtos como chapas e bobinas a quente, chapas e bobinas a frio, chapas grossas de aço carbono e barras de aços ligados, que tinham alíquota de importação zero, passarão a ter uma nova alíquota de 12%.  Já para as barras de aço ligado o confisco será maior: alíquota de 14%.

A justificativa para tal garfada recai sobre o culpado de sempre: a China.  Segundo a siderurgia nacional, os produtos chineses e seus baixos preços representam uma concorrência desleal para os produtos nacionais.

Porém, tal justificativa é tão bisonha que chega a ser incrível que tenha sido publicada pelos jornais.  Segue um trecho da notícia:

A medida atende ao apelo das siderúrgicas que estão perdendo mercado brasileiro para as importações, ao mesmo tempo em que houve uma retração da demanda interna e externa.  De acordo com uma fonte do governo, a medida visa a proteger a indústria nacional, sobretudo da importação de produtos siderúrgicos da China.

Segundo informação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que ainda não tem os dados por país até maio, as importações brasileiras de ferro e aço da China totalizaram US$ 175,9 milhões de janeiro a abril de 2009, contra US$ 114,4 milhões no mesmo período de 2008.

No mesmo período, as importações gerais desses produtos somaram US$ 831,5 milhões, acima dos US$ 789,82 milhões que entraram no País entre janeiro e abril do ano passado. Por outro lado, as exportações brasileiras caíram drasticamente: passaram de US$ 3,52 bilhões no primeiro quadrimestre do ano passado para US$ 1,99 bilhão no mesmo período de 2009. (Leia mais aqui)

Ou seja: ao mesmo tempo em que o setor exportou quase 2 bilhões de dólares, ele diz que está sofrendo concorrência desleal com importações que totalizam meros 176 milhões de dólares.  Mesmo quando se considera as importações totais desses produtos – isto é, não apenas as importações da China – o saldo comercial ainda é tremendamente positivo (2 bilhões contra 832 milhões).

Outra questão interessante é que, até meados de 2008, dizia-se que o crescimento da China era a força motriz do setor siderúrgico nacional, uma vez que a China demandava intensivamente aço e outros produtos siderúrgicos para sua infraestrutura.  Agora, pretende-se dizer que, em um espaço de menos de seis meses, as coisas mudaram a tal ponto que, um país que até então era freguês, virou um ofertante predador da indústria nacional.  Quanta eficiência!

A verdade é que a produção mundial de aço sofreu uma queda em todo o mundo.  Só nos quatro primeiros meses de 2009, a produção foi 23% menor que no mesmo período de 2008.  Na China, só em abril, houve uma queda de 4% (veja aqui).  Em termos nominais, a produção de aço no Brasil caiu 1,7 milhão de toneladas métricas em abril, enquanto que na China, também em abril, a produção despencou mais de 43 milhões de toneladas métricas.  Portanto, dizer que está havendo ‘concorrência predatória’ quando na verdade o seu concorrente direto está diminuindo sua produção, é, no mínimo, um tripúdio à nossa inteligência.

Podemos também analisar o cenário atual através de um panorama mais amplo, que é o volume de importações de matérias-primas em geral.  A tabela a seguir mostra os valores totais – em milhões de dólares – das importações mensais de matérias-primas, bem como a variação percentual em relação ao mesmo mês do ano anterior.

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Período    
   
Matérias-
Primas
   
   
Valor Var.
  %
2008*
Jan 6 445 53,1
Fev 6 044 62,5
Mar 5 437 13,2
Abr 5 865 42,0
Mai 7 250 46,3
Jun 7 464 59,2
Jul 8 112 53,8
Ago 8 005 36,3
Set 8 295 63,2
Out 8 349 38,1
Nov 6 770 20,4
Dez 5 153 3,7
2009*
Jan 4 877 -24,3
Fev 3 752 -37,9
Mar 4 407 -18,9
Abr 3 820 -34,9
Mai 4 286 -40,9
Fonte:MDIC/Secex

Observe que durante todos os meses de 2008 o volume de importações foi incrivelmente superior aos respectivos meses de 2007.  Entretanto, mesmo com esses expressivos aumentos nas importações (inclusive de aço), nenhuma indústria de base veio reclamar mais protecionismo, embevecidas que estavam com a intensa demanda tanto mundial quanto interna.

Curiosamente a lógica se inverte em 2009.  Durante absolutamente todos os cinco primeiros meses deste ano as quedas nas importações (inclusive de aço) foram abissais, e em nenhum momento as importações apresentaram um valor nominal que sequer chegasse perto do de qualquer mês de 2008.  E é justamente nesse cenário que a siderurgia está reclamando de concorrência desleal.  Ora, que lógica é essa?  Por que a siderurgia não reclamou de concorrência desleal quando as importações estavam em alta, mas passou a espernear justamente quando as importações se tornaram quase insignificantes (em relação ao que eram em 2008)?  Aliás, por que a siderurgia está reclamando de dumping justamente no momento em que a produção mundial de aço está em queda livre?

Resta claro que a justificativa do apelo ao protecionismo por parte das siderúrgicas nacionais está, portanto, em outro lugar.

O problema real é que essas empresas se acostumaram com o crescimento fácil – quase que por inércia – promovido pelo crédito fácil e abundante que varreu todo o mundo entre 2003 e 2008.  A expansão monetária empreendida pelo Fed fez com que os bancos centrais mundiais também tivessem de expandir a base monetária de seus respectivos países – caso contrário o dólar se desvalorizaria e o setor de exportação ficaria prejudicado.  Essa expansão monetária concertada derrubou os juros mundiais e tornou o crédito farto e barato, estimulando a demanda principalmente dos setores que ocupam os estágios iniciais da cadeia de produção – isto é, as indústrias de base, como a siderurgia, a metalurgia, a petroquímica e o setor de extrativismo mineral.

Nesse cenário, as indústrias siderúrgicas apresentaram – como era de se esperar – os melhores resultados de sua história.  Mas agora que chegou o período da correção, com a demanda e os preços em inevitável queda, elas não querem aceitar a realidade.  É como estar em uma festa extremamente animada e receber a notícia de que acabou a cerveja.  Ninguém aceita a nova realidade e passa a exigir providências do dono da festa.

Essa queda na demanda (tanto interna quanto externa) provocou prejuízos, pois as empresas – que aparentemente não contavam com essa reviravolta súbita nos mercados – seguiram mantendo seus planos de investimentos na crença de que a bonança provocada pelo crédito artificialmente barato seria duradoura.  E como se adaptar à nova realidade – isto é, cortar custos e refazer investimentos – é bem mais trabalhoso do que fazer lobby, essas empresas preferem recorrer ao estado para que este suprima a livre concorrência e garanta seus lucros na marra – em detrimento dos consumidores desses produtos.

É de se esperar que a indústria automotiva e a de eletrodomésticos sejam as mais prejudicadas por essa medida protecionista, já que suas matérias-primas foram encarecidas artificialmente pelo governo.  E só mesmo o estado para achar que preços mais altos em época de recessão e desemprego são uma coisa positiva para a economia.

A TEORIA DO PROTECIONISMO

Em termos econômicos, essas tarifas de importação são indistinguíveis de impostos.  Elas nada mais são do que um confisco da propriedade das empresas consumidoras de aço e de seus clientes, uma vez que ambos são obrigados a pagar preços muito maiores do que aqueles que seriam praticados em um livre mercado.  Nesse sentido, tarifas de importação solapam as perspectivas de crescimento econômico.  Se alguém disser que não é bem assim, esse alguém certamente ignora não apenas toda a literatura da área – principalmente Bastiat – como também toda a lamentável história das interferências dos governos no comércio internacional.

O pensamento que origina esse tipo de protecionismo é soviético até a medula, por dois motivos.  Primeiro, porque o governo parte do princípio que a livre concorrência com produtos de fora é um mal a ser extirpado.  Se o concorrente externo é mais eficiente e consegue com êxito ganhar mercado interno, então, por definição, ele está incorrendo em “práticas injustas de comércio”.

Segundo, porque o governo se arroga a sapiência de saber qual o “preço justo” que deve ser praticado no mercado.  Se o preço corrente das importações estiver abaixo desse patamar estipulado pelo governo, então certamente está havendo o “crime” de dumping (ou, como gostam de dizer, “precificação predatória”).  Ou seja: o preço justo não é aquele determinado pelo mercado, mas sim aquele que o governo julga alto o suficiente para facilitar as coisas para a indústria nacional.

Além das raízes soviéticas, essa política também possui seu lado explicitamente fascista: o conluio entre estado e grandes empresas.  Esse arranjo também é conhecido mais simpaticamente como mercantilismo.  Trata-se de um arranjo em que ambos ganham: o estado arrecada mais impostos e, com isso, pode gastar mais para agradar sua base de apoio; as grandes empresas tornam-se capazes de cartelizar o mercado, restringir a produção, aumentar seus preços e descuidar da qualidade de seus produtos.  E quem perde, obviamente, é o consumidor, que agora tem de se virar com produtos ruins e mais caros.

A realidade, portanto, é que o protecionismo subsidia o ineficiente e tende a agravar a ineficiência, não importa se a indústria protegida é infante ou madura.  Tarifas de importação fazem também com que as administrações incompetentes não sejam punidas pelo mercado, que os custos de produção não sejam controlados (o que provoca o desperdício de recursos escassos) e que haja inúmeras concessões aos sindicatos.  O resultado, no longo prazo, será uma indústria perpetuamente não competitiva – como foi a indústria automotiva brasileira até os anos 1990.  Apenas a livre concorrência pode fazer com que uma empresa ou indústria se mantenha permanentemente competitiva – ou quebre.

Quanto à questão do dumping propriamente dito, trata-se apenas de lamúrias daquelas empresas que estão perdendo mercado para a concorrência externa.  Porém, mesmo no caso extremo de algum país estar sendo tolo o suficiente para nos ofertar produtos a preços realmente abaixo de custo, o certo seria que corrêssemos para aproveitar tal oportunidade, antes que os bobos de lá caíssem em si.  Se, por exemplo, a China, por pura extravagância, resolver inundar o mercado brasileiro com aço bom e gratuito, deveríamos, como consumidores, agradecer a barganha e aproveitá-la enquanto possível.  Enquanto não chegar o dia – inevitável – em que as empresas chinesas irão falir e consequentemente cancelar essa política maluca, os ‘compradores’ e consumidores brasileiros só terão a ganhar com essa oferta generosa.  O dumping só prejudica aquele que o pratica; ele sempre beneficia aquele a quem se destina.

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